As marcas comprometidas com a sustentabilidade e o risco da “maquiagem verde”
Kathryn Park, diretora da Strategic Trademark Initiatives, Connecticut, Estados Unidos
Ao longo da última década, assistimos ao rápido crescimento da demanda por produtos e serviços ambientalmente sustentáveis. As mudanças climáticas e seus impactos – tsunamis e furacões de intensidade nunca vista, incêndios, enchentes e deslizamentos devastadores, estiagens e temperaturas escaldantes – estão impulsionando a demanda por artigos que sejam produzidos de forma sustentável e que possam ser usados sem causar danos ao meio ambiente.
Estudo recente realizado conjuntamente pela Dentsu International e pela Microsoft Advertising indica que mais de 90% dos consumidores se interessam por marcas que estejam efetivamente comprometidas em fazer da sustentabilidade uma prioridade e demonstrem esse compromisso na prática. O estudo sugere ainda que as empresas que não adotarem essa estratégia passarão a ser malvistas pelos consumidores nos próximos anos. Outras pesquisas mostram que mais de 50% dos consumidores abaixo de 40 anos estão dispostos a pagar mais por esse tipo de produto ou serviço. Oferecer produtos e serviços “verdes” pode ser um ótimo negócio.
Com seu potencial para atrair consumidores, o “marketing verde” vem sendo adotado pelas empresas de várias maneiras, o que inclui o uso de marcas com nomes que aludem a um caráter “verde”; o emprego de palavras ou expressões como “sustentável”, “compostável”, “verde”, “orgânico”, “eco”, “impacto zero” e “natural”; a elaboração de materiais publicitários que têm como pano de fundo imagens de montanhas, oceanos e florestas de grande beleza; a utilização de esquemas de cores em tonalidades verdes em fontes e textos usados em anúncios; e a ênfase nos benefícios ambientais proporcionados pelos produtos. Acontece que os consumidores adotam uma postura de ceticismo em relação a essas estratégias, a menos que a empresa seja capaz de demonstrar com transparência as bases factuais de seu compromisso com o meio ambiente. Além disso, declarações de sustentabilidade falsas ou não corroboradas podem atrair a atenção de órgãos reguladores e legisladores e dar margem a que concorrentes, consumidores ou institutos de defesa do consumidor processem judicialmente a empresa.
O jeito certo de promover uma imagem ambientalmente sustentável
As empresas que fazem bom uso do marketing verde normalmente incorporam a preocupação com a sustentabilidade em todas as suas atividades, assumindo, por exemplo, compromissos explícitos e mensuráveis com a redução do impacto de suas ações no meio ambiente – as quais são divulgadas ao público e franqueadas a verificações externas. Transparência é a alma do negócio verde. As declarações de sustentabilidade precisam ser factualmente corroboradas, fazer sentido e ter importância para os consumidores.
Além disso, e em consonância com o exposto acima, estratégias eficazes de marketing verde não exageram os impactos da empresa em termos de sustentabilidade. Declarações específicas sobre determinados produtos têm mais chance de convencer os consumidores de que são verdadeiras se, em vez de formuladas em termos excessivamente abrangentes, estiverem cuidadosamente qualificadas e amparadas por dados sólidos.
Oferecer produtos e serviços ‘verdes’ pode ser um ótimo negócio.
Outra condição importante para que o marketing verde seja bem-sucedido é não fazer declarações de sustentabilidade que, embora estritamente verdadeiras, induzam a erro. Não adianta anunciar, por exemplo, que as emissões de determinada refinaria foram reduzidas se 99% das outras operações da empresa continuam a contaminar o ambiente com poluentes. Trata-se de um benefício minúsculo que não altera significativamente o impacto ambiental negativo da empresa.
Os consumidores são fiéis a marcas que historicamente cumprem seus compromissos ambientais. A marca de roupas femininas Eileen Fisher®, por exemplo, dá grande visibilidade a seu esquema de coleta de roupas usadas – que são recicladas para serem utilizadas na confecção de peças novas –, tendo angariado assim uma sólida base de clientes, formada por consumidoras que valorizam esse compromisso da marca com a sustentabilidade.
Cuidado com o excesso de verniz – os perigos da maquiagem verde
Diretrizes promulgadas pela Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, em seu documento intitulado Green Guides, e pela União Europeia, em sua diretiva sobre práticas comerciais desleais, oferecem orientações claras sobre o que constitui informações enganosas. Em ambos os regimes, o uso de termos vagos, como “sustentável”, “verde”, “eco” e assemelhados, não é aceitável quando se tratam de atributos falsos ou enganosos. Além disso, as declarações de sustentabilidade precisam ser respaldadas por provas factuais inequívocas e qualificadas, de modo a não exagerar os benefícios efetivamente gerados. Por fim, o alegado benefício ambiental deve estar diretamente relacionado com o produto, seja no que tange a sua fabricação, seja no que diz respeito a seu uso.
Embora a fiscalização do respeito às leis de defesa do consumidor esteja a cargo das autoridades reguladoras, as empresas que violam essas leis também podem ser alvo de ações de organizações não governamentais. Existe ainda a possibilidade de serem processadas judicialmente por concorrentes, assim como por consumidores que tenham sido induzidos a erro, frequentemente com o ajuizamento de ações coletivas.
Em um caso recente – o primeiro a abordar judicialmente o tema na Itália –, uma juíza proferiu decisão favorável à fabricante de microfibras automotivas Alcantara, que acusava sua concorrente Miko de fazer propaganda ecológica falsa de seu produto. Por meio de uma liminar, a requerida foi impedida de continuar a fazer declarações de sustentabilidade vagas e infundadas. A juíza concluiu que as declarações de sustentabilidade da Miko eram inverificáveis e falsas, determinando a remoção imediata de todas as mensagens publicitárias veiculadas em meios de comunicação e na internet pela empresa. Além disso, a Miko foi obrigada a manter a decisão judicial publicada em seu site por 60 dias.
Um exemplo do estrago que pode ser causado por uma ação coletiva é o caso da processadora de óleo de cozinha Wesson. Consumidores do óleo ajuizaram uma ação coletiva contra a declaração da fabricante de que seu óleo era 100% “natural”, quando na realidade o produto era feito com organismos geneticamente modificados (OGMs). O processo, que se arrastou por impressionantes oito anos, terminou com um acordo.
Mas em que exatamente consistem as práticas de maquiagem verde? Rotular como compostável um saco de lixo que não se decompõe ao ser despejado em um aterro sanitário é um exemplo. Afirmar que determinado produto é reciclável, quando a infraestrutura existente dá conta de apenas uma fração da reciclagem que seria necessária para eliminar os danos ao meio ambiente – como no caso das garrafas plásticas de água ou refrigerante – também pode constituir uma prática de maquiagem verde. No ano passado, diversos grupos ambientalistas norte-americanos, como o Sierra Club, ajuizaram ações contra a Coca-Cola e a Blue Triton Brands (distribuidora de água mineral que controla marcas como Poland Spring e Deer Park), entre outras empresas, por fazerem abrangentes declarações de sustentabilidade, a despeito do fato de que a vasta maioria de suas garrafas é descartada em aterros sanitários e não é reciclada.
Os consumidores são fiéis a marcas que historicamente cumprem seus compromissos ambientais.
Outro exemplo dessa tendência é a ação movida em agosto de 2021 pela organização ambientalista Earth Island Institute contra a Blue Triton (Earth Island Inst. v Blue Triton Brands), em que se alegava que as declarações de sustentabilidade da empresa violavam a Lei de Procedimentos de Proteção ao Consumidor do Distrito de Columbia, que proíbe o uso de práticas comerciais enganosas. Em sua contestação, a requerida argumentava que suas declarações eram apenas a manifestação de uma aspiração, sem intuito publicitário, não sendo portanto ajuizáveis. O caso ainda não foi julgado.
Ocorre que, embora as empresas às vezes recorram a esse tipo de subterfúgio técnico para escapar das punições legais, os consumidores ficam com um pé atrás. Com a demanda por produtos verdadeiramente ecológicos em alta, aplicar um verniz verde em artigos que não contribuem de fato para a preservação do meio ambiente é uma estratégia contraproducente.
Em janeiro de 2021, a Comissão Europeia, em conjunto com órgãos nacionais de defesa do consumidor, publicou um relatório sobre a varredura anual a que submete os sites de comércio eletrônico para identificar a ocorrência de violações às leis de proteção do consumidor da União Europeia. O estudo pela primeira vez abordou a fundo as práticas de maquiagem verde, analisando as declarações de sustentabilidade de diversos produtos de consumo. A conclusão foi que, em 42% dos sites examinados, as declarações tendiam a ser falsas e enganosas, sendo, portanto, passíveis de questionamento judicial por prática de concorrência desleal.
Além do risco de punições por parte de órgãos reguladores e de dispendiosos processos judiciais, a maquiagem verde expõe as empresas a um custo de longo prazo ainda mais significativo: a perda de clientes. Os consumidores ficam contrariados quando a maquiagem é escancarada. Uma rápida consulta ao YouTube, por exemplo, revela inúmeros vídeos feitos por jovens empenhados em chamar a atenção para as declarações de sustentabilidade mais absurdas e ridicularizar muitas marcas conhecidas. Esse tipo de fama é prejudicial para as marcas e pode destruir reputações que levaram décadas para ser construídas, causando o alheamento das novas gerações, que preferem gastar seu dinheiro com marcas que cumprem seus compromissos ambientais.
Pedidos de registro de marcas verdes estão em alta
Os pedidos de registro de marcas de produtos e serviços relacionados com a preservação do meio ambiente e o enfrentamento das mudanças climáticas continuam a aumentar. Em setembro de 2021, o Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) divulgou seu relatório sobre o registro de marcas verdes, em que são analisados pedidos de registro de marca com base na pesquisa de mais de 900 termos relativos a proteção ambiental e sustentabilidade, como “fotovoltaico”, “solar”, “eólico” e “reciclável”. Os resultados apontam para um crescimento contínuo desse tipo de marca, que totalizava menos de 1,6 mil em 1996, primeiro ano de operação do EUIPO, e chegava a quase 16 mil em 2020. Os pedidos de registro de marcas verdes representam atualmente entre 10% e 12% do total anual de depósitos.
No entanto, os pedidos de registro de marcas que incluem especificamente declarações diretas de sustentabilidade – com a inclusão, por exemplo, de termos como “verde”, “sustentável” ou “ecológico” no nome ou na descrição do produto – tendem a ser indeferidos. Na maioria dos casos, esses pedidos são indeferidos por se tratarem de marcas descritivas. Outros dois motivos possíveis de indeferimento são o fato de não funcionarem como marca e induzirem o consumidor em erro.
Marqueteiros criativos têm bastante talento para encontrar maneiras de identificar marcas suscetíveis de proteção que aludem aos benefícios ambientais prometidos, sem no entanto serem descritivas.
Como o indeferimento com base na descritividade implica, essencialmente, submeter as palavras que compõem a marca a uma análise em relação aos produtos, trata-se de uma avaliação bastante simples. O Instituto de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO), por exemplo, já indeferiu pedidos de registro de marcas como GREEN CEMENT (“Cimento Verde”), para um cimento que não causa danos ao meio ambiente, GREEN-KEY (“Chave-verde”), para cartões de acesso ecológicos, CARBON NEGATIVE FIBER (“Fibra Negativa em Carbono”), para fibras naturais usadas em processos industriais, e ZERO WASTE TEE (“Camiseta Reciclável”), para peças de roupa. Na União Europeia, adota-se uma análise similar e, de fato, termos como “eco” e “verde” são explicitamente mencionados nas diretrizes do EUIPO como descritivos quando usados para designar produtos ou serviços que se pretendem ecológicos.
O uso de marcas verdes não qualificadas tende a suscitar declarações enganosas de sustentabilidade, em razão da impossibilidade inerente de qualificar adequadamente a declaração com as poucas palavras que normalmente formam uma marca. Como a maquiagem verde ocorre quando falta à declaração a devida especificidade ou qualificação, a maioria das marcas é naturalmente reprovada nesse teste.
Marqueteiros criativos têm bastante talento para encontrar maneiras de identificar marcas suscetíveis de proteção que aludem aos benefícios ambientais prometidos, sem no entanto serem descritivas. A marca de roupas de montanha e aventura Patagonia, por exemplo, registrou marcas como BETTER THAN NEW® (“Melhor que novo”) para identificar peças e equipamentos usados que são recomprados de seus consumidores, eventualmente consertados ou reciclados e recolocados à venda. A Everlane, outra marca de roupas, teve êxito no registro de marcas como RECASHMERE® E REWOOL® para designar peças feitas com tecidos reciclados.
Marcas de certificação atestam a sustentabilidade da empresa
Uma maneira segura de atestar a sustentabilidade do produto ou serviço é por meio do uso das marcas de certificação, em que os consumidores se baseiam cada vez mais para tomar suas decisões de compra. Essas marcas de certificação são concedidas por entidades que estabelecem padrões e metodologias de teste a que a empresa interessada em usá-las deve se submeter. O Conselho de Manejo Marinho (MSC), por exemplo, conta com um programa de certificação voltado para empresas de pesca, com padrões rígidos para reduzir os impactos negativos da indústria pesqueira nos oceanos. Esses padrões são atualizados regularmente para acompanhar os avanços científicos, e as empresas que buscam certificação precisam demonstrar que suas atividades estão em conformidade com esses padrões. A marca de certificação MSC é usada em produtos vendidos diretamente ao consumidor, sendo também adotada por varejistas e restaurantes para indicar que seus peixes e frutos do mar seguiram os padrões de pesca estabelecidos pelo MSC.
Uma maneira segura de atestar a sustentabilidade do produto ou serviço é por meio do uso das marcas de certificação.
Outro exemplo é a certificação Leadership in Energy and Environmental Design, ou LEED, usada no setor da construção civil para indicar a adoção das melhores práticas em construção sustentável. Tida como o “padrão ouro” dos programas de certificação, as certificações LEED identificam projetos de edifícios caracterizados por melhorias ambientais concretas, como uso reduzido de água, diminuição nas emissões de carbono, etc. E há muitas outras iniciativas desse tipo, como o BREAM (Building Research Environmental Assessment Method), que avalia e certifica a sustentabilidade de edifícios, a certificação da Rainforest Alliance, aplicável a propriedades agrícolas, o Green Seal, para produtos de consumo e serviços ao consumidor, e o SIP Certified, centrado em vinhedos e vinícolas.
Para marcas que desejam comunicar rapidamente seu compromisso com a sustentabilidade, essas certificações – usadas em conjunto com a própria marca – costumam ser a melhor opção.
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