Os Reclamantes são Willow Holding, Inc., de New Bern, Carolina do Norte, Estados Unidos da América (“EUA”), e Nicholas Sparks, de Nova Iorque, EUA, representados por Albuquerque Melo Advogados, Brasil.
Os Reclamados são A. S. d. S. e C. Z., de Curitiba, Paraná, Brasil.
O nome de domínio em disputa é <nicholassparks.com.br>, o qual está registrado com o NIC.br.
A Reclamação foi distribuída ao Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI (o “Centro”) em 4 de abril de 2013. Em 5 de abril de 2013, o Centro transmitiu por e-mail para o NIC.br o pedido de verificação de registro em conexão com o nome de domínio em disputa. Na mesma data, o NIC.br transmitiu por e-mail para o Centro a resposta de verificação do nome de domínio em disputa, confirmando que a Reclamada é a titular do registro e fornecendo os respectivos dados de contato.
O Centro verificou que a Reclamação preenche os requisitos formais do Regulamento do Sistema Administrativo de Conflitos de Internet relativos a Nomes de Domínios sob “.br” – denominado SACI-Adm (o “Regulamento”) e das Regras do Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI para o SACI-Adm (as “Regras").
De acordo com o art. 3 das Regras, o Centro formalizou a notificação da Reclamação e o procedimento administrativo iniciou em 11 de abril de 2013. De acordo com o art. 7(a) das Regras, a data limite para o envio da defesa findou em 1 de maio de 2013. A Reclamada não apresentou Defesa. Portanto, no dia 3 de maio de 2013, o Centro decretou a revelia da Reclamada.
O Centro nomeou Rodrigo Azevedo, Luiz Edgard Montaury Pimenta e Wilson Pinheiro Jabur como Especialistas em 23 de maio de 2013. Os Especialistas declaram que o Painel Administrativo foi devidamente constituído. Os Especialistas apresentaram o Termo de Aceitação e a Declaração de Imparcialidade e Independência, tal como exigido pelo Centro para assegurar o cumprimento dos arts. 4 e 5 das Regras.
Em atenção ao art. 12 do Regulamento, este Painel entende não haver necessidade de produção de novas provas para decidir o mérito da disputa e, portanto, passará a analisar, a seguir, as questões pertinentes ao caso.
O Segundo Reclamante é o escritor Nicholas Sparks, autor de diversas obras literárias de sucesso internacional, algumas das quais posteriormente adaptadas para o cinema.
O Primeiro Reclamante é uma empresa norte-americana constituída pelo Segundo Reclamante para gerir a sua carreira e os seus negócios, incluindo o licenciamento e a exploração comercial de suas obras literárias. O Primeiro Reclamante detém, administra e gere todos os ativos intelectuais criados pelo Segundo Reclamante, incluindo o nome de domínio <nicholassparks.com>, registrado originalmente em 28 de outubro de 2001.
A Primeira Reclamada é a titular do nome de domínio em disputa, e o Segundo Reclamado é o seu administrador, de acordo com as informações disponíveis junto à base de dados do Registro.br.
O nome de domínio em disputa foi registrado em 15 de fevereiro de 2012.
O Painel tentou por diversas vezes acessar o nome de domínio em disputada entre 29 de maio de 2013 e 3 de junho de 2013, sem sucesso, eis que não havia qualquer página ativa conectada ao mesmo.
Os Reclamantes alegam que:
a) O Segundo Reclamante é notório escritor norte-americano de romances, com renome internacional –inclusive no Brasil – tendo em vista seus livros best-sellers e as suas exitosas adaptações para o cinema. Seu nome civil (Nicholas Sparks) se confunde com seu nome artístico, o qual é notoriamente conhecido e desempenha função de sinal distintivo no mercado literário e audiovisual.
b) O Primeiro Reclamante, na gestão dos ativos intangíveis do Segundo Reclamante, registrou, dentre outros, o nome de domínio <nicholassparks.com>, ainda em 2001, mediante o qual é oficialmente promovida a obra e a carreira do escritor.
c) O nome de domínio em disputa reproduz o notório nome artístico e civil do Segundo Reclamante, bem como o nome de domínio anterior <nicholassparks.com>, registrado em nome do Primeiro Reclamante.
d) Os Reclamados não podem alegar desconhecimento acerca do Segundo Reclamante. Quando notificados extrajudicialmente, os Reclamados requereram R$ 2.500,00 para liberarem o nome de domínio em disputa, o que configura estratégia usual de cybersquatters, no sentido de postular valor muito inferior ao montante que seria despendido num procedimento perante o SACI ou numa ação judicial. Os Reclamados não possuem qualquer direito ou interesse legítimo sobre o nome de domínio em disputa. O conteúdo da página conectada ao nome de domínio em disputa (loja virtual que comercializa as obras literárias do Segundo Reclamante) comprova a ciência dos Reclamados acerca do Segundo Reclamante, bem como configura aproveitamento parasitário de sua notoriedade. O registro do nome de domínio em disputa foi realizado com a intenção de vendê-lo aos Reclamantes e de impedir que estes o utilizassem, prejudicando, assim, a sua atividade comercial.
Os Reclamados não responderam ao presente procedimento.
O Painel acolhe a consolidação deste procedimento contendo dois reclamantes tendo em vista a comprovada comunhão de interesses no nome de domínio em disputa.
Isso porque, de um lado, o Primeiro Reclamante detém e administra os ativos intelectuais do Segundo Reclamante, entre os quais o nome de domínio <nicholassparks.com>, e, de outro, o Segundo Reclamante possui o nome civil e artístico “Nicholas Sparks”.
O Painel igualmente acolhe a consolidação deste procedimento para a Primeira Reclamada e o Segundo Reclamado, os quais configuram, respectivamente, a titular e o contato administrativo do nome de domínio em disputa, de acordo com a base de dados do Registro.br.
Em regra, apenas o titular do nome de domínio em disputa é parte passiva legítima para um procedimento perante o SACI-Adm, nos termos do §2o do art. 1o do Regulamento. Todavia, no presente caso, conforme comprovaram as manifestações enviada aos Reclamantes quando das notificações formuladas extrajudicialmente, o Segundo Reclamado deliberadamente colocou-se na condição de efetivo titular do nome de domínio em disputa, inclusive formulando pedido de compensação financeira pela sua transferência, o que o faz parte legítima para responder a este procedimento.
De acordo com o art. 3 do Regulamento, o reclamante, na abertura de procedimento do SACI-Adm, deve expor as razões pelas quais o nome de domínio foi registrado ou está sendo usado de má fé, de modo a causar prejuízos ao reclamante, cumulado com a comprovação de existência de pelo menos um dos seguintes requisitos, em relação ao nome de domínio objeto do conflito:
a) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do reclamante, depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI; ou
b) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do reclamante, que ainda não tenha sido depositada ou registrada no Brasil, mas que se caracterize como marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade para os fins do art. 126 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial); ou
c) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio sobre o qual o reclamante tenha anterioridade.
No presente caso, o nome de domínio em disputa é similar o suficiente para criar confusão com o nome civil e com o nome artístico do Segundo Reclamante, bem como com nome de domínio sobre o qual o Primeiro Reclamante detém anterioridade.
Assim, o nome civil e o nome artístico do Segundo Reclamante, “Nicholas Sparks”, está incorporado no nome de domínio em disputa, o qual contém como único elemento adicional a terminação “.com.br”, a qual, evidentemente, não é o elemento distintivo dessa composição1.
Também, é inegável a similitude passível de confusão entre o nome de domínio em disputa e o nome de domínio <nicholassparks.com>, de titularidade do Primeiro Reclamante, e registrado há mais de uma década. Nesse caso, a diferença resume-se à adição do ccTLD “.br”, o qual igualmente não tem força distintiva suficiente para afastar a possibilidade de confusão2.
Decisões anteriores já suficientemente demonstraram que a mera adoção de uma diversa terminação de nível superior evidentemente não é suficiente para afastar a alegação de similitude passível de causar confusão com sinais distintivos anteriores, focada nos elementos distintivos do nome de domínio. Sobre este tema, ver Rhodia Services v. Emerson Fortunato Maia, Caso OMPI No. DBR2011-0001.
Assim, resta atendido o requisito da alínea c) do art. 3 do Regulamento.
De outro lado, de acordo com o Regulamento, não basta, para a procedência de um pedido de transferência de nome de domínio, a comprovação dos requisitos presentes nas alíneas a), b) ou c) acima. Faz-se necessário, também, demonstrar que o registro ou o uso do nome de domínio tenha se dado de má fé.
O parágrafo único do art. 3 do Regulamento apresenta exemplos de circunstâncias que configuram indícios de má fé na utilização de um nome de domínio objeto do procedimento do SACI-Adm:
a) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo para o Reclamante ou para terceiros; ou
b) ter o Titular registrado o nome de domínio para impedir que o Reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente; ou
c) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do Reclamante; ou
d) ao usar o nome de domínio, o Titular intencionalmente tente atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica ou para qualquer outro endereço eletrônico, criando uma situação de provável confusão com o sinal distintivo do Reclamante.
As hipóteses previstas no parágrafo único do art. 3 do Regulamento são meramente exemplificativas, ressalte-se, não obstando que seja identificada má fé no uso do nome de domínio em disputa a partir de outros elementos de convencimento do Painel.
No presente caso, há diversas evidências que demonstram a ocorrência, pelo menos, de registro do nome de domínio em disputa - com má fé - visando a intencionalmente tentar atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica, criando uma situação de provável confusão com o nome civil, o nome artístico e nome de domínio anterior dos Reclamantes (item d) acima).
O Painel não tem dúvidas de que o nome “Nicholas Sparks” está diretamente associado ao Segundo Reclamante e a suas atividades como escritor. Uma busca pela expressão “nicholas sparks” – mesmo na versão brasileira do Google – indica nas primeiras páginas unicamente resultados relacionados ao Segundo Reclamante.
Além disso, conforme comprovado pelos Reclamantes, o nome de domínio em disputa vinha sendo utilizado pelos Reclamados para promover website contendo informações sobre o Segundo Reclamante, juntamente com livraria virtual que comercializava suas obras e recebia anúncios publicitários. Ou seja, inegável a intenção de lucro.
É evidente que o nome de domínio em disputa não foi registrado de forma aleatória, nem foi fruto de coincidência entre o sinal distintivo dos Reclamantes e outros nomes civis, artísticos ou direitos intelectuais legítimos. Ao contrário, fica claro que essa expressão foi adotada justamente visando a atrair a clientela – e os admiradores – do Segundo Reclamante.
Ou seja, o nome de domínio adotado pelos Reclamados, associado ao conteúdo outrora publicado, facilmente levaria os usuários de Internet a concluírem se tratar da versão brasileira do website oficial do Segundo Reclamante, Nicholas Sparks, em inglês, disponível em <nicholassparks.com>.
Adicionalmente, as respostas do Segundo Reclamado às notificações extrajudiciais remetidas pelos Reclamantes não deixam dúvidas acerca do caráter comercial (visando lucro) da exploração, pelos Reclamados, do nome de domínio em disputa, o qual inclusive estaria “produzindo cada vez mais resultados”. Some-se a isso o fato de o Segundo Reclamado ter solicitado o montante de R$ 2.500,00 a título de transferência do nome de domínio em disputa aos Reclamantes.
Os Reclamados, de outro lado, não apresentaram defesa e não demonstraram, portanto, possuir quaisquer direitos ou interesses legítimos com relação ao nome de domínio em disputa, o que seria de mister.
Destarte, uma vez que os Reclamados não responderam ao procedimento, limitando-se a retirar do ar o website outrora conectado ao nome de domínio em disputa, este Painel conclui que os fatos e alegações das Reclamantes, somados ao conjunto probatório transmitido, constituem comprovação suficiente de sua pretensão.
Ou seja, estão atendidos, pelo menos, os requisitos dos itens a) e d) do parágrafo único do art. 3 do Regulamento.
Note-se que nem mesmo a atual ausência de quaisquer conteúdos ou páginas ativamente ligadas ao nome de domínio em disputa auxilia aos Reclamados.
Decisões anteriores proferidas em procedimentos no âmbito da Política Uniforme de Resolução de Disputas relativas a Nome de Domínio (“UDRP”) indicam que a posse passiva de um nome domínio (passive holding) pode caracterizar a má fé, desde que acompanhada de outros elementos ou padrões de conduta que legitimem essa conclusão (ver WorldwidePants Inc. v. VisionLink Communications Group, Inc., Caso OMPI No. D2008-1796 e Rhodia Services v. Emerson Fortunato Maia, Caso OMPI No. DBR2011-0001). Apesar de existirem relevantes diferenças entre o UDRP e o SACI-Adm, o que recomenda cautela na adoção de precedentes de um sistema no outro, ambos demandam a caracterização de má fé (no caso do UDRP, no registro e no uso do nome de domínio; e, no SACI-Adm, no registro ou no uso do nome de domínio), pelo o que este Painel referenda o direcionamento dado naquele sistema para situações como a presente.
Pelas razões anteriormente expostas, de acordo com art. 1(1) do Regulamento e art. 15 das Regras, o Painel Administrativo decide que o nome de domínio em disputa <nicholassparks.com.br> seja transferido para o Primeiro Reclamante3.
Rodrigo Azevedo
Especialista Presidente
Luiz Edgard Montaury Pimenta
Especialista
Wilson Pinheiro Jabur
Especialista
Data: 3 de junho de 2013
Local: São Paulo, Brasil
1 O Painel nota que a alínea c) do art. 3 do Regulamento não delimita o alcance e os limites territoriais de proteção a nome civil e nome artístico. Portanto, o Painel adota uma interpretação literal da redação contida na alínea c).
2 O Painel também nota que a alínea c) do art. 3 do Regulamento estende a proteção a nome de domínio sobre o qual a reclamante tenha anterioridade. Entretanto tal qual exposto na nota de rodapé n. 1, não há clareza quanto à extensão e limites da proteção, o que permite ao Painel adotar uma interpretação literal da redação contida na alínea c).
3 De acordo com o art. 22 do Regulamento, o NIC.br procederá à implementação da decisão acima no décimo quinto dia útil após o recebimento da notificação da decisão. Entretanto, se qualquer das Partes comprovar que ingressou com ação judicial ou processo arbitral no referido intervalo de tempo, o NIC.br não implementará a decisão proferida e aguardará determinação judicial ou do processo arbitral.