A palavra escrita ainda pode mudar o mundo
Michiel Kolman*, Vice-President Sênior, Relações com a Indústria da Informação; Embaixador Acadêmico, Elsevier
*Michiel Kolman também é Enviado Presidencial para a Diversidade e a Inclusão na Associação Internacional de Editores, membro do Conselho de Administração do Accessible Books Consortium e do Workplace Pride.
A palavra escrita em sua forma mais básica permite uma transferência de conhecimento das ideias de um autor diretamente para os corações e mentes dos leitores em todo o mundo. Durante séculos, transformou nossa sociedade e, em 2020, precisamos mais do que nunca da palavra escrita – e dos editores.
A indústria editorial, encarregada de orientar o discurso público sobre temas que vão da mudança climática à saúde mental, está impulsionando a mudança. As editoras são agentes de mudanças e há boas razões para que ainda precisemos delas no mundo moderno.
Agentes de mudança
A indústria editorial está na linha de frente dos esforços para promover a diversidade e a inclusão. Em meu papel como Enviado Presidencial para a Diversidade e Inclusão para a Associação Internacional de Editores (IPA), vejo que a indústria editorial está adotando cada vez mais esses ideais. E isto é muito bom. É justo que todos na publicação se sintam bem-vindos e incluídos.
A PublishHER, iniciativa liderada pela indústria, chefiada pela Vice-Presidente da IPA, Bodour Al Qasimi, sendo ela própria uma força motriz para o desenvolvimento da publicação no mundo árabe, é um exemplo notável do que a indústria está fazendo para promover a igualdade de gênero. A PublishHER é uma conclamação para a ação por parte das principais editoras femininas, com vista a combater os profundos desequilíbrios de gênero no setor e a impulsionar uma agenda internacional de mudanças.
Os editores são agentes de mudança e há boas razões pelas quais ainda precisamos deles no mundo moderno.
Mas, além de ser a coisa certa a fazer, há também um claro argumento comercial para apoiar a diversidade e a inclusão. As empresas que adotam a diversidade e buscam a inclusão têm um desempenho financeiro significativamente melhor. Aquelas lideradas por equipes executivas que não refletem a diversidade das sociedades atuais, com respeito ao gênero ou à etnia, por exemplo, ficam submetidas a uma penalidade, em termos de mau desempenho econômico.
Dados da Global North mostram que a indústria editorial tem feito grandes progressos na diversidade de gênero. Por exemplo, os dados da Associação de Editores do Reino Unido sobre a Força de Trabalho Editorial mostram que um número maior de mulheres do que de homens trabalham na área da publicação. Mas o que é ainda mais importante é que esses dados mostram que as mulheres ocupam 54% dos cargos de chefia e de executivos sêniores no setor. Mais desafiadora é a situação em torno da etnia, uma área em que tem sido difícil atrair e reter pessoal pertencente a minorias étnicas.
No Sul Global, dados concretos não se encontram facilmente disponíveis, mas evidências anedóticas mostram repetidamente que muitas mulheres, como a editora infantil marroquina Amina Hachimi Alaoui, estão começando a lançar suas próprias empresas editoriais. As editoras menores e mais novas, em particular, têm-se mostrado mais inovadoras e dispostas a desafiar o status quo, publicando trabalhos que se situam além do plano convencional e que fornecem uma plataforma para novas vozes no mundo da literatura e da cultura. Cada vez mais essas vozes são femininas, oferecendo uma grande ilustração de como a diversidade e a inclusão servem à mudança social e cultural.
Os editores também estão adotando cada vez mais a diversidade e a inclusão em relação ao que publicamos. As editoras de livros infantis têm criado histórias em que as famílias nem sempre são tradicionais, mas nas quais as crianças podem adotar a sua própria identidade num mundo mais colorido e voltado para o futuro. Há grandes exemplos de livros infantis que retratam uma variedade de configurações familiares. Também celebram as crianças encarnando seu verdadeiro eu, mesmo que este não seja o papel típico do gênero, conforme determinado pelo seu sexo biológico. A tendência de expressão da autoidentidade nos livros infantis é bem ilustrada por Julian é uma Sereia, que teve enorme sucesso na Feira do Livro Infantil de Bolonha, em 2019. Mais recentemente, a editora sueca Olika fez um esforço para a igualdade de gênero com seus livros sobre as principais estrelas do futebol feminino da Suécia.
O Clube do Livro sobre Desenvolvimento Sustentável
Também na área dos livros infantis, as editoras têm traçado o futuro das crianças em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A IPA orgulha-se de ter lançado com as Nações Unidas, e com o apoio de muitos outros atores do ecossistema do livro, o Clube do Livro do Desenvolvimento Sustentável.
Ao longo de 17 meses anunciamos recomendações mensais de livros para cada um dos 17 ODS em todas as línguas oficiais da ONU (árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol). São livros para crianças entre 6 e 12 anos de idade em torno dos temas dos ODS. Assim, um menino no Peru pode ler livros sobre igualdade de gênero (ODS 5) em espanhol e uma menina na China pode ler livros ligados à água potável e saneamento (ODS 6) em chinês.
Tenho de admitir que tenho um certo orgulho por esta iniciativa ter sido lançada durante minha presidência da IPA. É uma perfeita demonstração de que as editoras são agentes de mudança e estão investindo ativamente na próxima geração.
O Consórcio de Livros Acessíveis
As editoras também estão na linha de frente dos esforços com vista à expansão do número de livros disponíveis nos formatos exigidos pelas centenas de milhões de pessoas cegas ou deficientes visuais em todo o mundo, através de sua participação ativa no Consórcio de Livros Acessíveis (ABC). No outono de 2019, a Hachette Livre tornou-se o 100º signatário da Carta do ABC, selando seu compromisso de tornar seus produtos totalmente acessíveis a todos os usuários.
O ABC é uma parceria público-privado dirigida pela OMPI que reúne os principais intervenientes, entre os quais as editoras, com o objetivo de aumentar o número de livros no mundo inteiro em formatos acessíveis, como braille, áudio e letras graúdas, e de os disponibilizar para pessoas que tenham dificuldades em ler material impresso.
Inovação na publicação
Os editores sempre adotaram a inovação e continuam a fazê-lo. Constatamos isto atualmente, pela maneira como as editoras científicas, técnicas e médicas (CTM) estão utilizando cada vez mais a tecnologia blockchain e a inteligência artificial (IA) em suas operações. A Springer Nature, por exemplo, compilou e publicou um protótipo inovador de livro que utiliza um algoritmo de aprendizado de máquina desenvolvido em colaboração com o Laboratório de Linguística Computacional Aplicada da Universidade Goethe na Alemanha. E na Elsevier, estamos usando a IA para extrair as informações relevantes para um médico na sala de emergência, por exemplo.
Na verdade, enquanto se baseiam no conteúdo de alta qualidade que publicam há décadas, se não mais, muitas editoras estão agora se transformando em grandes empresas de Big Data, desenvolvendo análises que, em combinação com seu conteúdo, podem ajudar os profissionais médicos a tomarem decisões mais rápidas, e podem apoiar os cientistas no aprimoramento de suas capacidades de pesquisa.
Estamos agora em uma época notável, em que a maioria das principais editoras CTM são dirigidas por mulheres, uma situação considerada inimaginável há apenas alguns anos. Com exceção da Wolters Kluwer, o vasto número de editoras científicas tem sido dirigido por CEOs do gênero masculino, o que deixou de ocorrer nos dias de hoje!
Os editores também são agentes de mudança em sua luta pela liberdade de publicar, que é um dos dois pilares centrais da IPA. Lutamos contra a censura e lutamos ao lado de nossos colegas editores quando são atacados em virtude do que publicam. É nossa responsabilidade e dever como editores apoiar a liberdade de publicar onde e quando pudermos.
Finalmente, os editores também estão adotando mudanças no que diz respeito aos direitos autorais – o segundo pilar central da IPA. Os direitos autorais precisam ser atualizados e trazidos para a era digital. Dito isto, deve ser reconhecido que são os direitos autorais que têm permitido a inovação na indústria editorial. E também deve ser reconhecido que foram os direitos autorais que asseguraram o ecossistema no qual as editoras científicas podem fornecer informações confiáveis nas áreas de saúde e pesquisa. Sempre importante, mas especialmente agora durante a pandemia de Corona, quando é mais crucial do que nunca ter informações confiáveis nas quais as políticas públicas possam se basear. Nestes tempos, é a confiabilidade da informação, assegurada pela estrutura de direitos autorais, que pode literalmente fazer a diferença entre políticas globais e nacionais que são eficazes e aquelas que não estão à altura. Informações confiáveis alimentadas por direitos autorais podem significar literalmente a diferença entre a vida e a morte. Portanto, hoje, o papel dos editores na garantia de conteúdo confiável é ainda mais importante do que nunca.
Uma estrutura robusta de direitos autorais é essencial para apoiar um ecossistema editorial no qual a diversidade pode florescer. Um ecossistema em que as editoras do Sul Global podem ingressar no mercado e publicar obras novas, inovadoras e, às vezes, até mesmo controversas, literárias. Um ecossistema que permite que a poesia de Portugal seja publicada paralelamente à ficção da Finlândia, celebrando a diversidade de temas, assuntos, autores e leitores, livros que podem não ser best-sellers, mas que devem ser publicados por razões que vão além do interesse econômico, e livros que podem ser controversos e sujeitos à censura em alguns países, mas que são exemplos principais das razões pelas quais lutamos pela liberdade de publicar. É por isso que uma estrutura robusta de direitos autorais anda de mãos dadas com inovação, diversidade, inclusão e liberdade de publicar.
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