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São Paulo State Court of Justice, Appeal n. 0054315-03.2008.8.26.0000, Rapporteur Judge: Costa Netto, julgado em 31 maio 2016

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Registro: 2016.0000392096

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0054315-03.2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SOLETROL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, é apelado RUBENS CRISTOFARO JUNIOR.

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALEXANDRE LAZZARINI (Presidente sem voto), JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO E ANGELA LOPES.

 

São Paulo, 31 de maio de 2016.

 

COSTA NETTO RELATOR
Assinatura Eletrônica

 

Apelação nº 0054315-03.2008.8.26.0000
Apelante: Soletrol Industria e Comercio Ltda Apelado: Rubens Cristofaro Junior
Interessado: Procobre - Instituto Brasileiro do Cobre Comarca: São Paulo
Voto nº 1101

 

Direitos Autorais Direitos conexos aos de autor. Ação de indenização de danos materiais e morais. Exibição de campanha publicitária inserida em programação de canal de televisão. Edição de fitas VHS pelas rés, após o termo final do contrato. Ilegitimidade passiva "ad causam". Contrato firmado entre as rés. Inocorrência. Preliminar afastada. Exibição e comercialização desautorizadas Reparação devida pelo período excedente. Acordo firmado entre a corré Procobre e o autor após a prolação da r. sentença. Prosseguimento do processo em relação à corré Soletrol. Violação aos direitos morais de autor. Direitos patrimoniais. Reparação correspondente ao valor de comercialização das fitas VHS no período, além da penalização pecuniária adicional correspondente à R$30.000,00 (lei 9.610/98, art. 103,§ único c/c art. 109)."Quantum debeatur" apurável em liquidação de sentença. Apuração que deve ser proporcional às fitas em que foi veiculada indevidamente a imagem do autor. Abatimento do valor pago pela corré. Recurso parcialmente provido.

 

Cuida-se de recursos de apelação interpostos contra a r. sentença de fls. 404/422, que julgou procedentes em parte os pedidos, para condenar as rés a indenizar o autor a título de danos materiais na quantia equivalente ao número de exemplares vendidos do programa "Energia Solar na TV", considerando-se as aquisições de exemplares com oito ou quatro fitas VHS pelo valor de R$ 196,00 e R$ 149,00, apuráveis em sede de liquidação de sentença; condenação d danos morais no montante de R$ 30.000,00, com acréscimos de juros de mora de 1% ao mês e de correção monetária a contar da data da r. sentença, com base nos índices da Tabela Prática desta Corte; multa correspondente a vinte vezes o valor da remuneração contratual do autor pelo uso indevido de sua imagem.

 

Em razão da sucumbência, os réus deverão arcar com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% do valor da condenação.

 

Rejeitados às fls. 440/441 e 446/447, destes autos, os embargos de declaração opostos pelas rés (fls. 404/422 e 442/443), apela a corré Procobre para reiterar as razões do agravo retido de fls. 203/211, tirado da r. decisão que indeferiu as preliminares arguidas em contestação (fls. 194/195). No mérito, alega que não utilizou indevidamente a imagem e a voz do autor; não comercializou fitas VHS sem a sua autorização; a conduta reprovável deve ser atribuída apenas à corré Soletrol; notificou extrajudicialmente esta última; volta-se contra as condenações por danos materiais e morais (fls. 449/463).

 

A corré Soletrol, por sua vez, apela suscitando preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, pois a relação contratual se verificou somente entre o autor e a corré Procobre. No mérito, alega não ter comercializado as fitas VHS; não utilizou a imagem a e voz do autor; é inaplicável a multa prevista na Lei 9.610/98, art. 109; bate-se contra a condenação de danos materiais e morais (fls. 474/491).

 

Comprovado o recolhimento do preparo (fls. 464/467 e 492/493), os recursos foram recebidos em ambos os efeitos (fls. 470/494).

 

Contrarrazões às fls. 495/513, 554/561 e 563/576.

 

Acordo firmado entre o autor e a corré Procobre (fls. 539/541), homologado às fls. 580.

 

O autor manifestou-se alegando intempestividade do recurso da Soletrol (fls. 630/632); manifestação da Soletrol às fls.634/639; indeferimento do pedido às fls. 646.

 

Manifestações das partes às fls. 653/654 e 656/658.

 

É o relatório.

 

Rubens Cristóforo Júnior ajuizou ação de indenização de danos materiais e morais em face de Procobre Instituto Brasileiro de Cobre e Soletrol Aquecedores de Água alegando, em suma, haver celebrado com a Procobre contrato de prestação de serviços e concessão de imagem e som de voz por tempo determinado em 26 de abril de 2000 (fls. 23/25); o contrato sujeitou-se a sucessivos aditamentos (fls. 25/32); o autor obrigou-se a conceder o uso de sua imagem e voz para um filme publicitário de trinta segundos no sentido de divulgar determinada marca de canos e de conexões hidráulicas, em cobre, pelo período de seis meses, cuja exibição ocorreria no interior do Estado de São Paulo; a exibição do último filme publicitário se verificou em 15 de setembro de 2003; após esta data, as rés continuaram veiculando a campanha publicitária; produziram fitas VHS comercializadas no território nacional, em pacotes de oito fitas com exibição de trinta e dois programas pelo preço de R$ 196,00; comercializaram também pacotes de quatro fitas com dezesseis programas pelo preço de R$ 149,00; as exibições perduraram até 18 de janeiro de 2004, em que pesem os pedidos do autor para a cessação das exibições ou de nova contratação. Por tudo isso, pleiteou a concessão de tutela antecipada tendente a suspender a comercialização das fitas VHS, discorrendo sobre a violação dos direitos conexos aos de autor, pleiteando o devido ressarcimento.

 

Em contestação, a Procobre deduz preliminares de ilegitimidade passiva ad causam e de inépcia da petição inicial. No mérito, diz que o contrato e os subsequentes aditamentos autorizaram o uso de imagem e de voz do autor até outubro de 2003; as posteriores exibições são de responsabilidade da Soletrol; agiu de boa-fé notificando a Soletrol sobre o termo final do contrato; não há obrigação de indenizar por danos materiais e morais (fls. 203/211).

 

Em contestação, a Soletrol suscita preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. Na questão de fundo, nega a produção e à comercialização das fitas VHS; atribui responsabilidade pelo fato a pessoa jurídica diversa, que teria editado o programa; divulgou somente o produto da corré Procobre; impugna os pleitos indenizatórios (fls. 151/154).

 

A r. sentença julgou procedentes em parte os pedidos do autor para condenar as rés solidariamente a pagar ao autor indenização a título de danos materiais consistente na quantia equivalente ao número de exemplares vendidos do programa "Energia Solar na TV", considerando as aquisições dos exemplares com oito (8) ou quatro (4) fitas pelo valor de R$196,00 e R$149,00, respectivamente, a ser apurada na fase de liquidação de sentença, bem como a quantia de R$30.000,00, a título de multa (fls.446), com juros de 1% ao mês e correção monetária pelos índices da Tabela adotada para cálculos judiciais, e, ainda, indenização a título de danos morais no valor de R$30.000,00, igualmente atualizado desde a prolação da sentença (fls.422).

 

Noticiado o acordo firmado entre o autor e a corré Procobre (fls. 539/541), esta pagou ao autor, em 03/09/2012, o valor de R$ 68.000,00 (fls. 546/548), em decorrência da condenação imposta na r. sentença, além da verba honorária devida ao correspondente patrono.

 

Assim, em face da homologação do acordo (fls. 580), julgam- se prejudicados o agravo retido e a apelação das partes anuentes (fls. 203/211 e 449/463).

 

O processo prossegue apenas em relação à corré Soletrol, não prosperando a aplicação do §3º, art.844, do Código de Civil1, como pretende a recorrente.

 

Isso porque, compulsados os autos, verifica-se que, apesar de se tratar de solidariedade passiva, o acordo celebrado pelo autor, ora apelado, com a corré Procobre, não quitou a integralidade da dívida, constando expressamente da avença homologada pelo D. Juízo a quo, com trânsito em julgado em 11/12/2012, que o processo seguiria com relação à ora apelante.

 

Nesse contexto, dispõe o caput do art. 275 do Código Civil:

 

"Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto."

 

É a hipótese dos autos.

 

Ademais, o valor parcialmente pago pela corré Procobre deverá ser atualizado a partir da data do seu pagamento (03/09/2012) e computado para abatimento em eventual condenação definitiva, como observado na petição de fls. 582/583, protocolada pela própria apelante.

 

DO RECURSO DA CORRÉ SOLETROL

 

A preliminar de ilegitimidade passiva ad causam não prospera, haja vista o contrato firmado pela recorrente fls. 145/146, vinculando-a ao negócio jurídico, objeto da presente ação, por prazo determinado.

 

Ademais, a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes (CC, art. 265).

 

Preliminar afastada, passa-se a análise do mérito.

 

A questão travada nos autos deve ser analisada à luz da Lei de Direitos Autorais - Lei nº 9.610/98 e, de forma subsidiária, o Código Civil, uma vez que aquela é o regramento específico que disciplina os direitos de autor e os que lhe são conexos, hipótese versada nos autos, prevalecendo as disposições da lei especial sobre a lei geral.

 

Como dito, trata-se de violação aos direitos conexos aos de autor, no caso o ora apelado, em filmes publicitários, obras audiovisuais propriamente ditas, veiculados por prazo e mídia diversa da originalmente contratada.

 

No caso, ao participar do filme de campanha publicitária visando a divulgação de tubos e de conexões da empresa Procobre, o apelado o fez na qualidade de intérprete da obra audiovisual, uma vez que os direitos de imagem e de voz inserem-se na interpretação, protegida pela Lei 9.610/98, conforme disposto no art. 89 e no §2º do art. 90, a saber:

 

"Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão.

 

Art. 90. Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
(...)
§ 2º A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações."

 

O litígio reside na indevida utilização de imagem e da voz do autor, ora apelado, em filme de campanha publicitária de canos e de conexões de cobre, inserido em programa de televisão denominado "Energia Solar na TV", pela ausência de autorização para a exibição do comercial fora do prazo contratual, além da indevida comercialização de fitas VHS do referido programa onde o comercial era exibido em todo o território nacional, com as consequentes repercussões indenizatórias, em benefício do artista intérprete, de ordem moral e patrimonial.

 

Nesse caminho, conforme se depreende do contrato e aditamentos formalizados entre o apelado e a Procobre (fls. 23/32), a última prorrogação para a exibição de campanha publicitária com a utilização autorizada de imagem e de voz do apelado alcançou termo em 15 de setembro de 2003.

 

No entanto, em face do contrato firmado entre a Rede Vida de Televisão, a Procobre e a apelante em 17 de dezembro de 2002 (fls. 145/146), o prazo de exibição foi prorrogado até 19 de outubro de 2003.

 

Verifica-se, assim, que houve autorização contratual para utilização da interpretação artística (imagem e voz) do autor- apelado até esse último aditamento contratual.

 

Após isso, toda a veiculação do anúncio foi realizada sem autorização do autor- apelado; ou seja, a indevida comercialização da campanha publicitária e a utilização de imagem e da voz do recorrido, ocorreram entre 19 de outubro de 2003 a 18 de janeiro de 2004.

 

Nesse contexto, manifesta é a ilicitude da conduta da apelante, acarretando, assim, o dever de reparar os danos materiais e morais sofridos pelo apelado.

 

No tocante aos direitos patrimoniais, segundo disposto no art. 90 da Lei 9.610/98, ao artista interprete ou executante é assegurado o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, de autorizar ou proibir:

 

I - a fixação de suas interpretações ou execuções;

 

II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;

 

III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;

 

IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

 

V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.

 

Pelo o que consta dos autos, após 19 de outubro de 2003, a exibição do material publicitário pela Soletrol, tanto em redes de televisão, quanto através de comercialização em fitas VHS, sem a autorização do autor, por óbvio, caracterizou-se como indevida, por violar os direitos conexos do intérprete, ora autor, na obra audiovisual, na vertente patrimonial.

 

Nos autos, ficou comprovada a indevida fixação, utilização e comercialização da imagem e da voz do autor, pela apelante, em nova modalidade de reprodução, por meio de fitas VHS, desprovida de autorização, fato que ocorreu a partir de 20 de outubro de 2003.

 

A essa conclusão se chega, porque a apelante disponibilizou pela internet ao consumidor a venda do filme publicitário extraído do programa "Energia Solar" (exibido na Rede Vida de Televisão), através do site www.energiasolarnatv.com.br (fls. 36/50).

 

Da prova colhida, vislumbra-se o benefício comercial auferido à revelia do apelado, conforme oitiva da testemunha Renata Bertozo (fls. 342):

 

"terminado o contrato, recebemos ordem para não vender mais fitas VHS que continham a imagem e o som da voz do autor constantes de comerciais de televisão nelas inseridas, porém, quando essa comunicação chegou ao nosso conhecimento, já haviam sido vendidas vinte ou vinte e cinco fitas que compunham o lote antigo do mencionado produto; a partir de então, o material foi reeditado, suprimindo-se a mencionada campanha publicitár ia" (fls. 342).

 

Outrossim, nem se alegue, como tenta a recorrente, a divulgação do material por terceiro, à sua revelia e ainda sem a sua participação nos lucros sobre as vendas. Isso porque a mesma testemunha arrematou às fls. 342:

 

"essa empresa e a corré Soletrol têm proprietários em comum". "nas mencionadas fitas VHS constava o nome da Marketing JP como sendo a empresa responsável pela sua distribuição no mercado; "a Marketing JP também expedia comprovantes de venda dessas fitas;"

 

Além disso, a utilização indevida com ampliação do prazo contratual implica em interpretação extensiva da avença, o que é inadmissível em se tratando de negócios jurídicos sobre os direitos autorais. 2

 

Por força do artigo 49, VI, a interpretação contratual é favorável ao autor de maneira que "não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato."

 

Salienta-se também a má-fé da apelante, pois, além de agir dolosamente, perpetuou a ilicitude consistente na:

 

a) exibição pública, em território nacional, não autorizada, após o término do último contrato (aditamento), o que se deu a partir de 19 de outubro de 2003 até 18 de janeiro de 2004.

 

b) reprodução em VHS, bem como pela extração de cópias e comercialização desautorizadas. 3

 

No que tange à reparação dos danos, há que se prestigiar as funções ressarcitória, punitiva e dissuasória, como exatamente contemplou a sentença.

 

Essa orientação vem se consolidando e adquirindo contornos seguros no fortalecimento da eficiência reparatória, a dimensionar o efetivo prejuízo sofrido em decorrência do ato lesivo e a justa reparação, a título de desestímulo à prática de novas violações aos direitos de autor e aos que lhe são conexos.

 

No tocante aos danos materiais, a sentença determinou a aplicação do parágrafo único do art.103 da Lei 9.610/984, considerando a comercialização de "exemplares" com oito (8) ou quatro (4) fitas pelo valor de R$196,00 e R$149,00. Portanto, caso não seja conhecida a efetiva tiragem da edição dos VHS em questão, será considerado, nos termos legais referidos, o valor correspondente a três mil exemplares.

 

Nesse ponto, há que se esclarecer que, tomando-se por base os pacotes de 8 (oito) e de 4 (quatro) fitas, devem ser apurados, em sede de liquidação de sentença, em quantas fitas (dentro de cada pacote) encontram-se, efetivamente, veiculadas a publicidade que utilizou a imagem do autor, sob pena de enriquecimento indevido do autor, ora apelado. Naturalmente, a verificação será suficiente em amostragem de apenas 2 desses pacotes (um no formato de 4 fitas e outro no formato de 8 fitas).

 

Por exemplo: no pacote com 8 fitas, se apenas uma dessas fitas veiculava a publicidade que utilizava a imagem do apelado, ao contrário das demais fitas, onde a utilização indevida da imagem "sub judice" não encontra-se presente. Nesse caso, ter-se-á, proporcionalmente, como cômputo da base indenizatória 1/8 de R$196,00, ou seja, R$24,50. O mesmo procedimento deverá ser realizado em relação ao pacote de 4 fitas.

 

Por outro lado, se ficar comprovado, em liquidação de sentença, que todos os exemplares/fitas que integraram o pacote continham a veiculação indevida da imagem do apelado, o preço de mercado do total do pacote - com 8 (oito) fitas - R$196,00 e 4 (quatro)fitas R$149,00- será utilizado como base para o cálculo da tiragem (número de exemplares) reproduzida/comercializada sem autorização.

 

Em qualquer das hipóteses, esses valores serão atualizados conforme disposto em sentença e a partir da publicação desta.

 

Além disso, diante da comprovada má-fé e da intenção ilícita de usurpar os direitos autorais do requerente, deverá também a apelante, em face da violação correspondente à intencional extrapolação do prazo contratual de autorização da exibição pública da interpretação (voz e imagem) em território nacional, a pagar a multa prevista no art. 109 da Lei nº 9.610/98, em conformidade com o entendimento predominante do Superior Tribunal de Justiça 5, correspondente a 20 X R$ 1.500,00 (remuneração contratada)= R$ 30.000,00, sem alteração no critério de fixação dos juros de mora e da correção monetária, calculada a partir da publicação da r. sentença, uma vez que não houve recurso do apelante contra este capítulo daquele r. julgado monocrático.

 

Considerando-se o pagamento de parte do valor da condenação pela Procobre, mediante acordo firmado com o autor, aquela importância deverá ser atualizada desde o seu pagamento (03/09/2012) e deduzida do quantum debeatur remanescente, apurado em liquidação de sentença nos termos supra consignados.

 

Além disso, a indevida utilização da interpretação do autor- apelado (imagem e voz) fora dos limites contratuais, eclodiu em ofensa aos direitos da personalidade que, segundo Adriano de Cupis:

 

"são direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal" 6.

 

Corroborando a orientação doutrinária, o artigo 20 do Código Civil, inserido no Capítulo destinado aos direitos da personalidade, dispõe:

 

"Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que coube r, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais."

 

Ressalta-se que, em relação à obra audiovisual, no tocante ao exercício do direito de imagem, especialmente a destinada a "fins comerciais", a Lei 9.610/98 prevê, expressamente:

 

"A proteção aos artistas interpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações" 7.

 

Nesse caminho, Walter Moraes, de forma genérica, conceitua interpretação e execução:

 

"(a) a execução artística é coisa incorpórea reservada à disposição exclusiva da pessoa que a produza. A norma jurídica que assegura este direito contra todos impõe dever geral de preservação, incidindo, destarte, sobre uma relação jurídica de direito real. Esta é a natureza do direito da execução artística, compreendido na sua generalidade, e

 

(b) a interpretação é o produto da elaboração intelectual do intérprete e, como tal, reflexo de sua personalidade indissoluvelmente ligado a ela. É bem que se coloca como objeto de um direito de personalidade de alcance absoluto, cuja disponibilidade é limitada pela impossibilidade de privar-se dele o sujeito. A norma que rege a relação jurídica, daí emergente, situa-se na esfera do direito da personalidade" 8

 

Portanto, a ilicitude perpetrada ingressa também no campo da responsabilidade extracontratual, hipótese que justifica a condenação em indenização por danos morais.

 

Na hipótese, os danos morais devem ser mantidos tal como fixados na sentença, no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), montante que se mostra razoável, prestigiando as funções: compensatória, sancionatória (ou punitiva) e dissuasória (ou preventiva) da responsabilidade civil.

 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, nos termos expostos.

 

JOSÉ CARLOS COSTA NETTO
Relator

 


1 "Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível.
(...)
§ 3o Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em relação aos co- devedores."

2 Art. 4º Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.

3 Conduta vedada pela Lei 9.610/98: "Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I - a reprodução parcial ou integral; (...)
Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais."

4 "Art. 103 -Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos.

5 Precedentes: REsp 791.630-RJ, DJ 4/9/2006; REsp 556.340-MG, DJ 11/10/2004; REsp 111.105-PR, DJ 10/2/2003; REsp 329.860-RJ, DJ 1º/2/2005; AgRg no EDcl no Ag 938.715-RJ, DJe 23/5/2008, e REsp 439.441-MG, DJ 10/3/2003. E REsp 742.426;

6 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caieiro. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961, p.17.

7 Art.90, inciso V, §2º da Lei 9.610/98. Observe-se que à tutela de reprodução da imagem encontra-se acrescida a proteção 'a reprodução da voz'.

8 Artistas, Intérpretes e Executantes, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976 pp. 291 e 292.