Ruanda e o Senegal acolherão as primeiras unidades vacinais COVID-19 da África: O que se sabe até agora
David Richard Walwyn, Professor de Gestão Tecnológica da Universidade de Pretória, África do Sul*
*Este artigo foi publicado pela primeira vez em The Conversation, em 27 de outubro de 2021.
A falta de capacidade de produção de vacinas nos países africanos tem sido objeto de muita preocupação e aflições, na sequência da pandemia de COVID-19. Tornou-se um tema particularmente sensível, devido à grave desigualdade de acesso às vacinas contra o COVID-19 entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
A África tem uma capacidade limitada para a produção de vacinas. Apenas a Tunísia, o Senegal, o Egito, a Etiópia e a África do Sul têm capacidades variáveis para produzir e preencher ou terminar vacinas. A maior e mais integrada unidade é o Instituto Biovac, na Cidade do Cabo.
Recentemente, a Pfizer assinou uma carta de intenções com este instituto para 100 milhões de doses por ano. O acordo abrange a importação da substância farmacêutica a granel, o preechimento de frascos, bem como a distribuição do produto na África e em outras partes do mundo.
A falta de capacidade de produção na África contrasta fortemente com países em desenvolvimento como a Índia, que tem uma ampla capacidade de produção farmacêutica, e o Brasil.
É por isso que o recente anúncio da empresa alemã de biotecnologia BioNTech de que irá construir uma unidade de fabricação de vacinas em Ruanda, a ser seguida por uma segunda no Senegal, é visto como um divisor de águas.
O plano BioNTech envolve a construção na Alemanha de uma unidade de fabricação em contêiners que será então instalada em Ruanda, encurtando o período de construção de uma instalação de vacinas em pelo menos um ano e diminuindo o risco de atrasos. Inicialmente, as instalações serão geridas e operadas pelo pessoal da BioNTech. Mas a propriedade e os conhecimentos especializados serão transferidos ao longo do tempo para operações locais. Atualmente, essa especialização não existe em Ruanda e, com base na experiência da Biovac na África do Sul, poderá levar uma década para desenvolver-se.
Para a fabricação de vacinas, é necessário recorrer à propriedade intelectual, bem como a um know-how. O acordo entre a BioNTech e os dois países inclui a transferência de tecnologia – o que ocorrerá no decurso da segunda fase do contrato – e um acordo de licença que cobre direitos de propriedade intelectual que permanecerão na empresa.
Não há mais pormenores sobre nenhuma das duas instalações. Ainda não se sabe, por exemplo, quando é que a vacina fabricada localmente estará disponível e como a infraestrutura será financiada.
No entanto, o acordo com Ruanda é único. Isto porque, pela primeira vez, a substância medicamentosa, ou princípio ativo para uma vacina COVID-19 – neste caso, o mRNA – será fabricado no continente. O mRNA para a vacina COVID-19 está atualmente sendo fabricado apenas nos EUA e na Europa.
Experiências recentes com a disponibilidade de vacinas nos países em desenvolvimento mostram claramente que a fabricação local aumenta a probabilidade de cobertura vacinal. Isto ocorreu tanto na Índia como na China, que têm ambas uma capacidade local significativa.
A carência
O nível de vacinação contra o COVID-19 na África é baixo. Apenas 60 milhões da população total de 1,22 bilhão, equivalente a 5%, tinham sido totalmente vacinados até final de setembro de 2021.
Há um déficit de muitas dezenas de milhões de doses no mercado. Tampouco há sinais de que esta carência possa ser superada antes de meados de 2022.
As vacinas de mRNA utilizam pequenas quantidades de substância ativa. Serão necessários menos de 50kg de mRNA para vacinar toda a população no continente africano.
No entanto, a produção local de vacinas não envolve apenas tecnologia de fabricação: A operação exigirá a criação de um sistema regulador de aprovação de medicamentos e de um sistema de garantia de qualidade capaz de certificar cada lote de produção.
É indiscutível que a pressão sobre as empresas farmacêuticas para ampliar a cobertura da vacina contra o COVID-19 na África é, em parte, o motor para este anúncio. Mas o mercado poderia ter sido mais facilmente fornecido diretamente a partir das instalações da BioNTech na Alemanha e noutros locais. Sem dúvida, parte da lógica deste acordo é a estrutura de preços para os países africanos.
As empresas farmacêuticas têm o cuidado de proteger os seus mercados de alto valor, nos quais os preços dos medicamentos são elevados e as margens extremamente atrativas, de qualquer produto que possa ser distribuído mediante “preços de acesso”. Os preços de acesso são um mecanismo através do qual os países em desenvolvimento podem adquirir produtos equivalentes a preços significativamente reduzidos.
Mas surgem problemas quando o produto se torna disponível em mercados lucrativos como consequência da importação paralela.
As importações paralelas podem ser evitadas utilizando-se unidades de fabricação geograficamente separadas, operando sob diferentes regimes regulamentares. Os produtos fabricados em Ruanda, e aprovados por uma autoridade reguladora ruandesa, não seriam autorizados na Europa ou noutras regiões desenvolvidas.
Desta forma, as empresas farmacêuticas podem enfrentar as críticas da comunidade global em termos de acesso aos produtos de saúde, mantendo as suas margens de lucro nos segmentos mais lucrativos.
Final do jogo
A esperança é que o acordo seja benéfico para o desenvolvimento da capacidade de fabricação de vacinas em todo o continente. Uma possibilidade é que o acordo BioNTech exerça pressão sobre países como a África do Sul para acelerar os seus planos de fabricação, levando a uma maior disponibilidade de vacinas num período de tempo mais curto.
Até agora, a África do Sul tem dominado as atividades relacionadas com vacinas. Para além do contrato com a Pfizer, anunciou também um centro de vacinas do mRNA. Será utilizado para desenvolver e licenciar tecnologias do mRNA das principais empresas farmacêuticas.
Para a fabricação de vacinas é necessário recorrer à propriedade intelectual, bem como a um know-how.
O prêmio, no entanto, é a fabricação local de ponta a ponta com transferência total de tecnologia e menos restrições no acesso ao mercado. Isto será crucial para eliminar as desigualdades globais no fornecimento de produtos essenciais para a saúde.
Outro fator pode também entrar em jogo: uma mudança no panorama da indústria farmacêutica. O acordo que a BioNTech fechou é o primeiro a ser feito independentemente da sua parceria com a Pfizer. É um sinal para o mercado de que a BioNTech tem a intenção de desenvolver a sua própria base de clientes fora do seu acordo de licença com a Pfizer. Isto é importante, porque a Pfizer deixou claro que não está interessada em divulgar os conhecimentos essenciais sobre como fabricar o ingrediente ativo para as vacinas contra o COVID-19.
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