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Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.589.598/MS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13 junho 2017

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.589.598 - MS (2016/0074658-9)

 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD ADVOGADA : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S) - DF011620
ADVOGADOS : ROSÂNGELA MARIA OLIVEIRA LOIOLA E OUTRO(S) - DF026550 DOUGLAS DE OLIVEIRA SANTOS - MS014666
LUCAS ORSI ABDUL AHAD E OUTRO(S) - MS015582 RECORRIDO : HOTEIS W DIAS LTDA
ADVOGADOS : APARECIDO DOS PASSOS - MS001991
SILVANA PINHEIRO DA SILVA - MS010294

 

EMENTA

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS. QUARTO DE HOTEL. APARELHOS TELEVISORES. TV POR ASSINATURA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.610/1998. CAPTAÇÃO E TRANSMISSÃO DE RADIODIFUSÃO. FATOS GERADORES DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL.

 

1. À luz das disposições insertas na Lei nº 9.610/1998 e consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança, pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD -, dos direitos autorais de todos os titulares filiados às associações que o integram.

 

2. Para fins de reconhecimento da possibilidade da cobrança, é irrelevante que a execução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva tenha se dado a partir da disponibilização de aparelho televisor com equipamento receptor do sinal de TV a cabo ou TV por assinatura.

 

3. Na cobrança de direitos autorais por suposta utilização não autorizada de obra artística, não se pode confundir a obrigação da empresa exploradora do serviço de hotelaria com o a obrigação da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura, pois resultam de fatos geradores distintos, a saber: (i) a captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (quartos de hotel) e (ii) a radiodifusão sonora ou televisiva em si. Daí porque não há falar, em casos tais, na ocorrência de bis in idem.

 

4. Consoante a jurisprudência consolidada por ambas as Turmas julgadoras da Segunda Seção, em se tratando de pretensão de cobrança relativa a ilícito extracontratual, o prazo prescricional incidente no caso de violação de direitos do autor é de 3 (três) anos, a teor do que disposto pelo art. 206, § 3º, do Código Civil.

 

5. Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. Precedentes.

 

6. Recurso especial provido.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 13 de junho de 2017(Data do Julgamento)

 

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.589.598 - MS (2016/0074658-9)

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - ECAD, com arrimo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

Consta dos autos que, em setembro de 2013, o ora recorrente ajuizou ação a que denominou "ação de cumprimento de preceito legal c/c perdas e danos" (e-STJ fls. 1/52) em desfavor de HOTEL W. DIAS LTDA. (de nome fantasia INDAIÁ PARK HOTEL) objetivando, em suma, ver reconhecido o dever do estabelecimento réu de recolher valores relativos a mensalidades vencidas (no período compreendido entre setembro de 2008 e setembro de 2013) e vincendas (no curso do processo) que lhe seriam devidas a título de direitos autorais resultantes da disponibilização de equipamentos de TV por assinatura no interior dos quartos.

 

Eis o pedido formulado na inicial:

 

"(...) Diante do exposto, requer-se de V. Exa, digne-se a determinar:

 

a) Em sede liminar, com base no art. 105 da LDA, requer seja determinado a Ré que proceda com o imediato pagamento das mensalidades em atraso, no valor de R$ 101.968,50 (cento e um mil reais, novecentos e sessenta e oito reais e cinqüenta centavos), ou ainda, deposite em juízo tal quantia, e passe a pagar fielmente os valores devidos a título de direitos autorais no importe de R$ 1.713,98, ou deposite em juízo, tal quantia, correspondente aos direitos autorais proveniente da utilização dos equipamentos de TV por assinatura nos aposentos do hotel, sob pena de suspensão ou interrupção de qualquer execução/transmissão de obras musicais, líteromusicais e fonogramas pela Ré, sem prejuízo de estipulação de multa para o cumprimento;

 

b) A citação da Ré, para, querendo, responder aos termos da presente ação, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecendo contestação, sob pena de confissão e revelia;

 

c) que após o regular processamento do feito, ao final, seja julgado PROCEDENTE o pedido, ora formulado, para condenar o Réu INDAIÁ PARK HOTEL - HOTEL W. DIAS LTDA, ao pagamento dos direitos autorais devidos desde o mês de setembro de 2008 até setembro de 2013, no valor de R$ 101.968,50 (cento e um mil reais, novecentos e sessenta e oito reais e cinqüenta centavos);

 

d) Não havendo acato a ordem legal, persistindo na violação, condenação da Ré nas retribuições vincendas no curso do processo (art. 290 do CPC), atualizadas monetariamente a partir do ajuizamento ate ao mês do efetivo pagamento, além da multa fixada em liminar;

 

e) Sejam todas as parcelas aqui requeridas sujeitas a correção monetária - a partir do evento danoso - juros de 12% (doze por cento) ao ano e multa de 10% (dez por cento), na forma do item II - 'o Usuário em Mora' - da parte II, do Regulamento de Arrecadação;

 

f) Deve a Ré, ainda, arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios de sucumbência a serem arbitrados em 20%, diante da complexidade da matéria, a ser apurado sobre o débito apurado, e demais comunicações legais;

 

g) Sejam concedidos os benefícios do art. 172, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil e, se necessária for, com força policial para o cumprimento da ordem judicial" (e-STJ fls. 50/51 - grifou-se).

 

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado sob o fundamento de que "o quarto de hotel, ocupado por seu hóspede, não pode ser considerado local de frequência coletiva" e, além disso, "a mera disponibilização ao hóspede de aparelhos televisores e radiofônicos não configura hipótese de 'execução pública' a fazer incidir o caput do art. 68 da Lei 9.610 de 1998" (e-STJ fl. 349). Na oportunidade, condenou o autor da demanda ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do réu, com amparo no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

 

Inconformado, o ora recorrente interpôs recurso de apelação (e-STJ fls. 352/382). Em suas razões, aduziu, em síntese que: (i) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça seria firme ao reconhecer que os quartos de hotel são considerados, nos termos da lei, locais de frequência coletiva e que, por isso, a utilização de aparelhos televisores ou radiofônicos em seu interior tornaria devida a cobrança de direitos autorais; (ii) a interpretação do artigo 23 da Lei nº 11.771/2008 não afasta tal entendimento e (iii) não há falar em bis in idem pelo fato de a empresa prestadora do serviço de TV a cabo também efetuar o pagamento de direitos autorais.

 

A Quarta Câmara Cível do TJ/MS, por unanimidade de votos dos seus integrantes, negou provimento ao apelo em aresto que restou assim ementado:

 

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO LEGAL C/C PERDAS E DANOS - COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS SUPOSTAMENTE DEVIDOS PELA UTILIZAÇÃO DE TELEVISORES NOS QUARTOS DE HOTEL - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.

 

I - Deve-se ressaltar que, se o quarto de hotel é equiparado a casa, para abranger a proteção insculpida no art. 5º, XI, da CF, com o desiderato de vedar sua violação sem a competente ordem judicial, não pode ser considerado como local coletivo para fins de incidência da cobrança de direito autoral.

 

II - Deve-se entender que a utilização de aparelhos televisores e radiofônicos dentro dos quartos de hotéis, pelos hóspedes, é semelhante à exceção contida no art. 46, VI, da Lei 9.610/98, que dispõe que não constitui ofensa aos direitos autorais a execução musical, quando realizadas no recesso familiar.

 

III - Recurso conhecido e desprovido" (e-STJ fl. 428).

 

Os embargos de declaração opostos (e-STJ fls. 448/455) foram rejeitados (e-STJ fls. 469/473).

 

Daí a interposição do presente recurso especial (e-STJ fls. 228/237), no qual o recorrente, amparando-se nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, aponta, além da existência de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 4º, 5º, incisos I, III e V, 28, 29, VIII, alíneas "d" e "e", 46 e 68 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998).

 

Aduz, em síntese, que, a teor da legislação vigente, a simples execução ou transmissão pública de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva - de que são exemplos os hotéis e motéis - dá ensejo à cobrança de direitos autorais.

 

Afirma também que o acórdão recorrido vai de encontro à jurisprudência pacífica desta Corte Superior, que reconhece a plena possibilidade de cobrança de direitos autorais em virtude da disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis.

 

Para demonstrar a existência do dissídio pretoriano suscitado, a recorrente aponta como paradigma o aresto resultante do julgamento do EREsp nº 1.025.554/ES, de que foi relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, em que ficou consignado que, "nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção do STJ, a disponibilidade de rádios e televisão em quartos de hotel é fato gerador de arrecadação de direitos autorais" (DJe de 22/10/2014).

 

Ao final, requer o provimento do presente recurso para que seja reconhecida a total procedência do pedido autoral e, consequentemente, sejam imputados ao recorrido os ônus sucumbenciais.

 

Em contrarrazões ao recurso (e-STJ fls. 519/541), o ora recorrido defende a manutenção do acórdão atacado por seus próprios fundamentos, afirmando, ainda, que a cobrança perseguida pelo autor da demanda representa verdadeiro bis in idem, pois, no presente caso, a empresa prestadora dos serviços de TV a cabo que teria contratado (NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A.) é quem seria responsável pelo pagamento dos direitos autorais, tanto que já estaria em curso ação promovida pelo ECAD em seu desfavor por suposta inadimplência de direitos autorais.

 

Tenta convencer, assim, que a procedência do pedido autoral representaria enriquecimento ilícito do ECAD, visto que este estaria perseguindo, em duas demandas judiciais distintas, valores referentes a direitos autorais que teriam o mesmo fato gerador.

 

Por fim, lança mão o recorrido de acórdão da Quarta Turma desta Corte Superior, em que teria restado consignada a orientação de que "(...) A disponibilização de sinal de rádio e televisão dentro dos quartos de um hotel não isenta o estabelecimento do pagamento de direitos autorais, exceto se são utilizados serviços de TV e rádio por assinatura de empresa fornecedora que, ao emitir o sinal dos programas, já tenha efetuado os respectivos pagamentos. Isso porque tais programas são editados pela prestadora de serviços para uso exclusivo de determinados clientes, que os reproduzem em seus ambientes profissionais" (EDcl no REsp nº 1.044.345/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 11/2/2010).

 

Após a apresentação das referidas contrarrazões, o recurso especial especial foi admitido (e-STJ fls. 543/546), pelo que ascenderam os presentes autos.

 

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.589.598 - MS (2016/0074658-9)

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): A irresignação merece prosperar.

 

Cinge-se a controvérsia a definir se é legítima a cobrança de valores relativos a direitos autorais pelo ora recorrente (ECAD) em virtude da disponibilização de aparelhos televisores e da consequente reprodução de programação televisiva nos quartos do ora recorrido.

 

Na hipótese vertente, questiona-se a existência da obrigação ora perseguida em virtude do oferecimento, pelo hotel, de aparelho televisor dotado de equipamento viabilizador da transmissão de canais ditos fechados, ou seja, da chamada "TV a cabo" ou "TV por assinatura".

 

1 - Da exigibilidade de pagamentos relativos a direitos autorais

 

A Corte local conclui pela impossibilidade da cobrança, ou seja, pela total improcedência do pedido autoral, sob os seguintes fundamentos: (i) de que "o quarto de hotel, ocupado por seu hóspede, não pode ser considerado local de frequência coletiva" e (ii) de que "a mera disponibilização ao hóspede de aparelhos televisores e radiofônicos não configura hipótese de 'execução pública' a fazer incidir o caput do art. 68 da Lei 9.610 de 1998" (e-STJ fl. 349).

 

Tais assertivas, no entanto, não refletem a melhor interpretação dos dispositivos insertos na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), especialmente se forem considerados aqueles que o recorrente aponta nas razões de seu recurso especial, como malferidos (arts. 4º, 5º, incisos I, III e V, 28, 29, VIII, alíneas "d" e "e", 46 e 68).

 

Não por outro motivo é que se pode afirmar patente a existência, no caso, do dissídio jurisprudencial também suscitado no especial.

 

Como consabido, o Superior Tribunal de Justiça já assentou, em reiteradas oportunidades, a orientação de que a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança, pelo ora recorrente, dos direitos autorais de todos os titulares filiados às associações que o integram.

 

A propósito:

 

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. COBRANÇA. DISPONIBILIZAÇÃO DE RÁDIOS E TELEVISÕES EM QUARTO DE HOTEL. POSSIBILIDADE.

 

1. A jurisprudência da Segunda Seção é firme quanto ao dever de arrecadar direitos autorais decorrentes da disponibilidade de rádios e televisões em quartos de hotéis. Precedentes.

 

2. Agravo regimental não provido."

 

(AgRg no REsp nº 1.573.613/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/4/2016, DJe 18/4/2016 - grifou-se).

 

"DIREITOS AUTORAIS. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ECAD. SONORIZAÇÃO AMBIENTAL DE QUARTOS DE HOTEL. PRECEDENTES.

 

1. A Segunda Seção do STJ consolidou o entendimento de que são devidos direitos autorais pelo uso de aparelhos televisores ou radiofônicos em quartos de hotéis, motéis ou pousadas.

 

2. Agravo regimental desprovido."

 

(AgRg no REsp nº 1.310.207/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/3/2013, DJe de 22/3/2013 - grifou-se).

 

"RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. TELEVISORES E RÁDIOS EM QUARTOS DE HOTEL. SERVIÇOS PRESTADOS PELOS MEIOS DE HOSPEDAGEM. EXPLORAÇÃO DE OBRAS ARTÍSTICAS. PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS. RECURSO PROVIDO.

 

I - São devidos, os pagamentos referentes aos direitos autorais em razão da disponibilização de televisores e rádios dentro dos quartos de hotéis, por configurarem exploração de obras artísticas para incremento dos serviços prestados pelo meios de hospedagem.

 

II - Orientação firmada sob a égide da lei 9.610/98, que constitui a base legal de regência do caso, visto que sobre ela focalizou-se o debate nos autos, como legislação invocada pela inicial, sentença, acórdão recorrido e pelo Recurso Especial, não sendo o processo, por falta de prequestionamento, apto ao julgamento a respeito do disposto no art. 23 da Lei 11.771/08.

 

Recurso Especial do ECAD provido."

 

(REsp nº 1.117.391/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/4/2011, DJe de 30/8/2011 - grifou-se).

 

"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. ECAD. APARELHOS DE TV EM CLÍNICAS. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

 

I. Nos termos da jurisprudência do STJ, 'A Lei nº 9.610/98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte' (SEGUNDA SEÇÃO, REsp 556340/MG, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 11/10/2004 p. 231).

 

II. A aplicação da multa prevista no artigo 109 da Lei n.° 9.610/98 demanda a existência de má-fé e intenção ilícita de usurpar os direitos autorais, aqui inocorrentes. Precedentes do STJ.

 

III. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido, para afastar a multa."

 

(REsp nº 742.426/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/2/2010, DJe de 15/3/2010 - grifou-se).

 

Sobreleva anotar, ainda, que esta Corte Superior tem considerado ser completamente irrelevante, para fins de reconhecimento da possibilidade de cobrança, que a execução/reprodução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva tenha propósito lucrativo. A norma legal é clara ao proibir a utilização não autorizada e, por isso, não isenta da obrigação de remunerar os titulares dos direitos autorais nem mesmo instituições que eventualmente se apresentem como detentoras de natureza filantrópica.

 

Nessa esteira, os seguintes julgados: REsp nº 1.380.341/SP, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator para Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma DJe de 1º/10/2015, e REsp nº 1.067.706/RS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 19/6/2012.

 

Sob essa ótica, portanto, resulta inequívoco que o acórdão recorrido merece reforma.

 

2 - Da inexistência de bis in idem pela cobrança de valores referentes a direitos autorais devidos também pela prestadora do serviço de TV por assinatura

 

O recorrido busca, nas contrarrazões que apresentou ao especial em tela, convencer esta Corte de que a disponibilização, no interior de seus quartos, de aparelhos televisores com acesso a chamada "TV por assinatura" seria por si só situação que o eximiria do pagamento dos valores pretendidos pelo ECAD.

 

Sustenta, nesse particular, ser assinante de pacote de serviços de TV por assinatura oferecido pela empresa NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. e que seria dela a obrigação de arcar com os pagamentos dos direitos autorais devidos em virtude da transmissão do conteúdo da programação contratada, motivo pelo qual o eventual acolhimento da pretensão autoral configuraria indevida hipótese de bis in idem.

 

Na tentativa de demonstrar a existência da dupla cobrança dos valores perseguidos na presente demanda, afirma o recorrido que inclusive estaria em curso ação distinta, promovida pelo ora recorrente, em desfavor da NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. e tendo por objeto a cobrança de pagamentos de direitos autorais pelo mesmo fato gerador.

 

Menciona, por fim, precedente desta Corte Superior que teria esposado a orientação que pretende ver prevalecer (EDcl no REsp nº 1.044.345/RJ, Relator o Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 11/2/2010).

 

A despeito de todo o esforço argumentativo do recorrido, não há, na hipótese vertente, nenhuma circunstância que justifique excepcionar a orientação jurisprudencial desta Corte a respeito de tema em debate.

 

Em verdade, a destinação dada aos aparelhos televisores instalados nos quartos do hotel ora recorrido é completamente desinfluente para definir a legitimidade da cobrança promovida pelo ECAD.

 

É que, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada ao longo dos últimos anos, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotel, porquanto viabilizadora de eventual execução e/ou reprodução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em local de frequência coletiva, enseja para a respectiva hospedaria a obrigação de pagamento de direitos autorais perseguida pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição na inicial dos presentes autos, pouco importando que tal execução/reprodução resulte da transmissão da programação dos canais de TV abertos ou daqueles integrantes da chamada TV por assinatura (ou fechada).

 

Vale ressaltar que não se pode confundir, em casos tais, o fato gerador da obrigação do hotel (a captação de transmissão de radiodifusão em local de frequência coletiva) com o fato gerador da obrigação da empresa prestadora do serviço de transmissão de TV por assinatura (a própria radiodifusão sonora ou televisiva), visto que são autônomos e, por isso, dão ensejo a obrigações que são independentemente exigíveis.

 

A propósito, impende salientar a distinção que é feita pela própria Lei nº 9.610/1998 que, em seu art. 29, deixa claro que são situações que não se confundem a do responsável pela radiodifusão sonora ou televisiva (no caso, a empresa prestadora dos serviços de TV por assinatura) e a do responsável pela captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (no caso, o hotel ora demandado, que possui quartos equipados com televisores).

 

Eis a literalidade do dispositivo legal em questão:

 

"Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

 

VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

 

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

 

e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva".

 

Na espécie, portanto, não há nenhuma plausibilidade na pretensão do hotel ora recorrido de se eximir do dever de remunerar o ECAD (por oferecer aos seus clientes televisores no interior de suas acomodações) pelo fato de a empresa que contratou para a prestação do serviço de transmissão de TV por assinatura (NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A.) também ser devedora de direitos autorais.

 

Com efeito, o fato de estar em curso outra ação judicial promovida pelo ECAD em desfavor da NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A., com o propósito de dela haver os valores de direitos autorais decorrentes da transmissão e/ou retransmissão não autorizada de obras de conteúdo audiovisual, não esvazia em nada o objeto da demanda que deu origem aos presentes autos, e tampouco configura hipótese de bis in idem, visto que, aqui, o que se discute são os direitos autorais devidos pelo recorrido em virtude não da transmissão ou retransmissão das obras de terceiros, mas, sim, da captação e consequente execução do conteúdo transmitido em local reconhecido como sendo de frequência coletiva (no caso, os quartos de hotel).

 

É legítima, portanto, a cobrança em questão independentemente do fato de aos televisores instalados nos quartos do hotel demandado estarem acoplados equipamentos receptores de sinal de TV por assinatura.

 

Muito embora a Quarta Turma desta Corte, no julgamento dos EDcl no REsp nº 1.044.345/RJ, tenha consignado que "a disponibilização de sinal de rádio e televisão dentro dos quartos de um hotel não isenta o estabelecimento do pagamento de direitos autorais, exceto se são utilizados serviços de TV e rádio por assinatura de empresa fornecedora que, ao emitir o sinal dos programas, já tenha efetuado os respectivos pagamentos" (DJe de 11/2/2010), esta não é a orientação que melhor se coaduna com as disposições já mencionadas da Lei nº 9.610/1998.

 

A orientação que ali prevaleceu, pelo menos no que diz respeito aos serviços de TV por assinatura, resultou, senão de equívoco (por não verificar que não se confundem as obrigações da transmissora do sinal com as do hotel responsável pela captação deste), de alguma especificidade do caso concreto que não se consegue vislumbrar na hipótese vertente.

 

Cumpre anotar, ainda sob esse prisma, que, no caso em análise, inexiste prova de que a NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. tenha antecipado o pagamento dos valores devidos pelo hotel ora recorrido e, além disso, também não resta provado que tenha ela assumido contratualmente tal responsabilidade.

 

Patente, portanto, a necessidade de reforma do acórdão recorrido e do reconhecimento de procedência do pedido inicial.

 

3 - Da prescrição de parte da pretensão autoral

 

A procedência do pedido do autor é parcial, pois parte de sua pretensão encontra-se atingida pela prescrição.

 

No caso, o pedido inicialmente formulado pelo autor da presente demanda foi o de ver reconhecido o dever do estabelecimento réu, ora recorrido, de recolher valores correspondentes às mensalidades vencidas no período compreendido entre setembro de 2008 e setembro de 2013 (data em que ajuizada a demanda), e vincendas no curso do processo, que lhe seriam devidas a título de direitos autorais resultantes da disponibilização de equipamentos de TV por assinatura no interior dos quartos postos à disposição de seus hóspedes.

 

É inconteste que as obrigações que venceram no curso do processo são devidas. Todavia, daquelas anteriores ao ajuizamento da demanda, são devidas apenas as vencidas a partir de setembro de 2010, pois as anteriores a essa data encontram-se, de fato, fulminadas pelo transcurso do prazo prescricional que, em casos como o presente, é trienal, à luz inclusive da jurisprudência desta Corte Superior quanto ao tema:

 

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. VIOLAÇÃO. ECAD. PRETENSÃO FUNDADA EM RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL.

 

1. A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 (três) anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, observadas as regras de transição previstas no art. 2.028 do mesmo diploma legal, não importando se proveniente de relações contratuais ou extracontratuais.

 

2. Recurso especial não provido."

 

(REsp nº 1.474.832/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe de 3/3/2017 - grifou-se).

 

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR PERDAS E DANOS. DIREITOS AUTORAIS. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD). DISPONIBILIZAÇÃO DE APARELHOS DE RÁDIO E TELEVISÃO EM QUARTOS DE HOTEL. ILÍCITO DE NATUREZA EXTRACONTRATUAL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, §3º, DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES.

 

1. Consoante a jurisprudência consolidada por ambas as Turmas julgadoras da Segunda Seção, em se tratando de pretensão de cobrança relativa a ilícito extracontratual, o prazo prescricional incidente no caso de violação de direitos do autor é de 3 (três) anos, a teor do que disposto pelo art. 206, §3º, do Código Civil.

 

2. O prazo prescricional decenal, de que trata o art. 205 do Código Civil, tem aplicação na cobrança de valores oriundos de descumprimento contratual, o que não ocorre no caso em apreço, visto que a pretensão veiculada na petição inicial é de reparação por perdas e danos em virtude de o hotel demandado pôr à disposição de seus hóspedes, no interior de seus quartos, aparelhos transmissores de rádio e televisão.

 

3. Agravo regimental não provido."

 

(AgRg no REsp nº 1.432.129/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 1º/9/2016, DJe de 16/9/2016).

 

ECAD

 

4 - Da inexibilidade da multa moratória unilateralmente estipulada pelo

 

Não merece guarida a pretensão autoral de ver imposto ao demandado, ora recorrido, o pagamento de "multa de 10% (dez por cento), na forma do item II - 'o Usuário em Mora' - da parte II, do Regulamento de Arrecadação", tal e qual postulou no item "e" de seu pedido inicial.

 

Isso porque, no tocante à referida multa moratória, já decidiu esta Corte que "é manifestamente arbitrária e abusiva a cobrança de multa unilateralmente estipulada pelo Ecad, visto que não tem suporte em lei, e não há nem mesmo relação contratual entre as partes" (REsp nº 1.190.647/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/6/2015, DJe de 4/8/2015).

 

No mesmo sentido, o seguinte precedente:

 

"RECURSO ESPECIAL - OFENSA AO ART. 535 DO CPC - INEXISTÊNCIA - VIOLAÇÃO AO DIREITO AUTORAL - MULTA E JUROS DE MORA - RELAÇÃO EXTRACONTRATUAL - INCIDÊNCIA DAS DIRETRIZES DO CÓDIGO CIVIL EM DETRIMENTO DO REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO DO ECAD - RECURSO IMPROVIDO.

 

(...)

 

2 - No que toca às consequências afetas às ilicitudes praticadas contra o direito autoral, na falta de previsão expressa na Lei n. 9.610/98, é de ser respeitado o estatuído na Legislação Civil, em detrimento do Regulamento de Arrecadação do ECAD.

 

3 - Recurso improvido." (REsp 1.094.279/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/6/2011, DJe 28/6/2011).

 

5 - Da distribuição dos ônus sucumbenciais

 

Por todo o exposto, resulta evidente que, em que pese ser parcialmente procedente o pedido autoral, o ora recorrente, autor da demanda, decaiu de parte mínima de seu pedido, situação que atrai a aplicação do parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil de 2015.

 

Solução nesse sentido enseja a condenação do ora recorrido, porquanto vencido, ao pagamento, por inteiro, das despesas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, estes últimos em prol do patrono da parte recorrente, que ora são fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, em estrita obediência ao que estabelece o art. 85, §2º, do CPC/2015.

 

6 - Do dispositivo.

 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, (i) julgar parcialmente procedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação supra (observando-se a prescrição trienal e a inexibigilidade da multa moratória pretendida na inicial) e (ii) condenar o ora recorrido - HOTEL W. DIAS LTDA. - ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios sucumbenciais, que são fixados, em prol do patrono do recorrente, em valor correspondente a 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

 

Os valores reconhecidos como devidos devem ser corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora a contar da data da prática de cada ato ilícito.

 

É o voto.

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

 

Número Registro: 2016/0074658-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.589.598 / MS

 

Números Origem: 08324777920138120001 0832477792013812000150001 832477792013812000150001 PAUTA: 13/06/2017 JULGADO: 13/06/2017

 

Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

 

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

 

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN

 

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE : ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD ADVOGADA : KARINA HELENA CALLAI E OUTRO(S) - DF011620
ADVOGADOS : ROSÂNGELA MARIA OLIVEIRA LOIOLA E OUTRO(S) - DF026550 DOUGLAS DE OLIVEIRA SANTOS - MS014666
LUCAS ORSI ABDUL AHAD E OUTRO(S) - MS015582
RECORRIDO : HOTEIS W DIAS LTDA
ADVOGADOS : APARECIDO DOS PASSOS - MS001991
SILVANA PINHEIRO DA SILVA - MS010294

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Direito Autoral

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.