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BR045-j

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Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 1030612-94.2015.8.26.0577, Relator (a): Costa Netto, julgado em 29 maio 2018

br045-jpt

Registro: 2018.0000399985

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1030612- 94.2015.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD, é apelado S.J. HOTÉIS LTDA..

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente), ANGELA LOPES E PIVA RODRIGUES.

 

São Paulo, 29 de maio de 2018.

 

COSTA NETTO PRESIDENTE E RELATOR
Assinatura Eletrônica

 

Apelação nº 1030612-94.2015.8.26.0577

 

Apelante: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD Apelado: S.j. Hotéis Ltda.
Comarca: São José dos Campos Voto nº 4968

 

APELAÇÃO ECAD - COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS Retransmissão de obras musicais, litero- musicais e fonogramas em hotéis, flats, apart-hotéis, hotéis-residência e equiparados, sem prévia e expressa autorização dos titulares dos direitos autorais, representados em regime de gestão coletiva e de substituição processual (art. 99, §2º da Lei nº 9.610/98) pelo ECAD Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.
Prescrição decenal e não trienal. Inteligência do art. 205, caput, do Código Civil. Aparelhos de TV e som disponibilizados aos hóspedes em quartos de flats. Ambiente de frequência coletiva diante da natureza jurídica do empreendimento imobiliário. Inteligência da Deliberação Normativa 433, de 30 de dezembro de 2002.
TV por assinatura. Ausência de bis in idem. Precedente do STJ com entendimento de que "Não há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura" (REsp.n º589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017). Pagamento dos direitos patrimoniais devidos. Critérios adotados pelo ECAD. Legalidade. Inclusão das parcelas vincendas. Possibilidade. Inteligência do art. 323 do NCPC Sentença reformada. Ação julgada procedente. Recurso provido.

 

Trata-se de recurso de apelação contra a sentença de fls. 449/452, que, em ação condenatória, julgou improcedente a pretensão deduzida na ação principal, condenando o autor, ora apelante, ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa.

 

Inconformado, recorre o autor O ECAD, Escritório Central de Arrecadação, pleiteando a reforma da decisão.

 

Argumenta ser devido o pagamento dos direitos autorais referentes à execução de obras musicais, litero-musicais, fonogramas e obras audiovisuais, disponibilizadas pela ré, empresa do ramo hoteleiro, por meio de aparelhos de rádio, TV (aberta e fechada), DVDs, mediante o uso da sonorização ambiental, através da captação de transmissão de radiodifusão sonora e televisiva, disponibilizados nos aposentos, na recepção, no restaurante e na academia de sua dependência.

 

Afirma que, embora notificado, desde 09/2010, o réu não recolhe os direitos patrimoniais devidos violando o disposto no art. 68, parágrafos 2º e 3º , da Lei 9.610/98.

 

Afirma que o valor total devido é de R$105.787,49, referente à sonorização nos aposentos da ré a partir de 09/2010 e mensalidades do restaurante, recepção e academia, a partir de 08/2015. Discorre sobre os cálculos, conforme Regulamento do ECAD, a saber:

 

"no cálculo da mensalidade devida pela sonorização dos aposentos o fator 4,50 UDA é dividido por 10 aposentos obtendo-se o índice de 0,45 UDA para cada aposento. Multiplica-se 0,45 por R$ 65,58 (valor de uma UDA) e este resultado (R$ 29,51) multiplicado pelos 94 aposentos que compõem o Hotel, chegando-se ao valor de R$2.773,94. O cálculo final é obtido pela multiplicação do valor de R$ 2.773,94 por 50,63% (taxa média de ocupação verificada pelo IBOPE), chegando-se a mensalidade atual (10/2015) de R$ 1.404,49 para a sonorização ambiental dos 94 aposentos.

 

Quanto ao cálculo da retribuição autoral devida pela sonorização ambiental, o Regulamento de Arrecadação, às fls. 13 e 14 do mesmo, no item 4 - EXECUÇÃO MUSICAL EM ATIVIDADES DIVERSAS... SONORIZAÇÃO AMBIENTAL ..., COBRANÇA POR PARÂMETRO FÍSICO = Restaurante 0,70 UDA para cada 10m² por mês, Sala de Recepção 0,45 UDA para cada 10m² por mês, e Academia 1,00 UDA por 10m² por mês.

 

Restaurante: o critério do espaço físico do local sonorizado, que no caso é de 80 m2, que é dividido por 10, para a obtenção da quantidade de grupos, chegando-se a um total de 8 grupos. Após, multiplica-se 8 grupos pelo índice de 0,70 UDA, chegando-se a 5,60 UDAs (Unidade de Direito Autoral) que tem o valor de R$ 65,58. Multiplicando- se 5,60 (UDAs) por R$ 65,58 (valor de uma UDA) chegamos a mensalidade de R$ 367,25 devida pela sonorização do restaurante do hotel, desde 08/2015.

 

Recepção: o critério do espaço físico do local sonorizado, que no caso é de 40 m2, que é dividido por 10, para a obtenção da quantidade de grupos, chegando-se a um total de 4 grupos. Após, multiplica-se 4 grupos pelo índice de 0,45 UDA, chegando-se a 1,80 UDAs (Unidade de Direito Autoral) que tem o valor de R$ 65,58. Multiplicando- se 1,80 (UDAs) por R$65,58 (valor de uma UDA) chegamos a mensalidade de R$ 118,04 devida pela sonorização da recepção desde 08/2015.

 

Academia de Ginástica: o critério do espaço físico do local sonorizado, que no caso é de 30 m2, que é dividido por 10, para a obtenção da quantidade de grupos, chegando-se a um total de 3 grupos. Após, multiplica-se 3 grupos por 1 UDA, chegando- se a 3 UDAs (Unidade de Direito Autoral) que tem o valor de R$ 65,58. Multiplicando-se 3 (UDAs) por R$ 65,58 (valor de uma UDA) chegamos a mensalidade de R$ 196,74 devida pela sonorização da academia desde 08/2015.

 

Pleiteia: (a) liminarmente a suspensão ou interrupção das obras musicais, litero-musicais, audiovisuais e fonogramas, sem autorização/licença, sob pena de multa diária de R$500,00, bem como apreensão e lacre da aparelhagem sonora; (b) condenação do réu ao recolhimento imediato do valor de R$105.787,49 (referentes aos débitos decorrentes dos direitos autorais, referentes às mensalidades dos aposentos no período compreendido entre 09/2010 até 10/2015; mensalidades do restaurante, da recepção e da academia a partir de 08/2015); (c) condenação das parcelas vincendas no curso da lide, a titulo de direitos autorais, consoante regulamentação do ECAD, além das verbas sucumbenciais; (d) seja todo o débito apurado corrigido nos termos do Regulamento de Arrecadação do Ecad, ou seja, multa de 10% (mora), correção monetária (TR), e juros de 1% ao mês.

 

O recurso foi devidamente processado. Às fls. 338/357, vieram contrarrazões.

 

É o relatório.

 

Escritório Central de Arrecadação e Distribuição Ecad ajuizou a presente ação contra S.J. Hotéis Ltda., aduzindo, em síntese, que a ré, no exercício de suas atividades, vem se utilizando habitual e continuadamente de obras musicais e lítero-musicais, mediante o uso da sonorização ambiental, através da captação de transmissão de radiodifusão sonora e televisiva, disponibilizando nos aposentos, na recepção, no restaurante e na academia, sem a prévia e expressa autorização para uso do repertório protegido. Pretende sua condenação em perdas e danos, no total de R$ 105.787,49, referentes aos débitos de direitos autorais, mensalidades dos aposentos desde 09/2010 até 10/2015, e mensalidades do restaurante, da recepção e da academia a partir de 08/2015, bem como as mensalidades vincendas.

 

A ré, ora apelada, arguiu, preliminarmente, a ocorrência de prescrição. Quanto ao mérito, alegou, em síntese, a ilegalidade do termo de fiscalização e cobrança de valores, bem como inexistência do dever de pagar qualquer valor ao ECAD. Assevera que apenas disponibiliza músicas e canais de televisão aos seus hóspedes através do serviço de TV por assinatura NET, informando que a referida empresa já custeia todos os valores decorrentes de direitos autorais, conforme contrato fls.413/427.

 

A sentença julgou improcedente entendendo pela impossibilidade de cobrança quanto às áreas comuns, afirmando que o apelante ECAD já cobra direitos autorais da transmissora de TV por assinatura, não podendo cobrar do usuário final (fls.451).

 

Entretanto, respeitado o entendimento do r. Juiz a quo, merece reforma a sentença.

 

DA PRESCRIÇÃO

 

A prescrição trienal foi bem afastada pela sentença.

 

Isso porque, a hipótese dos autos não trata de reparação civil, o que ensejaria a aplicação do prazo prescricional de três anos (§3º, V, art. 206).

 

Não há como confundir a inadimplência decorrente de obrigação de pagar, imposta por lei, ou por contrato, com ilícitos fundados no princípio geral de responsabilidade civil (neminem laedere).

 

Independentemente da existência de contrato escrito, a cobrança dos créditos unificados, predefinidos, líquidos e certos - em razão da utilização, em regime de execução pública, de obras musicais e fonogramas, perseguidos pelo ECAD, em regime padronizado (e "tabelado") de gestão coletiva, decorre de determinação legal expressa da Lei 9.610/98, não se podendo confundir com a reparação civil.

 

A lei 9.610/98 é clara ao dispor sobre a atividade de cobrança.

 

Confira-se:

 

"Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro.

 

(...)

 

Art. 98. Com o ato de filiação, as associações de que trata o art. 97 tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para o exercício da atividade de cobrança desses direitos.

 

§ 1º O exercício da atividade de cobrança citada no caput somente será lícito para as associações que obtiverem habilitação em órgão da Administração Pública Federal, nos termos do art. 98-A.

 

§ 2º As associações deverão adotar os princípios da isonomia, eficiência e transparência na cobrança pela utilização de qualquer obra ou fonograma"

 

(Incluído pela Lei nº 12.853, de 2013) (... -destacado)

 

§ 3º Caberá às associações, no interesse dos seus associados, estabelecer os preços pela utilização de seus repertórios, considerando a razoabilidade, a boa-fé e os usos do local de utilização das obras. (Incluído pela Lei nº 12.853, de 2013)

 

§ 4º A cobrança será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos usuários, considerando a importância da execução pública no exercício de suas atividades, e as particularidades de cada segmento, conforme disposto no regulamento desta Lei.

 

(...)

 

Art. 98-A. O exercício da atividade de cobrança de que trata o art. 98 dependerá de habilitação prévia em órgão da Administração Pública Federal, (. )"

 

Nesse aspecto, cruciais foram as assertivas do Ministro Sidnei Beneti ao analisar a questão em sede de Recurso Especial junto ao STJ Superior Tribunal de Justiça:

 

"A pretensão de cobrança veiculada pelo ECAD não está de forma nenhuma, fundada no princípio do neminem laedere.

 

Conquanto se possa afirmar que a transmissão dessa programação musical sem o pagamento da devida contraprestação em dinheiro constitui um ato ilícito, não é possível comparar esse ilícito ao ato ilícito tradicionalmente associado aos danos que dão causa à reparação civil.

 

Com efeito, esse ato ilícito se aproxima muito mais de um ilícito contratual do que de um ilícito extracontratual. Insista- se em que há uma relação de negócio entre as rádios que repercutem obras musicais e os autores dessas obras, os quais são remunerados em razão disso.

 

Considerando que o ECAD, ao exigir a cobrança de direitos autorais está tutelando, em última análise, o direito dos próprios artistas, que têm interesse patrimonial na veiculação de suas músicas no rádio, percebe-se que existe uma relação negocial, embora não contratual, entre esses artistas e as rádios. Assim, muito mais adequado concluir que o inadimplemento das parcelas devidas a título de direitos autorais (fixadas pelo ECAD) deve ser equiparado ao inadimplemento de uma obrigação e não a um ato ilícito clássico, capaz de dar azo à responsabilidade civil e, portanto, à uma 'reparação de dano'" (v. acórdão proferido, por v.u., no REsp nº 1.159.317 SP-2009/0194402-3, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 18/03/2014) destacado)

 

Cumpre lembrar que, em razão do regime legal vigente1, a arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e literomusicais e de fonogramas é feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais unificam a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funciona como ente arrecadador com personalidade jurídica própria e, a representatividade da imensa coletividade - centenas de milhares - de titulares de direitos autorais decorrentes da execução pública de obras musicais e fonogramas é desenvolvida para a finalidade de cobrança unificada e coletiva desses direitos em todo o território nacional pelo ECAD de forma indireta: ou seja, os titulares (compositores, músicos, gravadoras, editoras que se contam às centenas de milhares em todo o país) não são filiados ou associados deste, mas sim de diversas associações de titulares que, por sua vez, e em conjunto indissociável o integram2.

 

Além da orientação nesse sentido do Ministro Sidnei Beneti (STJ), já referida, em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, Resp nº 1.474.832-SP, datada de 13.12.2016, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator originário no recurso, mas que ficou vencido3 no acórdão, pontuou, judiciosamente, a diferença entre a cobrança efetivada pelo ECAD e reparação civil:

 

Para melhor atender à finalidade social para a qual se destina, o escritório de arrecadação realiza acordos com usuários, tais como emissoras de rádio e de televisão, que fazem uso sistemático de obras musicais, para que procedam ao pagamento dos direitos autorais. Porém, o fato de a associação autorizada a proceder a cobrança de direitos autorais firmar com o usuário da obra acordo para melhor sistematizar o pagamento devido não tem o condão de afastar a proteção legal dada ao autor. Do mesmo modo, o fato de uma pessoa física diligente preocupar-se em, antes de realizar sua festa de casamento em clube esportivo, obter boleto para pagamento dos direitos autorais relativos às obras musicais que serão executadas, não afasta o caráter extracontratual da obrigatoriedade de pagamento, que, como direito absoluto, decorre da lei. Sendo assim, entendo que a discussão acerca da existência ou não de contrato se mostra despicienda, por não ser pertinente à determinação do prazo de prescrição de pretensão que decorre diretamente da lei. No máximo, referida discussão importaria para a determinação do termo inicial do lapso prescricional, mas não para o prazo de prescrição em si. Ademais, ressalto que a disposição do art. 206, § 3º, V do CC não pode incidir sobre ação de cobrança de direitos autorais, porquanto eles não se confundem com as ações de reparação de dano (responsabilidade civil). A responsabilidade civil, como é cediço, pressupõe a inobservância de um dever - contratual ou legal - e a configuração de um dano, que pode ser patrimonial e extrapatrimonial. (destacado)

 

Prossegue o Ministro em lúcida explanação:

 

Embora a responsabilidade civil possa, às vezes, se assemelhar à cobrança de direitos autorais, especialmente quando a utilização da obra ocorre sem a prévia autorização do autor, os dois institutos não podem ser confundidos. De um lado, a responsabilidade civil pressupõe a violação de um dever jurídico. No caso dos direitos autorais, porém, essa não é a regra, pois, mesmo que tenha havido prévia autorização, é sempre devida a retribuição pela utilização comercial ou em público da obra. De outro lado, a responsabilidade civil tem como pressuposto essencial a ocorrência de um dano. Na cobrança de direitos autorais, em contrapartida, busca-se a remuneração do autor pela utilização comercial ou em público de obra de sua autoria, não havendo necessariamente a configuração de um prejuízo. Por fim, a responsabilidade civil constitui dever jurídico sucessivo, que decorre da violação do dever jurídico originário. A cobrança dos direitos autorais, todavia, decorre do próprio dever jurídico originário violado, não se tratando de obrigação sucessiva. Portanto, a pretensão de cobrança de remuneração pelo uso de obras autorais não se confunde com a pretensão de reparação civil. É possível até mesmo que surja responsabilidade civil na violação de direitos autorais, o que não é o caso em discussão no presente recurso, em que se busca tão somente o pagamento dos direitos decorrentes da utilização de obra autoral sem a devida autorização. Portanto, não se mostra possível a aplicação do disposto no art. 206, § 3º, V, do CC a casos como o presente."(destacado)

 

Portanto, ainda que se assemelhe a uma obrigação contratual, a existência de um contrato mostra-se irrelevante uma vez que a cobrança dos valores devidos a titulo de direitos patrimoniais de autor, pela utilização da obra, decorre de obrigação imposta por lei. Reforçando esse entendimento, a redação do parágrafo único do art. 109- A , da Lei 9.610/98:

 

Art. 109-A.

 

(...) Parágrafo único. Aplicam-se as regras da legislação civil quanto ao inadimplemento das obrigações no caso de descumprimento, pelos usuários, dos seus deveres legais e contratuais junto às associações referidas neste Título. (Incluído pela Lei nº 12.853, de 2013)

 

Com efeito, não se trata, nesses autos, de ausência de prestação pelo usuário de música, de informação ao ECAD, tampouco de informações falsas, o que poderia conforme comando legal referido resultar em "perdas e danos" (ou seja reparação civil) mas, sim, de cobrança de remuneração não paga, decorrente dos direitos autorais incidentes no mencionado uso em execução pública de obras musicais e fonogramas.

 

Importante registrar, também, que o Código Civil anterior previa, no artigo 179, §10º, VII, o prazo especial de cinco anos para a pretensão do titular de direito autoral ingressar com ação civil, sendo que o Código Civil vigente nada dispôs a respeito.

 

Por tal razão, inexistindo prazo especial - em razão da Lei 9.610/98 que regula os direitos autorais não conter prazos prescricionais -deve ser aplicado, nesses casos, o prazo geral de 10 anos estabelecido no art. 205, caput, do diploma civilista, não sendo a hipótese, como já exposto, de incidência do prazo trienal do seu art. 206, §3º, V, suscitado pela apelante, eis que os fatos "sub judice" não se confundem com os casos de reparação civil.

 

Com efeito, de acordo com o art. 205 do Código Civil, a prescrição será de 10 anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, ou de 05 anos, nos casos de pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular (§5º, I, do art.206).

 

Aliás, esse entendimento inclusive em relação às cobranças realizadas pelo ECAD - já foi declarado pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

Confira-se:

 

CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO AUTORAL. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO DE COBRANÇA DO ECAD. SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO. 1.- O art. 131 da Lei nº 5.988/73 revogou o art. 178, § 10, VII, do CC/16, que fixava prazo prescricional de 05 anos por ofensa a direitos do autor, pois regulou inteiramente a matéria tratada neste. 2.- Revogada a Lei nº 5.988/73 pela Lei nº 9.610/98, que não dispôs sobre prazo prescricional e nem determinou a repristinação do 178, § 10, VII, do CC/16, a matéria passou a ser regulada pelo art. 177 do CC/16, aplicando-se o prazo prescricional de 20 anos. 3.- O Código Civil de 2002 não trouxe previsão específica quanto ao prazo prescricional incidente em caso de violação de direitos do autor, sendo de se aplicar o prazo de 03 anos (artigo 206, § 3º, V) quando tiver havido ilícito extracontratual ou então o prazo de 10 anos (artigo artigo 205), quando a ofensa ao direito autoral se assemelhar a um descumprimento contratual, como na hipótese. 4.- Recurso Especial a que se nega provimento. (Recurso Especial nº 1.159.317 - SP (2009/0194402-3, Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma).

 

CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO AUTORAL. PRESCRIÇÃO. DIES A QUO. PRAZO. NOVO CÓDIGO CIVIL. REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028. CONTAGEM. (...) 2. O art. 131 da Lei nº 5.988/73 revogou o art. 178, § 10, VII, do CC/16, pois regulou inteiramente a matéria tratada neste. 3. Revogada a Lei nº 5.988/73 pela Lei nº 9.610/98 e como o art. 111 da lei revogadora (que dispunha sobre prazo prescricional) foi vetado, a matéria atinente à prescrição das ações relacionadas a direitos autorais patrimoniais passou a ser regida pelo art. 177 do CC/16, aplicando-se o prazo prescricional de 20 anos, visto que não houve previsão expressa de repristinação do art. 178, § 10, VII, do CC/16, conforme exige o art. 2º, § 3º, da LICC.) (REsp 1168336/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 16/09/2011 -destacado).

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. ECAD. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 206, §3º, V, DO CPC. JUROS DE MORA. 1. "O Código Civil de 2002 não trouxe previsão específica quanto ao prazo prescricional incidente em caso de violação de direitos do autor, sendo de se aplicar o prazo de 03 anos (artigo 206, § 3º, V) quando tiver havido ilícito extracontratual ou então o prazo de 10 anos (artigo artigo 205), quando a ofensa ao direito autoral se assemelhar a um descumprimento contratual, como na hipótese." (REsp 1159317/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 18/03/2014) 2. Jurisprudência do STJ no sentido de que os juros de mora, nas hipóteses de violação a direitos autorais, devem remontar à data em que cometida a infração ao direito. 3. Aplicação dessa orientação aos interesses perseguidos pelo ECAD, ante a clareza da Lei de Direitos Autorais (art. 68), prevendo que aquele que de obra autoral se utiliza deve providenciar a expressa e prévia autorização do titular, estando, em regra, em mora desde o momento em que a utiliza sem a autorização do autor. 4. O reconhecimento da sucumbência recíproca, pois ligado diretamente a fatos e provas, atrai o óbice da 7/STJ. 5. Caso concreto em que a pretensão de cobrança formulada pelo ECAD foi quase 'in totum' acolhida. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1313786/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 08/05/2015 -destacado)

 

No mesmo sentido, tem sido o entendimento desta Colenda 9ª Câmara de Direito Privado:

 

DIREITOS AUTORAIS. ECAD. SONORIZAÇÃO DE DEPENDÊNCIAS DE HOTEL. COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. 1- "São devidos os pagamentos referentes aos direitos autorais em razão da disponibilização de televisores e rádios dentro dos quartos de hotéis, por configurarem exploração de obras artísticas para incremento dos serviços prestados pelo meios de hospedagem" conforme o STJ. Precedentes. Apelação do réu não provida. 2- Prescrição decenal e não trienal. Art. 205, caput, CC. Apelação do autor provida. 3- Apelação do réu não provida e apelação do autor provido. M.V. (Apelação Cível nº 0012244-82.2010.8.26.0010, TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Alexandre Lazarrini, j.14.04.2015)

 

A respeito, anoto, também, os precedentes, no mesmo sentido, deste E. Tribunal de Justiça:

 

AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO LEGAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. Legitimidade do ECAD para cobrança de valores devidos a seus associados que decorre da lei. Autorização de uso de obra musical em produção audiovisual que não importa em renúncia aos direitos econômicos decorrentes da titularidade do direito autoral. Desnecessidade de indicação, pelo ECAD, de cada música e artista utilizado na obra audiovisual. Autorização legal para o ECAD fixar tabela de remuneração pela utilização das obras musicais. Precedentes do STJ. Pretensões surgidas e transcorridas na vigência do Código Civil de 1916, submetem-se ao prazo prescricional de 5 anos, previsto em seu artigo 179, § 10,VII. Pretensões cujo prazo prescricional não havia decorrido completamente quando da publicação do novo Código Civil, que se submetem, de imediato, ao prazo decenal previsto no "caput" do artigo 205 do novel Código, à falta de um prazo específico, com observância de que a somado tempo transcorrido anteriormente e posteriormente à publicação do novo diploma não pode ultrapassar o prazo decenal introduzido pelo novo Código. Desnecessidade da aplicação da tutela inibitória e de pesada multa moratória. Ausência de interesse processual para a reconvenção proposta pela ré, na modalidade necessidade. Ação e reconvenção improcedentes. Recurso do autor provido em parte. Recurso da ré não provido. (Apelação Civel nº 0210430-43.2008.8.26.0100, TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Francisco Loureiro, j.22.03.2012 - destacado)

 

DIREITO AUTORAL Execução sonora e audiovisual decomposições musicais em "apart-hotel" Recolhimentos não efetuados Ação de cumprimento de preceito legal proposta pelo ECAD, cumulada com perdas e danos. Sentença de parcial procedência Imposição de condenação a ser apurada em liquidação. Apelação de ambas as partes. Pedido de julgamento monocrático. Descabimento. Prazo prescricional decenal. Aplicação do artigo 205 do Código Civil. Prescrição afastada. Hotel como área de frequência coletiva e com finalidade de lucro. Súmula 63 do Superior Tribunal de Justiça. Prestações devidas pela exploração dos direitos autorais. Hipótese de dupla cobrança não configurada. Recolhimento cujo fato gerador está vinculado ao lucro auferido por quem explora estabelecimento comercial onde ocorre a execução sonora e audiovisual da obra artística Inclusão das parcelas vincendas até o efetivo cumprimento da obrigação. Artigo 290 do Código de Processo Civil. Multa de 10% e suspensão de execução das obras não autorizadas afastadas. Juros legais a contar da citação. Apelação da ré desprovida. Apelação da autora parcialmente provida. (Apelação nº 0197935-93.2010.8.26.0100, TJSO, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, j.30.08.2012 -destacado)

 

ECAD - Cobrança de direitos autorais de músicas inseridas nas trilhas sonoras de obras cinematográficas- Desnecessidade de identificação pontual das músicas, sob pena de impossibilitar o exercício do direito Entendimento do STJ de que o direito à inserção da música na obra audiovisual não abrange o pagamento pela exibição no cinema - Cobrança de 2,5% da bilheteria devida, conforme entendimento do STJ - ECAD possui parcerias com as associações e organizações internacionais para cobrança dos direitos autorais dos estrangeiros, até porque é o único órgão de arrecadação autorizado pela Lei. Prazo prescricional de 10 anos Inteligência do art. 205 do CC. Verba honorária bem quantificada. Sentença reformada. Provido parcialmente o recurso do autor (para afastar a prescrição trienan( � desprovido o do réu. (Apelação Civel nº 9069075-61.2009.8.26.0000, TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Moreira Viegas, j.25.04.2012- destacado)

 

DIREITO AUTORAL. COBRANÇA. Competência desta Turma Julgadora, seja diante da prevenção oriunda de julgamento de Agravo de Instrumento, seja porque o apelo foi distribuído em data anterior ao advento da Resolução 538/2011 (art. 1º), do Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça Procedência Demanda que busca receber dos réus valores relativos a direitos autorais desde o ano de 2002. Legitimidade ativa do ECAD como substituto processual, independentemente de prova de filiação às associações integrantes daquela entidade ou de identificação das músicas. Prescrição Inocorrência. Ação ajuizada dentro do lapso prescricional previsto no artigo 205 do Código Civil. Violação dos direitos autorais devidamente comprovada (conforme autos de infração que instruem a inicial) - Apuração do quantum relegada à fase de liquidação - Condenação dos réus nas prestações vencidas no curso da lide. Cabimento Inteligência do art. 290 do CPC - Multa prevista no artigo 109 da Lei 9610/98. Inadmissibilidade, na hipótese - Exigibilidade condicionada à demonstração de dolo ou má-fé, na espécie inexistente. Sentença reformada - Recurso parcialmente provido para afastar a imposição da multa. (Apelação Cível nº: 0116583-84.2008.8.26.0100, TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Salles Rossi, j. 14.12.2011 - destacado)

 

EXECUÇÃO Sentença que julgou procedente ação de cobrança de direitos autorais Pretensão executória que prescreve no mesmo prazo da ação - Súmula nº 150 do STF

 

- Prazo prescricional que, após a vigência do Código Civil de 2002, passou a ser regido pelo seu artigo 205, diante da ausência de fixação de prazo menor - Prescrição afastada

 

- Exceção de pré-executividade rejeitada- Recurso provido. (Apelação Civel nº 9103031-39.2017.8.26.0000, Relator Desembargador Erickson Gavazza marques, j. 1.02.2012 -destacado)

 

A hipótese dos autos assemelha-se também a outras espécies de cobranças coletivas realizadas por diversos entes (como concessionárias, condomínios, etc.) como, por exemplo, pela licença de uso/utilização de bens/serviços (serviço de água, esgoto, luz, telefonia, etc.) pelo usuário que, uma vez inadimplente, é penalizado com a incidência da multa pelo atraso no pagamento, além da condenação ao pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido bem, na hipótese dos autos, pelo uso não licenciado – e não pago - de obras musicais e fonogramas pela via da execução pública.

 

Nesses casos, a cobrança da contraprestação é realizada pelo ente legalmente autorizado para tanto e o inadimplente é condenado a pagar o débito pendente e não a que se apure e se indenize prejuízos. Não se trata, portanto, de pleito de reparação de danos, mas sim de cobrança de débitos não pagos, em valores coletivamente pré-fixados mediante padronização constante de "tabela de preços", formalmente aprovada em assembleia geral da entidade.

 

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça traz elucidativa explicação no voto da lavra do Ministro Sidnei Beneti, no REsp nº 1201177, cujo trecho passo a transcrever:

 

"Tratando-se de cláusula penal moratória, o credor estará autorizado a exigir não apenas o cumprimento (tardio) do avençado, como ainda a cláusula penal estipulada. Nesses termos a dicção expressa do artigo 411 do Código Civil: "Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal."

 

A questão que se coloca é se o credor também estará autorizado a exigir (além da prestação tardia e da multa) as perdas e danos decorrentes da mora.

 

Dentro do nosso sistema, a obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pré-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune o retardamento no cumprimento da obrigação.

 

Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema." (RESp nº 1.355.554-RJ, 3ª Turma do STJ, j.06.12.2012 - destacado)

 

No que tange à aplicação da multa prevista no art. 109 da Lei 9.610/98, registre-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por meio do voto do Ministro Aldir Passarinho Junior, sobre sua aplicação condicionada à comprovada má-fé na ação do ofensor:

 

A elevada multa prevista no art. 109 da novel Lei n. 9.610, equivalente a vinte vezes o valor devido originariamente, não é de ser aplicada a qualquer situação indistintamente, porquanto objetiva, por seu caráter punitivo e severa conseqüência, não propriamente penalizar atraso ou omissão do usuário, mas, sim, a ação de má-fé, ilícita, de usurpação do direito autoral (...) (REsp nº 439.411-MG, Quarta turma, j.26.11.2002 -destacado)

 

Bem se vê que, a hipótese dos autos não é de atos de "má-fé" ou de "usurpações", mas, sim, refere-se apenas à cobrança dos valores devidos pela utilização de obras musicais e fonogramas pela via da execução pública. Cobrança simples, portanto. Nem chega a ser aplicável, na hipótese vertente, portanto, qualquer penalização, muito menos perdas e danos a título de reparação civil.

 

Cumpre ressaltar que a aplicação da prescrição é medida extrema que, como salienta Silvio Venosa, ao ser efetivada "deve colocar uma pedra sobre a relação jurídica cujo direito não foi exercido"4. Não pode assim ser aplicada por interpretação extensiva. Deve estar claramente respaldada em lei.

 

Nessa senda, a hipótese dos autos não pode ser confundida e tampouco ampliada às hipóteses de reparação de civil, pois não há pleito dessa natureza, não podendo ser aplicado o art. 206, §3º, V, do Código Civil.

 

Pensamento diverso acarreta a excepcionalidade de uma interpretação extensiva do art. 206, §3º, V do Código Civil, com ilegal liberação do devedor em prejuízo do credor, em patente violação ao preceito legal inserto no art. 205 do Código Civil, com subversão do mandamento legal.

 

Enfim, entendo impróprio imputar na hipótese de lapso prescricional que não seja especificado na lei obrigação à demandante de ajuizamento de ação em prazo inferior ao geral. Tal imputação infringe frontalmente o ordenamento Constitucional que estabelece: "Art. 5º (...) II Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude e lei".

 

Portanto, diante de todas as razões expostas, entendo não restar dúvidas de que a ação manejada pelo ECAD visando o recebimento dos direitos patrimoniais em razão da utilização, em regime de execução pública, de obras musicais e fonogramas, não trata de ação de indenização e com ela não pode ser confundida, não se sujeitando ao prazo trienal.

 

Nesse quadro, verifica-se, consequentemente, na hipótese dos presentes autos, que a prescrição decenal - não se operou, afastando-se a referida alegação.

 

DO MÉRITO

 

Quanto ao mérito, é importante inicialmente ressaltar o papel do ECAD, trazendo à baila a manifestação do Superior Tribunal Justiça, ao dispor que o "ECAD é associação civil, portanto, de natureza privada, constituída pelas associações de direitos do autor, com a finalidade de defesa e cobrança dos direitos autorais. Em razão da adoção pelo legislador brasileiro do sistema de gestão coletiva, a Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais) reservou ao ECAD a exclusividade quanto à arrecadação e distribuição dos direitos autorais relativos à reprodução e divulgação de obras musicais e fonogramas" (REsp nº1.391.090-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/9/2015, DJe 9/10/2015).

 

Salienta-se que o âmbito legal de atuação do ECAD, em regime de gestão coletiva e substituição processual de titulares de direitos autorais (§2º do art. 99 da Lei 9.610/98), corresponde "à execução pública das obras musicais e litero-musicais e de fonagramas, inclusive por meio da radiofusão e transmissão por qualquer modalidade e da exibição de obras audiovisuais" (art. 99 "caput" da Lei 9.610/98).

 

Registre-se também que a importância do ECAD já foi proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Confira-se: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ECAD. ART. 99 E § 1º DA LEI Nº 9.610/98. ARTS. 5º, INCS. XVII E XX, E 173, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (...) a experiência demonstrou representar ele instrumento imprescindível à proteção dos direitos autorais, preconizada no inc. XXVIII e suas alíneas a e b do art. 5º da Constituição, garantia que, no caso, tem preferência sobre o princípio da livre associação (incs. XVII e XX do mesmo artigo) apontado como ofendido. Cautelar indeferida. (ADI 2054 MC, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/1999, DJ 10-03-2000 PP-00003 EMENT VOL-01982-01 PP-00051)5.

 

Nesse caminho, a judiciosa doutrina de Carlos Fernando Mathias de Souza:

 

"A questão, todavia, referente à legitimação anômala ou legitimação extraordinária, como se diz na doutrina, está completamente superada também, pelo próprio ordenamento positivo.

 

É que a Lei 9.610/98 (§2º, do art. 99) prescreve que o escritório central e as associações atuarão, em juízo ou fora dele, em seus próprios nomes como substitutos processuais ou titulares a eles vinculados (remeta-se por oportuno à Constituição, art. 5º, inciso XXI)."6

 

Nesse fundamental mister, é nítido que o sistema de gestão coletiva de direitos autorais, exercido em nosso país pelo ECAD, age em proteção aos autores e demais titulares de direitos de autor e os que lhes são conexos no campo musical nacionais e estrangeiros possibilitando que venham a obter os justos benefícios econômicos que a utilização de suas obras possam lhes proporcionar. É essa a finalidade das normas integrantes das convenções internacionais, em harmonia com o regime jurídico adotado pelas legislações nacionais dos países que reconhecem os direitos autorais.

 

A Convenção de Berna promulgada entre nós em sua revisão de Berlim, pelo Decreto n. 15.699, de 6.5.1975 já estabelecia no art. 11 bis que os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar:

 

1. º A radiodifusão das suas obras ou a comunicação pública dessas obras por qualquer outro meio que sirva à difusão sem fio dos sinais, sons ou imagens;

 

2. º Qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida, quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem;

 

3. º A comunicação pública, por alto-falante ou por qualquer outro instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens, da obra radiodifundida.

 

No tocante aos direitos autorais, a Constituição Federal vigente concede inegável relevância à sua proteção ao elencá-los entre os direitos fundamentais, previstos no artigo 5º7.

 

Ao discorrer sobre a importância da função social da proteção desses direitos, advertia o saudoso Antônio Chaves, de forma precursora, já em 1970:

 

"Só existe uma maneira de elevar e preservar a arte e a cultura: pagar ao autor e ao artista a retribuição a que faz jus pelo seu trabalho. É preciso que compreendam de uma vez os nossos "autoralistas " de bolso de colete que não remunerar condignamente, pior do que isso, impedir que o autor e o artista retirem do seu trabalho a compensação que a sociedade jamais cogitou de negar-lhes, é incorrer não só num ridículo tremendo, como também, praticar a maior das insânias."8

 

Pois bem.

 

Na hipótese sob exame, a matéria está suficientemente tratada na Lei 9.610/98, que dispõe:

 

"Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

 

(...)

 

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

 

§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

 

§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais (...)."

 

De acordo com o regime legal supramencionado e, na linha de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, o pagamento de direitos autorais em razão da retransmissão de obras musicais, litero-musicais e audiovisuais em quartos de hotéis é devida.

 

No tocante à jurisprudência, confiram-se os precedentes:

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. TELEVISORES E RÁDIOS EM QUARTOS DE HOTEL. SERVIÇOS PRESTADOS PELOS MEIOS DE HOSPEDAGEM. EXPLORAÇÃO DE OBRAS ARTÍSTICAS. PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS. RECURSO PROVIDO. I - São devidos, os pagamentos referentes aos direitos autorais em razão da disponibilização de televisores e rádios dentro dos quartos de hotéis, por configurarem exploração de obras artísticas para incremento dos serviços prestados pelo meios de hospedagem. II - Orientação firmada sob a égide da lei 9.610/98, que constitui a base legal de regência do caso, visto que sobre ela focalizou-se o debate nos autos, como legislação invocada pela inicial, sentença, Acórdão recorrido e pelo Recurso Especial, não sendo o processo, por falta de prequestionamento, apto ao julgamento a respeito do disposto no art. 23 da Lei 11.771/08. Recurso Especial do ECAD provido. (REsp nº 1.117.391 - RS (2009/0009385-1), Relator Ministro Sidnei Benetti, j.27.04.2011)

 

Ao proferir o voto, consignou o ilustre relator, Ministro Sidnei Benetti:.

 

Extrai-se da fundamentação dos Acórdãos referidos que a intenção do legislador foi ampliar a proteção dada aos titulares dos direitos autorais ante a exploração comercial das criações intelectuais.

 

Com efeito, a disponibilização de aparelhos de rádio e televisão nos quartos de hotéis, meios de hospedagem, integra e incrementa o conjunto de serviços oferecidos pelos estabelecimentos, com a exploração das obras artísticas, ainda que não utilizados tais serviços por todos os hóspedes.

 

(...)

 

Pelo exposto, pelo meu voto dá-se provimento ao Recurso Especial do ECAD, declarando-se a obrigatoriedade de recolhimento, pelo Recorrido, das contribuições relativas aos direitos autorais em razão da disponibilização de rádios e televisores no interior dos apartamentos do estabelecimento(...)" (REsp nº 1.117.391 - RS (2009/0009385-1), Relator Ministro Sidnei Benetti, j.27.04.2011 - destaquei)

 

No caso de flats, o raciocínio é o mesmo, considerando-se a natureza jurídica do referido empreendimento.

 

Nesse aspecto, deve-se compreender que flats, apart- hotéis, hotéis-residência e assemelhados emergem no cenário imobiliário como empreendimentos cuja finalidade precípua é comercial, destinando-se à permanência temporária de pessoas, com grande rotatividade. Esses ambientes, em regra geral, nada têm de domiciliar ou privativo.

 

Não há como confundi-los com residências, ressaltando-se que a alegada utilização prolongada pelo hóspede para fins de moradia é episódica, excepcional, não desnaturando a natureza jurídica dos aludidos empreendimentos.

 

Nesse sentido, esclarece a Deliberação Normativa 433, publicada no Diário Oficial da União, dia 06.01.2003,9 editada pela Embratur Empresa Brasileira de Turismo-10 que regulamenta o funcionamento dos flats e apart-hotéis:

 

"Art. 1º - Os empreendimentos ou estabelecimentos que explorem ou administrem a prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas (UH) e outros serviços oferecidos aos hóspedes, quaisquer que sejam as suas denominações, inclusive os conhecidos como flat, apart-hotel ou condohotel, estarão sujeitos às normas legais que regem as atividades comerciais ou empresariais, ao cadastramento obrigatório de que trata a Deliberação Normativa nº 416, de 22 de novembro de 2000 e ao Regulamento Geral dos Meios de Hospedagem, anexo da Deliberação Normativa nº 429, de 23 de abril de 2002.

 

Art. 2º - Serviços de hospedagem são aqueles prestados por empreendimentos ou estabelecimentos que ofertam alojamento temporário para hóspedes, mediante adoção de contrato, tácito ou expresso, de hospedagem e cobrança de diária, pela ocupação da UH:

 

§ 1º - Entende-se por diária o preço de hospedagem correspondente à utilização da UH e dos serviços incluídos, observados os horários fixados para entrada (check-in) e saída (check-out) (...)" (sic- destacado)

 

Esse entendimento vem sendo prestigiado por este Egrégio Tribunal de Justiça, a saber:

 

Locação de imóveis. Ação reintegração de posse com pedido liminar - "apart-hotel" - sentença de procedência apelação - a locação em "apart-hotel", como pelo próprio réu enquadrada, é contrato atípico, semelhante ao de hospedagem e posto ao desabrigo da lei do inquilinato, sendo cabível para retomar aquele imóvel a ação de reintegração de posse - recurso improvido. (Apelação Cível nº 0051919-34.2000.8.26.0000, TJSP, relator Desembargador Palma Bisson, j.18/04/2002

 

Prestação de serviços - Tarifa de água e esgoto - Condomínio do tipo "flat" ou "residence service" - Edifício que não tem estrita natureza residencial, ainda que nele alguns titulares de unidades tenham permanente residência Não sendo estritamente residencial nem comercial, os "flats", "apart hotel" ou "residence service", guardam natureza mista, que se caracteriza em "prédios com unidades residenciais e unidades não residenciais", em que o número de economias considerado será igual ao número de residências acrescido de uma economia, na forma do disposto no § 2°, do art. 3o, do Decreto n° 41.446/96. Pretensão inicial que fez pedido alternativo quanto ao enquadramento - Possibilidade - Recurso provido para julgar procedente a ação. (Relator(a): Ruy Coppola; Comarca: Comarca nâo informada; Órgão julgador: 32ª Câmara do Sexto Grupo (Ext. 2° TAC); Data do julgamento: 01/02/2007; Data de registro: 03/02/2007; Outros números: 990937800)

 

Mandado de segurança com pedido de liminar - recurso de apelação - flat ou apart-hotel que foi autuado pela municipalidade para apresentar licença de funcionamento possibilidade - flat ou apart-hotel que possui finalidade não residencial - necessidade de licença de funcionamento para imóveis de uso não residencial - recursos providos. (Apelação nº 0188739-79.2008.8.26.0000, TJSP, 5ª Câmara de Direito Publico, relator Desembargador Franco Cocuzza, j.15.10.2009)

 

Nessa realidade, não pode remanescer qualquer dúvida que a utilização/retransmissão de obras musicais, litero- musicais, fonogramas e obras audiovisuais por meio de aparelhos de televisão/som, colocados à disposição dos frequentadores (hóspedes), configura execução pública11 em local de frequência coletiva.

 

Ao analisar caso semelhante, o Desembargador Enio Zuliani, teceu relevantes conclusões:

 

"Os direitos autorais exigidos pela retransmissão em hotéis decorrem da exploração comercial das músicas dos rádios e televisores e, embora se possa afirmar que o quarto de hotel isola o hóspede como se estivesse no recesso do lar, a estrutura que obtém, pela adaptação comercial, é diferente pelo intuito mercantilista, o que outorga conotação de público. O sujeito dorme em casa em lençóis e não paga por isso; no hotel a diária leva isso em consideração, como também a oferta de banhos e etc. A televisão é um serviço colocado à disposição para o público e não um equipamento próprio do hóspede e, por isso, o caráter coletivo (frequência). Não há, pois, motivo para divergir da sólida jurisprudência existente sobre o tema (...)." (Apelação nº 0031638-55.2012.8.26.0576, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Ênio Zuliani, j.29.05.2014)

 

Nessa esteira, cuidando especificamente de estabelecimentos comerciais, editada a Súmula 63 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que "são devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais".

 

E, exatamente sobre a efetiva caracterização da execução pública de obras musicais e fonogramas e consequente legitimidade do ECAD para a cobrança dos direitos autorais em dependência de quartos de hotéis, há precedentes também do Superior Tribunal de Justiça:

 

"Direitos autorais. Aparelhos de rádio e televisão em quarto de motel. Precedente da Segunda Seção. Multa do art. 109 da Lei nº 9.610/98.

 

1. Já assentou a Segunda Seção que a Lei nº 9.610/98 "não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de frequência coletiva, escape da incidência da Súmula n. 63 da Corte (REsp nº 556.340/MG, da minha Relatoria, DJ de 11/10/04). (...)" (REsp 627.650/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 19/12/2005);

 

"Direito civil. ECAD. Instalação de televisores dentro de apartamentos privativos em clínicas de saúde. Necessidade de remuneração pelo direitos autorais. - A Segunda Secção deste Tribunal já decidiu serem devidos direitos autorais pela instalação de televisores dentro de quartos de hotéis ou motéis (REsp nº 556.340/MG). - O que motivou esse julgamento foi o fato de que a Lei nº 9.610/98 não considera mais relevante aferir lucro direto ou indireto pela exibição de obra, mas tão somente a circunstância de se ter promovido sua exibição pública em local de frequência coletiva. (...)" (REsp 791.630/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 04/09/2006);

 

A simples disponibilização de aparelhos radiofônicos (rádios) e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD. STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

 

Assim, é inequívoco que flats, apart-hotéis, hotéis- residência e assemelhados devem recolher ao ECAD os pagamentos pelas execuções das obras musicais, litero-musicais e fonogramas e obras audiovisuais, veiculadas em suas dependências.

 

Nem se alegue, como tenta a ré, duplicidade de cobrança, pois a cada utilização das obras sem autorização do ECAD, órgão legitimado para a respectiva arrecadação, são devidos os pagamentos a titulo de direitos patrimoniais de autor, conforme disposto na Lei 9.610/98:

 

"Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais."

 

De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, tanto a TV a cabo quanto o hotel estão obrigados a pagar direitos autorais pelas execuções das obras musicais:

 

Não há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

 

Confira-se:

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS. QUARTO DE HOTEL. APARELHOS TELEVISORES. TV POR ASSINATURA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.610/1998.

 

CAPTAÇÃO E TRANSMISSÃO DE RADIODIFUSÃO. FATOS GERADORES DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. (...). 1.
À luz das disposições insertas na Lei nº 9.610/1998 e consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança, pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD -, dos direitos autorais de todos os titulares filiados às associações que o integram. 2. Para fins de reconhecimento da possibilidade da cobrança, é irrelevante que a execução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva tenha se dado a partir da disponibilização de aparelho televisor com equipamento receptor do sinal de TV a cabo ou TV por assinatura. 3. Na cobrança de direitos autorais por suposta utilização não autorizada de obra artística, não se pode confundir a obrigação da empresa exploradora do serviço de hotelaria com o a obrigação da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura, pois resultam de fatos geradores distintos, a saber: (i) a captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (quartos de hotel) e (ii) a radiodifusão sonora ou televisiva em si. Daí porque não há falar, em casos tais, na ocorrência de bis in idem. (...) RECURSO ESPECIAL Nº 1.589.598 - MS (2016/0074658-9) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j.13.06.2017.

 

Em sua fundamentação, esclarece o Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:

 

"Em verdade, a destinação dada aos aparelhos televisores instalados nos quartos do hotel ora recorrido é completamente desinfluente para definir a legitimidade da cobrança promovida pelo ECAD. É que, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada ao longo dos últimos anos, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotel, porquanto viabilizadora de eventual execução e/ou reprodução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em local de frequência coletiva, enseja para a respectiva hospedaria a obrigação de pagamento de direitos autorais perseguida pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição na inicial dos presentes autos, pouco importando que tal execução/reprodução resulte da transmissão da programação dos canais de TV abertos ou daqueles integrantes da chamada TV por assinatura (ou fechada). Vale ressaltar que não se pode confundir, em casos tais, o fato gerador da obrigação do hotel (a captação de transmissão de radiodifusão em local de frequência coletiva) com o fato gerador da obrigação da empresa prestadora do serviço de transmissão de TV por assinatura (a própria radiodifusão sonora ou televisiva), visto que são autônomos e, por isso, dão ensejo a obrigações que são independentemente exigíveis. A propósito, impende salientar a distinção que é feita pela própria Lei nº 9.610/1998 que, em seu art. 29, deixa claro que são situações que não se confundem a do responsável pela radiodifusão sonora ou televisiva (no caso, a empresa prestadora dos serviços de TV por assinatura) e a do responsável pela captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (no caso, o hotel ora demandado, que possui quartos equipados com televisores). Eis a literalidade do dispositivo legal em questão: "Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva". Na espécie, portanto, não há nenhuma plausibilidade na pretensão do hotel ora recorrido de se eximir do dever de remunerar o ECAD (por oferecer aos seus clientes televisores no interior de suas acomodações) pelo fato de a empresa que contratou para a prestação do serviço de transmissão de TV por assinatura (NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A.) também ser devedora de direitos autorais." (destacamos)

 

Portanto, ao contrário do que constou na sentença recorrida, é legitima a cobrança dos direitos autorais em questão.

 

Frise-se também que a legalidade dos critérios estimativos de receita bruta prevista no regulamento de arrecadação do ECAD, já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa de recente acórdão, a saber:

 

DIREITO CIVIL. LEGALIDADE DE CRITÉRIOS FIXADOS EM REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO DO ECAD. É válido o critério de estimativa da receita bruta do evento realizado, previsto em regulamento de arrecadação do ECAD, para se cobrar os valores devidos pela execução de obras musicais. Tratando-se de direito de autor, compete a esse a fixação da remuneração pela utilização de sua obra por terceiro, seja diretamente, seja por intermédio das associações ou do próprio ECAD, que possui métodos próprios para elaboração dos cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas, segundo critérios eleitos internamente. Dessa forma, no âmbito de atuação do ECAD, os critérios para a cobrança dos direitos autorais são definidos no regulamento de arrecadação elaborado e aprovado em assembleia geral composta pelos representantes das associações que o integram. O referido regulamento contém tabela específica de preços, os quais devem observar "a razoabilidade, a boa-fé e os usos do local de utilização das obras", conforme a nova redação expressa no § 3° do art. 98 da Lei 9.610/1998. Neste contexto, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser válida a tabela de preços instituída pelo ECAD e seu critério de arrecadação. Precedentes citados: STJ, AgRg nos EDcl no REsp nº 885.783-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2013; e AgRg no Ag 780.560-PR, Quarta Turma, DJ 26/2/2007. (REsp nº 1.160.483-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/6/2014).

 

Patente, assim, a procedência do pedido deduzido na inicial, devendo ser reformada a sentença nessa parte.

 

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar procedente a ação determinando a suspensão de qualquer comunicação ao público de obras musicais, litero-musicais, audiovisuais e fonogramas veiculados nas dependências da ré, ora apelada, até que se obtenha autorização prévia e expressa do autor, ora apelante, condenando a apelada no pagamento das parcelas mensais em aberto no valor apurado na inicial, além da condenação das parcelas que se vencerem no correr deste processo, nos termos do art. 323 do NCPC, sendo plenamente cabível, devendo se estender por todo o período em aberto, cabendo inclusive as que não venham a ser liquidadas no curso desta ação, devidamente atualizado, com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, acrescido das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do Novo Código de Processo Civil.

 

JOSE CARLOS COSTA NETTO
Relator

 


1 Art.99. A arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e literomusicais e de fonogramas será feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria e observará os §§ 1º a 12 do art. 98 e os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-B, 100, 100-A e 100-
B. (Redação dada pela Lei nº 12.853, de 2013)
§ 1º O ente arrecadador organizado na forma prevista no caput não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado por meio do voto unitário de cada associação que o integra.
§ 2º O ente arrecadador e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.
§ 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo ente arrecadador somente se fará por depósito bancário.
§ 4º A parcela destinada à distribuição aos autores e demais titulares de direitos não poderá, em um ano da data de publicação desta Lei, ser inferior a 77,5% (setenta e sete inteiros e cinco décimos por cento) dos valores arrecadados, aumentando-se tal parcela à razão de 2,5% a.a. (dois inteiros e cinco décimos por cento ao ano), até que, em 4 (quatro) anos da data de publicação desta Lei, ela não seja inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) dos valores arrecadados.
§ 5º O ente arrecadador poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do usuário numerário a qualquer título.
§ 6º A inobservância da norma do § 5o tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo da comunicação do fato ao Ministério Público e da aplicação das sanções civis e penais cabíveis.
§ 7º Cabe ao ente arrecadador e às associações de gestão coletiva zelar pela continuidade da arrecadação e, no caso de perda da habilitação por alguma associação, cabe a ela cooperar para que a transição entre associações seja realizada sem qualquer prejuízo aos titulares, transferindo-se todas as informações necessárias ao processo de arrecadação e distribuição de direitos.
§ 8º Sem prejuízo do disposto no § 3º do art. 98, as associações devem estabelecer e unificar o preço de seus repertórios junto ao ente arrecadador para a sua cobrança, atuando este como mandatário das associações que o integram.
§ 9º O ente arrecadador cobrará do usuário de forma unificada, e se encarregará da devida distribuição da arrecadação às associações, observado o disposto nesta Lei, especialmente os critérios estabelecidos nos §§ 3º e 4º do art. 98.
Art. 99-A. O ente arrecadador de que trata o caput do art. 99 deverá admitir em seus quadros, além das associações que o constituíram, as associações de titulares de direitos autorais que tenham pertinência com sua área de atuação e estejam habilitadas em órgão da Administração Pública Federal na forma do art. 98-A.

2 "O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é uma instituição privada, sem fins lucrativos, instituída pela lei 5.988/73 e mantida pelas leis federais 9.610/98 e 12.853/13. Seu principal objetivo é centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública musical.." (www.ecad.org.br)

3 RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. VIOLAÇÃO. ECAD. PRETENSÃO FUNDADA EM RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. 1. A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 (três) anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, observadas as regras de transição previstas no art. 2.028 do mesmo diploma legal, não importando se proveniente de relações contratuais ou extracontratuais. 2. Recurso especial não provido. (prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, decide a Terceira Turma, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro).

4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. V.1. 5ª ed. São Paulo : Atlas, 2005, P.593.

5 Essa mesma linha de entendimento foi reeditada pelo Pretório Excelso em 2003: "I- Liberdade de Associação. 1.Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva de associação e seu alcance e inteligência, na constituição quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remetem à lei. 2. Direitos autorais e conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do Ecad (Lei nº9.610/98, art. 99), sem ofensa do art. 5º, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto no art. 5º, XXVIII, b, da própria Lei Fundamental". (Acórdão de 02.04.2003, proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 2054, por unanimidade de votos do Tribunal Pleno, Relator do acórdão Ministro Sepúlveda Pertence (DJ 17.10.2003, p.00013). No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou sobre o mesmo tema e em harmonia com a orientação do STF, o relator, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: " O art. 99 da Lei nº 9.610/1998 manteve a exigência de órgão central único de arrecadação e distribuição, em comum, de direitos autorais. Esse dispositivo foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn nº 2.054-a, relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 09.04.2003)"

6 Direito Autoral. Brasília, DF: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1998, p.51

7 XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

8 O Direito de Autor na Obra Cinematográfica. Inconstitucionalidade do decreto-lei n. 980, de 1969. In Revista dos Tribunais, Ano 59, dezembro de 1970, volume 422, p.63

9 Seção 1, página 70

10 Competência atribuída pelo inciso X, do art. 3º da Lei nº 8.181, de 28 de março de 1991.

11 Registre-se a opinião de Rodrigo Moraes ao tratar do vocábulo execução pública: "Quando se fala em execução pública (rectius, comunicação ao público), há dois tipos de "público": a) público simultâneo (p.ex., numa apresentação ao vivo, presencian( � b) público sucessivo (p.ex. nos quartos de hotel). Portanto, o vocábulo público deve ter interpretação extensiva". Evolução da Gestão Coletiva de Direitos Autorais no Brasil (1917 A 2017) do rádio ao streaming. Tese de doutorado defendida na faculdade de Direito da USP, abril de 2018, p.416.