É hora de os jovens se ligarem na propriedade intelectual
Nadine Hakizimana e Edward Kwakwa, Setor de Parcerias e Desafios Mundiais da OMPI
Se olharmos com atenção à nossa volta, perceberemos que a propriedade intelectual (PI) está por toda parte. Até em um verso do rapper Quavo: “Você faz pela cultura, e eles te copiam sem dó”, na canção “T-Shirt”, gravada pelo trio Migos. Nessa canção, os rappers Quavo, Offset e Takeoff homenageiam “a cultura”, isto é, a cultura hip-hop – importante instrumento de empoderamento negro que se tornou um movimento mundial, influenciando a moda, a língua, o grafite, a dança de rua, a poesia falada e muitas outras manifestações culturais. Compor músicas “pela cultura” significa expandir os limites da criatividade por meio da criação de novos sons para o deleite das pessoas, em todas as partes do mundo. O valor da comunidade é um elemento central nessa ideia. O trio Migos também se refere ao desprezo tácito pela prática de plagiar trechos da obra de outros artistas sem dar o devido crédito – conhecida em inglês como “biting”. Esse desprezo pelo plágio é consequência do valor que os músicos de hip-hop atribuem à originalidade e também de seu compromisso com o avanço e aprimoramento de sua arte. A propriedade intelectual tem tudo a ver com originalidade – aqui não se plagia nada de ninguém. Como diriam os fãs de hip-hop, “a PI é da hora!”.
O verso criado por Quavo ecoa o objetivo fundamental de um sistema equilibrado de PI: incentivar a inovação e a criatividade em benefício de todas as pessoas. Ao reconhecer e remunerar criadores e inventores pelo trabalho que realizam, garantindo que tenham acesso às receitas geradas por suas obras, o sistema mundial de propriedade intelectual contribui para que a sociedade se desenvolva em termos econômicos, sociais e culturais, beneficiando a todos nós. Isso faz do verso de Quavo um ótimo ponto de partida para envolver os jovens e mostrar a eles como o sistema de PI pode ajudá-los a realizar seus sonhos.
A propriedade intelectual tem tudo a ver com os jovens
Os crescentes níveis de interconectividade que experimentamos hoje em dia abrem oportunidades incríveis para a expressão criativa e, com isso, ficou mais fácil para os jovens consumirem e criarem propriedade intelectual.
Ao se antenar com a PI, os jovens descobrem o que podem fazer para proteger seus próprios interesses e não violar os direitos de outras pessoas. O sistema de propriedade intelectual e os direitos por ele conferidos permitem aos jovens (saiba mais sobre o Programa da OMPI para Jovens) transformar suas ideias e talentos em ativos econômicos valiosos. Em outras palavras, os jovens podem gerar renda com suas ideias e, assim, continuar dedicando tempo e energia ao aperfeiçoamento de seus talentos. Podem inclusive criar empresas para explorar sua inventividade e gerar empregos, fortalecendo a comunidade local e contribuindo para o crescimento econômico de seu país.
Atualmente, em termos mundiais, os ativos intangíveis representam 90% do valor das empresas, segundo a consultoria financeira especializada em propriedade intelectual Ocean Tomo. Esse fato explica por que muitos países, sobretudo os países em desenvolvimento, buscam promover a expansão de suas economias por meio de incentivos a indústrias de alto valor agregado e baseadas no conhecimento. Como os direitos de propriedade intelectual possibilitam proteger e alavancar o valor dos ativos intangíveis nos quais se fundamentam as economias baseadas no conhecimento, a PI estará inevitavelmente cada vez mais presente na vida dos jovens.
Programa da OMPI para Jovens
Em 2021, o diretor-geral Daren Tang apresentou aos Estados membros o Planejamento Estratégico de Médio Prazo (PEMP) para o quadriênio 2022-2026, que atribui grande importância aos jovens.
“Os jovens também estarão no centro das nossas atenções. Além de serem os futuros inovadores, criadores e empresários, eles constituem uma parcela significativa da população de muitos países em desenvolvimento. Precisamos garantir que os jovens compreendam como a propriedade intelectual está fundamentalmente ligada a suas vidas e pode ajudá-los a realizar suas aspirações, seja para gerar renda por meio da inovação e da criatividade, seja para enfrentar os desafios mundiais.”
Em fevereiro de 2022, a OMPI recebeu a primeira turma de jovens profissionais que participarão de seu Programa de Jovens Especialistas. Eles passarão dois anos na sede da OMPI, em Genebra, para ampliar seus conhecimentos sobre propriedade intelectual. Serão os líderes de amanhã do sistema de PI.
Com seu Programa WIPO ADR Young, a OMPI também oferece a jovens profissionais da área de PI a possibilidade de se relacionar com mais de 600 membros com interesses afins e de se beneficiar com oportunidades de formação em propriedade intelectual e resolução alternativa de conflitos.
Demografia jovem
A África é o continente mais jovem do mundo: 70% de sua população tem menos de 25 anos. Embora signifique que os países africanos têm uma enorme oportunidade de construir um futuro melhor, isso também impõe desafios consideráveis para seus formuladores de políticas públicas. Além dos níveis crescentes de desemprego entre os jovens – cerca de 73 milhões da população mundial de 3 bilhões de jovens estão desempregados atualmente, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, a migração econômica e a consequente “fuga de cérebros” representam sérios desafios para as políticas públicas, com consequências sociais e econômicas de longo alcance. Canalizar a inventividade e a energia dos jovens para enfrentar desafios locais e promover o crescimento econômico de seus países ajudará a criar empregos mais atrativos e melhores perspectivas de vida para essa juventude.
É hora de destravar o potencial dos jovens
Os jovens de hoje são uma fonte riquíssima e muito pouco explorada de inventividade e criatividade. O frescor de sua visão, de sua energia, de sua curiosidade, de sua atitude confiante e sua gana por um futuro melhor já reconfiguram abordagens e impulsionam ações voltadas para a inovação e a mudança.
Criadas em um mundo totalmente digital, as atuais gerações de jovens são ainda mais empreendedoras, inovadoras e criativas que suas predecessoras. Muitos desses jovens dão mais valor a um senso de propósito do que à obtenção de lucros imediatos, envolvendo-se em empreendimentos que procuram oferecer soluções para os grandes desafios do nosso tempo – mudanças climáticas, acesso a saúde, segurança alimentar, educação, desemprego, entre outros. No entanto, o estabelecimento de um empreendimento sustentável é uma jornada que apresenta seus próprios desafios. E um conhecimento sólido em matéria de propriedade intelectual pode ajudar os jovens a enfrentar esses desafios, possibilitando que eles protejam seus ativos de PI (isto é, suas inovações e criações), tirem proveito do valor deles e amplifiquem seu impacto.
Reconhecendo esses desafios, a OMPI vem trabalhando em conjunto com os Estados membros da organização no desenvolvimento de ecossistemas nacionais de propriedade intelectual e inovação propícios à atuação de inventores e criadores, com a implementação, por exemplo, de instrumentos que auxiliam as empresas a maximizar seu potencial por meio do uso de PI.
Muitas iniciativas positivas vêm sendo realizadas para garantir a redução dos custos e a acessibilidade dos sistemas e serviços nacionais de propriedade intelectual. Apesar disso, a conscientização sobre os inúmeros benefícios da propriedade intelectual para os jovens permanece sendo um desafio. É por isso que o tema da campanha do Dia Mundial da Propriedade Intelectual deste ano é PI e juventude: inovar por um futuro melhor.
A campanha é uma oportunidade para que jovens do mundo inteiro descubram como os direitos de propriedade intelectual podem ajudá-los a transformar suas ideias em realidade, a gerar renda para seu próprio sustento, a criar empregos e a construir um futuro melhor. Com os direitos de PI, os jovens têm acesso a algumas das principais ferramentas de que precisam para alcançar seus objetivos.
A OMPI reconhece que, além de agentes fundamentais de mudanças, os jovens podem ajudar a encontrar soluções para os desafios atuais e a construir parcerias mundiais efetivas, capazes de moldar o nosso futuro. É por isso que a mobilização dos jovens constitui hoje um importante foco das ações da OMPI. Por meio de nossas novas atividades de mobilização juvenil, traremos jovens para participar de debates internacionais sobre a propriedade intelectual e mostraremos a eles como a PI pode contribuir para que seus empreendimentos moldem o mundo em que eles querem viver.
Como o sistema de PI apoia a inovação e a criatividade
Diferentes direitos protegem diferentes tipos de propriedade intelectual, como invenções, desenhos industriais e obras criativas. Em geral, esses direitos têm uma finalidade principal: incentivar mais inovações e criatividade ao assegurar que inovadores e criadores obtenham uma remuneração justa por seu trabalho e garantam, assim, o seu sustento.
A propriedade intelectual permite que os titulares de direitos impeçam outras pessoas de copiar ou usar sua PI sem a sua autorização. Isso significa que os titulares de direitos podem cobrar um preço razoável pelo uso de ativos de propriedade intelectual economicamente valiosos. A perspectiva de remuneração econômica incentiva as pessoas e as empresas a investir no desenvolvimento de inovações e criações úteis.
Na maior parte dos casos, os direitos de propriedade intelectual têm prazo de vigência determinado e só podem ser adquiridos quando certas condições são satisfeitas. Há também regras que permitem o uso, em circunstâncias específicas e limitadas, de diferentes tipos de propriedade intelectual sem a necessidade de obter autorização prévia do titular dos direitos. Esses instrumentos garantem um equilíbrio entre os interesses dos inovadores e criadores e os interesses do público em geral, permitindo que todos se beneficiem da propriedade intelectual.
Os jovens criadores estão fazendo a diferença
Inúmeros jovens, de todos os cantos do planeta, já contribuem de forma extraordinária para o ecossistema de inovação. É o caso de Thato Khatlanye, uma jovem de 18 anos que mora na comunidade de Mogwase, na cidade de Rustenburg, no norte da África do Sul. Thato desenvolveu uma solução local inovadora para enfrentar os desafios globais da escassez de energia e do acesso desigual à educação. Usando plástico reciclado, ela criou uma mochila escolar de alta durabilidade que vem equipada com tecnologia solar. As crianças e os jovens da comunidade ganharam uma mochila mais robusta para transportar seus livros e, mais importante, acesso a uma fonte de iluminação alimentada por energia solar em suas casas, para que possam estudar sem nenhum risco depois que escurece. A inovação rendeu a Thato o Anzisha Prize, considerado o “maior prêmio para jovens empreendedores inovadores” da África.
Dois estudantes de Hong-Kong, Su Ming Wong e Kin Pong Li, criaram uma maçaneta que desinfeta as mãos do usuário, feita com um tubo de vidro e uma lâmpada LED integrada, revestida com dióxido de titânio. A lâmpada LED ativa um composto no dióxido de titânio que mata 99,8% das bactérias. A maçaneta contribui para o uso eficiente de energia, já que é alimentada pela força cinética gerada pelo movimento da própria porta. Originalmente criada em razão do surto de SARS nos anos 2000, a invenção tornou a demonstrar sua relevância na atual pandemia de Covid-19, e acabou por render à dupla de estudantes o prêmio James Dyson Award em 2019.
De maneira semelhante, no início de 2020, motivados pela necessidade urgente de ampliar a capacidade de atendimento intensivo nos hospitais do Quênia, alguns estudantes de engenharia e medicina da Universidade Kenyatta, em Nairóbi, criaram o primeiro ventilador mecânico do país. O aparelho tem custo baixo e cumpre os padrões internacionais. Atualmente, o grupo produz 100 ventiladores por mês. Com o auxílio da Law Society of Kenya, os estudantes depositaram um pedido de patente no Instituto de Propriedade Intelectual do Quênia.
A mexicana Xóchitl Guadalupe López, uma menina de oito anos extraordinariamente talentosa, inventou um aquecedor solar de água usando materiais reciclados. Com um custo aproximado de US$ 13 por unidade, o sistema, batizado por Xóchitl de Banho Quente, oferece uma solução de aquecimento de água que cabe no orçamento restrito dos habitantes da comunidade rural de San Cristóbal de las Casas, onde ela vive. O Banho Quente representa uma alternativa ecológica à madeira, cuja queima cria graves problemas respiratórios para os habitantes locais. Em 2018, Xóchitl tornou-se a primeira criança a ser agraciada com o prestigioso prêmio Reconocimiento ICN a la Mujer, concedido pelo Instituto de Ciências Nucleares da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), por seu trabalho extraordinário.
Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos de soluções desenvolvidas por jovens para superar os enormes desafios enfrentados por suas comunidades e por nosso planeta. Precisamos incentivar os jovens e oferecer condições para que eles usem sua inventividade e criatividade para construir um futuro melhor. É por isso que os formuladores de políticas públicas de todos os países precisam estar atentos às preocupações dos jovens e elaborar políticas e programas de capacitação e apoio voltados para esse segmento populacional.
Os desafios que temos pela frente
Para que possamos aproveitar cada vez mais o imenso potencial da juventude mundial para construir um futuro melhor, é necessário dar respostas a algumas questões complexas e elaborar políticas efetivas. Por que certos países não conseguem oferecer aos jovens a oportunidade de se tornarem cidadãos economicamente ativos? Como fazer para criar condições que permitam aos jovens ter vidas independentes e criativas e, assim, contribuir para o desenvolvimento de suas comunidades e da economia de seus países? Como fazer para preparar os jovens com o conhecimento e as habilidades de que precisarão para realizar os trabalhos do futuro?
Atualmente, como no passado, os jovens demonstram sua capacidade de se mobilizar e estimular o apoio à mudança. Os jovens são hoje protagonistas no enfrentamento das mudanças climáticas, da poluição e de outras questões sociais candentes, como o assédio sexual (movimento “MeToo”) e o racismo (movimento “Black Lives Matter”). Os jovens estão se mobilizando para construir um mundo melhor e muitos deles dedicam tempo e energia ao desenvolvimento de invenções e inovações de vanguarda que moldarão o nosso futuro.
Isso nos traz de volta ao verso de Quavo e ao paralelo que ele estabelece com o sistema de propriedade intelectual; um lembrete de que esse sistema tem por objetivo promover mais inovação e criatividade ao garantir que inovadores e criadores recebam uma remuneração justa pelo trabalho que realizam e tirem dele seu sustento.
Conclusão
O potencial inovador da juventude mundial é um recurso muito pouco explorado que pode ajudar a impulsionar as mudanças que precisamos fazer para migrar para um modelo econômico mais sustentável. É hora de os jovens se ligarem na propriedade intelectual para descobrir como os direitos de PI podem ajudá-los a transformar suas ideias em realidade. É hora de os formuladores de políticas públicas de todos os países apoiarem os jovens inventores e criadores e assegurar que eles tenham os conhecimentos e as ferramentas de PI de que precisam para transformar suas visões do futuro em realidade. Nosso futuro depende disso.
Os jovens de hoje são a nossa maior esperança de um amanhã melhor. Como diz a jovem poeta laureada Amanda Gorman, no poema A colina que subimos, que ela declamou na posse do presidente norte-americano Joe Biden, em 2021, “Luz sempre há, se tivermos coragem para ver a luz, se formos valentes para ser a luz”.
A Revista da OMPI destina-se a contribuir para o aumento da compreensão do público da propriedade intelectual e do trabalho da OMPI; não é um documento oficial da OMPI. As designações utilizadas e a apresentação de material em toda esta publicação não implicam a expressão de qualquer opinião da parte da OMPI sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, ou área ou as suas autoridades, ou sobre a delimitação das suas fronteiras ou limites. Esta publicação não tem a intenção de refletir as opiniões dos Estados Membros ou da Secretaria da OMPI. A menção de companhias específicas ou de produtos de fabricantes não implica que sejam aprovados ou recomendados pela OMPI de preferência a outros de semelhante natureza que não são mencionados.