A Reclamante é Google LLC., Estados Unidos da América, representada por Daniel Advogados, Brasil.
A Reclamada é I. M. da C., Brasil.
Os Nomes de Domínio em Disputa são <tvyoutube.com.br> e <youtubetv.com.br>, os quais estão registrados perante o NIC.BR.
A Reclamação foi apresentada ao Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI (o “Centro”) em 30 de setembro de 2021. Em 1 de outubro de 2021, o Centro transmitiu por e-mail para o NIC.br o pedido de verificação de registro em conexão com os Nomes de Domínio em Disputa. No mesmo dia, o NIC.br transmitiu por e-mail para o Centro a resposta de verificação dos Nomes de Domínio em Disputa, confirmando que a Reclamada é a titular dos registros e fornecendo os respectivos dados de contato.
O Centro verificou que a Reclamação preenche os requisitos formais do Regulamento do Sistema Administrativo de Conflitos de Internet relativos a Nomes de Domínios sob “.br” – denominado SACI-Adm (o “Regulamento”) e das Regras do Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI para o SACI-Adm (as “Regras”).
De acordo com o art. 3 das Regras, o Centro formalizou a notificação da Reclamação e o procedimento administrativo iniciou em 19 de outubro de 2021. De acordo com o art. 7(a) das Regras, a data limite para o envio da defesa findou em 8 de novembro de 2021. O Centro recebeu a Defesa da Reclamada no dia 8 de novembro de 2021.
O Centro nomeou Mario Soerensen Garcia como Especialista em 8 de dezembro de 2021. O Especialista declara que o Painel Administrativo foi devidamente constituído. O Especialista apresentou o Termo de Aceitação e a Declaração de Imparcialidade e Independência, tal como exigido pelo Centro para assegurar o cumprimento dos arts. 4 e 5 das Regras.
Em atenção ao art. 12 do Regulamento, o Painel Administrativo entende não haver necessidade de produção de novas provas para decidir o mérito da disputa e, portanto, passará a analisar, a seguir, as questões pertinentes ao caso.
A Reclamante é Google LLC., empresa sediada na Califórnia, Estados Unidos da América.
A Reclamante detém diversos registros para a marca YOUTUBE, que está diretamente associada à plataforma YouTube, um dos sites mais populares de compartilhamento de vídeos, com mais de 1 bilhão de visualizações por dia em todo o mundo.
Entre os vários registros de marcas de titularidade da Reclamante no Brasil, destacam-se os registros nos. 828592322, na classe 41 e 828592349, na classe 38, ambos depositados em 28 de julho de 2006 e concedidos em 16 de novembro de 2010, para a marca nominativa YOUTUBE.
O Reclamado é Ilton Medeiros da Cruz e os Nomes de Domínio em Disputa foram registrados em 30 de junho de 2014. No momento desta decisão, os Nomes de Domínio estão redirecionando para o website disponível em <telenetbr.com>.
A Reclamante alega que os Nomes de Domínio em Disputa reproduzem integralmente a sua famosa marca YOUTUBE, e foram criados posteriormente aos seus registros junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
A Reclamante informa que o uso que o Reclamado faz dos Nomes de Domínio em Disputa, com reproduções da marca e do logotipo YOUTUBE, gera possibilidade de confusão perante os consumidores, na medida em que estes podem acreditar que existe alguma associação entre a Reclamante e as atividades do Reclamado.
Demonstra a Reclamante, por meio dos vários anexos à presente Reclamação, que desde 9 de abril de 2019 vem tentando resolver o presente tema de forma amigável. De acordo com a Reclamante, o Reclamado respondeu à primeira tentativa de acordo de forma confusa e sem base legal e teria dito que usou pela primeira vez o logotipo YOUTUBE TV em 6 de março de 2014 e que desejaria firmar um acordo comercial com a Reclamante.
A Reclamante esclarece que voltou a contatar o Reclamado para explicar os seus direitos sobre a marca YOUTUBE, os quais precedem o ano de 2014, e o Reclamado mais uma vez apresentou resposta informando que estaria disposto a negociar os Nomes de Domínio em Disputa e que interromperia o uso do logotipo YOUTUBE. Em mais uma troca de cartas, a Reclamante apresenta provas de que o Reclamado estaria disposto a transferir os Nomes de Domínio em Disputa, orientando-o sobre como efetuar tais transferências.
Ademais, explica a Reclamante que o Reclamado não cumpriu com o prometido e acabou enviando cartas diretamente ao CEO da Reclamante buscando reembolso e alegando dificuldades financeiras.
A Reclamante considerou como exauridas as tentativas amigáveis logo após ter oferecido a importância de USD 200,00 (Duzentos Dólares Norte Americanos) pelo cancelamento dos Nomes de Domínio em Disputa, valor que foi rejeitado pelo Reclamado.
A Reclamante conclui que o Reclamado possuía a intenção de relacionar as suas atividades à plataforma YOUTUBE e vender os Nomes de Domínio em Disputa por valor exorbitante, o que comprova que os Nomes de Domínio em Disputa foram registrados e estavam sendo usados em má-fé.
Finalmente, a Reclamante solicita a transferência dos Nomes de Domínio em Disputa.
O Reclamado apresentou resposta em 9 de novembro de 2021 alegando que estaria em situação de vulnerabilidade jurídica e econômica e que teria requerido, na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, habilitação processual frente à presente Reclamação. Em 20 de dezembro, o Reclamado enviou dois e-mails alegando novamente que havia solicitado a assistência da Defensoria Pública.
A Reclamante deve demonstrar que os requisitos do Art. 3 do Regulamento foram atendidos.
De acordo com o Art. 3 do Regulamento, a Reclamante, na abertura do procedimento, deve expor as razões pelas quais o Nome de Domínio em Disputa foi registrado ou está sendo usado de má-fé, de modo a causar prejuízos à Reclamante, cumulado com a comprovação da existência de pelo menos um dos seguintes requisitos abaixo, em relação ao Nome de Domínio em Disputa:
(A) O Nome de Domínio em Disputa é idêntico ou suficientemente similar para criar confusão com um símbolo distintivo da Reclamante, depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI; ou
(B) O Nome de Domínio em Disputa é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade da Reclamante, que ainda não tenha sido depositada ou registrada no Brasil, mas que se caracterize como marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade para os fins do art. 126 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial); ou
(C) O Nome de Domínio em Disputa é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio sobre o qual a Reclamante tenha anterioridade.
No presente caso, a Reclamante descreve que é titular de vários registros da marca YOUTUBE no Brasil há muitos anos, registros esses que precedem o registro dos Nomes de Domínio em Disputa.
Os Nomes de Domínio em Disputa reproduzem integralmente a marca da Reclamante, o que, por si só, já é suficiente para causar confusão. É inegável que a existência dos Nomes de Domínio em Disputa possui grande potencial para gerar confusão e/ou associação com as marcas da Reclamante.
Portanto, os Nomes de Domínio em Disputa são, no entendimento deste Especialista, suficientemente similares para criar confusão com a marca YOUTUBE da Reclamante, conforme o art. 3 do Regulamento e o art. 4(b)(v)(2) das Regras.
O fato de os Nomes de Domínio em Disputa acrescentarem o termo genérico “tv” antes ou depois da marca YOUTUBE não afasta a possibilidade de confusão com a marca da Reclamante, dado que a marca YOUTUBE da Reclamante é plenamente identificável dentro dos Nomes de Domínio (conforme parágrafo 1.8 da Síntese da OMPI sobre decisões dos Painéis da OMPI sobre questões selecionadas da UDRP, terceira edição - “Síntese da OMPI” 3.0). 1
O art. 10(c) do Regulamento prevê que o Reclamado poderá apresentar em sua Defesa todos os motivos pelos quais possui direitos e interesses legítimos sobre o Nome de Domínio em Disputa, devendo anexar todos os documentos que entender convenientes para o julgamento.
O art. 7(b)(i) das Regras traz um rol exemplificativo de circunstâncias que podem demonstrar direitos ou interesses legítimos do reclamado sobre o nome de domínio em disputa:
1) antes de qualquer notificação ao reclamado no conflito, o reclamado utilizou, ou está se preparando para utilizar, o nome de domínio ou um nome correspondente ao nome de domínio em disputa, em conexão com uma oferta de boa fé de produtos ou serviços; ou
2) o reclamado (pessoa física, jurídica, ou outra organização) é comumente conhecido pelo nome correspondente ao nome de domínio em disputa, mesmo que o reclamado não tenha adquirido nenhum direito de marca ou serviço; ou
3) o reclamado está fazendo uso legítimo, não-comercial e justo do nome de domínio, sem intenção de obter lucro desviando enganosamente consumidores ou denegrindo a marca de produto ou serviço em questão.
O Reclamado apresentou uma suposta defesa apenas informando que teria requerido habilitação processual na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, e que ele havia iniciado um processo judicial na Defensoria Pública,
De acordo com o art. 17 (b) das Regras, “no caso de uma ação judicial ter iniciado antes ou durante um procedimento administrativo relativo ao mesmo nome de domínio, será facultado ao Especialista decidir se suspende ou encerra o procedimento administrativo, ou se prossegue até a decisão.
O Reclamado apenas enviou um e-mail declarando que ingressou com um processo judicial sem, no entanto, oferecer maiores explicações e provas a respeito do presente tema. Assim, este Especialista não considera que haja qualquer fundamento para suspender ou encerrar o processo.
Não há evidências de que o Reclamado possua autorização para usar a marca da Reclamante ou para registrar nome de domínio que contenha a marca YOUTUBE, e tampouco que era comumente conhecido pelos Nomes de Domínio em Disputa.
Não há evidências de que o Reclamado estaria fazendo uso legítimo ou leal dos Nomes de Domínio em Disputa ou que, antes de ter sido instaurado o presente procedimento administrativo, estaria utilizando os Nomes de Domínio em Disputa para oferecer, em boa-fé, os seus serviços. Ao contrário, a Reclamação demonstrou que as atividades comerciais do Reclamado utilizam a plataforma YOUTUBE como uma de suas ferramentas, reproduzindo vídeos do YOUTUBE em TVs e outros dispositivos e reproduzindo o logotipo da marca da Reclamante, o que consequentemente gera associação direta, imediata e indevida entre Reclamante e Reclamado.
Portanto, entende este Especialista que foi demonstrada e comprovada a ausência de direitos e interesses legítimos do Reclamado em relação aos Nomes de Domínio em Disputa.
Determina o parágrafo único do art. 3 do Regulamento que, entre outras circunstâncias, constituem indícios de má fé no registro ou na utilização do nome de domínio objeto do procedimento do SACI-Adm:
a) ter o titular registrado o nome de domínio com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo para o reclamante ou para terceiros; ou
b) ter o titular registrado o nome de domínio para impedir que o reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente; ou
c) ter o titular registrado o nome de domínio com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do reclamante; ou
d) ao usar o nome de domínio, o titular intencionalmente tente atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica ou para qualquer outro endereço eletrônico, criando uma situação de provável confusão com o sinal distintivo do reclamante.
Não é crível que o Reclamado desconhecesse a marca reproduzida nos Nomes de Domínio em Disputa. Pelo fato de os serviços do Reclamado utilizar a própria plataforma do YOUTUBE da Reclamante, os Nomes de Domínio em Disputa que consistem em sua marca são o principal meio utilizado pelos usuários para acessar os seus conteúdos. Dessa maneira, a existência dos Nomes de Domínio em Disputa certamente geraria rápida associação aos usuários de Internet. Assim, entende este Especialista que a criação dos Nomes de Domínio em Disputa incorporando integralmente a famosa marca YOUTUBE da Reclamante foi intencional.
Pelos documentos anexados à presente Reclamação, em particular as cartas trocadas entre Reclamante e Reclamado ainda na tentativa de solucionar o caso de forma amistosa, restou demonstrado que o Reclamado carece de direitos ou interesses legítimos em torno dos Nomes de Domínio em Disputa e que os registrou com a clara intenção de obter alguma vantagem financeira.
No entendimento deste Especialista, a intenção do Reclamado de, por meio da reprodução da marca YOUTUBE nos Nomes de Domínio em Disputa, atrair usuários tirando proveito da reputação e da fama da Reclamante, parece certa.
Conclui, assim, que a Reclamante demonstrou a má-fé do Reclamado ao registrar e usar os Nomes de Domínio em Disputa, conforme o art. 3, parágrafo único, do Regulamento, e o 4(b)(v)(1), das Regras.
Pelas razões anteriormente expostas, de acordo com art.1(1) do Regulamento e art.15 das Regras, o Painel Administrativo decide que <tvyoutube.com.br> e <youtubetv.com.br> sejam transferidos para a Reclamante.2
Mario Soerensen Garcia
Especialista
Data: 22 de dezembro de 2021
Local: Rio de Janeiro.
1 Tendo em vista as semelhanças entre o Sistema Administrativo de Conflitos de Internet relativos a Nomes de Domínios sob “.br” (“SACI-Adm”) e a Política Uniforme de Resolução de Disputas de Nomes de Domínio (“UDRP”), o Painel referiu-se à jurisprudência construída a partir de decisões do Centro sob a regência da UDRP e a WIPO Overview of WIPO Panel Views on Selected UDRP Questions, Third Edition, quando apropriado.
2 De acordo com o art. 22 do Regulamento, o NIC.br procederá à implementação desta decisão no décimo quinto dia útil após o recebimento da notificação da decisão. Entretanto, se qualquer das Partes comprovar que ingressou com ação judicial ou processo arbitral no referido intervalo de tempo, o NIC.br não implementará a decisão proferida e aguardará determinação judicial ou do processo arbitral.