Qualidade da água e desigualdades
Philip Davies, Professor de Tecnologia da Água, Faculdade de Engenharia da Universidade de Birmingham, Reino Unido
Cerca de meio bilhão de pessoas sofrem atualmente de grave escassez de água durante todo o ano, e 1,8 a 2,9 bilhões de pessoas enfrentam grave escassez de água durante vários meses ao ano. Daqui a 2025, metade da população mundial estará vivendo em áreas que sofrem de estresse hídrico.
Em termos de qualidade, os recursos hídricos do mundo são distribuídos de forma inconveniente. A maior parte da água (97,5%) fica nos oceanos, e é demasiado salgada para beber. As águas superficiais de boa qualidade constituem menos de meio por cento dos recursos hídricos do mundo. Entre esses dois extremos, existem outras fontes de água, como as águas subterrâneas, que, em muitos locais, são demasiadamente salinas para serem consumidas sem tratamento, e os fluxos de resíduos industriais, que podem conter uma ampla gama de poluentes naturais e artificiais.
As áreas mais vulneráveis ao estresse hídrico são aquelas em que a demanda de água potável e irrigação excede a reposição natural das chuvas. Estas incluem regiões desérticas (aproximadamente entre as latitudes de 15 e 45 graus), especialmente no hemisfério norte. Os países dessas regiões têm diferentes capacidades para construir infraestrutura como barragens, dutos e unidades de dessalinização.
Como é necessária muito mais água para a agricultura do que para o consumo direto, a capacidade econômica para importar alimentos também é um fator importante. Atualmente, países como o Kuwait ou o Catar, que praticamente não dispõem de água natural renovável, contornam este problema através da dessalinização da água para beber e da importação de alimentos. Por outro lado, países como a Somália e o Iêmen, que têm economias fracas e paisagens políticas desafiadoras, enfrentam uma grave escassez de água e sofrem com a falta catastrófica de água. Em termos de previsões, os focos de crescente escassez de água incluem o Egito, o Paquistão, a Índia e o Norte e o Noroeste da China.
Dessalinizadoras costeiras
As civilizações tendem a evoluir ao longo dos litorais. Isto significa que a dessalinização da água do mar é uma opção atraente para aumentar o abastecimento de água a uma grande proporção da população mundial em situação de estresse hídrico. Entretanto, a construção de estações de dessalinização custa caro e, até recentemente, utilizava até três vezes mais energia do que os processos tradicionais de tratamento de água. Isto significa que, na prática, os maiores usuários de dessalinização de água do mar eram países ricos em combustíveis fósseis na região do Golfo.
Essas dessalinizadoras removem o sal da água salina através de um processo chamado osmose reversa, que utiliza a pressão para forçar a água através de uma membrana semipermeável que permite a passagem de moléculas de água e íons, mas não das moléculas maiores de sal. Graças a desenvolvimentos inovadores, a qualidade dessas membranas tem melhorado gradualmente, aumentando a produção de água doce. Como consequência, a capacidade das unidades de dessalinização se multiplicou, com unidades individuais produzindo agora quase 1 milhão de metros cúbicos de água doce por dia.
Este e outros refinamentos na tecnologia utilizada nas unidades de dessalinização reduziram quase pela metade o consumo de energia na dessalinização da água do mar nos últimos 20 anos, tornando-a muito mais acessível. Esta tendência vai continuar até certo ponto, mas há um limite inferior para a quantidade de energia que a dessalinização da água do mar consome que não pode ser melhorada: Na melhor das hipóteses, o consumo de energia poderia ser reduzido pela metade do nível de consumo atual.
Qual é a solução para as populações de regiões distantes do litoral?
Há muitas populações de regiões distantes do litoral, incluindo grande parte da China, da Índia e dos Estados Unidos, para as quais o transporte de água do mar dessalinizada pode não ser prático ou acessível. As pessoas nessas áreas muitas vezes dependem de águas subterrâneas de baixa qualidade.
Minha própria pesquisa no Noroeste da Índia fez-me tomar consciência desta situação. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, 64% da agricultura depende de águas subterrâneas. As pesquisas sobre águas subterrâneas mostram que cerca da metade da área de terra da Índia está acima de aquíferos que são demasiadamente salgados para atender aos padrões normais de água potável.
No entanto, esta água subterrânea é normalmente muito menos salgada que a água do mar, de maneira que, em teoria, a energia usada para dessalinizá-la poderia ser reduzida. Isto deixa espaço para soluções inventivas com vista a diminuir o custo da dessalinização das águas subterrâneas, tornando-a assim mais acessível às populações economicamente desfavorecidas.
Nossa tecnologia
Na Universidade de Birmingham, desenvolvemos uma tecnologia que visa principalmente o tratamento de águas subterrâneas. Um desafio particular no tratamento de águas subterrâneas é a disposição da salmoura residual. Nossa tecnologia é de "alta recuperação", o que significa que a fração máxima da água subterrânea é transformada em água doce com níveis mínimos de salmoura residual. Isto é difícil de ser obtido porque o aumento da recuperação vai contra a diminuição do uso de energia.
Começamos modelando o uso de energia dos sistemas de osmose reversa existentes e projetando um sistema que tem como objetivo específico a economia de energia. Oferecemos uma solução de dessalinização que pode funcionar "fora da rede" e é alimentada por energias renováveis.
O "orçamento de energia" em sistemas de osmose reversa (RO) é definido pelas leis da termodinâmica: À medida que a pressão na água de alimentação sobe, o volume diminui (a uma temperatura padrão). A parte crítica da equação é a energia utilizada para manter a água salinizada sob pressão. Esta energia tem de ser fornecida por uma bomba de alta pressão, que é a parte ávida de energia de um sistema de dessalinização. Nosso sistema só precisa utilizar pressões ligeiramente acima das definidas pela termodinâmica, ao passo que os sistemas convencionais utilizam várias vezes mais.
Desde o início, nós nos desafiamos a projetar um sistema que pudesse ser construído inteiramente a partir de componentes existentes. Optamos por um projeto de "ciclo selado" que recicla o concentrado salino para manter a pressão ao mínimo. Fundamentalmente, nosso projeto utiliza um arranjo de válvulas que impede a mistura do concentrado reciclado com a água de alimentação, o que comprometeria a eficiência e aumentaria o consumo de energia.
Este novo arranjo de válvulas também nos permitiu substituir os estágios separados de purga e recarga por um único estágio combinado de "purga-recarga" que enxágua o sistema em alta velocidade e retira os depósitos da membrana. Este único estágio também minimiza o tempo de parada e aumenta a saída do sistema.
Chamamos o sistema de "RO de ciclo selado", para distingui-lo dos sistemas anteriores de osmose reversa. Em comparação com os sistemas existentes, nossa abordagem deve gerar economias de energia entre 33% e 66%, a uma taxa de recuperação de 80%.
Mas, as vantagens do nosso sistema de osmose reversa em ciclo fechado não param por aí. A sua concepção abre o caminho para o uso de membranas de baixa pressão, que trabalham com pressões de bombeamento mais baixas. Esperamos que essas membranas tenham uma vida útil mais longa, o que reduzirá os custos de manutenção. Sua operação de lavagem também significa que o sistema é limpado automaticamente, o que significa que pode ser operado em locais remotos por pessoal não técnico.
Por que patentear?
Construímos o sistema a partir de componentes prontamente disponíveis, fora da prateleira. Entretanto, estamos abertos a todos os modelos de comercialização, incluindo a empresa social, e optamos por seguir o caminho do patenteamento, a fim de manter nossas opções abertas. Estamos buscando proteger nossa tecnologia em múltiplos mercados através do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT).
Temos um projeto em andamento no Vale do Jordão, que é um bom campo de testes para a nossa tecnologia. O Vale do Jordão é um beco sem saída hidrológico, portanto não é de se estranhar que se acumule sal, tornando a Bacia do Rio Jordão uma área problemática em termos de gestão da água para a agricultura.
O esgotamento das águas subterrâneas nessa região do mundo é uma preocupação transnacional. Os acordos internacionais limitam o acesso à água subterrânea para os palestinos que vivem na Cisjordânia, e a má gestão tem levado ao excesso de bombeamento, com recordes de salinidade da água levando a mudanças nos padrões de cultivo. As culturas de rendimento intolerantes à salinidade foram substituídas por palmeiras Medjool, que exigem grandes quantidades de água e podem fazer com que o abastecimento de água subterrânea se esgote em cinco anos.
O projeto é uma continuação do trabalho anterior com alunos do Instituto Arava em Israel, que ajudaram a construir nosso protótipo de tecnologia. Agora estamos retornando à região para construir e testar uma versão em escala do nosso sistema. Os componentes estão sendo adquiridos agora mesmo por nossos parceiros em Ramallah e a construção está prevista para começar ainda este ano.
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