A invenção das baterias recarregáveis: Entrevista com o Dr. Akira Yoshino, Prêmio Nobel de 2019
Tomoki Sawai, Escritório da OMPI no Japão
Em 2019, o Dr. Akira Yoshino, o Dr. Stanley Whittingham e o Dr. John Goodenough receberam o Prêmio Nobel de Química por seu trabalho seminal no avanço do desenvolvimento de baterias de íon de lítio, sistemas de energia em miniatura dos quais dependemos para alimentar nossos dispositivos móveis. Essas baterias recarregáveis leves alimentaram o boom da eletrônica móvel e já estão gerando dividendos ambientais, permitindo o desenvolvimento de veículos elétricos de longo alcance e o armazenamento eficiente de energia a partir de fontes renováveis.
Dr. Yoshino inventou e patenteou a primeira bateria de íon de lítio do mundo e desde então tem trabalhado continuamente para melhorar a tecnologia. Garantiu mais de 60 patentes em tecnologia de bateria de íon de lítio durante sua carreira. O Dr. Yoshino fala sobre os desafios que superou no desenvolvimento de baterias de íon de lítio e o papel que o uso estratégico dos direitos de patentes tem desempenhado na construção de um mercado global em expansão para eles.
O que o motivou a se dedicar à química?
Sempre me interessei pelo mundo natural. E quando estava na escola primária, um dos meus professores sugeriu que eu lesse A História Química de uma Vela, de Michael Faraday. Isso despertou em mim uma grande quantidade de perguntas. Até então, não estivera interessado em química. Foi assim que tudo começou. Fui, então, estudar química orgânica quântica na Universidade de Quioto.
E como foi levado a trabalhar com baterias de íon de lítio?
No início da década de 1970, entrei para a Equipe de Pesquisa Exploratória da Asahi Kasei Corporation para explorar novos materiais de uso geral. Os projetos em que trabalhei inicialmente não se tornaram realidade, razão pela qual estava à procura de um novo enfoque de pesquisa. Na época, havia um grande interesse pelo poliacetileno, um fascinante polímero eletrocondutor cuja importância tinha sido prevista pelo Dr. Kenichi Fukui, o primeiro Prêmio Nobel do Japão, e descoberto pelo Dr. Hideki Shirakawa, que recebeu o Prêmio Nobel de Química de 2000.
No início, explorei aplicações práticas para poliacetileno. Mas na época, a indústria eletrônica do Japão estava procurando uma nova bateria recarregável leve e compacta para alimentar os dispositivos móveis que estavam desenvolvendo. Muitos pesquisadores estavam trabalhando nisso, mas os materiais de ânodo existentes eram instáveis e suscitavam sérias preocupações em matéria de segurança: Um novo material de ânodo era necessário. Minha pesquisa sobre poliacetileno sugeriu que poderia ser usado como um material de ânodo (porque cátions semelhantes a lítio se movem para dentro e para fora dele). Então, comecei a experimentar e funcionou.
Minha pesquisa básica sobre baterias de íon de lítio começou em 1981, ano em que o Professor Fukui ganhou o Prêmio Nobel de Química. Curiosamente, a investigação sobre baterias de íons de lítio tem sido apoiada por oito laureados com o Prêmio Nobel, o que dá uma indicação de quão desafiador tem sido o seu desenvolvimento.
Em 1983, eu tinha desenvolvido um novo tipo de bateria recarregável, usando uma combinação de poliacetileno para o ânodo e óxido de cobalto de lítio para o cátodo. O Dr. John Goodenough, um dos meus colegas laureados, identificou o óxido de cobalto de lítio, o primeiro material catódico a conter íons de lítio, em 1980.
Como sua pesquisa evoluiu após essa descoberta?
Tudo correu bem durante um certo tempo. O protótipo era um terço mais leve do que uma bateria de níquel-cádmio padrão, o que era bom, mas só obtivemos uma pequena redução de peso e não conseguimos reduzir o tamanho da bateria. Isso comprometeu todo o empreendimento, porque a miniaturização era uma prioridade para a indústria eletrônica.
O problema era a pequena densidade relativa de poliacetileno, que produzia uma bateria leve, mas volumosa, que era demasiadamente grande para ser prática. Começamos a procurar um material de maior densidade com propriedades semelhantes ao poliacetileno. A ideia era usar um material de carbono (tem uma densidade relativa de cerca de 2,2 e é feito das mesmas ligações duplas conjugadas como o poliacetileno). Mas não existia material de carbono adequado, o que foi muito decepcionante.
As baterias de íon de lítio tornaram a atual sociedade de TI móvel uma realidade. E no futuro, desempenharão um papel central na construção de uma sociedade sustentável.
A resposta veio, porém, de dentro da Asahi Kasei. Uma outra equipe de pesquisa desenvolveu um novo material de carbono com uma estrutura cristalina distinta, conhecido como Fibra de Carbono Cultivada em Fase de Vapor (VGCF), que o tornou um bom substituto para o poliacetileno. Consegui obter uma amostra do material e, como esperado, quando o usamos para fazer o ânodo, criamos uma bateria leve e compacta.
Como o senhor ficou sabendo da importância da miniaturização?
Como não éramos especialistas em baterias na Asahi Kasei, as discussões internas sobre o que a indústria precisava não levaram a lugar algum. E é claro, você não pode simplesmente dirigir-se a um fabricante de baterias e esperar que ele compartilhe com você sua pesquisa confidencial de estágio inicial. Mas fiquei conhecendo um ex-colega de aula do diretor executivo da Asahi Kasei que era diretor da empresa de baterias e ele destacou a importância da miniaturização: Os fabricantes de smartphones precisavam de baterias que pudessem caber em encaixes estreitos.
Para mim, isso destaca o quão importante é para pessoas de diferentes áreas o fato de se reunir para discutir e trocar ideias. Essa colaboração é extremamente importante para promover o desenvolvimento tecnológico, bem como a ampla circulação e aceitação de novas tecnologias.
O enfoque geral da Asahi Kasei Corporation na ciência dos materiais foi vantajoso para o desenvolvimento de baterias de íon de lítio?
O plano inicial era desenvolver novos materiais à base de poliacetileno, mas à medida que a pesquisa progredia, percebemos que vários novos materiais eram necessários para a indústria - cátodos, eletrólitos, separadores e assim por diante. Assim, quando estávamos concentrados em simplesmente fazer um novo ânodo, surgiu-nos a imagem de uma bateria. A Asahi Kasei entrou no campo da bateria simplesmente porque estava pesquisando novos materiais e foi capaz de desenvolver a bateria de íon de lítio precisamente porque não era um especialista nessa área.
Se eu fosse um pesquisador com um fabricante de bateria, provavelmente não teria encontrado poliacetileno ou VGCF. No final, novos materiais e a liberdade de desenvolvê-los foram os fatores que desencadearam novos produtos.
Qual foi o impacto das baterias de íons de lítio?
As baterias de íon de lítio tornaram a atual sociedade de TI móvel uma realidade. E no futuro, desempenharão um papel central na construção de uma sociedade sustentável. Uma bateria recarregável com a capacidade de armazenar eletricidade é um dispositivo fundamental para resolver problemas ambientais. Isto tornou-se reconhecido mais extensamente em torno de 2010, quando surgiram os veículos elétricos. Foi o ano em que o Leaf da Nissan (Leaf: Folha, em inglês, com o significado Líder, Ecológico, Acessível e Familiar) foi lançado. Foi um avanço verdadeiramente marcante. A partir de então, começaram a ser utilizadas baterias de íon de lítio para alimentar veículos elétricos. A densidade de energia das baterias de íon de lítio (isto é, até onde se pode ir com uma só carga) foi muito aperfeiçoada, tendo também os custos sido reduzidos. Mas, as questões em torno da durabilidade (a vida da bateria) ainda precisam ser resolvidas.
Embora as baterias de íons de lítio não resolvam por si só todos os problemas ambientais, quando combinadas com outras inovações, como a inteligência artificial (IA) e a Internet das Coisas, serão centrais para a construção de uma sociedade sustentável.
Como detentor de múltiplas patentes, qual é a sua opinião sobre o sistema de patentes?
O espírito fundamental do direito de patentes é incentivar o desenvolvimento tecnológico em benefício de todos. Em troca da aquisição de direitos exclusivos de patente, você revela [divulga] uma nova tecnologia para o mundo e, assim, apoia a sua ampla divulgação. Foi o que aconteceu com as baterias de íons de lítio.
A Asahi Kasei sabia desenvolver tecnologia de bateria, mas não era um especialista em bateria. Por isso, tivemos de decidir que tipo de empresa deveríamos construir em função dessa tecnologia. Depois de muita discussão, decidimos: a) associar-nos a um parceiro adequado (Toshiba) para criarmos uma empresa de baterias; b) integrar outros materiais relacionados com bateria na atividade já existente da Asahi Kasei; e c) licenciar ativamente a tecnologia de bateria de íon de lítio.
O programa de licenciamento abriu a tecnologia de baterias de íon de lítio para muitos novos fabricantes, o que permitiu que a tecnologia fosse aperfeiçoada em termos de custos, de confiabilidade e de segurança. Também ajudou a tecnologia a se expandir, fortaleceu a confiança do consumidor e gerou receitas de licenciamento para a empresa. Todos poderiam ter acesso à tecnologia rapidamente e dela tirar proveito. É o objetivo das invenções.
Na sua opinião, como o sistema de propriedade intelectual deve ser aperfeiçoado?
No mundo globalizado de hoje, tornou-se difícil exercer sobre patentes direitos exclusivos de patente. Mesmo que você peça às pessoas que não imitem, elas imitam! Além disso, os direitos de patente são limitados no tempo, o que faz com que seja muito difícil tirar proveito de seu valor econômico apenas através do licenciamento. Acho importante pensar em outras formas de obter uma gratificação ou um retorno financeiro. Por exemplo, poderia ser o desenvolvimento de um modelo de negócios em torno de baterias de íons de lítio, em que a tecnologia é comercializada como um serviço e não como um produto final, podendo o licenciante receber pagamentos posteriores. Plataformas como Google, Apple, Facebook e Amazon utilizam esse modelo, que oferece um melhor retorno. Conseguiram projetar plataformas e instaurar um padrão global que expandiu o mercado para seus serviços baseados em tecnologia. Alguns são até mesmo fornecidos gratuitamente. O Google, por exemplo, fornece gratuitamente seu sistema OS Android para smartphones, a fim de expandir a comunidade de usuários Android. Aqui, vemos que o valor da atividade de smartphones não vem do telefone em si, mas de seu uso. Este modelo de negócios é comum no mundo da TI e pode muito bem se tornar o caminho a ser seguido no futuro.
O sistema de patentes ajudou o senhor a ganhar o Prêmio Nobel de Química de 2019?
Os pesquisadores da indústria diferem dos pesquisadores acadêmicos na forma como anunciam seus resultados. Os pesquisadores acadêmicos publicam seus trabalhos, ao passo que o trabalho dos pesquisadores industriais está integrado na literatura sobre patentes, o que é difícil de entender e, até recentemente, não era altamente considerado nos círculos acadêmicos.
A citação do Comitê Nobel referia-se, porém, especificamente ao protótipo da bateria de íons de lítio que eu havia criado e patenteado em 1985. Portanto, parece ter sido um fator importante. Um endosso de uma autoridade independente também parece ter desempenhado um papel. Eu havia obtido o Prêmio Europeu de Inventor do Instituto Europeu de Patentes, por ter registrado a primeira patente de baterias de íon de lítio. O reconhecimento dessa patente pelo Instituto Europeu de Patentes parece ter sido um fator importante nas discussões de seleção para o Prêmio.
Meu conselho aos jovens é: Seja curioso e use sua energia para desenvolver as habilidades, a confiança e o conhecimento para fazer as grandes descobertas e as invenções revolucionárias que marcarão este século.
Em geral, acho que os pesquisadores industriais são deficientes quando se trata de prêmios Nobel, porque quase sempre somente os examinadores de patentes – pelos quais tenho grande respeito – podem entender as tecnologias descritas nos pedidos de patentes. Portanto, se os pesquisadores industriais quiserem ser levados em consideração para a recepção de um Prêmio Nobel, precisam obter uma recompensa importante!
Que mensagem o senhor gostaria de transmitir aos jovens cientistas?
O prazo para enfrentar novos desafios é limitado a uma certa idade: em torno de 35 anos. É quando sucessivas gerações de premiados iniciaram suas pesquisas. Comecei a pesquisa básica sobre baterias de íons de lítio aos 33 anos. Nessa idade, você entende o funcionamento de uma empresa e da sociedade e tem confiança e autoridade para iniciar um novo empreendimento. Se falhar, você ainda tem tempo para iniciar um outro empreendimento.
Penso que a capacidade do Japão de produzir laureados com Prêmio Nobel no futuro será determinada pelo tipo de ambiente em que trabalham hoje as pessoas com cerca de 35 anos, bem como se dispõem da liberdade de seguir seu próprio modo de pensar e de trabalhar na pesquisa suscetível de os levar a uma criação revolucionária digna de um Prêmio Nobel.
Que conselho o senhor daria aos jovens que aspiram a tornar-se os cientistas de amanhã?
Hoje em dia, os jovens podem ter acesso facilmente a qualquer informação que desejarem, mas muitos sentem que não há grandes invenções ou novas descobertas a serem desvendadas. Enganam-se, pois ainda há ainda muitas coisas que não entendemos sobre a vida e a natureza e muitos tesouros a serem desenterrados.
Meu conselho aos jovens é o seguinte: Seja curioso e use sua energia para desenvolver as habilidades, a confiança e o conhecimento para fazer as grandes descobertas e as invenções revolucionárias que marcarão este século. Há muita coisa que ainda não sabemos. Invista em seu futuro através do estudo. Imagine o seu eu de 35 anos de idade e no que você poderia estar trabalhando.
Em princípio, não acredito em forçar as crianças a aprender. Precisamos capacitá-las a pensar por si mesmas e decidir sobre seu próprio caminho. Acho que esta é a melhor maneira.
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