Como startups e PMEs deveriam ver a PI: o ponto de vista de um investidor
Jag Singh*, CEO da Techstars Berlim, Alemanha
*Jag Singh, um bem-sucedido empresário, é hoje um dos investidores anjo mais ativos da Europa, atuando em projetos que abrangem desde o estágio pre-seed até investimentos série D. Antes de assumir o comando da Techstars Berlim, no final de 2018, já trazia na bagagem o lançamento de quatro novas empresas. Em 2007 e 2009, realizou suas duas primeiras saídas de investimentos. Jah Singh acumula também mais de dez anos de experiência em política e estratégia de campanha, tendo prestado assessoria para campanhas presidenciais nos Estados Unidos, bem como para políticos e grupos de ação britânicos e pan-europeus.
A missão da rede mundial Techstars é ajudar empreendedores a realizarem seus projetos. A empresa foi fundada em 2006, tendo como ponto de partida três ideias simples: Os empreendedores são capazes de criar um futuro melhor para todos; a colaboração alavanca a inovação; e boas ideias podem surgir em qualquer lugar. Nossa missão atual é dar a cada pessoa, onde quer que esteja, a possibilidade de contribuir para o sucesso de novos empreendimentos e beneficiar-se com seus resultados. Além de gerenciarmos programas de aceleração e fundos de capital de risco, conectamos startups, investidores, corporações e municípios, a fim de impulsionar a construção de comunidades prósperas de startups. A Techstars já investiu em mais de 2.200 empresas, cujo valor de mercado acumulado totaliza atualmente US$ 29 bilhões.
O grande desafio nesse tipo de atividade é a estratégia de saída, ou seja, como o empreendedor e os investidores vão conseguir recuperar o tempo, a energia e o dinheiro investidos numa empresa. É fundamental refletir sobre essa etapa. Afinal, é o momento em que tanto o empreendedor quanto os investidores colhem a maioria dos frutos produzidos pelos investimentos realizados.
Nos últimos 15 anos, primeiramente como empreendedor e agora como investidor, vi muitos projetos premiados acabarem na rua da amargura das startups fracassadas. Como foi possível isso acontecer? Em grande parte, porque raras foram as empresas que tomaram medidas para proteger os direitos de propriedade intelectual (PI) dos ativos de suas empresas. Por isso, as startups e as PMEs precisam estar atentas à questão da PI ou, pelo menos, refletir sobre o problema assim que possível.
PI: um conjunto de direitos que podem consolidar as bases da sua empresa
Ao refletir sobre direitos de PI, a primeira coisa que vem à mente são as patentes, mas a PI inclui também direitos de autor, direitos de desenho industrial, marcas e segredos industriais. Cada direito protege um aspecto diferente do produto ou serviço oferecido pela empresa. Segredos industriais e/ou patentes protegem invenções ou soluções técnicas inéditas; direitos de autor e de desenho industrial protegem conteúdos originais e criativos; por fim, marcas (e desenhos) garantem a proteção de marcas e contribuem para a sua construção. Os direitos de PI facultam aos inventores e criadores a possibilidade de transformar obras resultantes de um trabalho intelectual em bens passíveis de comercialização. Com base nos direitos de PI, os titulares de direitos de autor têm, durante determinado período, duas opções: proibir terceiros de utilizar uma invenção ou uma obra criativa sem a devida autorização; ou negociar acordos de remuneração pelo seu uso.
A legislação sobre PI impõe o pagamento de multas pelo uso não autorizado de ativos protegidos por direitos de PI. Acima de tudo, a lei garante às empresas o direito de reivindicar a propriedade de realizações inovadoras e criativas e delas obter benefícios econômicos. Esse direito pode ser exercido, por exemplo, mediante o licenciamento dos direitos de PI em troca do pagamento de royalties, a fim de impedir que concorrentes com denominação semelhante atuem na mesma região, causando confusão na percepção dos consumidores.
PI: uma questão de suma importância para os investidores
Os direitos de propriedade intelectual constituem ativos essenciais para a atual economia do conhecimento. Por essa razão, as startups e as PMEs devem elaborar uma estratégia de PI nas fases iniciais de seu desenvolvimento. Essa medida preventiva contribuirá para que os ativos protegidos por direitos de PI fortaleçam o crescimento da empresa.
Na qualidade de investidores, meus colegas e eu costumamos avaliar as empresas com base em dados que remontam à sua criação. Este é o momento em que elas fazem muitas promessas, mas sem apresentarem garantias reais de que conseguirão cumpri-las. No atual cenário econômico, os ativos de PI geralmente impulsionam os lucros presentes e futuros. Por isso, os investidores preferem lidar com empreendedores que tenham integrado os direitos de PI em seus planos de negócios. Mostrar algum tipo de iniciativa concreta em relação à propriedade intelectual significa, no mínimo, que o empreendedor está bem sintonizado com os investidores quanto a uma importante questão: como garantir que, um dia, a empresa possa ser vendida por bilhões de dólares?
Os investidores preferem lidar com empreendedores que tenham integrado os direitos de PI em seus planos de negócios.
Muitas startups e PMEs reconhecem que os ativos de PI podem valorizar a empresa e aumentar as chances de vendê-la com um bom retorno financeiro. No entanto, poucas se dão o trabalho de proteger e desenvolver esses ativos. Basear-se em conhecimentos insuficientes sobre PI e na falsa ideia de que esse tipo de proteção tem um custo muito alto acaba levando startups e PMEs a varrer a questão para debaixo do tapete. Mas a ausência de reflexão cuidadosa sobre a proteção da PI pode sair muito mais caro no final.
Definir uma estratégia de saída eficaz
Para definir um plano de saída eficaz, as startups e as PMEs precisam identificar que direitos de PI são relevantes para a empresa e em que momento devem tomar as necessárias medidas para protegê-los.
Em muitos aspectos, empreendedores são também investidores. Dedicam tempo e recursos preciosos para construir e expandir seus negócios. Do ponto de vista da propriedade intelectual, todas as empresas precisam ter uma visão ampla de suas atividades e saber como se encaixam no cenário comercial como um todo. Devem também garantir que a PI seja parte integrante do plano de negócios e refletir sobre como garantir que os ativos de PI sejam corretamente gerenciados pelos colaboradores.
Em relação à gestão de pessoas, é necessário que os colaboradores sejam informados sobre a questão da PI e adquiram competências e expertise nessa área. Uma forma de fazer isso é contratar especialistas ou agentes qualificados em PI. Em geral, esses profissionais começam por instaurar medidas simples para garantir a proteção de informações comerciais sensíveis e incorporar aos contratos de trabalho cláusulas que especifiquem como são atribuídos os direitos de PI e quem são os titulares.
Quanto às empresas, seus proprietários precisam ter conhecimentos básicos sobre como diferentes tipos de direitos de PI podem ser mobilizados para servir os objetivos comerciais, e sobre como protegê-los. Algumas formas de direitos de PI exigem que uma série de medidas específicas sejam tomadas antes que a proteção possa ser garantida. No caso de patentes, por exemplo, a possibilidade de requerer direitos relativos a uma invenção depende de sua originalidade, entre outros fatores. Por conseguinte, a empresa deve adotar medidas que impeçam o vazamento de informações referentes a soluções técnicas inéditas, antes de apresentar um pedido de patente.
Outro ponto importante é a forma como a reivindicação é redigida no pedido de patente. As reivindicações definem o escopo da patente e podem, portanto, determinar se um produto ou serviço concorrente constitui uma violação à patente. Com grande frequência, ao descreverem as reivindicações nos pedidos de patente, os requerentes definem de maneira demasiadamente restrita a tecnologia por eles criada. O resultado é que as patentes obtidas não podem ser usadas para coibir a concorrência, visto que outras pessoas podem facilmente criar novos projetos a partir da tecnologia patenteada. O que os investidores desejam é ter certeza de que a empresa tomou as medidas apropriadas para proteger os direitos de PI referentes a todos os ativos relevantes, e que a gestão da carteira de propriedade intelectual está em total sintonia com seus objetivos e processos.
Cinco armadilhas frequentes
Não raro, ao se lançarem na construção de uma empresa, os dirigentes de PMEs tomam decisões cujas consequências, nem sempre previsíveis, podem ter desdobramentos no longo prazo, em especial nos seguintes aspectos:
- A questão de códigos abertos (open source): Com frequência, as startups e PMEs não têm consciência do custo real das escolhas feitas em matéria de sistema operacional e softwares na fase de criação da empresa. Muitos não levam em conta o fato de que os componentes de código aberto são “gratuitos”, mas sob certas condições. Uma delas, em geral, é a exigência de que o código resultante seja disponibilizado gratuitamente para o público. Os investidores, ao efetuarem auditorias due diligence em possíveis projetos de investimento, poderiam considerar que existe um risco em matéria de PI, resultante de uma potencial não-conformidade com direitos de terceiros.
- Segredos industriais: Com frequência, as PMEs não conseguem fazer valer a proteção de segredos industriais porque não são capazes de provar que tomaram as medidas cabíveis para impedir a divulgação, para o público, de informações sigilosas relevantes. Essas empresas não conseguem controlar a forma como dados importantes são compartilhados interna e externamente. Este erro, bastante comum, pode ser evitado mediante um planejamento cuidadoso.
- Gestão e monitoramento de ativos de PI: As startups e as PMEs precisam refletir sobre como gerenciar seus ativos de PI, como protegê-los contra abusos ou violações e como explorá-los para gerar novos fluxos de renda e ampliar a participação de mercado da empresa. Com frequência cada vez maior, os investidores têm contratado especialistas em PI para analisar carteiras de ativos mais complexas. A implementação de uma sólida estratégia de PI é a melhor maneira de evitar imprevistos que impeçam os negócios de ir para a frente.
- O planejamento é sempre um fator importante na implementação de uma estratégia de PI. Muitos investidores exigem que a proteção dos direitos de PI seja assegurada antes de eles investirem, principalmente no caso de empresas que estejam contemplando o ingresso em mercados internacionais mediante acordos de licenciamento ou de franquia. Em geral, os investidores procuram aplicar seu capital da maneira mais eficaz possível, por exemplo no desenvolvimento de um produto ou no crescimento das vendas. Por isso, vale sempre a pena planejar minuciosamente cada etapa da sua estratégia de PI.
- As empresas que desejem ingressar em mercados internacionais devem sempre efetuar pesquisas específicas a cada país e se informar sobre as condições de entrada em cada mercado e as autorizações necessárias. Na maioria das vezes, esse tipo de pesquisa é a maneira mais fácil de eliminar os riscos inerentes a projetos de expansão internacional. Quando realizadas por um especialista em PI, podem resultar em informações sobre os concorrentes e sobre suas estratégias de conquista de novos mercados. Caso necessário, podem também identificar material de domínio público que ofereça possibilidades de desenvolver novos produtos ou criações. No caso de um projeto de aquisição, as PMEs podem consultar as informações compiladas em bancos de dados públicos sobre PI, como o PATENTSCOPE e o Banco de Dados Mundial sobre Marcas, ambos disponibilizados pela OMPI.
PI, um exercício de alocação de risco
Os investidores que priorizam empresas recém-criadas consideram o processo de proteção de direitos de PI como um exercício de alocação de risco. Para adquirir direitos de PI, é necessário ser o primeiro a apresentar o pedido de proteção dos direitos em questão, caso contrário será tarde demais. Ou seja, rapidez é fundamental! Num mercado em que muitos disputam um lugar ao sol, a proteção de direitos de PI é uma forma de minimizar o risco de ser acusado de violação de direitos.
A primeira coisa que qualquer empresa interessada em potencializar as oportunidades ofertas pela PI deve fazer é identificar e quantificar os ativos existentes (por exemplo know-how, listas de clientes, invenções, sites, conteúdos criativos). Em seguida, a empresa deve estimar o valor desses ativos de PI e definir a melhor forma de protegê-los.
Os investidores que priorizam empresas recém-criadas consideram o processo de proteção de direitos de PI como um exercício de alocação de risco.
As startups e PMEs podem também tirar proveito de programas governamentais que promovam o uso de direitos de PI. Muitos países oferecem incentivos fiscais e descontos associados à PI. Para empresas que ainda estão engatinhando, essas medidas podem fazer toda a diferença na hora de contratar um funcionário a mais ou até sobreviver a um trimestre difícil.
Quatro razões para contratar um especialista em PI
Primeiramente, realizar uma auditoria dos ativos de PI da empresa é uma excelente maneira de identificar o trabalho que pode efetivamente ser usado ou até reaproveitado. Às vezes, a auditoria evidencia ativos de PI usados pela empresa, mas pertencentes a terceiros. As ferramentas de diagnóstico em matéria de PI (WIPO IP Diagnostics, por exemplo) podem ser úteis para dar o pontapé inicial no processo, mas quase sempre é muito melhor contratar um profissional qualificado. Por quê? Porque talvez não seja possível usufruir dos ativos de PI, se os procedimentos relativos ao pedido de registro não tiverem sido devidamente respeitados. E após a obtenção, os direitos podem expirar, se não forem corretamente preservados ou administrados.
Em segundo lugar, a oportunidade de dialogar com um profissional experiente em PI sobre como os ativos estão sendo usados, como proteger ativos não registrados ou novos ativos e como definir o plano de PI que corresponde da melhor forma à estratégia de saída é uma das chaves do sucesso. Esse também pode ser o ponto de partida para um diálogo com investidores potenciais que façam questão de mostrar como podem agregar valor à sua empresa, independentemente do capital que queiram injetar.
A terceira razão é que as leis relativas à PI e suas interpretações estão constantemente evoluindo. Um profissional com experiência nas questões de PI estará atento ao impacto dessas mudanças para a sua empresa.
Em quarto lugar, as startups e as PMEs também precisam refletir com cuidado sobre como enfrentar litígios, um processo que pode custar muito caro, mas que quase sempre pode ser evitado. Muitos escritórios de advocacia oferecem às startups e PMEs pacotes de serviços com preços atraentes; alguns nem cobram as consultas iniciais e aceitam pagamentos em suaves prestações.
O que os investidores estão buscando
Da mesma forma que os empreendedores têm aprendido com os erros de seus predecessores, nós, investidores, estamos ficando mais espertos. Depois de viver experiências amargas, aprendemos a importância do processo de due diligence e a necessidade de verificar que as empresas realmente possuem o que elas pensam ou dizem possuir, e que realmente podem usar esses ativos como previsto. Fazemos questão de verificar que os contratos de cessão de PI foram assinados e passamos em revista as medidas de proteção de segredos industriais, as informações sobre violação dos direitos e outras políticas internas.
Temos plena consciência dos efeitos nefastos da acirrada concorrência que enfrentam as empresas com as quais trabalhamos. Não ficaremos surpresos, se o número de alegações de violação de PI aumentar à medida que forem ganhando vulto. Esse tipo de incidente faz parte da vida, e as empresas precisam aprender a lidar com essas dificuldades.
Como investidores, aprendemos que, embora a PI seja um ativo de grande valor, não há garantia alguma em relação ao valor financeiro ou à utilidade da carteira de PI de uma empresa. Dito isso, de maneira geral os ativos de PI resultam em melhor avaliação da empresa ou contribuem consideravelmente para aumentar seu valor real ou percebido. Num cenário de fusões e aquisições, os ativos fortalecem a capacidade de negociação da empresa que está sendo vendida.
Gostaria de concluir com duas sugestões. Primeiramente, seja proativo e dê à estratégia de PI um papel central na estratégia de pré-lançamento da sua empresa. Defina um plano antes mesmo de conversar com os primeiros clientes reais. A segunda sugestão é contratar um profissional competente, a fim de garantir que a estratégia de PI seja adaptada à sua situação específica e aos objetivos que você fixou. Às vezes, essa assessoria pode até ser oferecida gratuitamente.
A Revista da OMPI destina-se a contribuir para o aumento da compreensão do público da propriedade intelectual e do trabalho da OMPI; não é um documento oficial da OMPI. As designações utilizadas e a apresentação de material em toda esta publicação não implicam a expressão de qualquer opinião da parte da OMPI sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, ou área ou as suas autoridades, ou sobre a delimitação das suas fronteiras ou limites. Esta publicação não tem a intenção de refletir as opiniões dos Estados Membros ou da Secretaria da OMPI. A menção de companhias específicas ou de produtos de fabricantes não implica que sejam aprovados ou recomendados pela OMPI de preferência a outros de semelhante natureza que não são mencionados.