Beewise: Reflexão pronta para uso sobre como salvar as abelhas no mundo inteiro
Catherine Jewell, Divisão de Informação e Divulgação Digital, OMPI
As abelhas são os polinizadores mais importantes no mundo dos insetos, desempenhando um papel central para assegurar o abastecimento alimentar mundial. Sem polinização, muitas plantas não podem reproduzir-se. Saar Safra, CEO da startup israelense Beewise, está numa missão que tem por objetivo salvar abelhas – e em grande escala – através do uso da inteligência artificial (IA), da visão computacional e da robótica. Saar Safra explica como a solução de alta tecnologia da Beewise está ajudando a salvar abelhas no mundo inteiro. Também analisa o papel que desempenha a propriedade intelectual (PI) no apoio a pequenas empresas como a Beewise, que têm enfrentado alguns dos desafios mais urgentes do mundo.
Como você veio a criar a Beewise?
Sou empresário com formação em engenharia de software, mas meu parceiro co-fundador Elijah Radzyner é apicultor comercial e, como outros apicultores no mundo inteiro, tem enfrentado o desaparecimento das colônias de abelhas, apesar de todos os seus esforços. Assim, reunimo-nos e começamos a estudar como poderíamos usar a robótica e a IA para salvar as abelhas. Começamos a efetuar iterações em diversos produtos. Os primeiros eram muito rudimentares, mas logo identificamos um produto que poderia realmente salvar abelhas em grande escala. Foi quando criamos a empresa Beewise e começamos a desenvolver nossos BeeHomes.
Por que é tão importante salvar as abelhas?
Em primeiro lugar, as colônias de abelhas têm desaparecido em grande número no mundo inteiro. É um problema gigantesco, dado que as abelhas polinizam 75% de todas as frutas e de todos os legumes, sementes e nozes que comemos neste planeta. Sem abelhas, desaparecerão os legumes, as frutas e as flores de que desfrutamos diariamente. As abelhas são a infraestrutura do nosso suprimento global de alimentos, mas atualmente perdemos cerca de 35% de colônias de abelhas a cada ano em todo o mundo. Não me refiro a um certo número de abelhas que desaparecem: refiro-me a colônias inteiras de abelhas que morrem. E isto é um gravíssimo problema.
Em segundo lugar, a população mundial continua a crescer e ao mesmo tempo que um número crescente de pessoas superam a pobreza, essas populações passam a desejar um regime alimentar saudável. Então, num contexto global em que a demanda por produtos oriundos de abelhas continua a crescer, a oferta tem diminuído em 35% a cada ano que passa. A lacuna tem aumentado constantemente. Mas não há nenhuma linha clara de oferta que se alinhe em função da demanda. Este é o problema que temos tentado resolver.
Por que razão as colônias têm desaparecido?
Num contexto em que intervém um vírus específico como o COVID, por exemplo, ele pode ser identificado e uma solução começará a ser buscada. Leva tempo, mas é relativamente fácil atingir o objetivo visado.
Com as abelhas, não funciona assim. Elas sofrem de uma infinidade de problemas, tudo ao mesmo tempo. Por exemplo, as mudanças climáticas. Cada vez que as temperaturas sobem meio por cento, as abelhas perdem cerca de 5 por cento de sua produtividade. Também enfrentam pragas e doenças que não existiam há algumas décadas. E com a agricultura atual, ficam sujeitas a pesticidas. Utilizamos esses produtos químicos para proteger nossas culturas, mas eles acabam matando as abelhas. O conjunto de todos esses fatores negativos tem criado uma catástrofe para as abelhas.
Os humanos lidam com abelhas há milênios, mas com as tradicionais colmeias de madeira, os apicultores não podem tratar as abelhas em tempo real. É o grande problema. Com o BeeHome, é possível atenuar o estresse e possibilitar a tratamento das abelhas em tempo real.
As abelhas são a infraestrutura do nosso suprimento global de alimentos, mas atualmente perdemos cerca de 35% de colônias de abelhas a cada ano em todo o mundo.
Pode dar mais amplas informações sobre o BeeHome?
Em termos muito simples, assim como as colmeias tradicionais, o BeeHome abriga uma série de colônias de abelhas. É apenas maior, e em seu corredor central tem um robô que monitora as colônias 24 horas por dia, 7 dias por semana, utilizando visão computacional, AI, bem como redes neurais.
O robô inspeciona as abelhas, e nossas ferramentas de IA convertem essas imagens em dados, que então identificam quaisquer problemas que as abelhas possam estar enfrentando e acionam o robô para que tome as medidas apropriadas. Por exemplo, se a IA vir que as abelhas estão doentes, o robô introduzirá algumas gotas de remédio na colmeia – cinco gotas podem salvar a totalidade de uma colônia – ou, se as abelhas não tiverem água ou comida, o robô poderá reabastecer os suprimentos da colônia de dentro do Beehome. É um mecanismo muito simples, que permite que as abelhas sejam administradas em tempo real. Nós não mudamos a apicultura tradicional de forma alguma, mas simplesmente fazemos isto com um robô, em tempo real.
Como procedeu para a construção do Beehome?
A ideia é aplicar a tecnologia existente em função do nosso objetivo. Não estamos tentando construir equipamentos de última geração. Integramos o hardware mais simples e mais acessível disponível em nossa plataforma de software, que gerencia e implementa toda a solução. Chamo a isto software embrulhado em lata (credit #Elon Musk). O valor real é impulsionado pela visão computacional orientada por IA, a qual por sua vez identifica o tratamento a ser administrado e quando deve ser aplicado.
Que tipo de dados são coletados?
Coletamos uma grande quantidade de dados. Uma colmeia tradicional tem 60.000 células divididas em 10 quadros (os favos de mel), cada um deles composto por cerca de 6.000 células. É aqui que as abelhas armazenam os ovos, as larvas e as pupas da rainha, bem como o néctar de pólen e o mel. É a casa delas. O BeeHome tem 30 colônias de quadros, com 180.000 células em cada colônia, que são monitoradas individualmente. Através da monitoração 24/7 das colônias, geramos terabytes de dados, que irão para a nuvem, a fim de serem analisados pela IA, a qual identifica o que está ocorrendo em cada célula.
Identificar uma doença em tempo real é difícil, porque é necessário monitorar constantemente cada célula para poder identificar quaisquer pequenas flutuações nas células ou no comportamento das abelhas que possam levantar uma bandeira vermelha e exigir uma decisão quanto ao curso adequado de ação. Todo este processo é realizado graças à IA.
Nós não mudamos a apicultura tradicional de forma alguma, mas simplesmente fazemos isto com um robô, em tempo real.
Esses dados permitem-nos salvar as abelhas do planeta, estando isto diretamente ligado ao resgate do nosso suprimento global de alimentos. Com a solução que oferecemos, o desaparecimento das colônias baixou para menos de 10%, em comparação com a referência do setor, que é de 35%. E temos consequido isto graças a um robô.
Também examinamos os dados para ver se há outras coisas que poderemos aprender para otimizar a colônia, a polinização ou a produção de mel. Se pudermos produzir esses dispositivos e implantá-los rapidamente, estaremos salvando abelhas em grande escala.
Esses dados sempre existiram, mas estavam escondidos dentro de uma caixa de madeira que agia como uma espécie de caixa preta. As colmeias tradicionais proporcionam um vislumbre momentâneo do que está ocorrendo, não permitindo acompanhar a evolução da situação. Com o Bee-Home, não só deixamos de ser dependentes da caixa preta, mas estamos reiventando-a. Estamos rastreando os dados, armazenando-os e analisando-os, na esperança de vir a conhecer outros segredos que sejam benéficos para as abelhas e para nós, pois sabemos que estamos ligados uns aos outros.
Quais foram os principais desafios associados a esse empreendimento?
Há muitos desafios associados à criação de um dispositivo harmonizado que trate as abelhas e reduza com eficácia o índice de desaparecimento das colônias. Nosso dispositivo combina hardware, software, biologia e química. Na verdade, trabalhamos com seres vivos do reino animal. As abelhas entram e saem à vontade, e temos que lhes proporcionar uma casa confortável e conveniente, caso contrário irão embora. O desafio tem sido converter a perícia apícola e um sistema biológico caótico e complexo em IA e treinar os modelos e os algoritmos. Não é fácil rastrear e identificar 2 milhões de abelhas que permanecem voando por aí. Mas com a perícia apícola do meu parceiro co-fundador, e com a possante rede de talentos de tecnólogos da empresa, conseguimos cordenar tudo isso. Demorou alguns anos, mas agora temos o BeeHome, um hotel cinco estrelas para abelhas. É feito de estanho, dispõe de termo-regulação e mantém as abelhas a salvo de tempestades e de incêndios. É muito lindo.
Que benefícios têm auferido os apicultores?
Os apicultores têm uma nova plataforma para gerenciar suas atividades empresariais. Nossos clientes apicultores normalmente possuem 10.000 colmeias tradicionais, com 10.000 colônias, e geram receita com a polinização e o mel. Eles normalmente verificam suas colmeias e tratam as abelhas uma vez por mês, na melhor das hipóteses. Nossa solução permitem-lhes ver o que está ocorrendo em suas colmeias 24 horas por dia, 7 dias por semana. Oferecemos-lhes uma ferramenta melhor para gerir suas atividades empresariais e proporcionar às abelhas melhores ferramentas para enfrentar o estresse do mundo de hoje. Todas as partes saem ganhando.
As sugestões e comentários de nossos clientes têm-nos permitido aperfeiçoar continuamente nossa plataforma. Iteramos constantemente, de modo que o BeeHome está cada vez melhor. Por exemplo, a colhedora de mel embutida do BeeHome levava 19 minutos para colher o mel de nossas caixas. Hoje leva apenas 15 minutos. Dito isto, enquanto os apicultores forem clientes que pagam, as abelhas continuarão a ser nosso centro de interesses.
Como tem sido a repercução?
As pessoas ficam perplexas e entusiasmadas com nossa solução. O mercado certamente comporta um importante componente de educação. Quando é introduzida uma tecnologia revolucionária, muitas vezes torna-se necessário educar as pessoas para que pensem de uma nova maneira a respeito do problema e da respectica solução. Nossos clientes enfrentam reais preocupações porque perdem a cada ano 35% de seus ativos geradores de receitas (isto é, suas abelhas), muito embora façam grandes esforços. Esta é uma formidável solução para eles.
Que papel desempenha a PI na empresa?
Começamos a patentear nossa solução logo no início, porque percebemos que somos os primeiros em todo o planeta que utilizam a robótica numa colmeia. Obtivemos 18 patentes, e outras mais virão, o que é motivo de alegria para nós. Nossos direitos de PI certamente desencorajarão pessoas que porventura venham a tentar copiar o que fazemos. Nossa IA, nossas redes neurais e nossos conjuntos de dados, que levamos quase quatro anos para desenvolver e otimizar, e que hoje apresentam 99,9% de efetividade, são também proteções que nos permitem manter nossa liderança.
Na sua opinião, o sistema de PI deveria mudar?
Tenho registrado patentes desde 1997. É um processo lento e pesado, e as normas para a aplicação dos direitos de PI não são as mesmas no mundo inteiro. O custo também constitui uma barreira para muitas pequenas empresas. O patenteamento é uma diligência dispendiosa, e nem sempre o investimento produz retorno imediato e tangível.
Acho que o sistema de PI precisa de investimentos significativos para que se torne mais ágil e eficiente, e é preciso haver uma melhor aplicação dos direitos. Quero que custe mais caro infringir os direitos de PI do que respeitá-los.
Por que é importante para empresas como a Beewise não perder de vista a PI?
Somos pioneiros no mercado, somos os primeiros em todo o planeta, e estamos enfrentando um enorme problema. Ainda somos uma pequena empresa e por isto não sofremos grande pressão da concorrência, mas quando uma empresa produz uma inovação e quer dela tirar proveitos comerciais, tendo tanto a ganhar quanto a perder, tem de ter certeza de que dispõe de proteção, porque sem PI, uma empresa torna-se vulnerável diante de seus concorrentes.
Quais são seus planos para o futuro?
Salvar as abelhas não uma tarefa fácil. Temos uma importante missão diante de nós. Quero fazer com que num dado momento as colônias de abelhas deixem de ser ameaçadas. O desaparecimento de colônias de abelhas é devido às mudanças climáticas. Somos nós que estamos causando esse prejuízo, e ao causarmos esse transtorno estamos prejudicando nosso próprio suprimento global de alimentos, o que é um verdadeiro paradoxo. Ainda tenho um longo caminho pela frente para atingir meu objetivo, mas se for bem-sucedido, terei o prazer de ter superado essa dificuldade e então prosseguirei, enfrentando um novo problema mais complexo.
Você criou uma série de empresas. Qual é o segredo de seu sucesso?
Poderia citar vários fatores, mas o fio condutor comum é o fator sorte. O segundo é o fracasso. Você tem de aceitar o fracasso. Estamos construindo o primeiro dispositivo que produz seus efeitos no planeta. Ninguém fez isto até agora. Quais são as probabilidades de que o primeiro dispositivo que criamos funcione como planejamos? Zero. Concluo que o fracasso também faz parte do sucesso, não? Quero dizer que não se pode obter sucesso sem passar pelo fracasso: na verdade, é o mesmo percurso. Mas tudo isto é realmente muito difíil, e a maioria não compreende necessariamente essa relação.
A Revista da OMPI destina-se a contribuir para o aumento da compreensão do público da propriedade intelectual e do trabalho da OMPI; não é um documento oficial da OMPI. As designações utilizadas e a apresentação de material em toda esta publicação não implicam a expressão de qualquer opinião da parte da OMPI sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, ou área ou as suas autoridades, ou sobre a delimitação das suas fronteiras ou limites. Esta publicação não tem a intenção de refletir as opiniões dos Estados Membros ou da Secretaria da OMPI. A menção de companhias específicas ou de produtos de fabricantes não implica que sejam aprovados ou recomendados pela OMPI de preferência a outros de semelhante natureza que não são mencionados.