Shalisha Samuel, dubladora e advogada, Porto de Espanha, Trinidad e Tobago
O que as campanhas “Inclusão e Diversidade – De Braços Abertos”, da Apple, “Retratos da Real Beleza”, da Dove, “Aquela Vozinha”, da RBC, “A Conversa”, da Procter & Gamble’s, e “Abra seu Mundo”, da Heineken, têm em comum?
Todas elas promovem a inclusão de grupos diversificados de pessoas e perspectivas e chamam a atenção para problemas sociais frequentemente ignorados. A abordagem estratégica de conceitualização e produção dessas campanhas quebra o que se espera de um “roteiro” publicitário, permitindo que as marcas se distingam com suas mensagens memoráveis.
Campanhas publicitárias que promovem a diversidade têm o potencial de melhorar o posicionamento da marca, reforçar seu valor e gerar receitas. Publicado em 2022, o relatório Consumer Equality Equation (CEE) da WPP ressalta a importância da promoção da inclusão em todas as áreas da organização – do desenvolvimento de produtos ao marketing e publicidade – para reduzir a desigualdade no tratamento de consumidores, mostrando ainda os benefícios econômicos dessa maior inclusão. A publicação indica que, “em 2023, a renda disponível de pessoas pertencentes a minorias étnicas deve alcançar a marca de 252 bilhões de libras esterlinas por ano. Segundo estimativas, a renda disponível acumulada dessa população chegará a 3,06 trilhões de libras esterlinas em 2031, aumentando para 16,7 trilhões de libras em 2061”.
Mas o que seria exatamente “diversidade” e o que ela tem a ver com o valor dos ativos de propriedade intelectual (PI) das empresas?
Entende-se por diversidade a pluralidade de pessoas e perspectivas dentro de uma sociedade. Essa definição inclui a diversidade demográfica, experimental e cognitiva, cada uma com suas respectivas subcategorias, como etnia, raça, gênero, estilo cognitivo, escolaridade, religião, faixa etária, experiência e nacionalidade.
O conceito de diversidade é tão dinâmico que cada um de nós pode facilmente pertencer a mais de um grupo A diversidade é importante porque abre espaço para novas perspectivas e ideias, servindo de catalisador da inovação e da criatividade e, portanto, atendendo às necessidades e interesses de todos.
A diversidade é importante porque abre espaço para novas perspectivas e ideias, servindo de catalisador da inovação e da criatividade e, portanto, atendendo às necessidades e interesses de todos.
Assim como a diversidade, os direitos de PI também são catalisadores da inovação e da criatividade. Quando falamos em propriedade intelectual, nos referimos aos ativos intangíveis (não físicos) da empresa e, nesse contexto, à sua marca. Em geral, a marca de uma empresa goza de proteção legal, de modo que eventuais infratores podem ser acionados judicialmente pelo titular dos direitos. Após registrar sua marca, a empresa passa a ter uma série de direitos, entre os quais o de usar exclusivamente a marca por um determinado número de anos com opção de renovação.
Na economia atual, caracterizada pela diminuição dos custos de produção, os ativos intangíveis são soberanos – prova disso é que os consumidores atribuem cada vez mais importância às marcas na hora de decidir o que comprar. A importância dos ativos intangíveis na carteira das empresas, assim como em uma economia global cada vez mais baseada no conhecimento, já é amplamente reconhecida. Para exemplificar essa constatação, a pesquisa 2020 Intangible Asset Market Value Survey, publicada pelo grupo Ocean Tomo, mostra que os ativos intangíveis representam 90% do valor de mercado das empresas que compõem o índice S&P 500.
Empresas que estabelecem uma identidade de marca forte conseguem se distinguir dos concorrentes, atrair e fidelizar clientes e, em última análise, prosperar em um mercado altamente competitivo. Mas qual o papel da diversidade no contexto da promoção de uma marca?
A publicidade é imprescindível para as empresas atraírem clientes e ampliarem sua base de consumidores. Atendendo à demanda dos consumidores e visando o crescimento dos negócios, muitas marcas passaram a atribuir mais importância à diversidade, equidade e inclusão (DEI) e a retratar essas importantes questões em suas campanhas publicitárias. É cada vez maior o número de titulares de marcas que consideram essas campanhas um instrumento poderoso para alcançar e conquistar novos clientes e se destacar da concorrência.
Apesar do maior reconhecimento dos benefícios da diversidade, equidade e inclusão para os negócios, no entanto, cerca de “84% da diversidade passa despercebida”, diz Tasha Dean, diretora de receita da agência publicitária Martin Agency, à Revista da OMPI, sugerindo que ainda há muito a ser feito para chamar a atenção dos consumidores para esses temas.
Os dados mostram que a diversidade é um trunfo para as empresas, permitindo às marcas apresentar novas perspectivas que ressoem entre os mais variados públicos e inspirem conexões genuínas. As chances de um consumidor interagir com marcas que refletem suas convicções e com as quais se identificam são muito maiores. Mais de três quartos dos entrevistados do relatório CEE (mencionado mais acima) afirmaram considerar importante que as marcas promovam a diversidade e a inclusão.
A diversidade é um trunfo para as empresas, permitindo às marcas apresentar novas perspectivas que ressoem entre os mais variados públicos e inspirem conexões genuínas.
Segundo um estudo mundial realizado pela Adobe (2019) com mais de 2 mil consumidores, “a maioria dos norte-americanos (61%) acha importante que a diversidade seja retratada em peças publicitárias. (…) 38% dos consumidores afirmaram que tendem a confiar mais em marcas que mostram mais diversidade em seus anúncios.” O relatório de 2022 da WPP também revela uma maior confiança dos consumidores em marcas que representam minorias étnicas em suas campanhas publicitárias, chegando a “79%, frente a 60% entre os entrevistados brancos”.
Essa vantagem competitiva pode aumentar o valor das marcas, permitindo a seus titulares usar ativos de PI como garantia para a obtenção dos recursos necessários para ampliar as operações e investir em novos produtos. Além disso, o valor da PI da empresa pode atrair parceiros e abrir portas para oportunidades de licenciamento e franquia.
Em que pesem as evidências de que a diversidade de representação em campanhas publicitárias pode aumentar o valor das ações e a confiança dos investidores, há quem questione se é um esforço genuíno para criar um mundo mais inclusivo ou apenas um fenômeno passageiro. Estariam as empresas simplesmente pegando carona nessa onda até que surja a próxima grande tendência ou elas estão realmente empenhadas em promover a diversidade, equidade e inclusão?
E quanto os rostos e vozes que aparecem nesses comerciais publicitários? Como essas pessoas e os grupos que representam se beneficiam no longo prazo?
Vários grandes atores do setor publicitário compartilharam suas opiniões sobre o assunto com a Revista da OMPI.
Matt Foster, diretor de diversidade, equidade e inclusão (DEI) da agência Ogilvy UK, observa: “Essa questão toca no cerne do significado da excelência em DEI: a verdadeira integração. Antigamente, não víamos a diversidade sendo retratada nos anúncios porque não existia diversidade nas empresas anunciantes ou nas agências que criavam esses anúncios, sem falar nos agentes de elenco ou nas equipes de produção. Além de redutiva, a noção de que a diversidade, equidade e inclusão deve se restringir apenas a algumas áreas inevitavelmente limitará o progresso.
As marcas, as agências e o setor publicitário como um todo não devem promover a diversidade, equidade e inclusão só porque é a coisa certa a fazer, mas sim porque é a única coisa a ser feita.
Bianca Guimarães, sócia e diretora-executiva de criação da Mischief @ No Fixed Address
Bianca Guimarães, sócia e diretora-executiva de criação da Mischief @ No Fixed Address, acredita que “as marcas, as agências e o setor publicitário como um todo não devem promover a diversidade, equidade e inclusão só porque é a coisa certa a fazer, mas sim porque é a única coisa a ser feita”. A criadora diz ainda que “o mundo em que vivemos é diverso e a diversidade deve se refletir na forma como as empresas se comunicam com esse mundo. Simples assim”.
Essas perspectivas sugerem que a diversidade, a equidade e a inclusão são elementos essenciais do ecossistema que viabiliza a criação de comerciais publicitários. Foster acrescenta que a abordagem de DEI da Ogilvy UK permeia as políticas, sistemas e processos da empresa aplicáveis aos funcionários, observando que a agência apoia o intercâmbio intercultural na comunidade e integra a diversidade, equidade e inclusão “desde a concepção das campanhas até a sua veiculação no mercado (incluindo toda a cadeia produtiva)”.
Em seu artigo intitulado “6 estratégias para o setor publicitário ser mais inclusivo em 2022”, Rainbow Kirby também chama a atenção para a necessidade de promover a diversidade, equidade e inclusão em anúncios comerciais. Kirby afirma que não basta apenas retratar a diversidade nas campanhas: o processo de produção – abrangendo roteiro, cenografia, escolha da música e figurino – também deve ser inclusivo. Ela ressalta que todas as partes envolvidas, incluindo os membros do conselho, influenciam no processo de produção.
Uma das estratégias que as marcas podem adotar para empoderar grupos marginalizados é celebrar com eles contratos de licenciamento de propriedade intelectual. Um exemplo vem da norte-americana Ebonye Gussine Wilkins, que é ativista de mídia e escreve artigos sobre justiça social. Wilkins ajuda empresas e outros interessados a criar e revisar conteúdos para que reflitam as comunidades que atendem. A ativista traz uma perspectiva diferente da diversidade nos anúncios publicitários e diz à Revista da OMPI que, ao investir em empresas pertencentes a grupos sub-representados, as marcas têm a oportunidade de destacar esses grupos em seus anúncios e demonstrar um compromisso real com a questão da DEI.
Wilkins observa que as marcas podem se conectar autenticamente com os consumidores licenciando imagens de empresas controladas por grupos minoritários que representem da melhor maneira as experiências e narrativas de suas comunidades. Uma foto de um jantar em família que mostra pratos típicos da África e da América Central cria uma conexão genuína com consumidores de Gana, Nigéria e Quênia ou do Caribe, por exemplo. Empresas que adotam essa abordagem de comercializar a PI de empreendimentos pertencentes a grupos minoritários também têm a oportunidade de ampliar os negócios e fortalecer sua marca com um compromisso autêntico com a diversidade.
Foi a necessidade imperiosa de criar conexões genuínas com os consumidores que levou os empreendedores barbadenses Christina Hunte e Kevin Headley a criar uma base de dados de fotografias do Caribe.
A diversidade nos anúncios também pode depender da diversidade nos produtos e serviços oferecidos.
A diversidade nos anúncios também pode depender da diversidade nos produtos e serviços oferecidos. A grande pluralidade de tons de pele das modelos dos comerciais da Fenty Beauty Foundation é resultado da variedade inclusiva de seus 50 tons de base. A Fenty Beauty foi eleita pela revista Time uma das melhores invenções do ano graças à sua linha inclusiva de produtos. A gama de tamanhos de lingerie da Savage X Fenty e de outras marcas do setor deu origem a novas tendências e estilos para pessoas de todas as formas e estaturas – pessoas essas que hoje vemos desfilar nas passarelas de moda.
Agências criativas já começam a reconhecer que a diversidade nas peças publicitárias precisa estar enraizada na cultura da empresa, não se limitando ao processo de produção.
Agências criativas já começam a reconhecer que a diversidade nas peças publicitárias precisa estar enraizada na cultura da empresa, não se limitando ao processo de produção. Nas palavras de Wilkins, a diversidade deve fazer parte da filosofia da empresa, pois do contrário as tentativas de retratar a diversidade em anúncios comerciais podem soar artificiais e prejudicar a imagem da marca.
Não é de surpreender, portanto, que muitas marcas atualmente exijam das agências publicitárias que contratam para representar seus produtos um relatório de diversidade, equidade e inclusão, com o intuito de avaliar sua idoneidade. Foster observa que “os clientes têm feito uma série de questionamentos. Eles querem saber, por exemplo, qual é a composição étnica e de gênero de equipes específicas, com quais fornecedores trabalhamos e se eles pertencem a grupos minoritários. Já é uma prática comum os clientes e suas equipes de compras nos avaliarem com base nesses critérios, e é assim que deve ser”.
Na visão de Guimarães, da Mischief @ No Fixed Address, “as pessoas por trás do marketing precisam refletir o público com o qual a marca quer se comunicar para garantir a autenticidade das mensagens transmitidas. Ter uma equipe que fala e pensa da mesma forma, tem a mesma aparência e compartilha as mesmas experiências de vida não traz nenhum benefício para a marca ou agência”.
A diversidade nas equipes responsáveis pelo marketing e publicidade das marcas (...) garante que elas reflitam os valores de diversidade do cliente.
Assim, a mensagem central é que a diversidade nas equipes responsáveis pelo marketing e publicidade das marcas molda as campanhas publicitárias resultantes e garante que elas reflitam os valores de diversidade do cliente.
O censo de 2022 do Institute of Practitioners in Advertising (IPA) revela uma mudança na composição das equipes das agências publicitárias. Atualmente em seu 63º ano, o censo constatou um aumento de 12% no número de mulheres em cargos executivos e um crescimento de 58% no número de funcionários que não são brancos. Ao comentar sobre o aumento da diversidade nas agências publicitárias, o diretor-geral da IPA, Paul Bainfair, afirmou que “os esforços coordenados que temos empreendido em prol da promoção da diversidade e inclusão no setor estão começando a dar frutos”.
O apelo por mais diversidade não se restringe às marcas, incluindo também criadores.
O apelo por mais diversidade não se restringe às marcas, incluindo também criadores como a fotógrafa Flor Blake, que fotografou a ex-primeira-dama Michelle Obama. Blake recorda um episódio em que se retirou de um projeto porque o cliente não quis fazer algumas mudanças no elenco. “Quando estou na sala de produção, eu sempre abordo a questão [da diversidade e inclusão] (...) e todas as campanhas em que trabalho precisam passar pelo filtro da diversidade, equidade e inclusão”, explica a fotógrafa.
Em um contexto em que os ativos intangíveis continuam a dominar o mercado, as marcas que não reconhecem o valor da diversidade em suas campanhas publicitárias correm o risco de perder oportunidades de consolidar sua posição no mercado. A inclusão de diferentes pessoas e perspectivas em anúncios comerciais permite que as empresas fortaleçam a identidade de suas marcas e produzam o que Foster chama de “dividendo da diversidade”, gerando benefícios para todos.
A diversidade e a inclusão na indústria publicitária já fazem parte da publicidade moderna e, segundo Foster, “definitivamente vieram para ficar”, ainda que a velocidade de mudança não seja rápida o suficiente para consumidores que “esperam um grande salto”. Os especialistas alertam que as empresas não devem retratar superficialmente a diversidade, equidade e inclusão em seus anúncios apenas como estratégia de marketing para ampliar as vendas. Para construir uma marca que abrace a diversidade, as empresas precisam adotar uma abordagem genuinamente ética para ampliar o valor da sua propriedade intelectual e fortalecer as comunidades.
A Revista da OMPI destina-se a contribuir para o aumento da compreensão do público da propriedade intelectual e do trabalho da OMPI; não é um documento oficial da OMPI. As designações utilizadas e a apresentação de material em toda esta publicação não implicam a expressão de qualquer opinião da parte da OMPI sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, ou área ou as suas autoridades, ou sobre a delimitação das suas fronteiras ou limites. Esta publicação não tem a intenção de refletir as opiniões dos Estados Membros ou da Secretaria da OMPI. A menção de companhias específicas ou de produtos de fabricantes não implica que sejam aprovados ou recomendados pela OMPI de preferência a outros de semelhante natureza que não são mencionados.