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REsp 1804960/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 02/10/2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MOURA RIBEIRO RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA.

ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE - SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977

RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. MARCA DE ALTO RENOME “NATURA”. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO DENOMINADO “RECREIO NATURA”. DISTINÇÃO ENTRE ATO CIVIL E ATO EMPRESARIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1.                                          Inexistindo omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.

2.                                          O propósito recursal visa analisar se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, no caso a marca “NATURA”, diante do seu uso no empreendimento imobiliário “RECREIO NATURA”.

3.                                          A marca é um sinal distintivo que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.

4.                                          Os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem.

5.                                          A proteção à exclusividade da marca é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. O nome que individualiza um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade.

6.                                          O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita as atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.

7.                                          Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, em negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrará o acórdão.

Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. MINISTRO MOURA RIBEIRO, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.

Brasília, 24 de setembro de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRO MOURA RIBEIRO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por NATURA COSMÉTICOS S/A e INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE COSMÉTICOS NATURA LTDA. Fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: de abstenção de uso de marca e de reparação de danos, ajuizada pelas recorrentes em face de ROSSI RESIDENCIAL S/A, cujo objetivo é definir se a utilização, em empreendimento imobiliário, da denominação RECREIO NATURA viola direito de propriedade industrial titularizado pelas recorrentes.

Sentença: julgou improcedente o pedido.

Acórdão: por maioria, negou provimento à apelação interposta pelas recorrentes, nos termos da seguinte ementa:

USO INDEVIDO DE MARCA - Reprodução de nome em empreendimento imobiliário "Natura Recreio" de marca exclusiva das autoras, detentoras de uso da marca "Natura" - Inexistência de violação - Interesse na proteção do uso indevido de marca -O fato de uma empresa construir um edifício, condomínio fechado ou empreendimento imobiliário, ao particularizá-los colocando-lhes um nome que se mantém, havendo comercialização ou não de unidades habitacionais, não torna o ato civil em comercial e tampouco coloca em risco, por confusão, os efeitos jurídicos de marca registrada no ramo de serviços, pois o signo protegido é restrito à atividade, não repercutindo na nomeação de coisas - Público alvo distinto - Incidência do princípio da especialidade -Não constatada depreciação ou prejuízo da marca das autoras e tampouco enriquecimento ilícito da ré, indevida a imposição de danos materiais - Sentença mantida - Recurso desprovido.

rejeitados.

Embargos de Declaração: interpostos pelas recorrentes, foram

Recurso especial: aponta a existência de dissídio jurisprudencial e violação dos artigos: 489, § 1º, IV; 1.022, I e II, do CPC; e 125 da Lei 9.279/96. Além de negativa de prestação jurisdicional, alega que a marca NATURA goza de proteção especial em todos os ramos de atividade, não estando, pois, sujeita ao princípio da especialidade, uma vez que foi reconhecido seu alto renome pelo INPI. Afirma que os precedentes do STJ invocados nas razões do acórdão recorrido tratam de situações fáticas distintas, sendo inaplicáveis à espécie.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALTO RENOME RECONHECIDO PELO INPI À MARCA NATURA. PROTEÇÃO ESPECIAL EM TODOS OS RAMOS DE ATIVIDADE. COMERCIALIZAÇÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO PELA RECORRIDA DENOMINADO RECREIO NATURA. VIOLAÇÃO DA REGRA DO ART.

125 DA LPI. VEDAÇÃO AO USO DE EXPRESSÃO RECONHECIDA COMO NOTÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.

1.                                         Ação distribuída em 14/7/2008. Recurso especial interposto em 27/3/2018. Autos conclusos à Relatora em 16/4/2019.

2.                                         O propósito recursal, além de examinar se houve negativa de prestação jurisdicional, é verificar se o uso do nome RECREIO NATURA, em empreendimento imobiliário de propriedade da recorrida, viola direitos titularizados pelas recorrentes sobre a marca NATURA.

3.                                         Inexistindo omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.

4.                                         O direito de uso exclusivo assegurado ao titular de registro marcário é limitado, entre outros, pelo princípio da especialidade, previsto de forma implícita no art. 124, XIX, da Lei 9.279/96.

5.                                         As marcas de alto renome constituem exceção ao princípio da especialidade, sendo-lhes assegurada proteção especial em todos os ramos da atividade. Inteligência do art. 125 da LPI.

6.                                         É irrelevante, para fins de proteção das marcas de alto renome, discutir acerca da possibilidade ou não de confusão junto ao público consumidor. Precedente específico da 3ª Turma.

7.                                         A jurisprudência do STJ entende que é devida reparação por danos patrimoniais (a serem apurados em liquidação de sentença) e compensação por danos extrapatrimoniais na hipótese de se constatar a violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material e do abalo moral resultante do uso indevido.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977 RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal, além de examinar se houve negativa de prestação jurisdicional, é verificar se o uso do nome RECREIO NATURA, em empreendimento imobiliário de propriedade da recorrida, viola direitos titularizados pelas recorrentes sobre a marca NATURA.

1.        DELINEAMENTO FÁTICO

As recorrentes, titulares dos direitos de propriedade industrial derivados da concessão da marca NATURA, com reconhecimento de alto renome pelo INPI (expressão que também integra seus nomes empresarias), ajuizaram a presente ação em face de ROSSI RESIDENCIAL S/A com o intuito de que fosse cessado o uso da expressão RECREIO NATURA – adotada pela recorrida para designar empreendimento imobiliário, de natureza residencial, que foi por ela erigido e comercializado –, bem como que fossem reparados os danos correlatos.

O juízo sentenciante, contudo, julgou improcedentes os pedidos, ao argumento de que, apesar da semelhança existente entre a marca das recorrentes e a expressão utilizada pela recorrida, não haveria possibilidade de confusão junto ao público consumidor, uma vez que as autoras e a ré atuam em segmentos mercadológicos distintos.

Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo constado no julgado impugnado que “o signo protegido é restrito à atividade, não repercutindo na nomeação de coisas” (e-STJ fl. 1496).

A Corte estadual também entendeu que, na hipótese, “não existe como incorrer em erro ou sedução derivada da marca, ainda que os logotipos fossem parecidos, pois tratam-se de universos de consumo totalmente distantes” (e-STJ fl. 1500).

Irresignadas, as recorrentes defendem a tese de que, por se tratar de marca cujo alto renome foi reconhecido pela autarquia competente, não importa em que ramo de atividade estão inseridos os produtos ou serviços comercializados pela recorrida, tampouco se há ou não confusão derivada de seu uso indevido, nos termos do que dispõe a regra positivada no art. 125 da Lei de Propriedade Industrial.

2.        DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Da análise do acórdão impugnado, verifica-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O Tribunal a quo se pronunciou de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por lei.

Desse modo, as alegações das recorrentes, no sentido de que teria havido negativa de prestação de prestação jurisdicional, não comportam acolhida.

3.        DA PROTEÇÃO MARCÁRIA

O artigo 129, caput, da Lei 9.279/96 (LPI) dispõe que a propriedade da marca é adquirida a partir da expedição válida de seu registro, o qual, uma vez concedido pelo órgão competente, assegura a seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território nacional.

Na medida em que a marca se constitui como sinal distintivo que viabiliza a identificação de produtos e serviços disponíveis no mercado, a relevância de sua proteção é, subjetivamente, dúplice: de um lado, beneficia o titular, que tem seu produto ou serviço diferenciado dos demais no ambiente concorrencial; de outro, favorece o público consumidor, pois certifica a origem comercial do produto ou serviço adquirido, evitando equívocos acerca de sua procedência.

A proteção das marcas é, igualmente, de grande valia para a dinâmica do mercado, na medida em que viabiliza um ambiente de competição profícuo, sob a tônica da livre concorrência, apto a garantir “o fornecimento [...] de produtos ou serviços com qualidade crescente e preços decrescentes” (COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 34).

Não se pode olvidar, outrossim, que as marcas também ostentam importante função econômica. São elas, muitas vezes, os ativos de maior valor que integram o patrimônio de uma sociedade empresária, sendo certo que esse valor depende da força do poder evocativo, bem como da reputação, que o sinal registrado exerce sobre o público. A título ilustrativo, veja-se que a marca GOOGLE foi avaliada, em 2018, segundo a revista Forbes, em mais de US$ 132 bilhões (informação disponível em http://bit.do/e4xw7, consultado em 14/8/2019), valor superior, segundo dados do Banco Mundial, ao somatório dos PIBs de países como Uruguai e Paraguai (informação disponível em http://bit.do/e4xAG, consultado em 14/8/2019) .

4.        DAS MARCAS DE ALTO RENOME

A Lei de Propriedade Industrial, reconhecendo a importância econômica das marcas, lhes confere proteção especial quando as circunstâncias fáticas denotam que alcançaram alto grau de conhecimento pelo mercado, como ocorre nas situações delineadas em seus arts. 125 e 126, que tratam dos institutos da marca de alto renome e da marca notoriamente conhecida:

Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.

Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.

[...]

De se gizar que o tratamento especial conferido às marcas de alto renome – hipótese versada nos autos – decorre da percepção do legislador de que estas possuem um nível tão elevado de conhecimento pela coletividade, gozando de tamanha autoridade e prestígio perante o público – resultantes da tradição, da qualidade e da confiança que inspiram –, que sua proteção não poderia ficar restrita a um segmento específico de mercado.

Trata-se, conforme já decidido pelo STJ, de verdadeira exceção ao princípio da especialidade (insculpido, de forma implícita, no art. 124, XIX, da LPI), o qual, como regra geral, garante exclusividade de uso de sinal distintivo tão somente em relação a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, integrantes de uma mesma classe (REsp 1.447.352/RJ, Terceira Turma, DJe 16/6/2016; e REsp 1.688.243/RJ, Quarta Turma, DJe 23/10/2018).

Oportuno destacar que tal princípio não ostenta natureza absoluta, devendo sempre ser observada, em hipóteses de litígio, a situação fática subjacente a cada demanda, a fim de se averiguar eventual confusão causada pela convivência dos sinais marcários em conflito.

DI BLASI, GARCIA E MENDES bem apanharam a transformação pela qual a doutrina sobre o tema vem passando ao longo do tempo, como decorrência de avanços socioeconômicos:

Constata-se, no entanto, que, com a globalização do mercado internacional, o referido princípio [da especialidade], outrora consolidada pela doutrina, está se enfraquecendo, já que as empresas vêm divulgando, no mundo inteiro, através dos mais diversos meios de comunicação, seus produtos e serviços, além de diversificar sua área de atuação. (apud MORO, Maitê Cecília Fabbri. Direito de Marcas. São Paulo: RT, 2003, pp. 71/72)

Vale frisar que qualquer espécie de proteção especial derivada do reconhecimento da notoriedade de uma marca tem como corolário agregar a ela um maior valor econômico, o qual é tutelado pela ordem jurídica no intuito de se evitar a diluição de seu poder atrativo e o aproveitamento indevido por terceiros não autorizados a utilizá-la.

Nesse sentido, a observação de GUSMÃO:

A notoriedade traz à marca um valor dificilmente estimável, mas seguramente existente. É esse valor econômico que se procura proteger, evitando-se a diluição de seu poder atrativo e de sua reputação. (apud MORO, Maitê Cecília Fabbri. Direito de Marcas. São Paulo: RT, 2003, pp. 81)

5.        DA HIPÓTESE DOS AUTOS

O que se verifica no particular é que as recorrentes são detentoras de marca à qual foi conferida pelo INPI a proteção especial prevista no art. 125 da LPI: alto renome.

Tal proteção, conforme se extrai da leitura da norma precitada, garante ao titular uso exclusivo em todos os ramos de atividade, inviabilizando que terceiros possam utilizar ou registrar marca idêntica ou semelhante, seja qual for o segmento em que atuem comercialmente.

Acerca da matéria, elucida SOARES:

Para certas marcas que adquiriram alto renome (high reputation) em determinado país, de modo que possuam um atrativo próprio, a proteção poderá ser almejada em face do uso ou do registro para quaisquer produtos ou serviços, sem que haja necessidade de provar qualquer vantagem indevida ou denegrimento; [...] tais marcas, denominadas "marcas que possuem alta reputação" (marques de haute renomme, na França; beruhmte mark, na Alemanha) são aquelas conhecidas por uma grande parte do público em geral e que possuem tal reputação que não permitem nenhuma justificativa para seu uso ou registro por terceiros. (SOARES, José Carlos Tinoco. Revista dos Tribunais, n. 738, abril/97, pp. 32/40. Sem destaque no original.)

No âmbito do STJ, já se vem decidindo há algum tempo que, sendo a marca objeto de propriedade, seu titular tem o direito exclusivo ao respectivo uso em qualquer âmbito, sempre que, registrada no Brasil, for considerada de alto renome (REsp 758.597/DF, Terceira Turma, DJ 30/6/2006).

É esse, ademais, o entendimento consagrado pelo enunciado n. 1 da 24ª edição da Jurisprudência em Teses desta Corte Superior:

A marca de alto renome (art. 125 da Lei de Propriedade Industrial

- LPI) é exceção ao princípio da especificidade e tem proteção especial em todos os ramos de atividade, desde que previamente registrada no Brasil e assim declarada pelo INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Isso porque, dado o alto grau de conhecimento do público em geral acerca de marcas dessa natureza, seu uso, quando feito por terceiros, é apto a provocar associação indevida por parte dos consumidores, que podem relacioná-lo tanto à empresa titular do sinal registrado quanto aos produtos ou serviços que, de fato, são por elas identificados.

A associação indevida, por sua vez, é a gênese de uma série de prejuízos ao titular da marca, tais como os que decorrem de desgaste, diluição, degeneração ou vulgarização do sinal protegido, aproveitamento parasitário, confusão, enfraquecimento de reputação, perda da atratividade etc.

A lição de FERNANDES, SCHMIDT e MAYER é precisa:

As marcas famosas são tão conhecidas que, mesmo quando usadas em produto diverso, não deixam de gerar uma associação com o produto tradicional no qual o consumidor se acostumou a vê-la. Cientes desse fato, alguns empresários passaram a reproduzir marcas alheias famosas, em produtos diversos daqueles fabricados por seus legítimos titulares. A reprodução de uma marca alheia famosa, ainda que em produto diverso, dilui seu poder mercadológico, pois quebra a referência automática que o consumidor faz entre ela e os tradicionais produtos que identifica. (Revista da ABPI, n. 133, nov/dez de 2014, p. 10)

Quanto à impossibilidade de reprodução de marca que goza de notoriedade, ainda que em produtos ou serviços diversos, prosseguem os autores colacionando excerto de estudo conduzido por SCHECHTER, que merece ser aqui transcrito:

o prejuízo real em todos estes casos só pode ser aferido à luz do que foi dito a respeito da função de uma marca. É o desgaste ou dispersão gradual da identidade da marca ou nome e de sua fixação na mente do público por seu uso sobre bens que não competem entre si. Quanto mais distinta ou única for a marca, mais profunda é a sua impressão na consciência do público, e maior a sua necessidade de proteção contra contaminação ou dissociação do produto específico em relação ao qual ela está sendo usada. (Revista da ABPI, n. 133, nov/dez de 2014, p. 11)

A conclusão inafastável, diante de todo o exposto, é no sentido de que aquele que reproduz ou imita marca alheia dotada de alto renome, como na hipótese dos autos, viola a proteção conferida pela lei de regência (art. 125 da LPI).

Ainda que, no particular, não se possa vislumbrar a possibilidade de alguém razoavelmente informado adquirir um imóvel acreditando ter sido ele construído pelos recorrentes – haja vista que a marca NATURA designa produtos da área de cosméticos –, o que o sistema legal de proteção à propriedade industrial objetiva, em hipóteses como a aqui discutida, é impedir que terceiros utilizem o mesmo sinal, aproveitando-se da fama e da reputação alcançadas, a fim de, deliberadamente ou não, passar a ideia de que seus produtos sejam patrocinados, associados, afiliados ou guardem alguma relação, ainda que indireta, com a empresa titular do registro.

Tal prática, vedada pelo ordenamento jurídico, pode ser qualificada como abuso do direito de livre concorrência e configurar enriquecimento sem causa, por se tratar de exploração, mediante associação indevida, do prestígio conquistado pelo proprietário da marca.

Convém ressaltar, por oportuno, que esta Corte já manifestou entendimento no sentido de que, quando se trata da tutela de marca de alto renome, é despiciendo até mesmo perquirir se o uso indevido possui fins comerciais ou não (REsp 758.597/DF, Terceira Turma, DJ 30/6/2006).

Registre-se, por fim, que a jurisprudência do STJ elenca entendimento no sentido de que, em situações como a dos autos, se afigura desnecessário, para ficar configurado o uso indevido por terceiros, travar discussão a respeito da possibilidade ou não desse uso causar confusão no público consumidor. Nesse sentido: REsp 951.583/MG, Terceira Turma, DJe 17/11/2009.

6.        DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE USO INDEVIDO DE MARCA E DO MONTANTE DEVIDO

Configurada a violação ao direito de propriedade industrial titularizado pelas recorrentes, passa-se ao exame dos efeitos decorrentes da prática desse ato ilícito, quais sejam a configuração ou não de danos materiais e morais indenizáveis.

O entendimento do STJ firmou-se no sentido de reconhecer “a existência de dano material no caso de uso indevido da marca, uma vez que a própria violação do direito revela-se capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, como, por exemplo, no desvio de clientela e na confusão entre as empresas, acarretando inexorável prejuízo que deverá ter o seu quantum debeatur [...] apurado em liquidação por artigos” (REsp 1.327.773/MG, 4ª Turma, DJe 15/2/2018). No mesmo sentido: REsp 1.635.556/SP, 3ª Turma, DJe 14/11/2016.

A jurisprudência deste Tribunal aponta no mesmo sentido no que concerne à ocorrência de dano moral em hipótese de uso indevido de marca, sendo certo que tais danos decorrem de ofensa à imagem, identidade e/ou credibilidade do titular do direito tutelado (REsp 1.661.176/MG, 3ª Turma, DJe 10/4/2017).

Sua configuração, nesse cenário, decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita, revelando-se despicienda a efetiva comprovação do prejuízo ou a demonstração acerca do abalo moral (REsp 1.674.375/SP, 3ª Turma, DJe 13/11/2017).

Quanto à fixação do montante a ser pago a título de compensação pelo dano moral experimentado, esta Turma vem entendendo que se deve proceder com razoabilidade, levando-se em consideração as circunstâncias específicas da hipótese, como a gravidade do dano, a reprovabilidade da conduta, a repercussão do fato e o porte econômico dos envolvidos (REsp 1.741.348/SP, DJe 3/9/2018).

Assim, tudo isso sopesado, e considerados os precedentes do STJ envolvendo situações análogas (REsp 466.761/RJ, REsp 1.174.098/MG, REsp 1.535.668/SP, AgRg no AREsp 357.737/RS e REsp 1.327.773/MG), tem-se como adequado o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

7.        CONCLUSÃO

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para, julgando procedentes os pedidos deduzidos na inicial, impor à recorrida o dever de se abster de utilizar a expressão NATURA no empreendimento imobiliário assim denominado, e condená-la ao pagamento de danos materiais, em montante a ser apurado em liquidação de sentença, e de danos morais fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Condeno a recorrida, ainda, ao pagamento integral das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/15.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2019/0080321-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.804.960 / SP

Números Origem: 01378398620088260002 1378398620088260002 2340/2008 23402008 5830220081378397 EM MESA JULGADO: 03/09/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA IRANEIDE OLINDA SANTORO FACCHINI

Secretário

Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE - SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977

RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). DANIEL ADENSOHN DE SOUZA, pela parte RECORRENTE: NATURA COSMÉTICOS

S/A

Dr(a). DANIEL ADENSOHN DE SOUZA, pela parte RECORRENTE: INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, dando provimento ao recurso especial, pediu vista antecipada o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.804.960 - SP (2019/0080321-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA.

ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE - SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977

RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E DE REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. MARCA DE ALTO RENOME “NATURA”. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO DENOMINADO “RECREIO NATURA”. DISTINÇÃO ENTRE ATO CIVIL E ATO EMPRESARIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1.                                          Inexistindo omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, a rejeição dos embargos de declaração contra ele interpostos não configura negativa de prestação jurisdicional.

2.                                          O propósito recursal visa analisar se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, no caso a marca “NATURA”, diante do seu uso no empreendimento imobiliário “RECREIO NATURA”.

3.                                          A marca é um sinal distintivo que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.

4.                                          Os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem.

5.                                          A proteção à exclusividade da marca é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. O nome que individualiza um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade.

6.                                          O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita as atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.

7.                                          Recurso especial não provido.

VOTO-VENCEDOR

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:

O propósito recursal visa analisar se houve violação ao art. 125 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que confere proteção especial às marcas de alto renome, diante do uso do nome “RECREIO NATURA” em empreendimento imobiliário de propriedade da incorporadora ROSSI RESIDENCIAL S.A. e a marca “NATURA” registrada por NATURA COSMÉTICOS S.A.

Pedi vista dos autos em razão de dúvida quanto a possibilidade de nome atribuído a um único empreendimento imobiliário poder violar os direitos de propriedade industrial inerentes a marca registrada no INPI.

A sentença julgou o pedido improcedente sob o fundamento de que nome de condomínio não é marca (e-STJ, fls. 1.315/1.318).

A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consignou que o signo protegido é restrito à atividade comercial, não repercutindo na nomeação de coisas. Concluiu que o nome do empreendimento imobiliário não pode ser considerado marca. Se assim fosse, não haveria distinção entre marca e nome e todo nome seria marca, desde que aplicado a um objeto (e-STJ, fls. 1.496 e 1.503).

O precedente do STJ, citado pelo Tribunal paulista para embasar seu posicionamento, entendeu que o nome de um condomínio fechado “ACQUAMARINA SERNAMBETIBA 3.360”, não violou os direitos de propriedade industrial inerentes a marca nominativa “ACQUAMARINE”, sob o fundamento de que os nomes de edifícios ou de condomínios fechados não são marcas nem são atos da vida comercial, mas, ao revés, são atos da vida civil, pois promovem a individualização da coisa, não podendo ser enquadrados como serviços ou, ainda, produtos, mesmo porque, para estes últimos, a marca serve para distinguir séries (de mercadorias) - e não objetos singulares (REsp 862.067/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO

DO TJ/RS), Terceira Turma, j. 26/4/2011, DJe 10/5/2011).

O acórdão do TJSP, de relatoria do Desembargador Percival Nogueira, recebeu a seguinte ementa:

USO INDEVIDO DE MARCA - Reprodução de nome em empreendimento imobiliário "Natura Recreio" de marca exclusiva das autoras, detentoras de uso da marca "Natura" - Inexistência de violação - Interesse na proteção do uso indevido de marca - O fato de uma empresa construir um edifício, condomínio fechado ou empreendimento imobiliário, ao particularizá-los colocando-lhes um nome que se mantém, havendo comercialização ou não de unidades habitacionais, não torna o ato civil em comercial e tampouco coloca em risco, por confusão, os efeitos jurídicos de marca registrada no ramo de serviços, pois o signo protegido é restrito à atividade, não repercutindo na nomeação de coisas - Público alvo distinto - Incidência do princípio da especialidade - Não constatada depreciação ou prejuízo da marca das autoras e tampouco enriquecimento ilícito da ré, indevida a imposição de danos materiais - Sentença mantida - Recurso desprovido. (e-STJ, fl. 1.496 – sem destaque no originan( �br style='mso-special-character:line-break'>

O tema sobre a possibilidade de colidência de marca com nomes atribuídos a edifícios é sensível, tanto que o julgado de origem foi decidido por maioria, em votação apertada – 3 votos contra 2.

Nas razões do recurso especial a NATURA afirmou que o precedente indicado para embasar a fundamentação do acórdão recorrido de que nome de condomínio não é marca não se aplica ao caso concreto porque a sua marca é de alto renome, devendo ter proteção "erga omnes", ou seja, prevalecer para todos os produtos e todos os serviços, sem distinção.

Embora o princípio da especialidade não se aplique às marcas de alto renome, sendo assegurada proteção especial em todos os ramos de atividade (art. 125 da Lei nº 9.279/1996), tampouco se cogite do requisito da possibilidade de causar confusão no consumidor, penso, respeitosamente, que a proteção conferida pela lei não abrange o nome atribuído a edifícios ou empreendimentos imobiliários.

A marca é um sinal distintivo que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins.

Na definição de PONTES DE MIRANDA, marca é o mais típico sinal distintivo de produto ou de mercadoria. [...] No regime da livre concorrência, a marca de indústria e de comércio procura afirmar à clientela que se mantém a qualidade do produto ou mercadoria enquanto se mantém a marca (Tratado de Direito Privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2013. Tomo XVII: Direito das coisas; propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade industrial (sinais distintivos), p. 75).

A marca é parte do patrimônio de uma empresa, é designativa de um produto ou serviço. Sua função consiste em impedir a concorrência parasitária e a usurpação de clientela do seu titular, bem como proteger o renome que o signo distintivo mantém perante o público consumidor.

Os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação e, por isso, proliferam as homonímias sem que um condomínio possa impedir o outro de receber idêntica denominação.

Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem.

O mesmo não ocorre com o nome empresarial, por exemplo, em que o legislador optou por lhe conferir direito à exclusividade de uso, possibilitando ao seu detentor impedir que outro empresário se identifique com nome idêntico ou semelhante que possa provocar confusão em consumidores ou no meio empresarial. Nesse sentido, o art. 1.163 do CC/02 determina que o nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro.

O tratamento jurídico dispensado para a marca e para o nome empresarial – a proteção à exclusividade, não se aplica ao nome conferido a edifícios e empreendimentos imobiliários. A diferença se dá porque no primeiro caso temos um signo capaz de individualizar um produto ou serviço diante de todos os demais, visando a exploração de uma atividade econômica, enquanto no segundo temos a denominação atribuída a um bem para identificar objetos singulares.

Cabe aqui diferenciar “distinguir” de “identificar”:

Sobre as funções distintivas diga-se, antes de tudo, que “distinguir” não é sinônimo de “identificar” – ainda que na identificação possa haver, e muito comumente há, distinção. Ao identificar, põe-se um signo sobre o objeto; ao distinguir, este signo deve ser capaz de particularizá-lo diante de todos os demais. Em ambos os casos há designação; no segundo, entretanto, esta deve ser suficientemente particular a ponto distinguir o objeto. (EMENDÖRFER NETO, Victor. Nome empresarial: funções e peculiaridades do instituto. Críticas e sugestões a seu tratamento jurídico: estudo realizado de acordo com as alterações da IN DNRC 116/2011. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 101, n. 921, p. 215-255, jul. 2012, pág. 226 – sem destaques no originan( �br style='mso-special-character:line-break'>

Não por acaso a CF/88, em seu art. 5.º, XXIX, trata apenas da proteção à propriedade das marcas e aos nomes de empresas: a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

A proteção à exclusividade da marca ou do nome empresarial é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. Tal conceito jurídico exerce uma função e, por isto, presta-se a determinadas finalidades. O nome que individualiza um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade.

Donde o registro de uma expressão como marca não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício, pois a marca traduz um direito real (propriedade) e tem por função distinguir produtos e serviços, enquanto o nome de um empreendimento imobiliário, uma consequência de sua identificação.

A lição do doutrinador português JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, citada no REsp 862.067/RJ, bem elucida o tema:

[...]

Os edifícios em zona urbana são identificados por localidade, rua e número.

É livre, porém, a atribuição de nome aos edifícios pelos titulares. Passa-se assim sobretudo nas moradias. Mas também alguns edifícios de apartamentos têm nome.

É uma prática completamente facultativa. Está na disponibilidade dos titulares proceder assim.

Voltaremos adiante ao tema. Mas por agora interessa-nos uma delimitação feita pela lei portuguesa que encontra correspondente em todos os países: a marca e os outros sinais distintivos permitem impedir que alguém use, no exercício de actividades económicas, sinal idêntico ou semelhante para os mesmos elementos para que o sinal foi registrado e que possa causar risco de confusão ou de associação no público.

Fala-se no exercício de actividades económicas. [...]

Ora, dar o nome a um edifício não é um acto da vida comercial. Em si é civil; não caracteriza um acto de comércio. Tem tanto significado a atribuição dum nome pela assembleia de condôminos como pelo promotor da construção e venda do mesmo edifício. Não se aplica aqui a categoria formal do acto de comércio subjectivo, porque não é desde logo um acto jurídico, é o exercício duma liberdade.

(Nome de Edifício: conflito com marca, insígnia ou logotipo? Cadernos de Direito de Marcas, vol. 1, Coord. Maurício Lopes de Oliveira, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, fls. 01/09 e 46/54).

E continua o doutrinador destacando que até mesmo as marcas de alto renome não podem interferir na liberdade de nomear edifícios ou condomínios:

[...]

Escrevemos noutro lugar, exemplificando o exercício fora da atividade económica: "O meu bom gosto pode levar-me a decorar a minha moradia com a marca McDonalds; ou a chamar à minha cadela Coca-Cola. Tudo isto está fora da actividade negocial. Consequentemente, tudo isto escapa do exclusivo outorgado pela marca". Note-se que os exemplos foram dados por referência a marcas que são universalmente apontadas como marcas de prestígio.

É dentro deste regime de liberdade que encontramos edifícios nominados, e outros não. Não se controla se há ou não repetições, porque ninguém tem direitos exclusivos. "Doce Lar", "São José" e outros semelhantes repetem-se inúmeras vezes ao longo do país. Até na mesma cidade se repetem, sem com isso interpelar em nada o Direito Industrial.

[...]

A marca refere-se a produtos ou serviços.

Onde fica então neste quadro o nome do edifício? Não se vê onde se possa situar.

E isto tem uma consequência decisiva. É que, se não entra em nenhum dos tipos legais, não tem protecção como direito exclusivo. Os direitos industriais são caracterizados pelo princípio da tipicidade. Só são reconhecidos os direitos industriais que sejam estabelecidos por lei.

[...]

Se não há previsão de nomes de edifícios na lei, estes não podem ser objeto de direitos industriais. Não são empresas, a que se aplique o logotipo; não são estabelecimentos a que se aplique o nome de estabelecimento ou a insígnia.

[...]

A marca serve para registrar produtos ou serviços. Não estamos seguramente perante um serviço.

E não estamos também perante um produto. Temos acentuado um aspecto essencial neste domínio: a marca distingue séries, não caracteriza indivíduos. Ou, se quisermos, distingue indivíduos pela sua integração numa série, e não pela sua singularidade.

Com isto a marca contrapõe-se a outros sinais distintivos do comércio, que assentam justamente na individualidade. O nome de estabelecimento ou a insígnia, por exemplo, não são marcas [...]

Se não fosse assim, não haveria distinção entre marca e nome. Todo o nome seria marca, desde que aplicado a um objecto: Ponte Vasco da Gama, por exemplo. Mas a lei separa-os logo na própria designação. Nomes e marcas podem ser sinais distintivos, mas nomes são nomes e marcas são marcas. Não se confunde tudo. [...]

Os sinais distintivos do comércio aplicam-se ao comércio. Por mais latamente que se entenda, o comércio para este efeito (cfr. o art. 2 do Código da Propriedade Industrial - CPI) respeita sempre à vida de negócios.

Mas se porventura se atribui um nome a um edifício, o facto não tem nada que ver com o comércio. Quem constrói a sua casinha e a denomina imaginativamente "O meu lar" não está comerciando. O proprietário que coloca no edifício de apartamentos a designação "Sinfonia" não está a fazer comércio.

Pois também não o faz o empresário que constrói um edifício para comercializar apartamentos e lhe chama "Dolce Vita". Procura uma designação sugestiva que atraia a clientela, mas isso não torna o acto comercial. É como escolher a cor ocre ou colocar uma estatueta à entrada. São actos que distinguem o prédio, mas nem por isso são actos de comércio ou se enquadram nos sinais distintivos do comércio. (op.cit., fls. 46/54).

Diante do contexto destacado e sopesando que embora a proteção da marca de alto renome garanta ao titular uso exclusivo em todos os ramos de atividade comercial/empresarial, inviabilizando que terceiros possam utilizar ou registrar marca idêntica ou semelhante, a proteção não se estende aos nomes de edifícios ou condomínios que, como atos da vida civil que são, destinam-se a nomear coisas, sem interferência na exploração econômica, impossibilitando sua colidência com marcas.

Em suma, o registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um edifício. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita às atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.

Feitas essas considerações, escuso-me perante a em. Ministra Relatora, mas, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2019/0080321-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.804.960 / SP

Números Origem: 01378398620088260002 1378398620088260002 2340/2008 23402008 5830220081378397 EM MESA JULGADO: 24/09/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Relator para Acórdão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ROGÉRIO DE PAIVA NAVARRO

Secretário

Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : NATURA COSMÉTICOS S/A

RECORRENTE : INDUSTRIA E COMERCIO DE COSMETICOS NATURA LTDA. ADVOGADOS : ANTONIO FERRO RICCI - SP067143

PEDRO HENRIQUE FORMAGGIO JORGE - SP299714 CARLOS EDUARDO NELLI PRINCIPE - SP343977

RECORRIDO : ROSSI RESIDENCIAL SA

ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO(S) - SP128341

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrará o acórdão. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Moura Ribeiro, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.