O atleta paralímpico Rory Cooper impulsiona a inovação para pessoas com deficiência
Kathryn Carrara, escritora independente
O Dr. Rory Cooper é fundador e diretor do Laboratório de Pesquisas em Engenharia Humana (HERL, na sigla em inglês), da Universidade de Pittsburgh e do Departamento de Veteranos nos Estados Unidos. Tendo desenvolvido uma série de tecnologias para melhorar a vida das pessoas com deficiência, de aros de propulsão ergonômicos para cadeiras de rodas (uma tecnologia patenteada que reduz dores e lesões nos membros superiores de cadeirantes) a robôs que auxiliam em deslocamentos de suspensão e transporte, automação residencial e próteses, o Dr. Cooper – atleta paralímpico, inventor incansável, veterano do Exército, engenheiro e maratonista – não está disposto a parar. Nesta entrevista, ele fala sobre seu trabalho inovador e sobre a importância da propriedade intelectual (PI) para permitir que esse trabalho chegue ao mercado.
O que exatamente é engenharia humana?
A engenharia humana é uma maneira de envolver a tecnologia e a engenharia na assistência médica e na participação comunitária, lembrando a todo mundo que as pessoas com deficiência são pessoas. Nosso objetivo no HERL é melhorar a qualidade de vida e ampliar a participação das pessoas com deficiência por meio da engenharia e da tecnologia.
Em 1994, quando iniciamos nossas atividades, a sociedade muitas vezes falhava em garantir um tratamento igualitário às pessoas com deficiência. Estamos progredindo. Usamos engenharia e pesquisa avançada para melhorar a mobilidade e a funcionalidade das pessoas com deficiência, para que possam contribuir e participar plenamente da sociedade.
O design e engenharia de ação participativa (PADE, na sigla em inglês) está no centro do nosso trabalho. Há pessoas com deficiência envolvidas em todos os aspectos das nossas pesquisas, invenções e inovações.
Quais são algumas das áreas fundamentais que precisam de atenção?
Ainda há muito a fazer no sentido de aliviar lesões por pressão e desenvolver tecnologias que possibilitem que as pessoas vivam em suas casas e sejam ativas profissionalmente. Os sistemas de assistência domiciliar e algumas tecnologias convencionais já ajudam as pessoas com deficiência. Veja o caso do meu carro. Antes, eu teria sido obrigado a adaptá-lo, mas hoje a maior parte das tecnologias assistivas de que preciso já vem de fábrica, porque quase todo mundo quer ter a facilidade de poder abrir a porta do carro simplesmente apertando um botão. A popularização e disseminação das tecnologias assistivas é uma enorme oportunidade para a criação de ambientes mais inclusivos, e é importante que as pessoas com deficiência criem e influenciem o desenvolvimento dessas novas tecnologias.
As invenções do HERL são adotadas por fabricantes do setor?
Sim, depois de patenteadas, muitas de nossas invenções são adotadas por fabricantes – temos um histórico muito bom. O HERL é uma instituição que preza pela diversidade e conta com muitas pessoas com deficiência. Temos grande inserção na comunidade, nacional e internacionalmente. Trabalhamos com pessoas com deficiência na identificação dos problemas com os quais elas efetivamente se deparam e também na criação de soluções para esses problemas. Nossas prioridades se baseiam nas necessidades dos usuários, em nossas competências e no impacto que podemos gerar.
Na década de 1990, por exemplo, nós solucionamos o problema do rompimento das barras transversais das cadeiras de rodas manuais, algo que afetava quase todas as cadeiras manuais em uso no mundo. O compartilhamento dessa tecnologia sem a cobrança de royalties beneficiou milhões de pessoas.
E há também o caso dos nossos aros de propulsão com pegada e impulso naturais, que são os aros de propulsão ergonômicos mais bem-sucedidos do mundo e um dos primeiros a serem comercializados. Já foram vendidas cerca de 300 mil unidades, reduzindo drasticamente as dores e lesões dos usuários de cadeiras de rodas manuais.
Na década de 1990, nós solucionamos o problema do rompimento das barras transversais das cadeiras de rodas manuais, algo que afetava quase todas as cadeiras manuais em uso no mundo. O compartilhamento dessa tecnologia sem a cobrança de royalties beneficiou milhões de pessoas.
No caso do Virtual Seating Coach, nosso guia virtual com aprendizado de máquina para posicionamento na cadeira, optamos por uma estratégia diferente. Licenciamos o sistema para uma empresa global, a Permobil. Eles o incorporaram às cadeiras de rodas elétricas que produzem, o que garante uma diferenciação em relação às cadeiras dos concorrentes, ao mesmo tempo que ajuda as pessoas com deficiência a controlar o risco de desenvolver lesões por pressão ou linfodemas (inchaço nas pernas).
Por que a diversidade é importante?
Sou grande defensor da diversidade. A heterogeneidade é a chave da inovação. No HERL, a maior parte das pessoas vem de grupos sub-representados no campo da ciência, seja em razão de sua deficiência, origem étnica, gênero ou cultura.
A diversidade é importante porque oferece muitas perspectivas. Quando temos um grupo diverso trabalhando em conjunto, podemos pensar em múltiplas opções e encontrar soluções que de outra forma talvez não fossem nem sequer cogitadas.
A heterogeneidade é a chave da inovação.
Como o aprendizado de máquina funciona nas cadeiras de rodas?
Uma cadeira de rodas com recursos de aprendizado de máquina treina a pessoa para que ela obtenha o máximo de benefício e amplifica orientações que, de outro modo, só poderiam ser fornecidas por um médico. O sistema estimula o usuário com recompensas virtuais, como carinhas sorridentes, e o auxilia a seguir instruções para lidar com a dor e a pressão.
O sistema produz dados, o que significa que empresas como a Permobil podem monitorar e prever o comportamento dos usuários, ajudando a prevenir problemas clínicos. Também avisa o cadeirante quando está na hora de trocar a bateria. Isso é fundamental, tendo em vista os prejuízos econômicos e clínicos que o usuário pode sofrer se a tecnologia parar de funcionar.
Quais são as áreas que atualmente atraem mais atenção na engenharia de acessibilidade?
As três áreas mais dinâmicas são o aprendizado de máquina, a robótica e a integração das necessidades de pessoas com deficiência às tecnologias convencionais. Veja o caso dos smartphones. Se eu e você quisermos comprar um telefone novo hoje, podemos adquirir aparelhos idênticos, mas daqui a alguns dias eles vão estar bastante diferentes, dependendo dos aplicativos que baixarmos e instalarmos.
Em um primeiro momento, os smartphones não eram compatíveis com as necessidades das pessoas com deficiência. Agora são um grande auxílio para quase todo mundo. Em certa medida, um adolescente surdo encontra menos limitações atualmente do que há dez anos, já que hoje em dia praticamente todos os adolescentes se comunicam por meio de aplicativos de troca de mensagens. A engenharia de acessibilidade não pretende apenas adaptar produtos e serviços às necessidades das pessoas com deficiência, mas também criar plataformas tecnológicas, como os smartphones, que possam ser personalizadas em um espaço de tempo razoável e em larga escala.
É essencial acompanharmos todas as tecnologias emergentes e colaborarmos com as empresas, sobretudo para que contratem pessoas com deficiência, que são capazes de pensar de forma mais abrangente sobre a maneira de executar seu trabalho. A estação de trabalho robótica da Amazon em que estamos trabalhando, por exemplo, pode ser uma enorme oportunidade para todos os trabalhadores – e não só para os usuários de cadeiras de rodas. Muitas pessoas com deficiência tem um histórico profissional limitado ou simplesmente inexistente, de modo que até mesmo uma vaga de iniciante é importante para que elas possam começar a compor seu currículo. Não há razão para que outras empresas não sigam esse exemplo.
Não queremos ganhar dinheiro com nossa PI, mas proteger o fato de que se trata de invenções que criamos e podemos licenciar para que cheguem ao mercado.
Você já tem mais de 25 patentes em tecnologias para cadeiras de rodas, e há outras a caminho. Qual o papel da propriedade intelectual no seu trabalho?
A propriedade intelectual é fundamental para que as invenções possam ser comercializadas. Os produtos não têm como chegar ao mercado se as empresas não puderem lucrar com eles. Mesmo uma organização sem fins lucrativos como o HERL precisa de proteção para que suas invenções um dia possam vir a ajudar as pessoas. Não queremos ganhar dinheiro com nossa PI, mas proteger o fato de que se trata de invenções que criamos e podemos licenciar para que cheguem ao mercado. As empresas levam os produtos ao mercado, e é dessa maneira que as pessoas têm acesso a nossas invenções e podem se beneficiar delas.
Como a PI apoia pesquisadores e inovadores?
O maior benefício é ser reconhecido como criador de uma nova invenção, que pode ser protegida por direitos de PI. A proteção da PI é crucial para a obtenção de financiamento, pois é uma comprovação da novidade e do potencial de impacto. Todo investidor, e isso inclui as fundações filantrópicas e organizações governamentais, deseja saber o impacto que seu investimento terá na população-alvo.
Quando podemos mostrar como nossas patentes e marcas estão sendo utilizadas, os investidores podem ver quantos produtos já desenvolvemos, os problemas que eles solucionam e o impacto que têm no bem-estar dos usuários. Os aros de propulsão ergonômicos são um exemplo. Esses aros tiveram um impacto positivo sobre a condição física e o bem-estar de inúmeros usuários e proporcionaram importante economia de recursos para o sistema de saúde. Isso não teria sido possível sem a proteção de PI.
De que maneira o sistema de PI poderia melhorar?
No sistema atual, você é obrigado a garantir direitos de PI em todos os países em que deseja proteger a sua invenção. As pessoas geralmente obtêm proteção de patente nos maiores mercados, mas isso não impede que alguém fabrique e venda o produto em países onde a PI não é protegida, o que pode ser bastante desafiador.
Acordos globais que aprofundem o Tratado de Cooperação em matéria de Patentes, por exemplo, e que funcionem como o sistema postal – em que o remetente põe selos em uma carta em seu país, a um custo adequado ao nível de renda local, e pode enviá-la a qualquer lugar do mundo – seriam úteis. Com um sistema assim, você poderia registrar um pedido de patente em seu país e ele seria reconhecido – e a sua PI estaria protegida – mundialmente, e ninguém poderia produzir e vender a sua invenção sem antes obter uma licença.
Em quais projetos o HERL está envolvido atualmente?
Vídeo: Rory Cooper e sua equipe no HERL desenvolveram a recém-patenteada MeBot, a primeira cadeira de rodas robótica capaz de subir degraus e guias de rua por conta própria.
Temos, no momento, cerca de 75 projetos em andamento. Todos extremamente interessantes. Concluímos recentemente a assessoria que prestamos ao Desafio Mobilidade Ilimitada e começamos a trabalhar para tornar os veículos autônomos e sistemas de transporte mais acessíveis. Estamos identificando maneiras de garantir que as pessoas com deficiência se beneficiem desses avanços e sejam incluídas em todas as fases de seu desenvolvimento, do projeto à implementação.
Está sendo fantástico liderar esse esforço apoiado pelo Departamento de Transportes dos EUA e trabalhar ao lado de parceiros como a Fundação Toyota de Mobilidade, Hyundai, Wayamo, Veteranos Paralíticos da América, Associação Nacional de Representantes de Equipamentos de Mobilidade e Easterseals. Esperamos orientar o estabelecimento de padrões, soluções de design e pesquisas que levem à criação de produtos e serviços inclusivos.
Como foi a sua experiência nos Jogos Paralímpicos de Seul?
Foi incrível. Em 1988, pela primeira vez os Jogos Paralímpicos e Olímpicos aconteceram na mesma cidade e no mesmo complexo esportivo, e isso trouxe para nós parte do reconhecimento dos atletas olímpicos. A competição e o amplo apoio do público ao paradesporto foram fantásticos.
Você continua envolvido com os Jogos Paralímpicos?
Meu envolvimento com o movimento paralímpico é antigo e continua até hoje. O impacto mundial do movimento é espetacular. Faço parte do Grupo de Trabalho em Ciências Esportivas do Comitê Paralímpico Internacional. As minhas invenções, incluindo os compensadores direcionais e protetores para cadeiras de rodas de corrida, vêm sendo adotadas nos Jogos Paralímpicos há mais de 25 anos. Algumas das novas tecnologias desenvolvidas pelo HERL estão sendo utilizadas em corridas de cadeiras de rodas, provas de ciclismo handbike (realizadas com bicicletas impulsionadas com os braços), dança em cadeiras de rodas e tênis de mesa. Inventei uma cadeira de rodas otimizada para o tênis de mesa e outra para a dança, com patente pendente, e estou me concentrando agora em novas tecnologias para cadeiras de rodas acessíveis e de baixo custo para países de baixa renda.
O esporte e o desenvolvimento tecnológico em práticas esportivas sempre foram uma parte importante da minha vida. Os atletas são muitas vezes os primeiros a usar novas tecnologias. Eles conhecem seus corpos e sabem que a tecnologia pode melhorar seu desempenho, e isso facilita o trabalho com eles.
Os atletas vêm se beneficiando das tecnologias de registro de dados que desenvolvemos, assim como da SMARTWheel1, utilizada para auxiliar na otimização de posicionamento e desempenho. A cadeira em que eu estou sentado, por exemplo, atualmente é de uso cotidiano, mas era considerada uma cadeira de corrida nos anos 1980. Antes direcionada ao paradesporto de alto rendimento, a criação de adaptações para o corpo que melhoram a vida das pessoas se popularizou.
Recentemente, você foi incluído na série Cartas Colecionáveis de Inventores, do Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO). Qual a importância desse tipo de iniciativa?
É maravilhoso servir de inspiração para crianças do mundo inteiro, incentivando-as a se tornarem inventoras. Muitas delas talvez não pensem nessa possibilidade. As cartas são um grande divertimento; eu as levo comigo aonde vou. A melhor coisa é que elas englobam indivíduos com todo tipo de experiência, incluindo pessoas como eu, que desenvolvem tecnologias para pessoas com deficiência. É extremamente importante o reconhecimento das pessoas com deficiência que trabalham na criação de tecnologias. E a iniciativa também serve para chamar a atenção das pessoas para as áreas de engenharia de reabilitação e tecnologia assistiva, que precisam tanto disso.
Qual a sua maior realização até hoje?
Minha maior realização foi a criação do HERL, as tecnologias que criamos, a ciência que produzimos e as pessoas que treinamos aqui. Gosto de pensar que inspiramos mais inventores e cientistas no mundo inteiro a ver em pé de igualdade as pessoas com deficiência.
O grande sonho é chamar a atenção para a importância da inclusão, para que as pessoas com deficiência sejam tratadas com dignidade e respeito e tenham a oportunidade de realizar seus sonhos. Venho trabalhando nesse objetivo há algum tempo e as cartas do USPTO oferecem mais uma plataforma para a minha contribuição. As cartas ajudam a explicar a importância dos inventores e da inovação – e da inclusão.
A Revista da OMPI destina-se a contribuir para o aumento da compreensão do público da propriedade intelectual e do trabalho da OMPI; não é um documento oficial da OMPI. As designações utilizadas e a apresentação de material em toda esta publicação não implicam a expressão de qualquer opinião da parte da OMPI sobre o estatuto jurídico de qualquer país, território, ou área ou as suas autoridades, ou sobre a delimitação das suas fronteiras ou limites. Esta publicação não tem a intenção de refletir as opiniões dos Estados Membros ou da Secretaria da OMPI. A menção de companhias específicas ou de produtos de fabricantes não implica que sejam aprovados ou recomendados pela OMPI de preferência a outros de semelhante natureza que não são mencionados.