Björn Ulvaeus, do grupo ABBA, coloca os interesses dos artistas no centro das atenções
Catherine Jewell, Divisão de Publicações, OMPI
Após uma carreira estelar como cantor e compositor no grupo ABBA, uma das bandas pop de maior sucesso do mundo, Björn Ulvaeus está agora dedicando seu tempo para garantir que os criadores sejam compensados de forma justa e devidamente creditados por suas obras. Em maio de 2020, assumiu a presidência da Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (CISAC), a maior rede mundial de sociedades de autores. Neste papel, ele representará mais de 4 milhões de criadores de todos os gêneros artísticos do mundo. Björn Ulvaeus enuncia suas ambições como Presidente da CISAC e compartilha sua visão sobre o papel que a tecnologia desempenhará para colocar os criadores no âmago de um ecossistema transformado do setor musical.
O que você espera alcançar como Presidente da CISAC?
Algo que aprendi é que os escritores em geral sabem muito pouco sobre a mecânica dos direitos autorais e sobre os outros direitos que têm. Como Presidente da CISAC, quero compartilhar meus conhecimentos e minhas experiências para ajudar a garantir que os compositores sejam devidamente compensados por seu trabalho.
Desejo também fazer com que as organizações de gestão coletiva (OGCs) possam sobreviver. As pequenas fazem um trabalho fantástico no apoio à cultura local, mas encontram dificuldades para investir na tecnologia necessária para o mundo digital. Gostaria que a CISAC pudesse assumir um papel mais importante no desenvolvimento de ferramentas (em colaboração com empresas terceirizadas), que todas as OGCs possam utilizar, a fim de que não tenham de investir o dinheiro dos compositores em tecnologia que já existe.
Tradicionalmente, as OGCs têm atuado como silos. Isto não é bom para os compositores. Quero ver mais abertura e eficiência e menos rivalidade. Quero que sejam motivadas pela ambição de servir os criadores e de facilitar suas vidas. Isto é o que deveriam estar fazendo.
Também espero poder reunir-me com formuladores de políticas experientes, para explicar-lhes a importância que reveste para os governos o apoio aos criadores. No ano que vem (em 7 de junho de 2021), será o prazo final para a implementação da Diretiva da UE sobre Direitos Autorais e Direitos Conexos no Mercado Único Digital, que, entre outras medidas, introduz novas regras para os provedores de compartilhamento de conteúdos on-line (Artigo 17). É extremamente importante fazer lobby em prol dos interesses dos criadores. Criadores de todos os gêneros têm estado no âmago da cultura europeia. Os políticos nem sempre entendem isto: pensam que é necessário apoiar os interesses dos consumidores. Mas, no setor da música não faz sentido ir atrás do ouvinte: é o ouvinte que deve ir atrás do criador.
A tecnologia ajudará a garantir que os criadores recebam o pagamento exato e equitativo pelo uso de suas obras, podendo fazer da composição sua profissão.
Como a COVID-19 tem afetado o setor criativo?
O setor tem sofrido bastante, tendo registrado uma baixa de cerca de 30% em relação ao ano passado. A pandemia tem maltratado muito os compositores e os artistas. Antes da COVID, o streaming era uma forma de os artistas promoverem os seus programas ao vivo. Era a fonte de renda deles. Agora, estão na mesma situação que os compositores e têm enfrentado dificuldades em ganhar a vida. A COVID tem, realmente, posto em evidência a insustentabilidade do ecossistema do setor da música. Simplesmente não tem funcionado para artistas e compositores, quando deveria funcionar para todos os protagonistas. O compositor não pode continuar a ficar na periferia. Haverá uma ruptura. A tecnologia trará mudanças e o criador se deslocará para o centro das preocupações. O mundo antigo da OGC e do setor da música terá de se acostumar com a abertura e a transparência que permite a tecnologia. Este é o futuro. A transformação é gradual, mas está em andamento. Como Presidente da CISAC, quero incentivar a transformação em direção ao futuro, tenho uma visão clara do que almejo alcançar. Vejo o que está acontecendo e quero estar por perto quando as coisas acontecem.
A tecnologia tem tornado a música mais acessível e realizável para os fãs, mas o que precisa ser feito para garantir que os criadores sejam compensados de maneira justa?
A tecnologia ajudará a garantir que os criadores recebam o pagamento exato e equitativo pelo uso de suas obras, podendo fazer da composição sua profissão. Agora, com a devida informação, o Spotify poderá pagar um artista ou um compositor diretamente, pelo menos mensalmente e em breve em tempo real. Com a tecnologia, o criador se deslocará para o centro do ecossistema e um novo entendimento emergirá entre editores e gravadoras de música de que seu papel é atender aos interesses dos criadores. Se alguém tem talento para escrever músicas e é capaz de aprimorar este talento (porque é pago por seu trabalho), pode vir a tornar-se um melhor compositor. Eu era claramente mediano quando comecei. Depois que o ABBA ganhou o festival de música Eurovisão com Waterloo, o dinheiro começou a entrar e Benny e eu tivemos a possibilidade de escrever todos os dias, tornando-nos muito bons nesta área.
Fale-nos sobre seu envolvimento com a Session.
Sou acionista da empresa e trabalho com Max Martin e Niclas Molinder, o Diretor Executivo da Session, há muitos anos. Em colaboração com os principais atores do setor da música, a Session tem criado tecnologias que trarão benefícios aos criadores, facilitando o registro de suas obras, com vista a serem devidamente remunerados e que obtenham os respectivos créditos. A Session é um centro de dados para criadores, que identifica o criador e a criação, bem como onde e quando foi criada a obra. Esta informação é fundamental para que os artistas – desde o vocalista até o baterista e o percussionista – sejam pagos e creditados por sua obra. Tecnologias como as desenvolvidas pela Session trarão uma melhoria significativa do fluxo de dados exatos sobre todos aqueles que contribuem para a criação de uma obra musical. A falta de dados exatos é hoje um grande problema no setor da música. Isto significa que muito do dinheiro que deveria ir para os artistas não tem sido pago. A plataforma da Session foi desenvolvida em colaboração com os principais atores do setor da música, incluindo as OGCs, as gravadoras e as plataformas de streaming. O objetivo é incorporar o software nas estações de trabalho digitais, como a Pro Tools, que são utilizados por compositores e produtores em todos os lugares. Isto certamente ajudará a garantir que os criadores em países menos desenvolvidos sejam devidamente creditados e remunerados por seu trabalho.
Quais foram os principais desafios no desenvolvimento da plataforma e do aplicativo?
Garantir a adesão do setor da música e das plataformas de streaming levou muito tempo, mas agora a Session está recebendo o apoio que estava esperando. Outro grande desafio é o baixo nível de conscientização relativamente à PI entre os criadores e a necessidade de educá-los sobre o que precisam fazer para registrar seu trabalho para que sejam devidamente creditados e remunerados. Se os criadores não entendem como registrar uma obra, uma plataforma como a que oferece a Session não tem valor nenhum. É por isso que Niclas Molindar, Max Martin e eu criamos a Music Rights Awareness Foundation (MRAF – Fundação para a Conscientização sobre Direitos Musicais).
Então, como a MRAF está ligada à Session?
A Session é uma ferramenta que os criadores podem vir a conhecer através da Fundação, que é uma entidade sem fins lucrativos. Seu objetivo é educar os criadores sobre o que têm de fazer para serem devidamente creditados e remunerados por seu trabalho. A Fundação administra vários programas gratuitos de educação para criadores.
E como isto está ligado à OMPI para Criadores?
Lançamos o primeiro projeto da MRAF, Direitos Musicais na África, em Malávi, Ruanda e Tanzânia. Foi ótimo, mas logo percebemos que uma plataforma aperfeiçoada de educação sobre direitos musicais digitais para criadores era necessária. Assim, começamos a discutir com a equipe da OMPI, que realmente gostou da ideia, que se enquadra bem com suas próprias ideias. O resultado foi que o lançamento da OMPI para Criadores, um consórcio que iniciará atividades com vista a aumentar a conscientização sobre direitos de PI para criadores do mundo inteiro. Há um enorme potencial para que as OGCs na África, em particular, deem um salto nos sistemas de administração de direitos legados e aproveitem as ferramentas inovadoras de TI. Será interessante ver o que o consórcio OMPI para Criadores pode fazer para melhorar a situação dos criadores nos países em desenvolvimento.
Sobre a Session
Fundada pelo compositor e produtor sueco Niclas Molinder e apoiada por Björn Ulvaeus e pelo compositor Max Martin, a Session é um “centro de dados” para criadores. A plataforma tecnológica da Session é projetada para tornar a gestão de direitos musicais muito simples para todos. Torna transparente tudo o que acontece num estúdio musical, para que as pessoas certas sejam remuneradas e creditadas pelo que produzem, sem nenhuma possibilidade de mal-entendidos.
“A Session permite que os criadores de música administrem melhor seus direitos e coletem dados de músicas que lhes permitirão ser corretamente creditados e pagos por sua contribuição para sua criação,” diz Niclas Molinder.
“Tendo trabalhado como compositor, produtor e editor durante 20 anos, descobri o quanto a ausência de pontos de referência de dados padronizados afeta os criadores. Criadores, editores, gravadoras, gerentes e OGCs muitas vezes dispendem enormes quantidades de tempo lidando com informações em falta, créditos, litígios e pagamentos incorretos. A melhor maneira de conseguir que os criadores forneçam dados precisos é envolvê-los na coleta de dados o mais cedo possível no processo criativo”, explica Niclas.
A tecnologia da Session registra os metadados dos criadores, incorpora-os numa obra no ponto de criação e alimenta automaticamente as informações a jusante aos gerentes, gravadoras, OGCs, distribuidores e plataformas de streaming. “Nossa tecnologia realiza um aperto de mão com sistemas da sociedade musical para autenticar os criadores e associar identificadores da indústria à sua conta”, explica o Sr. Molinder. “Este é um passo crítico para garantir que os criadores sejam compensados por sua contribuição para a criação de uma obra”.
A tecnologia é construída em torno de identificadores padrão da indústria que são atribuídos aos criadores quando se afiliam a uma OGC. Por exemplo, um número IPI é um identificador único que é atribuído a um compositor e editor para identificá-los como detentor de direitos. Da mesma forma, aos artistas intérpretes é atribuído um número de IPN único. Outros identificadores importantes incluem o International Standard Recording Code (ISRC), que identifica uma determinada gravação musical de som ou vídeo, e o International Standard Musical Work Code (ISWC), que, como um ISBN para livros, é “um número de referência único, permanente e reconhecido internacionalmente para a identificação de obras musicais”.
Espera-se que a plataforma da Session entre em funcionamento em cerca de 18 meses. Será licenciada para as OGCs e estará disponível gratuitamente para os criadores.
Em que medida é importante para os criadores serem conhecedores de PI no panorama criativo de hoje em rápida evolução?
É extremamente importante, dado que seu sustento daí depende. Se forem experientes, farão com que a tecnologia trabalhe em proveito deles, ganharão mais dinheiro e se tornarão melhores compositores, tornando-se profissionais.
Os serviços de streaming são frequentemente caracterizados como sendo os salvadores do setor da música, mas não estarão subestimando as contribuições dos músicos?
As plataformas de streaming foram, de fato, os salvadores do setor da música. Numa certa época, o setor da música estava desaparecendo por causa dos downloads ilegais. Mas o impacto que as plataformas têm tido, tanto no setor da música como nos meios de subsistência dos músicos hoje, é uma questão interessante e complexa. Atualmente, a maioria dos provedores de serviços Internet (ISPs) mantém cerca de 30% dos pagamentos mensais de seus assinantes. Dos 70% restantes, as OGCs recebem atualmente cerca de 16% e as gravadoras recebem cerca de 54%. Isto não é sustentável. Alguma nova ideia é necessária. As gravadoras e os músicos ainda não descobriram onde se encontra a separação entre publicação e gravação. É um assunto que requer debate. A COVID-19 poderá muito bem vir até mesmo a ajudar as editoras.
Hoje, os criadores precisam ser empreendedores com uma visão de como seu trabalho pode transcender diferentes formas de entretenimento.
Mas esta é apenas uma parte do desafio para os compositores e artistas. A outra são os dados, que muitas vezes são imprecisos. E quando as entradas de dados estão erradas, também estarão as saídas. Isto significa que as pessoas certas não são remuneradas. Quando os dados são introduzidos manualmente, há uma grande margem para imprecisões e erros. Vejamos, por exemplo, The Winner Takes It All (O Vencedor Leva Tudo), que Benny e eu escrevemos. Deve ter um único identificador ou código, mas na última vez em que verificamos tinha 84 códigos diferentes e muitos nomes irreconhecíveis que lhe eram atribuídos. Com a tecnologia, podemos corrigir essas imprecisões e garantir que os identificadores corretos sejam utilizados. Isto significa que mais dinheiro será pago para as pessoas certas. É por isso que é tão fundamental atribuir esses códigos e verificar os artistas no início do processo de criação, bem como a razão pela qual a Session tem trabalhado tão arduamente para obter apoio em todo o setor da música para a sua tecnologia. Já não se pode dizer que é demasiadamente complicado atribuir pagamentos aos milhões de músicas tocadas a cada mês. É apenas uma questão de dispor da tecnologia adequada e utilizá-la.
Que impacto você acha que a inteligência artificial (IA) terá na maneira como o conteúdo é criado, produzido e consumido?
Sem dúvida alguma, os sistemas de IA comporão músicas e algumas delas serão tão boas quanto as compostas por humanos. Muita música, hoje em dia, é transmitida em segundo plano. É um serviço, como a eletricidade e a água. A IA escreverá música utilitária perfeita. Mas, para as rupturas, é necessário que haja o elemento humano e a coragem de um coração humano para ultrapassar limites – um novo Dylan, um novo Elvis, novos Beatles. Não acredito que máquina alguma seja capaz de criar tais mudanças. Os Beatles não estavam atrás dos ouvintes. Aqui há um ensinamento a ser aprendido.
Penso que é inevitável que os criadores e os consumidores se tornam mais próximos no futuro. Com a tecnologia para consumir e produzir música, a distância entre criadores e consumidores será muito curta. E isto é algo positivo.
A IA escreverá música utilitária perfeita. Mas, para as rupturas, é necessário que haja o elemento humano e a coragem de um coração humano para ultrapassar limites – um novo Dylan, um novo Elvis, novos Beatles.
Você instaurou um padrão no aproveitamento de seus catálogos de música para criar novas experiências para seus fãs. Os criadores precisam ser mais criativos ao tirarem proveito do valor de seu trabalho?
Hoje, os criadores precisam ser empreendedores com uma visão de como seu trabalho pode transcender diferentes formas de entretenimento. Para mim, não era uma estratégia consciente para fazer com que nossa música tivesse uma vida mais longa. Estava intrigado com ideias e visões e queria cumpri-las. Isto é o que nos levou, Benny e eu, a escrever Chess e Kristina. É por isso que estamos lançando avatares do ABBA no próximo ano. Esses projetos foram oportunidades para expandir e encontrar novas e interessantes formas de nos expressarmos. Mas eu sempre volto para a canção. Há um universo numa canção que é tão interessante. Com uma canção você pode comover pessoas em alguns segundos. A única coisa que ainda não fiz é encontrar alguma maneira de criar um mundo para as crianças. Tenho oito netos, por isso tenho pensado sobre o assunto.
Qual é a sua maior inspiração musical?
Os Beatles.
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