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3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; Recurso Especial No. 1.843.507/SP; Relator Ministro Tarso Sanseverino; Julgamento em 6 de outubro de 2020

RECURSO ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO - SP010784

PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914

JOSÉ THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO

ADVOGADOS : LUIZ CARLOS TONIN - SP086190

CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO - SP223318

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE E DESENHO INDUSTRIAL. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA NULIDADE DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO CURSO DE AÇÃO DE INFRAÇÃO EM TRÂMITE NA JUSTIÇA ESTADUAL. ARTS 56, § 1º, E 118 DA LEI N. 9.279/96. REDAÇÃO CLARA DA LEI NO SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE COMO MATÉRIA DE DEFESA. RESSALVA APLICÁVEL APENAS A PATENTES E A DESENHOS INDUSTRIAIS. RESSALVA NÃO APLICÁVEL A MARCAS.

1.           A Lei n. 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial - exige, como regra, a participação do INPI, autarquia federal, nas ações de nulidade de direitos da propriedade industrial.

2.           Nos termos dos arts. 57, 118 e 175 da Lei n. 9.279/96, as ações de nulidade de patentes, desenhos industriais e de marcas devem ser propostas perante a Justiça Federal.

3.           Esse mesmo diploma legal, no entanto, faz uma ressalva expressa no que diz respeito às patentes e aos desenhos industriais, ao possibilitar a arguição de sua nulidade pelo réu, em ação de infração, como matéria de defesa, dispensando, excepcionalmente, portanto, a participação do INPI.

4.           Essa ressalva não é aplicável às marcas.

5.           O reconhecimento da nulidade de patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas "incidenter tantum", não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado na ação de infração.

6.           RECURSO ESPECIAL PROVIDO.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 06 de outubro de 2020(data do julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO - SP010784

PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914

JOSÉ THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO

ADVOGADOS : LUIZ CARLOS TONIN - SP086190

CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO - SP223318

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

(Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por ELETRO METALÚRGICA VENTI DELTA LTDA contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao agravo retido e deu provimento à apelação no curso da ação proposta por SIDNEI EVARISTO MAZOCCO.

A ementa do acórdão recorrido foi redigida nos seguintes termos (e-STJ fls. 1.138):

RECURSO - Agravo retido - Formulação de quesitos suplementares por meio dos quais pretendia a ré obter a manifestação do perito sobre o parecer elaborado pelo assistente técnico - Ré que pretendia comprovar a nulidade das patentes concedidas ao autor - Nulidade que só pode ser discutida perante a Justiça Federal - Manifestação do perito sobre o laudo do assistente técnico que, por esse motivo, mostra-se irrelevante - Agravo retido desprovido.

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C PERDAS E DANOS -

Autor que é titular de algumas patentes - Alegação de nulidade dos registros - Necessidade de prévio decreto de nulidade do registro perante a Justiça Federal - Impossibilidade de reconhecimento da nulidade de maneira incidental pela Justiça Estadual - Julgados recentes do C. STJ e deste E. TJSP nesse sentido - Procedência do pedido de que a ré se abstenha de fabricar, comercializar e ter em estoque qualquer material relacionado com as patentes mencionadas na inicial - Lucros cessantes - Autor que é sócio proprietário da empresa que produz e comercializa com exclusividade os produtos por ele patenteados - Hipótese em que, sendo os produtos produzidos e comercializados pela empresa, e não pelo autor, caberia à primeira ajuizar a ação competente a fim de receber indenização pelos benefícios que teria auferido caso a violação não tivesse ocorrido, bem como para receber os benefícios que foram auferidos pela ré - Critério destacado no inciso III do art. 210 da Lei 9.279/96 que, no entanto, deve ser observado - Remuneração que a ré, autora da violação, teria pago ao autor, titular do direito violado, pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem – Lucros cessantes a serem fixados em liquidação por arbitramento - Ação parcialmente procedente – Maior sucumbência da ré - Recurso provido em parte.

Opostos embargos de declaração (e-STJ fls. 1.147-1.148 e 1.150-1.155), foram acolhidos com efeitos modificativos, em acórdão cuja ementa foi redigida nesses termos (e-STJ fls. 1.159):

RECURSO - Embargos de declaração - Omissão - Termo inicial de incidência dos juros e da correção monetária - Ausência constatada - Aplicação das Súmulas 54 e 362 do Colendo STJ – Embargos acolhidos com efeito modificativo.

Em suas razões, a recorrente alega, além da ocorrência de dissídio jurisprudencial, a violação dos arts. 56, § 1º, e 57 da Lei n. 9.279/96, do art. 535, II, do CPC e dos arts. 397 e 405 do CC, sustentando: a) que o art. 57 da Lei n. 9.279/96 aplica-se apenas às ações anulatórias propostas por terceiro ou pelo INPI com o objetivo de retirar, erga omnes, a validade do direito de propriedade industrial, sendo que, em casos como o presente, em que a nulidade foi arguida como matéria de defesa, ela se dará de forma incidental e inter partes, o que é autorizado pelo art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96; b) que entendimento contrário levaria ao absurdo de não poder o réu se defender invocando a nulidade do direito de que é titular o autor, obrigando-o a ingressar com ação perante a Justiça Federal, com caráter erga omnes, para ver declarada, em benefício de todos, a nulidade do direito de propriedade industrial; c) que o Tribunal de origem não se manifestou acerca da necessidade de complementação da perícia, em razão da contradição do laudo, que dizia respeito não à nulidade dos direitos de propriedade industrial, mas, sim, à alegação de que os produtos por ela fabricados não teriam características reivindicadas pelo autor; d) que os juros moratórios devem incidir apenas depois de sua intimação acerca da liquidação do débito ou a partir de sua citação na ação de conhecimento (e-STJ fls. 1.170-1.202).

Foram apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 1.234-1.245).

O recurso especial teve seu seguimento negado pelo Presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça (e-STJ fls. 1.250-1.252).

Interposto agravo (e-STJ fls. 1.255-1.290), a ele neguei provimento (e-STJ fls. 1.366-1.373).

A recorrente se manifestou às fls. 1.317-1.321 e-STJ, informando ter ingressado com ação de nulidade da patente e dos desenhos industriais do recorrido, tendo sido deferida a tutela de urgência naquela demanda, o que justificaria a suspensão da presente demanda até o trânsito em julgado daquela ação, em razão da prejudicialidade externa.

Interposto agravo interno (e-STJ fls. 1.377-1.395), em juízo de retratação, determinei sua reautuaçao como recurso especial, de modo a permitir melhor exame da controvérsia (e-STJ fls. 1.415-1.419).

Vieram-me conclusos os autos. É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.843.507 - SP (2017/0048700-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO - SP010784

PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914

JOSÉ THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO

ADVOGADOS : LUIZ CARLOS TONIN - SP086190

CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO - SP223318

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE E DESENHO INDUSTRIAL. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA NULIDADE DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO CURSO DE AÇÃO DE INFRAÇÃO EM TRÂMITE NA JUSTIÇA ESTADUAL. ARTS 56, § 1º, E 118 DA LEI N. 9.279/96. REDAÇÃO CLARA DA LEI NO SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE COMO MATÉRIA DE DEFESA. RESSALVA APLICÁVEL APENAS A PATENTES E A DESENHOS INDUSTRIAIS. RESSALVA NÃO APLICÁVEL A MARCAS.

1.           A Lei n. 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial - exige, como regra, a participação do INPI, autarquia federal, nas ações de nulidade de direitos da propriedade industrial.

2.           Nos termos dos arts. 57, 118 e 175 da Lei n. 9.279/96, as ações de nulidade de patentes, desenhos industriais e de marcas devem ser propostas perante a Justiça Federal.

3.           Esse mesmo diploma legal, no entanto, faz uma ressalva expressa no que diz respeito às patentes e aos desenhos industriais, ao possibilitar a arguição de sua nulidade pelo réu, em ação de infração, como matéria de defesa, dispensando, excepcionalmente, portanto, a participação do INPI.

4.           Essa ressalva não é aplicável às marcas.

5.           O reconhecimento da nulidade de patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas "incidenter tantum", não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado na ação de infração.

6.           RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

(Relator):

Eminentes Colegas, merece provimento o presente recurso especial.

A questão controvertida diz respeito à possibilidade de, em ação de infração de patente de modelo de utilidade e de desenho industrial, o réu alegar, em sua defesa, a nulidade de tais direitos de propriedade intelectual, em razão da ausência dos requisitos necessários à sua concessão, à luz do art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96.

A questão não é nova, havendo diversos julgados desta Terceira Turma acerca do tema.

Porém, melhor examinando a controvérsia, entendo que casos como o presente evidenciam a necessidade, não de alteração, mas de um aperfeiçoamento no entendimento jurisprudencial até então esposado por esta Corte.

Os autos versam acerca de ação de infração de uma patente e de dois desenhos industriais, direitos de propriedade intelectual que conferem ao seu titular a prerrogativa de impedir terceiros de utilizar, de forma comercial, respectivamente, o modelo de utilidade e as formas plásticas ornamentais neles reivindicadas.

O modelo de utilidade em questão diz respeito a uma disposição introduzida em pedestal telescópico, enquanto os desenhos industriais referem-se a aplicações para grade e suporte-base de ventilador, cujas reivindicações estariam sendo implementadas, sem autorização, pelo réu.

O réu, em sua defesa, alega, além da ausência de infração, a invalidade dos direitos de propriedade industrial que fundamentam a ação, por lhes faltarem os requisitos essenciais exigidos pelos arts. 8º e 95 da Lei n. 9.279/96, quais sejam, a novidade e a atividade inventiva, no caso da patente, e a novidade e a originalidade, no caso dos desenhos industriais.

O Tribunal de origem entendeu, na linha da jurisprudência desta Corte, que não seria possível, no bojo de uma ação de infração, examinar-se a nulidade da patente e dos desenhos industriais, o que deveria ser arguido em ação própria, de competência da Justiça Federal, tendo, assim, deixado de analisar tais alegações.

O recorrente, por sua vez, defende que o art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) expressamente dispõe acerca da possibilidade de se arguir a nulidade da patente e dos desenhos industriais como matéria de defesa, de tal sorte que o entendimento adotado pelo Tribunal de origem ensejaria limitação indevida em seu direito de defesa.

Entendo que assiste razão ao recorrente.

Este Superior Tribunal – há muito – tem entendimento firmado no sentido de que a nulidade de marca registrada deve ser necessariamente arguida em ação própria, com a participação do INPI, a ser ajuizada perante a Justiça Federal, não podendo ser reconhecida de forma incidental em ação de infração de marca em trâmite na Justiça Estadual.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:

Ação cominatória. INPI. Registro. Nulidade incidental. Marca. Expressão "no breaks" e sigla "UPS". Exclusividade de uso pelo titular do registro.

1.           Não existe violação do art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil quando a questão decidida foi devolvida ao Tribunal.

2.           Estando registrada a marca no INPI, não é possível a sua utilização por terceiro antes de desconstituído o respectivo registro via ação própria, ausente no caso dos autos qualquer particularidade capaz de excepcionar essa orientação.

3.           Recurso especial conhecido e provido.

 

(REsp 325.158/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2006, DJ 09/10/2006, p. 284)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.

1.                 Controvérsia acerca da rescisão de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca "Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.

2.                 Negativa de prestação jurisdicional não verificada na espécie.

3.                 Incompetência da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental, alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.

4.                 Caso concreto em que a autora da rescisória alegou invalidade da marca "Café da Roça" em razão do caráter genérico de seus elementos constitutivos (violação à literalidade do art. 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial), controvérsia que escapa à competência da Justiça comum estadual, nos termos do item 3, supra.

5.                 Não conhecimento da ação rescisória no que tange ao fundamento da invalidade da marca.

6.                 Cabimento de ação rescisória na hipótese em que o juízo fundamentou a sentença em fato inexistente, não tendo havido controvérsia na demanda originária sobre esse ponto. Doutrina sobre o tema.

7.                 Caso concreto em que se mostra inviável contrastar o entendimento do Tribunal de origem acerca da transferência da titularidade da marca à ora recorrida, pois tal providência demandaria reexame dos elementos probatórios carreados aos autos.

Óbice da Súmula 7/STJ.

8.                 Alegação de irregularidade da representação processual em virtude da ausência de identificação da pessoa que subscreveu a procuração outorgada pela empresa autora da demanda originária.

9.                 Caráter preclusivo e sanável desse vício, operando-se a força sanatória geral da coisa julgada. Doutrina sobre o tema.

10.             RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1738014/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 15/06/2018)

Esse entendimento mostra-se irretocável, uma vez que o art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito.

Não há, na lei, qualquer exceção a essa regra.

O mesmo, porém, não ocorre no que diz respeito à patente e ao desenho industrial.

Embora os três institutos caracterizem-se por serem direitos da propriedade industrial, submetidos, todos, à disciplina da Lei n. 9.279/96, é inegável que a marca, a patente e o desenho industrial apresentam natureza e finalidade muito distintas, a demandar um exame mais detalhado de sua regulamentação.

A marca confere ao seu titular o direito de fazer uso exclusivo de um determinado sinal em produtos ou serviços semelhantes àqueles por ele identificados. Sua finalidade primordial é evitar a ocorrência de confusão, do que decorre uma proteção bipartida: com a exclusividade, protege-se o consumidor, que, por meio do signo, tem condições de saber a origem comercial dos bens e serviços e, assim, reproduzir com segurança suas experiências prévias de consumo; e protege-se também o titular da marca, que pode impedir que terceiros se aproveitem indevidamente dos investimentos feitos por ele na construção da qualidade de seus produtos e da sua própria identidade perante seu público consumidor. Uma vez que a marca se destina à criação de um vínculo entre o signo e o produto por ele identificado, ela não é temporária, vale dizer, embora o registro tenha vigência de 10 anos, ele pode ser prorrogado indefinidas vezes.

Diferentemente, a patente e o desenho industrial não se dirigem à construção de uma associação a ser feita no mercado consumidor.

Eles constituem direitos de exclusividade temporários, conferidos com a finalidade de incentivar o desenvolvimento tecnológico.

O titular da patente e do desenho industrial tem, por meio da exclusividade conferida pelo Estado, uma vantagem competitiva, o que lhe possibilita recuperar os investimentos anteriormente realizados em pesquisa e desenvolvimento, bem como na atividade criativa.

A patente protege a invenção e o modelo de utilidade, enquanto o desenho industrial protege a forma plástica ornamental de determinados produtos.

Esses direitos são, por sua própria essência, necessariamente temporários, tendo a duração máxima de 20 anos, no caso das patentes de invenção, de 15 anos, no caso de patentes de modelo de utilidade, e de 25 anos, no caso de desenho industrial.

Em razão das diferenças intrínsecas a cada um desses direitos da propriedade industrial, apenas superficialmente indicadas acima, a Lei n. 9.279/96 cuidou de regulamentá-los separadamente, destinando, a cada um deles, um título específico: as patentes são reguladas no Título I, os desenhos industriais no Título II e as marcas no Título III.

No Título I, o art. 57 determina que a ação de nulidade de patente, à semelhança da ação de nulidade de marca, deve ser ajuizada no foro da Justiça Federal, sendo que o INPI, quando não for o autor, deve necessariamente intervir no feito.

O art. 56, § 1º, porém, traz uma ressalva expressa, que não foi feita com relação às marcas. Segundo a redação explícita do referido enunciado normativo, verbis:

§ 1º A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa.

No Título III, o art. 118 da Lei de Propriedade Industrial estende aos desenhos industriais essa ressalva, ao determinar que devem ser aplicadas à ação de nulidade de registro de desenho industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57.

Disso decorre que, embora, não seja possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo essa possibilidade de determinação expressa de lei.

Nesse sentido, afirma Denis Borges Barbosa (in A Nulidade Incidental de Marca, artigo disponível em

<https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/a-nulidade-incidental-de-marca- janeiro-de-2012.pdf>, acessado em 10/09/2020) :

É assente em granito que é possível suscitar nulidade incidental de patentes: (CPI/96) Art. 56. § 1º A nulidade da patente poderá ser arguida a qualquer tempo, como matéria de defesa. (...) Mas nada parecido existe na lei em vigor quanto à nulidade incidental de marcas”. (Grifou-se)

Jacques Labrunie ressalta que a possibilidade de arguição de nulidade de patentes como matéria de defesa em ações cíveis configura inovação expressa da Lei n. 9.279/96 (in Direito de Patentes: Condições legais de obtenção e nulidade. Barueri: Editora Manole, 2006, p. 129/131):

“A Lei nº 9.279/1996 trouxe uma disposição nova, de suma importância, ao determinar, no § 1º, do art. 56, que a nulidade poderá ser arguida como matéria de defesa a qualquer tempo. Como visto, a ação de nulidade de patente tem foro e rito próprios. Entretanto, já no direito anterior, estava prevista a possibilidade de o réu alegar a nulidade da patente, como matéria de defesa, em ação criminal, nos termos do art. 188, do Decreto-lei nº 7.903/1945. Nossos tribunais entendiam que a absolvição do réu era absolutamente pertinente na ação criminal em que ficasse provada a nulidade da patente, pretensamente violada... A lei atual traz disposição idêntica à constante do art. 188, do revogado Decreto-lei nº 7.903/1945, no que se refere à possibilidade de a nulidade constituir-se matéria de defesa na ação penal (art. 205). Apesar de não haver dispositivo expresso sobre tal possibilidade em eventual ação civil, o parágrafo único do art. 56 permite expressamente a alegação de nulidade como matéria de defesa, em qualquer juízo (criminal ou civil), pois nesse dispositivo não há restrição de tempo, justiça, foro ou instância. Conclui-se, sem sombra de dúvida, que a nulidade pode ser alegada, atualmente, como matéria de defesa, também no juízo civil. (Grifou-se)

Note-se que não há, com isso, qualquer usurpação da competência da Justiça Federal. Como é cediço, a competência federal não é determinada em razão da matéria, mas, sim, em razão da pessoa, verificando-se sempre que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, nos termos do art. 109, I, da Constituição.

E não é a Constituição, mas a própria Lei n. 9.279/96 quem estabelece a necessidade de participação do INPI nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, respectivamente nos arts. 175, 57 e 118.

Não há qualquer óbice, portanto, a que essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118, ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI.

Isso foi afirmado pela Quarta Turma desta Corte, no RMS 625/RJ, de relatoria do saudoso Ministro Athos Gusmão Carneiro, verbis:

“Alega a impetrante tal nulidade em última análise pela incompetência absoluta da Justiça estadual, eis que a marca de serviço estava registrada no INPI 'e portanto amparada por lei federal'.

Todavia, razão não lhe assiste, eis que o INPI não foi parte na causa, nela não assumiu a posição de autor, ré, assistente ou opoente (C.F., artigo 109, I), tratando-se de relação jurídica processual em que foram partes, exclusivamente, pessoas jurídicas de direito privado. A simples circunstância de o v. acórdão haver, incidenter e como fundamento do julgado, declarado nulo o registro objeto pela ora impetrante, não operou coisa julgada material a respeito do registro (CPC, art. 469) e não deslocou a causa para a Justiça Federal”.

Note-se, ainda, que esse reconhecimento incidental de nulidade em ação de infração de patentes e de desenhos industriais não faz coisa julgada material e não tem, por óbvio, efeito erga omnes, servindo apenas de fundamento para, examinando-se de forma ampla a defesa apresentada, julgar-se improcedente o pedido formulado pelo titular do direito de propriedade industrial. Seus efeitos, portanto, não se estendem para fora do processo.

Confira-se, por oportuno, os comentários feitos ao art. 56, § 1º, da Lei de Propriedade Industrial pela doutrina especializada (DANNEMANN et at. Propriedade Intelectual no Brasil. Rio de Janeiro: PVDI Design, 2000, p. 142):

Esta disposição representa uma inovação e, sem dúvida, um avanço, face à lei anterior. Ela permite que qualquer pessoa, demandada em juízo por infração de uma patente, possa arguir, como matéria de defesa, no curso da própria ação, a nulidade da patente.

Entendemos que esta arguição de nulidade não autoriza um juiz estadual a decretar a nulidade da patente, mas apenas reconhecer que a concessão da patente foi indevida e que, portanto, não há que condenar o réu por sua infração.

A nulidade da patente, entendemos, só pode ser declarada (ou decretada) por meio de ação perante a Justiça Federal, com a participação do Instituto Nacional da Propriedade industrial – INPI – na lide. (Grifou-se)

Confira-se, ainda, o que afirma Luiz Guilherme Loureiro (in A Lei de Propriedade Industrial Comentada. São Paulo: Editora Lejus, 1999, p. 130):

Constituindo uma simples questão prejudicial, o juiz deve necessariamente apreciar a arguição antes de prolatar a sentença final. Se ele reconhecer que a patente é nula, a ação de contrafação ou de indenização será necessariamente julgada improcedente. No entanto, sobre a nulidade assim reconhecida não incide a força julgada e, portanto, seus efeitos não se projetam para fora do processo e a questão pode ser apreciada novamente em outro processo.

Nesse contexto, havendo, lege fata, a possibilidade inequívoca de se arguir a nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa, seu afastamento, de encontro à redação clara da lei, pode ensejar uma restrição indevida o direito fundamental do réu à ampla defesa.

Nesse sentido, cito Eduardo da Gama Câmara Júnior (in Reflexos e Efeitos das Ações de Nulidade de Patentes nas Ações de Infração de Patentes. Revista da ABPI, n. 120, set/out de 2012, p. 19):

“Assim, ao obrigar o réu da ação de contrafação a propor uma nova demanda, perante outro juízo, apenas para se defender nessa ação de infração, quando a lei não faz essa exigência, ou seja, a lei permite ao réu calcar sua defesa apenas na nulidade da patente, sem a necessidade de uma nova ação, põe uma limitação adicional nas possibilidades de defesa do réu, que viola o princípio constitucional da ampla defesa”.

Portanto, reexaminando a questão, entendo que, quanto às marcas, deve prevalecer o entendimento firmado neste Superior Tribunal acerca da impossibilidade de arguição da nulidade como matéria de defesa em ação de infração.

Porém, quanto a patentes e a desenhos industriais, diferentemente do quanto já decidido por esta Terceira Turma em alguns casos (REsp 1132449/PR, julgado em 13/03/2012; AgRg no REsp 254.141/SP, julgado em 21/06/2012; REsp 1281448/SP, julgado em 05/06/2014; e REsp 1558149/SP, julgado em 26/11/2019), passo a entender que, diante da redação clara dos arts. 56, § 1º, e 118 da Lei n. 9.279/96, mostra-se possível a arguição incidental de sua nulidade pelo réu.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DA NULIDADE DA PATENTE COMO QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL.

1.            O indeferimento de nova oitiva do perito é prerrogativa atribuída ao julgador, mormente quando deixa consignada a suficiência das informações já apresentadas. Princípio da livre convicção motivada.

2.            Concluir se a realização de outras provas seria necessária ao deslinde da controvérsia é questão que esbarra no óbice da súmula 07/STJ.

3.            Havendo autorização legal (art. 56, § 1º, da Lei 9.279/96) para a argüição de nulidade da patente como matéria de defesa e, conseqüentemente, para o acolhimento da manifestação pelo Juízo cível, com a suspensão dos efeitos por ela gerados, não há como concluir que a patente só deixa de gerar seus regulares efeitos quando anulada em ação própria, perante a Justiça Federal.

4.            A nulidade da patente, com efeito erga omnes, só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a Justiça Federal. Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça comum estadual. Precedentes.

5.            No que se refere ao acerto da decisão recorrida no que respeita à suspensão dos efeitos da patente, sua revisão demanda incursão no conjunto fático-probatório, na medida em que o Tribunal de origem conclui haver prova no autos no sentido da inexistência do quesito novidade a amparar o direito do recorrente.

6.            Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 526.187/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 03/09/2007, p. 179)

No presente caso, o juízo de origem, examinando a arguição de nulidade, e com base na prova pericial produzida nos autos, concluiu que a patente e os desenhos industriais da autora carecem dos requisitos previstos na Lei n. 9.279/96, tendo, assim, julgado improcedentes os pedidos da inicial.

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça afastou a possibilidade de se examinar incidentalmente a arguição de nulidade e, desconsiderando as provas nas quais se fundou o juízo de origem, julgou procedentes os pedidos, para condenar a ré a se abster de fabricar, comercializar e ter em estoque qualquer material relacionado à patente e aos desenhos industriais, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, condenando-a, ainda, ao pagamento de lucros cessantes.

Houve, como se vê, inegável restrição ao direito de defesa do réu, que teve sua arguição incidental de nulidade ignorada, a despeito da redação clara do art. 56, § 1º, da Lei da Propriedade Industrial, tendo sido condenada a se abster de utilizar - bem indenizar a autora pela utilização já ocorrida - os direitos de propriedade industrial que foram reconhecidos como nulos pelo juízo de origem.

Sendo assim, entendo que deve ser provido o recurso especial neste ponto, para que, reconhecendo a possibilidade de exame incidental da nulidade, seja determinado o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reexaminado o recurso de apelação, ficando prejudicado o recurso especial quanto às demais alegações, de afronta ao art. 535, II, do CPC e aos arts. 397 e 405 do CC.

Cumpre ressaltar que, depois da interposição do recurso especial, e diante da negativa do Tribunal de origem de examinar a nulidade incidenter tantum, foi proposta, na Justiça Federal, ação de nulidade dos direitos de propriedade industrial em que se funda a presente ação, conforme noticiado às fls. 1.317-1.321.

Naquela ação, foi deferida a tutela provisória, tendo o juízo federal fundamentado a concessão da liminar justamente nas provas em que se fundou o juízo de origem na Justiça Estadual, a corroborar, portanto, o seu entendimento (e-STJ 1.360-1.364).

A ação de nulidade ainda está em trâmite, não tendo sido proferida sentença, de modo que, a prevalecer o entendimento ora esposado, deve o Tribunal de origem, antes de proferir novo julgamento acerca da apelação, examinar eventual necessidade de suspensão do feito, por prejudicialidade externa.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial, para, reconhecendo a possibilidade de se arguir a nulidade da patente e dos desenhos industriais como matéria de defesa, determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que, à luz desse entendimento, seja reexaminado o recurso de apelação.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0048700-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.843.507 / SP

Números Origem: 00240484520058260132 1320120050240487 240484520058260132

PAUTA: 06/10/2020 JULGADO: 06/10/2020

Relator

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ELETRO METALURGICA VENTI DELTA LTDA ADVOGADOS : JOSÉ THEOPHILO FLEURY NETTO - SP010784

PASCOAL BELOTTI NETO - SP054914

JOSÉ THEOPHILO FLEURY E OUTRO(S) - SP133298 RECORRIDO : SIDNEI EVARISTO MAZOCCO

ADVOGADOS : LUIZ CARLOS TONIN - SP086190

CLAYTON DE CAMPOS EUZEBIO - SP223318

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.