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BR001-j

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Superior Tribunal de Justiça, REsp 1727173/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03 setembro 2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.173 - PR (2017/0255354-6)

RELATORA:  MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE:  MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

ADVOGADO:  MARCOS ALBERTO SANT´ANNA BITELLI - SP087292

ADVOGADOS: ROSANA JARDIM RIELLA PEDRÃO - PR025298

ADRIANA D´ÁVILA OLIVEIRA - PR028200 FERNANDO ABAGGE BENGHI - PR036467

RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

ADVOGADOS: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ - PR011700 IVAN ALLEGRETTI - DF015644

LUIS GUSTAVO MINATTI - PR053258 MATHEUS LYON BORGES MUNIZ - DF052552

RECORRIDO: OS MESMOS

 

EMENTA

 

RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO.  AUSÊNCIA. SÚM. 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE OBRA AUDIOVISUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. JULGAMENTO: CPC/15.

 

1.       Ação de indenização por danos materiais e compensação por dano moral ajuizada em 22/04/2008, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais, ambos interpostos em 02/03/2016 e distribuídos ao gabinete em 19/10/2017.

 

2.       O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a legitimidade passiva da primeira recorrente; (iii) os danos materiais e moral suportados pelo segundo recorrente; (iv) o critério legal de indenização por danos materiais na hipótese de contrafação de obra coletiva; (v) a necessidade de liquidação da sentença; (vi) o valor da condenação a título de compensação do dano moral; (vi) o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a condenação a título de compensação do dano moral.

 

3.       A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 211/STJ).

 

4.       Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535 do CPC/73.

 

5.       O fato de a primeira recorrente se dizer mera replicadora de apenas mil unidades de DVD's, não é apto a afastar a sua legitimidade passiva, porque, in status assertionis, a conduta que lhe é atribuída na petição inicial é

suficiente para configurar um liame capaz de vinculá-la, pelo menos em tese, à contrafação apontada pelo segundo recorrente.

 

6.       Reconhecido pelo Tribunal de origem que o segundo recorrente é titular de direito autoral sobre a obra audiovisual indicada na inicial, e que essa obra foi reproduzida sem a sua autorização, com intuito de lucro, pela primeira recorrente, exsurge dos autos a responsabilidade objetiva desta pela contrafação, incumbindo-lhe o dever de reparar os danos materiais e moral decorrentes da conduta ilícita.

 

7.       Participando diferentes artistas numa mesma criação, ainda que qualquer deles possa defender os próprios direitos contra terceiros, o aproveitamento econômico relativamente a cada um corresponderá à proporção de sua contribuição, na medida em que os lucros obtidos com a exploração da obra decorrem do trabalho realizado por todos eles.

 

8.       Não sendo possível a exata determinação, no título executivo judicial, do valor efetivamente devido em virtude da condenação por danos materiais – sobretudo porque necessário apurar os valores correspondentes aos exemplares contrafeitos vendidos no Brasil e no exterior – revela-se adequada a liquidação de sentença.

 

9.       O Tribunal de origem sopesou, de forma razoável, as circunstâncias específicas da hipótese para fixar o montante da condenação a título de compensação por  dano moral, tendo, ao final, condenado a primeira recorrente ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em favor do segundo recorrente, o qual não se mostra desproporcional no particular.

 

10.    Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual (súmula 54/STJ).

 

11.    Recursos especiais conhecidos em parte e, nessa extensão, desprovidos.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte dos recursos especiais e, nesta parte, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). IVAN ALLEGRETTI, pela parte RECORRENTE: HERMETO PASCOAL.

 

Brasília (DF), 03 de setembro de 2019(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.173 - PR (2017/0255354-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

ADVOGADO: MARCOS ALBERTO SANT´ANNA BITELLI - SP087292

ADVOGADOS: ROSANA JARDIM RIELLA PEDRÃO - PR025298

ADRIANA D´ÁVILA OLIVEIRA - PR028200 FERNANDO ABAGGE BENGHI - PR036467

RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

ADVOGADOS: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ - PR011700 IVAN ALLEGRETTI - DF015644

LUIS GUSTAVO MINATTI - PR053258 MATHEUS LYON BORGES MUNIZ - DF052552

RECORRIDO: OS MESMOS

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

 

Cuida-se de recursos especiais interpostos por MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA e HERMETO PASCOAL, fundados, o primeiro, exclusivamente na alínea “a”, e o segundo, nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/PR.

Ação: de indenização por danos materiais e compensação de dano moral, em virtude da violação de direito autoral.

 

Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC/73, diante da ilegitimidade passiva dos requeridos.

 

Acórdão: o TJ/PR deu provimento à apelação de HERMETO PASCOAL, nos termos da seguinte ementa:

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR VIOLAÇÃO A DIREITOS AUTORAIS - INSURGÊNCIA QUANTO À SENTENÇA QUE DECLAROU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS APELADAS E EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - ACOLHIMENTO - RECONHECIMENTO DA SOLIDARIEDADE ENTRE AS FABRICANTES DO DVD DE SHOW DO APELANTE E A CONTRAFATORA - INTERPRETAÇÃO DO ART. 104 DA LEI N° 9.610/1998 QUE DEVE GARANTIR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO DIREITO INDIVIDUAL CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - OBRIGAÇÃO INERENTE À PRÓPRIA ATIVIDADE DAS APELADAS DE DILIGENCIAR ACERCA DO CARÁTER FRAUDULENTO DOS PRODUTOS QUE REPRODUZEM E COMERCIALIZAM - NATUREZA ILÍCITA DO OBJETO FABRICADO QUE, INEVITAVELMENTE, ACARRETA A ILICITUDE DOS LUCROS OBTIDOS - INDENIZAÇÃO FIXADA DE ACORDO COM O ART. 103, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N° 9.610/98, DIVIDINDO-SE POR TRÊS, POR SE TRATAR DE OBRA COLETIVA - VALOR QUE DEVERÁ SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - DIREITO EXTRAPATRIMONIAL EXPRESSAMENTE CONSAGRADO NO ART. 24, I, DA REFERIDA LEGISLAÇÃO - PRETENSÕES INICIAIS JULGADAS PROCEDENTES - ÔNUS SUCUMBENCIAIS INVERTIDOS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO - SENTENÇA INTEGRALMENTE MODIFICADA

 

Embargos de declaração: opostos por ambas as partes, não foram conhecidos.

 

Recurso especial de  MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL  DA AMAZÔNIA LTDA: aponta violação do art. 267, VI, do CPC/73, dos arts. 884, 944 e 405 do CC/02, bem como dos arts. 5º, VII, 81, 90, II, 82, 92, 93, I, e 104, todas da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98).

 

Alega ser parte ilegítima, diante da ausência de nexo causal que a vincule à suposta violação dos direitos do recorrido.

 

Afirma, para  tanto, que “a empresa N.H  Assessoria Comercial e Representação Fonográfica Ltda representou o produtor André Luiz Gereissati quanto ao pedido de duplicação das obras audiovisuais perante a Microservice”; que “existe declaração pela produtora e editora mencionando a autorização para inclusão em fonogramas de obra musical e ou litero musical do recorrido Hermeto Paschoal”; e que “também existe declaração assinada por André Luiz Gereissati, responsável pela empresa ALG Audio & Vídeo que o intérprete Hermeto Paschoal fazia parte da gravadora” (fl. 875, e-STJ).

 

Defende que “os fatos narrados na exordial devem ser resolvidos no campo patrimonial exclusivamente com o PRODUTOR e o EDITOR, se for o caso”  (fl. 877, e-STJ).

 

Sustenta que “não existe qualquer comprovação dos danos experimentados pelo autor, seja de ordem material (pedido inepto) ou de ordem moral” (fl. 881, e-STJ).

 

No que tange ao valor arbitrado a título de compensação do dano moral, aduz que “o montante fixado pela C. 06ª Câmara Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de  Paraná se mostra exacerbada, uma vez que a replicação de mil unidades de DVD's foi de apenas R$ 3.150,00, não tendo qualquer lucro pela venda do produto” (fl. 882, e-STJ) e que os respectivos juros de mora devem incidir a partir da citação, e não da data em que o produto foi oficialmente colocado à venda, como ficou decidido.

 

Recurso especial de HERMETO PASCOAL: aponta violação dos arts. 103, caput e parágrafo único, 32, § 3º, da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), bem como do art. 535 do CPC/73.

A par da negativa de prestação jurisdicional, sustenta que “não está previsto no art. 103 e p. único da LDA a possibilidade de ampliação ou diminuição do referido paradigma legal, de se proceder em conformações caso a caso, ou qualquer outra sorte de juízo valorativo/discricionário pelo magistrado neste sentido” e que “três mil unidades serão consideradas para o fim de quantificar a compensação devida ao titular de direitos autorais lesado em contrafação, quando desconhecida a quantidade real de vendagem” (fl. 896, e-STJ).

 

Afirma que o TJ/PR, “mesmo diante do comprovado e incontroverso valor venal da obra contrafeita, e do paradigma legal de três mil unidades - que encerram a fórmula indenizatória constante da norma -, entendeu por bem  remeter o pedido formulado pelo Recorrente Hermeto para liquidação  de sentença” (fl. 897, e-STJ).

 

Alega que “cada titular de direitos autorais, ainda que em regime de co-autoria, está outorgado no poder de defender seus direitos perante terceiros, de modo integral, autônomo e independente” e, por isso, não se pode dividir o paradigma legal – de 3.000 unidades para 1.000 – “apenas pelo fato da obra conter mais dois titulares” (fl. 898, e-STJ).

 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/PR inadmitiu os recursos, dando azo à interposição dos respectivos agravos (AREsp 1.181.394/PR), providos para determinar a conversão de ambos em especial (fl. 1.000, e-STJ). É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.173 - PR (2017/0255354-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

ADVOGADO: MARCOS ALBERTO SANT´ANNA BITELLI - SP087292 ADVOGADOS   : ROSANA JARDIM RIELLA PEDRÃO - PR025298

ADRIANA D´ÁVILA OLIVEIRA - PR028200 FERNANDO ABAGGE BENGHI - PR036467

RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

ADVOGADOS: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ - PR011700 IVAN ALLEGRETTI - DF015644

LUIS GUSTAVO MINATTI - PR053258 MATHEUS LYON BORGES MUNIZ - DF052552

RECORRIDO: OS MESMOS

 

EMENTA

 

RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO.  AUSÊNCIA. SÚM. 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE OBRA AUDIOVISUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. JULGAMENTO: CPC/15.

 

1.       Ação de indenização por danos materiais e compensação por dano moral ajuizada em 22/04/2008, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais, ambos interpostos em 02/03/2016 e distribuídos ao gabinete em 19/10/2017.

 

2.       O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a legitimidade passiva da primeira recorrente; (iii) os danos materiais e moral suportados pelo segundo recorrente; (iv) o critério legal de indenização por danos materiais na hipótese de contrafação de obra coletiva; (v) a necessidade de liquidação da sentença; (vi) o valor da condenação a título de compensação do dano moral; (vi) o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a condenação a título de compensação do dano moral.

 

3.       A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 211/STJ).

 

4.       Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535 do CPC/73.

 

5.       O fato de a primeira recorrente se dizer mera replicadora de apenas mil unidades de DVD's, não é apto a afastar a sua legitimidade passiva, porque, in status assertionis, a conduta que lhe é atribuída na petição inicial é suficiente para configurar um liame capaz de vinculá-la, pelo menos em tese, à contrafação apontada pelo segundo recorrente.

 

6.       Reconhecido pelo Tribunal de origem que o segundo recorrente é titular de direito autoral sobre a obra audiovisual indicada na inicial, e que essa obra foi reproduzida sem a sua autorização, com intuito de lucro, pela primeira recorrente, exsurge dos autos a responsabilidade objetiva desta pela contrafação, incumbindo-lhe o dever de reparar os danos materiais e moral decorrentes da conduta ilícita.

 

7.       Participando diferentes artistas numa mesma criação, ainda que qualquer deles possa defender os próprios direitos contra terceiros, o aproveitamento econômico relativamente a cada um corresponderá à proporção de sua contribuição, na medida em que os lucros obtidos com a exploração da obra decorrem do trabalho realizado por todos eles.

 

8.       Não sendo possível a exata determinação, no título executivo judicial, do valor efetivamente devido em virtude da condenação por danos materiais – sobretudo porque necessário apurar os valores correspondentes aos exemplares contrafeitos vendidos no Brasil e no exterior – revela-se adequada a liquidação de sentença.

 

9.       O Tribunal de origem sopesou, de forma razoável, as circunstâncias específicas da hipótese para fixar o montante da condenação a título de compensação por  dano moral, tendo, ao final, condenado a primeira recorrente ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em favor do segundo recorrente, o qual não se mostra desproporcional no particular.

 

10.    Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual (súmula 54/STJ).

 

11.    Recursos especiais conhecidos em parte e, nessa extensão, desprovidos.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.727.173 - PR (2017/0255354-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

ADVOGADO: MARCOS ALBERTO SANT´ANNA BITELLI - SP087292 ADVOGADOS   : ROSANA JARDIM RIELLA PEDRÃO - PR025298

ADRIANA D´ÁVILA OLIVEIRA - PR028200 FERNANDO ABAGGE BENGHI - PR036467

RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

ADVOGADOS: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ - PR011700 IVAN ALLEGRETTI - DF015644

LUIS GUSTAVO MINATTI - PR053258 MATHEUS LYON BORGES MUNIZ - DF052552

RECORRIDO: OS MESMOS

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

 

O propósito recursal é dizer sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a legitimidade passiva de MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA; (iii) os danos materiais e moral suportados por HERMETO PASCOAL; (iv) o critério legal de indenização por danos materiais na hipótese de contrafação de obra coletiva; (v) a necessidade de liquidação da sentença; (vi) o valor da condenação a título de compensação do dano moral; (vi) o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre a condenação a título de compensação do dano moral.

Para melhor exame das questões suscitadas pelos recorrentes, passa-se a julgar os recursos conjuntamente.

 

1.                       DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO

 

O TJ/PR não decidiu, sequer implicitamente, acerca dos arts. 32, § 3º, 81, 90, II, e 93, I, da Lei de Direitos Autorais, indicados como violados, tampouco se manifestou sobre os argumentos deduzidos nas razões recursais acerca dos referidos dispositivos legais, a despeito da oposição de embargos de declaração.

 

Por isso, o julgamento do recurso especial, quanto a essa questão, é inadmissível por incidência da Súm. 211/STJ.

 

2.                       DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Afirma o recorrente HERMETO PASCOAL que o acórdão impugnado é obscuro e contraditório quanto à condenação por danos materiais, tendo em vista, respectivamente, a ausência de impugnação, pela MICROSERVICE, do valor de capa do álbum contrafeito, insurgindo-se esta apenas contra a fórmula legal, e a desnecessidade de liquidação de sentença, por se tratar de pedido certo e determinado.

Com relação a essas questões, consta do voto condutor do acórdãorecorrido:

 

Ressalto que o valor da condenação à indenização por danos materiais deverá ser apurado em liquidação da sentença. Ora, além de ter sido impugnado pelas rés às fls. 59 e 125 de suas respectivas contestações, o montante indicado na inicial pelo autor (R$377.340,00) foi calculado com base apenas no preço do produto no exterior, em época em que dólar equivalia a R$1,70. Trata-se, portanto, de um pedido determinável, mas não determinado, correspondendo a uma mera estimativa dos prejuízos suportados.

 

Destarte, a fim de se obter precisamente o quantum debeatur a ser executado - com a média dos valores estipulados para o DVD no Brasil e no exterior e a inclusão das unidades eventualmente apreendidas -é necessário que este título judicial seja liquidado, na modalidade que se mostrar mais adequada ao juízo exequendo (exegese da Súmula 344 do STJ4). (fls. 797-798, e-STJ – grifou-se).

 

Da leitura desse trecho do acórdão verifica-se que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, o valor da condenação por danos materiais foi “impugnado pelas rés às fls. 59 e 125 de suas respectivas contestações”.

 

Extrai-se, ademais, que o TJ/PR registrou que “o montante indicado  na inicial pelo autor (R$377.340,00) foi calculado com base apenas no preço do produto no exterior, em época em que dólar equivalia a R$1,70”, razão pela qual concluiu se tratar de mera “estimativa dos prejuízos suportados”, fazendo-se, então, necessária a liquidação. Tal fundamento, aliás, não foi sequer impugnado pelo recorrente, atraindo a incidência da súmula 284/STF.

 

Diante isso, sem adentrar no acerto ou desacerto do julgamento, constata-se que foram devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional.

 

Logo, não há contradição a ser esclarecida ou obscuridade a ser aclarada, de modo que não se vislumbra a alegada violação do art. 535 do CPC/73.

 

3.                       DA LEGITIMIDADE PASSIVA  DA MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

O art. 102 da LDA dispõe expressamente que “o titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida tem direito à indenização”.

 

Acerca do ponto, esta Turma já teve a oportunidade de observar que “a legislação especial não deixou espaço para a indagação acerca da culpa do contrafator; se a culpa fosse essencial para a caracterização da responsabilidade,   o referido artigo seria dispensável, pois aplicar-se-ia a regra geral dos artigos 159 do Código Civil de 1.916 e 927 do Código Civil de 2.002” (REsp 1.123.456/RS, DJe  de 03/12/2010).

 

Por isso, concluiu-se que, “a considerar a dificuldade de se provar a culpa do causador do dano, a ponto de interferir na efetiva prestação jurisdicional, associada à proteção que o legislador cercou os direitos autorais, não há como afastar a responsabilidade objetiva do contrafator” (idem, sem destaque no original).

 

Nessa toada, o fato de a MICROSERVICE se dizer “mera replicadora de apenas mil unidades de DVD's encomendados pelo produtor André Gereissati, proprietário da empresa ALG Áudio & Vídeo”, ou mesmo de afirmar que “lhe foi apresentada autorização hábil de direitos autorais da referida obra pelo produtor” (fls. 872-873, e-STJ), não é apto a afastar a sua legitimidade passiva.

Isso porque, in status assertionis, a conduta que é atribuída a MICROSERVICE por HERMETO PASCOAL, na petição inicial, é suficiente para configurar “um liame (resultante da narrativa aposta na petição inicial ou de expressa determinação legal) capaz de vincular, pelo menos em tese, a pessoa daquele apontado como requerido à satisfação da pretensão apontada pelo autor como indevidamente resistida” (REsp 1.520.978/DF, Terceira Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016), o qual, no particular, decorre, em princípio, da responsabilidade objetiva pela contrafação imputada, cuja configuração deve ser efetivamente apurada no exame do mérito.

 

4.                       DOS DANOS MATERIAIS  E MORAL SUPORTADOS POR HERMETO PASCOAL

Afirma a MICROSERVICE que “o recorrente [HERMETO PASCOAL] pleiteou indenização por dano pela comercialização irregular de sua obra, sem, contudo, demonstrar de onde viriam seus prejuízos e nem ao menos  qualquer prova constitutiva de seu direito” (fl. 880, e-STJ).

 

No entanto, segundo o TJ/PR, é “inequívoca a prática de contrafação no caso em apreço” (fl. 797, e-STJ).

 

Com efeito, de um lado, a recorrente MICROSERVICE admite ter reproduzido mil cópias do DVD contendo material audiovisual relativo a show de HERMETO PASCOAL, realizado em turnê patrocinada pelo Banco do Brasil.

 

De outro lado, não se pode negar, a partir do contexto delineado nos autos pelas instâncias ordinárias, a ausência de autorização de HERMETO PASCOAL, circunstância essa afirmada na sentença e confirmada no acórdão recorrido.

 

A propósito, embora a recorrente MICROSERVICE tenha alegado  existir uma “declaração pela produtora e editora mencionando a autorização para inclusão em fonogramas de obra musical e ou litero musical do recorrido  HERMETO PASCOAL”, e outra declaração, “assinada por André Luiz Gereissati, responsável pela empresa ALG Áudio & Vídeo, de que o intérprete HERMETO PASCOAL fazia parte da gravadora” (fl. 875, e-STJ), nada a respeito disso consta do acórdão impugnado, sendo, ademais, inviável, nesta instância, revisar os fatos e as provas dos autos para verificá-lo.

 

Vale consignar que, em hipóteses como a presente, considera-se perpetrado o dano patrimonial a partir da reprodução indevida feita por terceiro, com intuito de lucro (por infringência aos arts. 28 e 102 da LDA), pois tal fato subtrai do titular da obra a possibilidade de fruir o proveito econômico decorrente da utilização de sua criação artística.

 

O dano moral, por sua vez, configura-se com a mera violação dos direitos tutelados pela legislação especial (elencados no rol do art. 24), de modo que o prejuízo prescinde de comprovação, pois decorre, como consequência lógica, dos atos praticados pelo contrafator.

 

Assim, reconhecido pelo Tribunal de origem que o recorrente HERMETO PASCOAL é titular de direito autoral sobre a obra audiovisual indicada na inicial, e que essa obra foi reproduzida sem a sua autorização, com intuito de lucro, pela empresa MICROSERVICE, exsurge dos autos a responsabilidade objetiva desta pela contrafação, incumbindo-lhe o dever de reparar os danos materiais e moral decorrentes da conduta ilícita.

 

5.                                 DO CRITÉRIO LEGAL DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS NA HIPÓTESE DE CONTRAFAÇÃO

Estabelece o parágrafo único do art. 103 da LDA que, “não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos”.

 

Trata-se de uma presunção legal baseada no fato de que, no silêncio do contrato, considera-se que cada edição de obras intelectuais e fonográficas se constitui de três mil exemplares (art. 56, parágrafo único, da LDA).

 

E a informação sobre a quantidade de exemplares reproduzidos importa ao titular do direito autoral porque lhe permite fiscalizar o aproveitamento econômico da exploração de sua obra.

 

Nessa toada, participando diferentes artistas numa mesma criação, ainda que qualquer deles possa defender os próprios direitos contra terceiros, o aproveitamento econômico relativamente a cada um corresponderá à proporção de sua contribuição, na medida em que os lucros obtidos com a exploração da obra decorrem do trabalho realizado por todos eles.

 

Logo, se, no particular, a obra contém a participação de outros dois artistas, o acolhimento da pretensão do recorrente HERMETO PASCOAL de receber para si, integralmente, a indenização correspondente à reprodução não autorizada de toda a obra, como se se tratasse de uma criação exclusiva sua, implicaria a apropriação de valores que caberiam aos demais autores por sua efetiva contribuição.

 

A propósito, ao julgar o REsp 1.635.646/RJ (DJ 18/12/2017), que versava sobre a inclusão em CD de uma música sem a autorização do seu autor, a Terceira Turma decidiu que “a indenização pelos danos materiais experimentados pelo autor que vê  seus direitos violados  por contrafatores em obra coletiva deve ser proporcional ao trabalho de sua titularidade, sob pena de se promover seu enriquecimento sem causa”.

 

Naquela ocasião, todavia, não se aplicou a regra do parágrafo único do art. 103 da LDA para o cálculo da respectiva indenização por danos materiais porque, além de ser conhecido o número de exemplares editados de forma fraudulenta (300.000 cópias), concluíram as instâncias ordinárias, a partir de dados periciais, que “o fenômeno de vendas do indigitado CD muito era atribuído à criação do ora demandante”.

 

Tal circunstância, entretanto, não é objeto de debate neste recurso. Assim, não merece reparo o acórdão exarado pelo TJ/PR, no qual, considerando que “não se sabe, exatamente, quantas unidades do DVD foram reproduzidas e vendidas”, se decidiu, ao final, que “a condenação solidária das apeladas [MICROSERVICE e outra] deve se ater ao valor correspondente a 1.000 (mil) exemplares, mais os eventualmente apreendidos, (...) já que a obra em questão é coletiva, de autoria do apelante [HERMETO PASCOAL] e mais dois artistas” (fl. 797, e-STJ).

 

6.                       DA NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA

Ainda no que concerne aos danos patrimoniais, registrou o TJ/PR que “o montante indicado na inicial pelo autor (R$ 377.340,00) foi calculado com base apenas no preço do produto no exterior, em época em que dólar equivalia a R$ 1,70” e, por isso, entendeu se tratar de “um pedido determinável, mas não determinado, correspondendo a uma mera estimativa dos prejuízos suportados” (fls. 797-798, e-STJ).

 

Nesse contexto, decidiu o TJ/PR que, “a fim de se obter precisamente  o quantum debeatur a ser executado - com a média dos valores estipulados para o DVD no Brasil e no exterior e a inclusão das unidades eventualmente apreendidas - é necessário que este título judicial seja liquidado, na modalidade que se mostrar mais adequada ao juízo exequendo (exegese da Súmula 344 do STJ)” (fl.  798, e-STJ).

 

De fato, o próprio recorrente, embora afirme categoricamente em suas razões que “se conhece o comprovado e incontroverso valor venal da obra contrafeita” (fl. 897, e-STJ), declara, em sua petição inicial, num primeiro momento, que tem “notícia da venda do DVD, no Brasil, pelo valor de R$ 49,40 (quarenta e nove reais e quarenta centavos - vide ofertas de venda on line anexas - doc. 03)”, e, em seguida, que “os referidos sites comercializam o DVD por até $ 73,99 (setenta e três dólares e noventa e nove centavos - doc. 04)” (fl. 18, e-STJ), utilizando este último preço, com cotação do dólar a R$ 1,70,  como parâmetro para o cálculo da indenização, diante da comercialização internacional do produto.

 

Assim, não sendo possível a exata determinação, no título executivo judicial, do valor efetivamente devido em virtude da condenação por danos materiais – sobretudo porque necessário apurar os valores correspondentes aos exemplares contrafeitos vendidos no Brasil e no exterior – revela-se adequada a liquidação de sentença.

 

7.                       DO VALOR DA CONDENAÇÃO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL

Quanto ao valor da condenação a título de compensação por dano moral, entende-se que a fixação do montante deve ser realizada com razoabilidade, levando em consideração as circunstâncias específicas da hipótese, como a gravidade do dano, a reprovabilidade da conduta, a repercussão do fato e o porte econômico dos envolvidos (REsp 1.716.465/SP, Terceira Turma, julgado em 22/03/2018, DJe 26/03/2018).

 

E, da leitura do acórdão recorrido, verifica-se que o TJ/PR sopesou, de forma razoável, as circunstâncias específicas da hipótese, tendo, ao final, condenado a recorrente MICROSERVICE ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em favor do recorrente HERMETO PASCOAL, o qual não se mostra desproporcional no particular.

 

8.                       DO TERMO INICIAL DOS JUROS DE  MORA INCIDENTES SOBRE A CONDENAÇÃO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL

Relativamente ao termo inicial para incidência dos juros de mora sobre o valor da condenação a título de dano moral decorrente da contrafação, o acórdão do TJ/PR está em harmonia com a jurisprudência do STJ, consolidada nos termos da súmula 54/STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

 

9.                       DA CONCLUSÃO

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE dos recursos especiais e, nessa extensão, NEGO-LHES PROVIMENTO.

 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado de HERMETO PASCOAL em virtude da interposição

deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (e-STJ, fl. 800) para 17,5% (dezessete e meio por cento). Não foram arbitrados na origem honorários em favor de MICROSERVICE.

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

 

Número Registro: 2017/0255354-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.727.173 / PR

 

Números Origem: 00104397120088160001 11963725 1196372503 1196372505 4762008

PAUTA: 03/09/2019 JULGADO: 03/09/2019

 

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA IRANEIDE OLINDA SANTORO FACCHINI

Secretário

Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

 

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MICROSERVICE TECNOLOGIA DIGITAL DA AMAZÔNIA LTDA

ADVOGADO: MARCOS ALBERTO SANT´ANNA BITELLI - SP087292

ADVOGADOS: ROSANA JARDIM RIELLA PEDRÃO - PR025298

ADRIANA D´ÁVILA OLIVEIRA - PR028200 FERNANDO ABAGGE BENGHI - PR036467

RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

ADVOGADOS: ROBERTO CATALANO BOTELHO FERRAZ - PR011700 IVAN ALLEGRETTI - DF015644

LUIS GUSTAVO MINATTI - PR053258 MATHEUS LYON BORGES MUNIZ - DF052552

RECORRIDO: OS MESMOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Direito Autoral

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). IVAN ALLEGRETTI, pela parte RECORRENTE: HERMETO PASCOAL

 

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em  epígrafe  na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu em parte dos recursos especiais e, nesta parte, negou-lhes provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas  Bôas  Cueva,  Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.