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PT009-j

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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/04/2023, processo n.º 203/21.4YHLSB.L2 | ECLI:PT:TRL:2023:203.21.4YHLSB.L2.PICRS.C6

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Processo nº 203/21.4YHLSB.L2 - Recurso de apelação

Tribunal recorrido: Tribunal da Propriedade Intelectual – Juiz 1

 

Apelante: M…

Apelada: COCKBURN & CA., S.A.   

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            Sumário (da responsabilidade da relatora):

            I. O prazo de interposição de recurso judicial de decisão de concessão de direitos de propriedade industrial (previsto nos artigos 38º e 41º do Código da Propriedade Industrial) é um prazo substantivo de caducidade e é de conhecimento oficioso (art. 333º/1 do C.Civil).

            II. Tal prazo foi objecto de suspensão por força do artigo 6º- B n.ºs 3 e 4 da Lei 1-A/2020,  de 19 de Março, na redacção introduzida pela Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV2).

            III. No exercício de comparação entre marcas, devemos atender ao elemento dominante de cada uma, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, interessando sobretudo considerar aquilo que o consumidor (médio) retém de cada sinal quando não o tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que permite reconhecê-lo quando o voltar a encontrar.

IV. Não existindo, no seu todo, semelhança visual, gráfica e fonética dos diversos elementos (nominativos e/ou figurativos) de cada um dos sinais em confronto, não existe possibilidade de confusão/associação entre os produtos/serviços que se destinam a assinalar, pelo que não se mostra preenchido o requisito de imitação de marca previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial e consequentemente, não se verifica o fundamento de recusa do registo previsto no art. 232º/1 b) do mesmo diploma legal.

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Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

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I. RELATÓRIO

M… veio interpor contra COCKBURN & CA., S.A. recurso judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) datada de 9/3/2021, que concedeu o registo da marca nacional nº 611012, para assinalar produtos/serviços da classe 43 da classificação internacional de Nice, peticionando a revogação daquela decisão e a sua substituição por outra, de recusa do registo da marca.

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Foi proferida decisão pelo Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI), que considerando verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de interposição do recurso, julgou improcedente a pretensão recursiva.

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Interposto recurso de tal decisão, foi proferida decisão sumária neste Tribunal da Relação de Lisboa em 8/11/2021, que julgou procedente a apelação, declarando nula, por excesso de pronúncia, a decisão recorrida, declarando prejudicado o conhecimento das demais questões e determinando “a baixa dos autos à 1ª instância para aí se proceder à citação prevista no art. 43º/1 e 2 do Código da Propriedade Industrial (CPI), seguindo-se depois a tramitação prevista nos nºs 3 e 4 do mesmo preceito”.

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No tribunal de 1ª instância foi dado cumprimento ao disposto no artigo 42º do Código da Propriedade Intelectual (CPI), sendo citada a parte contrária.

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Em 12/7/2022 o tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se verificada a caducidade do direito de interpor impugnação judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que constitui excepção peremptória nos termos das disposições conjugadas dos artigos 298.º, n.º 2, 279º e 296º, todos do Código Civil, e 576.º, 3, do Código de Processo Civil e, em consequência, declara-se extinto o direito de interposição de recurso por parte da recorrente.

Sem prejuízo, julga-se improcedente o recurso interposto, por se entender que estão presentes os requisitos de concessão da marca impugnada, mantendo-se assim a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.»

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De novo inconformado, veio M… interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:

«A.- DO EXCESSO DE PRONÚNCIA:

1. A douta sentença encontra-se ferida de nulidade, designadamente, por excesso de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão que não poderia ter conhecido oficiosamente, conforme o vertido ao art. 615.º, n.º1, alínea d), CPC.

Vejamos,

2. O Recorrente interpôs recurso da decisão final de concessão do registo, proferida pelo INPI por entender que tal registo de marca concedido à Recorrida é confundível com a sua marca registada em primeiro lugar e, por isso, verifica-se preenchido o conceito jurídico de imitação de marca, bem como que tal concessão de registo é propícia a práticas de concorrência desleal.

3. Sucede que, previamente à citação da ora Recorrida, o Tribunal a quo proferiu uma sentença, através da qual declarou caducado o direito do Recorrente em interpor impugnação judicial do despacho proferido pelo INPI, a qual foi objeto de recurso de apelação, tendo recaído acórdão proferido por este Venerando Tribunal, o qual declarou nula tal sentença, ordenando a citação da Recorrida.

4. Nesse sentido, a Recorrida, após ter sido citada e ter tomado conhecimento de todas as vicissitudes processuais, nomeadamente aqueloutra sentença e, bem assim, o acórdão proferido por esta Relação, a mesma apresentou resposta à alegação, não tendo oferecido qualquer defesa por exceção, quer fosse dilatória, quer fosse perentória.

5. Contudo, o Tribunal a quo, mantendo o entendimento de que se verificava a referida caducidade do direito do Recorrente, notificou as partes para que, ao abrigo do art. 3.º, n.º3 do CPC, se pronunciassem sobre a referida exceção perentória.

6. De salientar que, apenas por força de tal despacho proferido pelo Tribunal a quo, é que a Recorrida veio se pronunciar e alegar tal exceção perentória, o que viola flagrantemente o princípio da concentração da defesa.

7. O que significa que o Tribunal a quo pronunciou-se acerca da procedência de uma exceção perentória que não foi suscitada por nenhuma das parte e, que tampouco, abarca as questões que possam ser conhecidas oficiosamente pelo Tribunal.

Nesta senda,

8. Uma vez que a caducidade do direito de interpor impugnação judicial se trata de matéria não excluída da disponibilidade das partes, o seu conhecimento está dependente da invocação pela parte que delas aproveitar (art. 303.º ex vi art. 333.º, n.º2, ambos do CC), não sendo, por isso, de conhecimento oficioso.

9. Deve, por isso, anular-se, por vício de excesso de pronúncia, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, uma questão que não foi colocada ao seu escrutínio, extrapolando o objeto do processo, o que se requer.

Sem prescindir,

B.- DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO INTERPOSTO PELO

RECORRENTE:

10. Mais julgou o Tribunal a quo que o recurso de impugnação judicial das decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial interposto pelo Recorrente havia caducado, discorrendo que o prazo de 2 meses a que alude o art. 41.º do CPI, configura um prazo de natureza substantiva, sendo o mesmo de caducidade, o qual não se suspendeu ou interrompeu, ainda que por força da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, quer porque não configura um prazo judicial, quer porque tal regime previa que a prática de atos, no âmbito das atribuições do INPI, IP, não estavam suspensos.

11. Salvo o devido respeito por douta opinião, afigura-se ao Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do referido prazo em causa, bem como uma errada interpretação e aplicação daquele regime excecional previsto pela Lei n.º 4.-B/2021, de 01/02.

12. Com efeito, à data de publicação do despacho proferido pelo INPI e impugnado nos presentes autos (16/03/2021), vigorava o referido regime excecional, que, ao seu art. 6.º-B, n.º 1, 3 e 4, previa a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devem ser praticados no âmbito dos processos que corriam seus termos nos tribunais judiciais, encontrando-se igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os referidos processos e procedimentos, sem nunca olvidar que tal regime de suspensão prevalecia sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade.

13. Neste sentido, note-se que, no caso subjudice, o Recorrente lançou mão de uma impugnação judicial de uma decisão administrativa.

14. Ora, o prazo previsto ao art. 41.º do CPI é um prazo de caducidade e, por isso, de natureza substantiva (cfr. arts. 298.º e 332.º do CC), sendo que à sua contagem se aplicam as regras previstas no art. 279.º ex vi art. 296.º, ambos do CC.

15. Não menos importante, é o facto de tal prazo ínsito ao art. 41.º do CPI configurar um prazo relativo a um processo judicial, isto é, quanto à sua instauração e que, portanto, está coberto pela previsão do art. 6.º-B, n.º 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, cujo regime, nos termos do n.º4 de tal normativo, prevalece sobre quaisquer outros regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de caducidade.

16. Pelo que aquele prazo previsto ao art. 41.º CPI esteve suspenso até 06/04/2021, data da entrada em vigor do art. 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, o qual revogou o art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, com a redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, sendo certo que tal prazo foi ainda alargado pelo período correspondente à vigência da suspensão (cfr. art. 6.-B, n.º4 da Lei n.º 1-A/2020 e ainda art. 5.º da Lei n.º 13-B/2021).

17. Daqui resulta que, o referido prazo de dois meses, apenas se iniciou em 06/04/2021, pelo que o mesmo apenas terminaria em 06/06/2021, sem embargo de ao referido prazo acrescer o período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, o período compreendido entre 16/03/2021 e 05/04/2021, pelo que o recurso oferecido pelo Recorrente do despacho proferido pelo INPI, I.P., é tempestivo.

18. Seguindo tal entendimento e aplicação da Lei, o Tribunal a quo violou o regime excecional de suspensão dos prazos estatuído pela Lei n.º4-B/2021, de 01/02, designadamente, ao art. 6.º-B, n.º1, 3 e 4; e art. 5.º da Lei n.º 13-B/2021, e ainda os arts. 279.º, 296.º, 298.º e 332.º, todos do CC, devendo a referida sentença ser revogada e ser substituída por outra que declare a impugnação judicial oferecida pelo Recorrente tempestiva, o que se requer.

Por outro lado, e sem prescindir,

C.- DO DIREITO:

1) DA IMITAÇÃO DA MARCA:

19. Entende o Recorrente que se encontram preenchidos os requisitos de aplicação o conceito jurídico de imitação de marca, ínsitos ao art. 238.º, CPI.

20. A função essencial da marca é a distintiva, na medida em que garante que os produtos ou os serviços se reportam a uma pessoa que assume, pelos mesmos, o ónus de uso não enganoso, nessa medida cumprindo uma função de garantia de qualidade dos produtos e serviços, por referência a uma origem não enganosa e podendo, ainda,

contribuir para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.

21. Ora, andou mal o INPI ao proferir despacho de concessão de registo, e em consequência o Tribunal a quo ao confirmar tal despacho, já que fundamentou tal aresto na sentença proferida por este Tribunal da Propriedade Intelectual, no âmbito do processo n.º 14/20.4YHLSB, a qual perfilhou o entendimento de que, embora os sinais verbais sejam coincidentes em parte, no mais distinguem-se: CASA e QUINTA – ignorando os demais segmentos.

22. Contudo, as referidas decisões em crise ignoraram o facto de a marca “QUINTA DO ATAÍDE”, desta feita, pretender o registo de tal marca para assinalar os mesmos produtos, isto é, no âmbito da Classe 43.ª da CNI, contemplados na marca registada a favor do aqui Recorrente.

23. Na verdade, o recorrente veio a lograr conseguir o registo da marca (n.º 595147), porque os produtos a assinalar eram efetivamente diferentes e não se destinavam a satisfazer as mesmas necessidades dos consumidores. Por isso, não se verificava o requisito da afinidade entre os produtos prioritários e os serviços registandos, tendo disso esse o fundamento que o Tribunal se alicerçou ao conceder ao Recorrente o registo da sua marca.

24. Com efeito, o registo do aqui Recorrente é, assim, prioritário em relação do pedido da Recorrida para a classe de produtos em crise.

25. Nesta senda, existindo a marca registada “CASA RURAL DE ATAÍDE”, a qual se destina a assinalar serviços de pousadas, hotelaria e alojamento para férias e turismo na classe 43.ª, na hipótese de vir a ser concedida o registo da marca “A QUINTA DO ATAÍDE”, existirá coincidência e afinidade dos produtos e, por conseguinte, conduzirá a uma situação clara de imitação de marca registada, o que é fundamento para recusa do registo – artigo 238°, n° 1, al. a), b) e c) do CPI.

Por outro lado,

26. A criação de uma marca terá que respeitar os princípios da novidade e da especialidade, de modo a que não se possa confundir com uma outra marca que já exista e que empregue um produto idêntico ou semelhante, a fim de assegurar a lealdade da concorrência e, bem assim, prevenir a indução em erro de terceiros quanto à proveniência do bem.

27. Ora, em abono da verdade, existe a confusão entre as marcas em litígio, uma vez

que estão associadas aos mesmos serviços de pousadas, hotelaria e alojamento para férias e turismo, destinando-se ao mesmo núcleo de consumidores.

28. Os sinais em confronto suscitam no consumidor, praticamente, os mesmos estímulos, sendo certo que a confusão e/ou associação entre a marca da Recorrida e a marca do Recorrente será imediata, espontânea e inevitável, gerando erro ou confusão e/ou associação entre produtos e serviços à mesma origem ou proveniência.

29. Neste conspecto, torna-se forçoso concluir que os requisitos previstos naquele preceito mostram-se preenchidos, o que implicará a recusa do registo da marca nos termos pretendidos, pelo que a sentença recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, os arts. 238.º, n.º1, alíneas a), b) e c) do CPI.

Ainda, e sem prescindir,

2) DA CONCORRÊNCIA DESLEAL:

30. A decisão de que ora se recorre padece ainda de ilegalidade, face à desconsideração sobre o alegado risco de concorrência desleal, atendendo ao vertido aos arts. 232.º, n.º1, alínea h) e 311.º, n.º1, alínea a), ambos do CPI, pois que o Tribunal a quo absteve-se de analisar tal argumento jurídico.

31. Pretendendo a Recorrida obter o registo da marca para levar a efeito a mesma atividade comercial, existe, assim, uma relação concorrencial entre as marcas, já que o registo de marca em causa tem em vista assinalar os produtos e/ou serviços constantes da classe 43.ª da CIN.

32. Sendo visível a possibilidade ou o risco de concorrência desleal, com desvio de clientela, na aceção do art.º 311.º do CPI o que também constituirá fundamento de recusa do registo, ao abrigo do art.º 232.º, n.º1, alínea h) do mesmo diploma.

33. A coexistência das marcas em causa, determinariam seguramente para o recorrente elevados e injustos prejuízos, podendo inclusivamente determinar o encerramento da atividade, já que a recorrida possui uma capacidade de angariação, publicitação e marketing muito superior à do Recorrente, que canalizará a clientela, no todo ou em grande parte, em seu exclusivo benefício.

34. O ato de concorrência assenta em duas ideias fundamentais: a criação e expansão de uma clientela própria e a idoneidade para reduzir ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possível. É necessário que se previna situações de elevado risco de concorrência desleal representado algo de interesse geral.

35. Do aqui exposto, resulta evidente que, procedendo a concessão do registo da marca à ora Recorrida, tal implicará uma situação de concorrência desleal, acarretando prejuízos sérios à atividade económica desenvolvida pelo ora Recorrente.

36. Conclui-se, assim, que o despacho impugnado, o qual concedeu o registo de marca n.º 611012 “QUINTA DO ATAÍDE” e, bem assim, a sentença recorrida, que confirmou tal despacho, são ilegais, por violação dos arts. 232.º, n.º1, alínea h) e art. 311.º, n.º1, alínea a), ambos do CPI., devendo tal sentença ser revogada e substituída por outra que recuse o registo da referida marca.

Por último, e sem prescindir,

3) DA MÁ-FÉ DO REGISTO DA RECORRIDA:

37. Como se disse, a aqui Recorrida tinha conhecimento prévio da existência do sinal da Recorrente, uma vez que a mesma foi parte noutro processo que colocava em confronto outras marcas da recorridas e a marca da recorrente aqui em apreço.

38. Acresce que, a Recorrida veio a requerer o registo da marca nacional 611012, depois de tomar conhecimento do pedido de registo da marca do Recorrente, onde veio a deduzir oposição a tal pretensão e onde alegava, entre o mais, que existia confundibilidade entre as marcas, pois que defendia a prioridade do registo da marca (o que não colheu), a afinidade dos produtos ou serviços (o que não colheu) e ainda a semelhança gráfica do sinal (o que não colheu).

39. Confrontada com a decisão judicial que veio a confirmar a decisão do INPI de concessão da marca, pois que, além da prioridade do pedido do registo, não existia afinidade do produto ou serviços com a marca Quinta do Ataíde, alterou a sua argumentação, por forma a obter o registo da sua marca para a classe 43.

40. E, nos presentes autos, em clamorosa má-fé, vem sustentar que não se verificam os requisitos para o conceito de imitação de marca, não sendo tais marcas, em nada, confundíveis, por forma a lograr obter o registo da sua marca para a exata mesma classe.

41. Deste modo, argui-se aqui, o reconhecimento de que o pedido de registo foi efetuado de má fé, ao abrigo do vertido no número 6 do artigo 231.º CPI, já que a Recorrida atuou, pois, com consciência das consequências do seu ato e de forma contrária aos bons costumes, sendo que tal pedido de registo compreende uma intenção danosa, contrária aos princípios aceites do comportamento ético ou de usos honestos em matéria comercial, pelo que deverá o mesmo ser rejeitado, o que se requer.»

Terminou requerendo que:

- “a presente apelação seja julgada procedente, por verificação da nulidade do aresto recorrido, por excesso de pronúncia;

- a sentença recorrida seja revogada por violação do regime excepcional previsto pela Lei n.º 4-B, de 01/02 e pela Lei n.º 13-B, e ainda dos art. 279.º, 296.º, 298.º e 332.º todos do CC, devendo ser substituída por outra que determine a tempestividade do recurso interposto pelo Recorrente do despacho final proferido pelo INPI, IP, o qual concedeu o registo da marca da Recorrida.

Sem prescindir,

Mais requer que seja declarada procedente a apelação oferecida pelo recorrente e, em consequência, seja revogada a sentença, a qual confirmou o despacho proferido pelo INPI, IP, uma vez que a marca pretensa a registo preenche os requisitos do conceito de imitação da marca do Recorrente.

Mais se requer que seja declarado procedente o recurso ora interposto e, por conseguinte, seja revogada a sentença que confirmou a concessão do registo da marca da Recorrida, uma vez que tal concessão é propícia à prática de actos e concorrência desleal.”

                                                                       *

            Foram apresentadas contra-alegações fora do respectivo prazo legal, que por esse motivo não foram admitidas.

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            Os autos foram à conferência.

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II. QUESTÕES A DECIDIR

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, importa apreciar e decidir as seguintes questões:

- Nulidade da sentença por excesso de pronúncia/conhecimento da caducidade do direito de interposição do recurso judicial;

- Tempestividade do recurso judicial interposto no tribunal a quo da decisão do INPI, que concedeu o registo da marca nacional nº 611012; e suspensão do prazo por aplicação da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (v.g. art. 6º-B);

- Fundamentos de recusa do registo da marca registanda: imitação - risco de confusão/associação e/ou concorrência desleal;

- Má fé do registo da recorrida.

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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. Factos provados

Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos [transcrição]:

a) Por despacho de 9/3/2021, o Senhor Diretor do Departamento de Marcas e Desenhos ou Modelos do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, concedeu o registo da marca nacional n.º 611012, com a seguinte configuração:

QUINTA DO ATAÍDE

b) A marca referida foi pedida para assinalar os seguintes produtos/serviços da classe 43, de            Nice:   CAFÉS;         SNACK-BARES;     CAFETARIAS; RESTAURANTES; PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE BAR; SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO; SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS; SERVIÇOS DE BAR E CATERING;         HOTÉIS;        CASAS          DE      TURISMO; FORNECIMENTO DE ALOJAMENTO EM      HOTÉIS;        SERVIÇOS   DE      ALOJAMENTO; DISPONIBILIZAÇÃO   DE      ACOMODAÇÕES   PARA ALOJAMENTO TEMPORÁRIO; ALOJAMENTO DE FÉRIAS E TURISMO; FORNECIMENTO DE INFORMAÇÃO DE ALOJAMENTO VIA INTERNET; SERVIÇOS HOTELEIROS DE COMPLEXOS TURÍSTICOS; PENSÕES; POUSADAS E ALBERGUES; SERVIÇOS DE RESERVA DE ALOJAMENTO EM HOTÉIS; SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTEL; SERVIÇOS DE CASAS DE TURISMO; PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES     RELATIVAS            A HOTÉIS;    SERVIÇOS   HOTELEIROS; FORNECIMENTO          DE ALOJAMENTO  HABITACIONAL    TEMPORÁRIO; ALUGUER DE ESPAÇOS PARA EXIBIÇÕES; ALUGUER DE SALAS DE CONFERÊNCIAS; ALUGUER DE SALAS DE REUNIÃO; ALUGUER DE SALAS PARA            EXPOSIÇÕES;        FORNECIMENTO   DE      INSTALAÇÕES       PARA CONFERÊNCIAS,            EXPOSIÇÕES         E         REUNIÕES; FORNECIMENTO DE INSTALAÇÕES PARA BANQUETES E EVENTOS SOCIAIS; ORGANIZAÇÃO DE RECEÇÕES DE CASAMENTO; FORNECIMENTO DE ALOJAMENTO TEMPORÁRIO PARA TRABALHO; ORGANIZAÇÃO DE ALOJAMENTO TURÍSTICO; BARES DE VINHOS.

Cfr. teor da decisão constante do processo de registo, remetido aos autos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

c) O recorrente é titular da marca n.º 595147, CASA RURAL DE ATAÍDE, para assinalar, na classe 43 de Nice: POUSADAS; POUSADAS DE TURISMO; HOTÉIS, POUSADAS E ALBERGUES, ALOJAMENTO PARA FÉRIAS E TURISMO.

d) Dá-se por reproduzido o teor do documento que o recorrente juntou com a designação no Citius “sentença”, com o seu requerimento inicial.

e) A recorrida é titular das marcas 233593, 233594, 233595, para assinalar os produtos indicados nos documentos que a recorrida junta com o req.º com o registo Citius n.º 101151, com as designações Doc 3, Doc 4 e Doc 5, cujo teor se dá por reproduzido, cujo sinal é QUINTA DO ATAÍDE.

f) A recorrida é proprietária do prédio rústico situado na Quinta do Ataíde, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Vila Flor – teor do documento que a recorrida junta com o req.º com o registo Citius n.º 101151, com a designação Doc 6, cujo teor se dá por reproduzido.

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2. Factos não provados

Consta da decisão recorrida que:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Também não foi considerada matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo.

Ou seja, toda a matéria constante dos requerimentos, não considerada nos factos provados, foi entendida pelo tribunal como sendo matéria conclusiva, conceptual, de direito ou sem relevo para a decisão a proferir, em face das possíveis soluções de direito.”

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IV   FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

1. Nulidade da sentença/conhecimento da caducidade do direito de interposição do recurso judicial

Vem o presente recurso interposto da decisão da 1ª instância que julgou “verificada a caducidade do direito de interpor impugnação judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que constitui excepção peremptória e declarou “extinto o direito de interposição do recurso por parte da recorrente”; e, “sem prejuízo” julgou “improcedente o recurso interposto, por se entender que estão presentes os requisitos de concessão da marca impugnada, mantendo-se assim a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.”

Como acima enunciámos, uma das questões a decidir prende-se com a tempestividade do recurso interposto da decisão do INPI proferida em 9/3/2021, que concedeu o registo da marca nacional nº 611012 (cf. facto provado nº 1).

Tal implica, apurar previamente, se tal questão é de conhecimento oficioso, invocando o recorrente, a este propósito, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do art. 615º/1 d) do Código Processo Civil, alegando que foi conhecida questão que não foi colocada ao escrutínio do tribunal a quo (cf. conclusão 9 da motivação recursória).

Para tanto, importa qualificar o prazo do recurso judicial previsto no art. 38º do Código da Propriedade Industrial, que, nos termos do art. 41º do mesmo compêndio legal, é de dois meses a contar da publicação da decisão no Boletim da Propriedade Industrial.

A decisão recorrida procedeu, correctamente, à distinção entre prazos judiciais e substantivos, citando neste conspecto o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 20/3/2013, no processo nº 2074/10.7YXLSB.L1-8 (“os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo “para se produzir um determinado efeito processual”, ou seja, a “regular a distância entre os actos do processo”, e, dada essa função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma ação, a existência de um processo. Os prazos substantivos, por seu turno, respeitam ao período de tempo exigido para o exercício de direitos materiais e são-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” (artigo 298.º, 2, do Código Civil), tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência de extinção do respetivo direito. Os prazos de propositura de ação são geralmente qualificados como prazos substantivos de caducidade, mas podem ser também prazos judiciais, o que ocorre quando o prazo esteja diretamente relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”.).

A diferenciação dos conceitos (prazos judiciais e substantivos) a que procede o citado aresto deste Tribunal da Relação encontra o seu suporte no acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 2/3/1994 no processo nº 076282 (JSTJ000, pesquisado em www.dgsi.pt), que formulou, então, o seguinte assento: “A suspensão dos prazos judiciais, estabelecida no art. 144º/3 do Código de Processo Civil, não é aplicável ao prazo judicial de propositura de acção previsto no art. 382º nº 1, alínea a) do mesmo Código”.

Como afirmou o STJ no aludido acórdão (AUJ), “a natureza de um prazo, designadamente para propor uma acção, deve resultar da análise da correspondente norma jurídica e não da sua simples inclusão em determinado diploma, e se a caducidade é em regra prevista na lei substantiva, admite-se que o possa ser também na lei processual” (vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 56).

Concluindo o STJ no mesmo acórdão que os prazos de propositura de acção são em geral qualificados como prazos substantivos de caducidade (ou excepcionalmente de prescrição – art. 298º/2 do C. Civil), por esta se reconduzir a elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação material.

Seguindo esta orientação, o tribunal recorrido afastou a natureza quer administrativa, quer judicial do prazo, entendendo que o prazo previsto no art. 41º do CPI é um prazo substantivo de caducidade, a que se aplicam as regras dos artigos 279º e 296º do Código Civil.

Não obstante o recorrente aceitar a qualificação do prazo formulada na sentença, critica o entendimento ali perfilhado de que tal prazo não se suspendeu por força da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

Consideramos que está em causa, de facto, um prazo substantivo de caducidade, na medida em que respeita à propositura de uma acção destinada a impugnar decisão do INPI de concessão de direito de propriedade industrial (marca), a intentar junto do TPI (art. 39º do CPI).

O mesmo entendimento foi seguido no acórdão proferido nesta secção em 7/4/2022 no processo nº 265/21.4YHLSB.L1, que a ora relatora subscreveu como 2ª adjunta.

A caducidade constitui uma exceção peremptória, cujo conhecimento depende da sua prévia invocação pela parte a quem aproveita, exceto nos casos em que versa sobre direitos indisponíveis – arts. 303º, e 333º do CC, sendo o primeiro aplicável ex vi do nº 2 do segundo.

E, em conformidade com tal norma de natureza substantiva, estatui o art. 579º do CPC que o tribunal (só) “conhece oficiosamente das exceções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado”.

Face ao objecto da presente acção – atinente aos requisitos de concessão da marca e fundamentos de recusa do registo previstos designadamente no art. 232º/1 b) em conjugação com o art. 238º/1 do CPI e art. 232º/1 h) em conjugação com o art. 311º do mesmo diploma - é incontornável que estamos perante matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que, nos termos do art. 333º/1 do C. Civil, a caducidade é de conhecimento oficioso.

Concluímos pela manifesta improcedência da arguida nulidade por excesso de pronúncia a que se reporta o art. 615º/1 d), 2ª parte do Código Processo Civil, pois que o Tribunal a quo podia e devia conhecer da questão da caducidade do prazo, como o fez.

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2. Tempestividade do recurso judicial e causa de suspensão do prazo

Cumpre de seguida apurar se ao caso é aplicável a Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e se o tribunal a quo fez errada interpretação deste diploma, conforme sustenta o recorrente.

Sobre este ponto, é defendido na sentença recorrida que o art. 6º-B/1 daquela lei se refere “apenas aos prazos referentes a processos que já estejam a correr termos nos tribunais, ou seja, a prazos processuais”, não sendo aplicável ao caso dos autos, que é um prazo substantivo. Igualmente afasta o tribunal a quo a aplicação do art. 6º-C/6 da mesma lei.

Em discordância, alega o ora apelante que à data da publicação, em 16/3/2021, do despacho proferido pelo INPI, vigorava o referido regime excepcional previsto pela Lei nº 4-B/2021 e que “o prazo previsto no art. 41º do CPI configura um prazo relativo a um processo judicial, isto é, quanto à sua instauração e que, portanto, está coberto pela previsão do art. 6º-B nº 3 e 4 da Lei nº 4-B/2021, cujo regime, nos termos do nº 4 de tal normativo, prevalece sobre quaisquer outros regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de caducidade” (conclusões 12 e 15 do recurso).

Concluindo o recorrente, sob as conclusões 16 e 17, que:

“16. Pelo que aquele prazo previsto ao art. 41.º CPI esteve suspenso até 06/04/2021, data da entrada em vigor do art. 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, o qual revogou o art. 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, com a redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, sendo certo que tal prazo foi ainda alargado pelo período correspondente à vigência da suspensão (cfr. art. 6.-B, n.º4 da Lei n.º 1-A/2020 e ainda art. 5.º da Lei n.º 13-B/2021).

17.Daqui resulta que, o referido prazo de dois meses, apenas se iniciou em 06/04/2021, pelo que o mesmo apenas terminaria em 06/06/2021, sem embargo de ao referido prazo acrescer o período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, o período compreendido entre 16/03/2021 e 05/04/2021, pelo que o recurso oferecido pelo Recorrente do despacho proferido pelo INPI, I.P., é tempestivo.”

 

Vejamos.

O apelante entende que o prazo de recurso previsto no art. 41º do CPI (dois meses a contar da publicação da decisão do INPI no Boletim da Propriedade Industrial), por via da suspensão dos prazos de caducidade, iniciou a sua contagem no dia 6 de Abril de 2021 e terminou no dia 6 de Junho de 2021, sem embargo de lhe acrescer o período correspondente à vigência da suspensão (entre 16/3/2021 e 5/4/2021).

São os seguintes os factos, constantes da decisão recorrida, com relevo para a apreciação da questão:

1 - Por decisão proferida em 9/03/2021 o Instituto Nacional da Propriedade Industrial concedeu o registo da marca nacional nº 611012 “QUINTA DO ATAÍDE”, requerida pelo ora apelante.

2 - Tal decisão de concessão de registo de marca foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial em 16/03/2021.

3 - O recurso judicial da decisão do INPI deu entrada em juízo (no TPI) em 25/05/2021.

O prazo em causa reporta-se ao recurso/impugnação judicial de decisão do INPI que concedeu o registo de uma marca (art. 38º a) do CPI).

Cumpre analisar se tal prazo foi suspenso por força da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, como alega o recorrente.

O referido diploma legal (Lei 4-B/2021) procedeu à (nona) alteração à Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.

Dispunha o art. 7º da Lei 1-A/2020 que [transcrição]:

«1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2 — O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 — A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

 4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

5 — Nos processos urgentes os prazos suspendem -se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.os 8 e 9.

6 — O disposto no presente artigo aplica -se ainda, com as necessárias adaptações, a: a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias; b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, N.º 56 19 de março de 2020 Pág. 9-(4) Diário da República, 1.ª série e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários; c) Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.

7 — Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.

8 — Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

9 — No âmbito do presente artigo, realizam -se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

10 — São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

11 — Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020.»

 

A Lei 1-A/2020 foi objecto de sucessivas alterações, introduzidas designadamente pela Lei 4-A/2020 de 6 de Abril, Lei 16/2020 de 29 de Maio e pela supra mencionada Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

Este último diploma veio aditar à Lei 1-A/2020, além do mais e na parte que agora nos interessa, o art. 6º-C, que estatui o seguinte [transcrição]:

1 — São suspensos os prazos para a prática de atos em:

a) Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b) Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais; (o sublinhado é nosso)

c) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.

2 — A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os procedimentos identificados no n.º 1. (o sublinhado é nosso)

4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

5 — Não são suspensos os prazos relativos a:

a) Procedimentos administrativos especiais, qualificados na lei como urgentes, designadamente nos procedimentos concursais de recrutamento, regulados na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, ou outros, desde que seja possível assegurar a prática dos atos no procedimento por meios de comunicação à distância ou, quando tal não seja possível, respeitando as orientações gerais fixadas pelas autoridades de saúde;

b) Procedimentos concursais no âmbito das magistraturas previstos nos respetivos estatutos, bem como procedimentos administrativos para ingressos nas magistraturas judiciais, administrativas e fiscais e do Ministério Público, regulados pela Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro;

c) Procedimentos de contratação pública, designadamente os constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto -Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro;  

d) Procedimento do Leilão para a Atribuição de Direitos de Utilização de Frequências nas faixas dos 700 MHz, 900 MHz, 1800 MHz, 2,1 GHz, 2,6 GHz e 3,6 GHz, objeto do Regulamento n.º 987 -A/2020, de 5 de novembro.

6 — Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.

7 — Aos procedimentos a que não se aplique a suspensão de prazos é aplicado, com as devidas adaptações, o previsto no n.º 7 do artigo 6.º -B.

 

Conforme estatui o art. 4º da Lei 4-B/2021, os artigos 6º-A a 6º-D produzem efeitos a 22 de Janeiro de 2021.

Como foi referido, em caso semelhante, na decisão sumária proferida pela ora relatora no processo nº 214/21.0YHLSB.L1, não podemos deixar de ter presente que a interpretação da lei, na busca do pensamento legislativo, deve ter em conta, além da letra da lei, «a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», como flui do art. 9º/1 do C.Civil.

Ora, a legislação em análise surge no contexto das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica (pandemia) provocada pelo coronavírus SARS-COV2, agente causador da doença COVID19, na sequência das sucessivas declarações de emergência do país, com o consequente confinamento obrigatório e dever geral de recolhimento domiciliário impostos.

Donde, a suspensão de todos os prazos (processuais, procedimentais, de prescrição e caducidade), tal como a suspensão de diligências judiciais e posteriormente a realização de diligências através de meios de comunicação à distância, foram medidas excepcionais e temporárias destinadas a evitar a deslocação de pessoas aos tribunais e demais entidades de forma a prevenir e conter o risco de propagação da doença (Covid19), sendo conhecida a elevada mortalidade associada, sobretudo na fase inicial da pandemia.

Assim, não se vislumbra razão para distinguir o prazo do recurso previsto nos artigos 38º e 41º do CPI, a interpor junto do Tribunal competente (Tribunal da Propriedade Intelectual) dos demais prazos processuais e procedimentais cuja suspensão foi determinada, a par da suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, nos termos dos artigos 6º-B e 6º-C da Lei 4-B/2021 (que alterou a Lei 1-A/2020).

Nesta senda, não podemos acolher a tese sustentada na decisão recorrida de que o prazo em causa não se interrompeu por força da Lei nº 4-B/2021.

O tribunal a quo limita-se a remeter para o art. 6º-B nº 1, defendendo que tal preceito apenas se refere “aos prazos referentes a processos que estejam já a correr nos tribunais”, acrescentando que “o nº 3 determina a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade relativos a todos os processos que correm termos nos tribunais judiciais. Mais uma vez, apenas relativamente a prazos processuais. Não é a situação deste caso, dado que o que está em causa é a contagem do prazo, precisamente, para interposição do recurso em tribunal. Como se viu, um prazo substantivo.”

Mais se pode ler na sentença que:

“Ademais, o artigo 6.º - C, n.º 6, da referida lei, deixa expresso que não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., sendo que, entendendo-se que o recurso poderá estar aqui considerado, sempre haveria mais um argumento no sentido da não suspensão (mais, diga-se, desnecessário até, face ao regime do n.º 6-B, já analisado)”.

Da letra do nº 6 do citado art. 6º-C – que estabelece a não suspensão dos prazos relativos à prática de actos realizados exclusivamente por via electrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. – resulta evidente que não se integram na sua previsão os recursos que alude o art. 38º do CPI.

Flui do exposto que o recurso previsto no citado art. 38º do CPI (como sucede no caso dos autos), respeitante a um processo judicial (à sua instauração), não pode deixar se integrar na previsão do artigo 6.º- B n.ºs 3 e 4 da Lei 1-A/2020, com a redacção, dada pela Lei 4-B/2021, cujo regime, nos termos do nº 4 desse preceito legal, prevalece sobre quaisquer outros regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de caducidade e, portanto, prevalece sobre o artigo 41.º do CPI.

Neste sentido foi decidido no mencionado acórdão proferido em 7/4/2022 no processo nº 265/21.4YHLSB.L1.

 

Pelas razões precedentes, tendo a decisão do INPI proferida em 9/3/2021 sido publicada no BPI em 16/3/2021 (cf. art. 41º do CPI) e tendo o recurso judicial dado entrada no TPI em 25/5/2021, data em que os prazos se encontravam suspensos, suspensão que apenas cessou em 6/4/2021 (por força da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, que entrou em vigor em 6/4/2021), impõe-se concluir que a contagem do prazo do recurso judicial em causa nos autos se iniciou em 6/4/2021 e terminou em 6/6/2021, sem prejuízo do alargamento do prazo pelo período correspondente à vigência da suspensão, quer por força do disposto no artigo 6.º B n.º 4 da Lei 1-A/2020, quer por força do disposto no artigo 5.º da Lei 13-B/2021.

Por conseguinte, não ocorre caducidade do direito de propor em juízo a acção, tendo o recurso judicial sido interposto dentro do prazo.

Os fundamentos expostos conduzem necessariamente à procedência do recurso nesta parte, com a consequente revogação da sentença na parte em julgou verificada a caducidade e declarou extinto o direito de interposição de recurso. 

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3. Fundamentos de recusa do registo da marca registanda/ imitação - risco de confusão/associação e/ou concorrência desleal

Como flui das alegações de recurso, o ora apelante insurge-se contra a sentença recorrida, que manteve a decisão do INPI de concessão do registo da marca registanda.

Sob as conclusões 27. e 28. alega o recorrente que:

“ 27. Ora, em abono da verdade, existe a confusão entre as marcas em litígio, uma vez que estão associadas aos mesmos serviços de pousadas, hotelaria e alojamento para férias e turismo, destinando-se ao mesmo núcleo de consumidores.

 28. Os sinais em confronto suscitam no consumidor, praticamente, os mesmos estímulos, sendo certo que a confusão e/ou associação entre a marca da Recorrida e a marca do Recorrente será imediata, espontânea e inevitável, gerando erro ou confusão e/ou associação entre produtos e serviços à mesma origem ou proveniência.”

Conclui o apelante na conclusão 29. que “os requisitos previstos naquele

preceito mostram-se preenchidos, o que implicará a recusa do registo da marca nos termos pretendidos, pelo que a sentença recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, os arts. 238.º, n.º1, alíneas a), b) e c) do CPI.”

 

O presente recurso convoca a análise, ainda que breve, do regime jurídico vigente em matéria de propriedade industrial, cuja função é definida no art. 1º do Código da Propriedade Industrial (“garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”), e especificamente das marcas, regulado nos arts. 208º e seguintes do mesmo código.

A protecção jurídica das marcas funda-se na idoneidade de tais sinais (distintivos de produtos e serviços) serem veículos de informação, permitindo que os adquirentes de produtos e serviços possam fazer escolhas aquisitivas informadas respeitantes às origens e aferir a manutenção ou cessação das qualidades constantes desses produtos e serviços.

O regime jurídico das marcas promove a eficiência económica, ajudando os consumidores a evitar custos de pesquisa no mercado de produtos e serviços «marcados». Como ensina João Paulo Remédio Marques («Direito Europeu das patentes e marcas», Almedina, 2021, pág. 380/381), as marcas constituem uma ferramenta essencial para assegurar uma concorrência significativa entre os agentes económicos e uma melhor e livre escolha aquisitiva por parte dos consumidores.

Estatui o art. 210º do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo referido Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro) que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina. Confere ainda ao respectivo titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles da marca registada, caso exista um risco de confusão ou associação (art. 249º do CPI).

A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. art. 208º do CPI).

Das apontadas disposições normativas, conjugadas com o regime ínsito nos art.s 209º e 231º do CPI, extraímos os requisitos essenciais das marcas, ou seja, o carácter distintivo e a determinabilidade (vide Direito Industrial, Pedro Sousa e Silva, 2ª edição, Almedina, pág. 215), assim como as suas diversas funções, quer de indicação de proveniência (indicando a proveniência dos produtos ou serviços) e garantia de qualidade, quer publicitária.

 De acordo com o disposto nos artigos 208º do CPI e 4º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia (Regulamento EU 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Julho de 2017), a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros; ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

Corolário do princípio da liberdade na composição das marcas, o leque de sinais – exemplificativo – é amplo, abarcando além dos tradicionais (nominativos, figurativos e mistos), outras representações (v.g. marcas multimédia, hologramas), desde que aptas a distinguir os produtos ou serviços provenientes de uma empresa dos de outras.

O conceito legal de marca assenta, pois, na capacidade distintiva.

Complementando o disposto no citado art. 208º, o art. 209º do mesmo diploma procede a uma delimitação negativa, concretizando a falta de capacidade distintiva nas proibições aí elencadas.

A alínea a) do mencionado art. 209º reporta-se às marcas desprovidas de qualquer sinal distintivo, enquanto que as alíneas c) e d) dizem respeito aos sinais meramente descritivos e usuais, respectivamente. Em qualquer dos casos estamos perante motivos absolutos de recusa do registo, previstos no art. 231º alíneas b) e c) do CPI, o que se justifica por razões do sistema concorrencial.

Sendo as marcas sinais distintivos, o mínimo que se pode exigir é que efectivamente se distingam umas das outras, dentro do universo dos produtos  ou serviços a que respeitam, o que se reflecte na definição de imitação constante do art. 238º do CPI, sendo proibida a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada e constituindo a confundibilidade fundamento ou motivo (relativo) de recusa do registo (art. 232º/1 b) do CPI).

Como estatui o citado art. 238º/1 do CPI, constituem requisitos (cumulativos) da figura de “imitação ou usurpação” a prioridade da marca registada [alínea a)], a identidade ou afinidade entre os bens a que se reportam as marcas em consideração [alínea b)] e a existência de semelhança gráfica, fonética, figurativa ou outra de molde a suscitar a fácil indução do consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação entre a marca ulterior e a marca anterior [alínea c)].

Do quadro legal nacional, em consonância com a Directiva (EU) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/2015 (cf. designadamente Considerando 16 e art. 5º), resulta claramente que o que a lei quer evitar é que as marcas gerem um risco de confusão nos consumidores (destinatários da informação que o sinal distintivo pretende veicular) ou um risco de associação com marca anteriormente registada.   

Donde, os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.

Acresce que a comparação entre sinais se deve fazer através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, considerando-se que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (vide Acordãos do TJ da EU de 11/11/1997 – Sabel.Puma, C-251/95, Col. p. I-6191; de 22/06/1999 – Lloyd Schuhfabrik, C-342/97, Col.p.-3819 e do TPI (TG) de 22/10/2003 – Asterix. T311/01).

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Importa transpor para o caso vertente as considerações supra expostas.

São os seguintes os sinais em confronto:

Marca do apelante: “CASA RURAL DE ATAÍDE”

Marca registanda (da apelada): “ QUINTA DO ATAÍDE”       

Não é posto em causa, atenta a factualidade provada, o decidido e a motivação recursória, que se mostram in casu verificados os dois primeiros requisitos enunciados no art. 238º/1 alíneas a) e b), ou seja, a prioridade da marca do apelante (registada anteriormente) e a identidade/afinidade do tipo de produtos/serviços assinalados pelas marcas em presença (cf. factos provados b) e c), verificando-se que ambas assinalam produtos/serviços da classe 43 da classificação internacional de Nice, sendo que a marca registanda assinala, além de outros, «pousadas; pousadas de turismo; hotéis; pousadas e albergues e alojamento para férias e turismo», que são igualmente assinalados pela marca prioritária, estando-se perante serviços que, por um lado, satisfazem as mesmas necessidades do consumidor e, por outro, são serviços complementares.

Assim, tal como considerou o tribunal de 1ª instância, a análise deve limitar-se à verificação do requisito da alínea c) do mencionado preceito legal.

Olhando para os sinais em confronto, é inequívoco que ambos têm como elemento comum o termo «ATAÍDE», sendo marcas nominativas, ou seja, apenas constituídas por elementos verbais, surgindo, no entanto, para além do referido termo comum, outro elemento verbal distintivo em cada um dos sinais – “QUINTA DO” no caso da marca registanda e “CASA RURAL DE” no caso da marca prioritária.

Ao contrário do recorrente, entendemos que o elemento “QUINTA” é o elemento predominante que permite distinguir a marca registanda da marca prioritária, refutando-se a ideia de que o elemento dominante em cada uma das marcas seja o elemento comum «ATAÍDE».

Subscrevemos, pois, o juízo do tribunal de 1ª instância, que se pronunciou da seguinte forma:

«A questão mostra-se tão adequadamente decidida na decisão, junta pelo próprio recorrente, que se reproduz aqui o segmento relevante (alterado apenas para ficar conforme com o novo acordo ortográfico):

“Constata-se que ambos os sinais são verbais e têm em comum a expressão ‘D[O][E] ATAÍDE’, sendo, quanto ao mais, distintos.

Assim, destaca-se no sinal prioritário a expressão inicial ‘QUINTA, primeira a ser pronunciada e retida na memória, relativamente à expressão ‘DO ATAÍDE’ que a completa.

Do mesmo modo, na marca registanda sobressai a expressão inicial ‘CASA RURAL’, primeira a ser pronunciada e retida na memória, relativamente à expressão ‘DE ATAÍDE’ meramente indicadora do homónimo lugar de Amares onde são prestados os serviços assinalados.

Graficamente, o sinal registando compõe-se de quatro palavras com nove sílabas, enquanto o prioritário se compõe de três palavras e sete sílabas, só a última palavra sendo inteiramente comum aos sinais em confronto.

Com efeito, o único vocábulo comum, ‘Ataíde’ é, enquanto tal, insuscetível de apropriação a título exclusivo, na medida em que descreve a proveniência geográfica (lugar de Ataíde) dos produtos agrícolas assinalados, nos termos do citado artigo 209°, n°s 1 c) e 2 do CPI, limitando-se a proteção das marcas prioritária ao conjunto dos elementos verbais que o compõem, e que se não demonstra confundir com o sinal registando.

Assim, foneticamente, o elemento inicial de ambos os sinais pronuncia-se de maneira marcadamente distinta: ‘ca-za-ru-rál’ v. ‘kin-ta’.

Conceptualmente, a noção de quinta ou pequena propriedade agrícola, evoca uma propriedade de significativa dimensão em que domina a parte agrícola, enquanto que casa rural evoca um edifício destinado à habitação situado no campo, mais que a eventual parcela de terreno que a possa circundar.

Também no seu conjunto, se não vêm, para além dos elementos verbais genéricos e descritivos acima indicados, semelhanças entre os sinais quando analisados no conjunto dos elementos que os compõem, que exija exame atento ou confronto para a respetiva destrinça.

Atendendo às assinaladas diferenças entre os sinais, no seu conjunto como nos respetivos elementos verbais mais característicos, não será o consumidor médio dos produtos em questão facilmente induzido em erro ou confusão, nem levado a crer que provêm da mesma origem comercial ou de entidades de algum modo entre si relacionadas.

Não se verificam, assim, os requisitos da imitação ou usurpação de marca registada, previstos no artigo 238º, nº 1 do CPI, nem o correspondente fundamento de recusa do registo nos termos do artigo 232º, nº 1, al. b) do mesmo diploma”.

Em conclusão, e pelos motivos expostos, que se subscrevem, inexiste risco de confusão que obste ao registo da marca.

Quanto à concorrência desleal, pelos mesmos motivos expostos, não existindo risco de confusão, também não existe qualquer risco de concorrência desleal.

Nessa medida, a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial deve ser mantida.».

 

Como decorre do excerto transcrito, o tribunal a quo aderiu à fundamentação da decisão proferida no P. nº 14/20.4YHLSB (documento nº 2 junto com o requerimento inicial deduzido nos presentes autos por Cockburn & CA, S.A.) quanto à questão do risco de confusão/associação. Analisada tal decisão, constatamos que o tribunal, naquele processo, se pronunciou sobre a questão de saber se a marca (ali registanda) «Casa Rural de Ataíde» constituía imitação das marcas da União Europeia nº 2672590 e nacionais nºs 233593, 233594 e 233595 «Quinta de Ataíde», tituladas pela ali recorrente Cockburn & CA, S.A.. Nessa decisão foi considerado que nem sequer existia afinidade entre os produtos/serviços assinalados pelas marcas em confronto e, ainda assim, o tribunal analisou o requisito a que se refere a alínea c) do art. 238º/1 do CPI, nos termos que acima se deixaram reproduzidos e que foram acolhidos pela decisão posta em crise no presente recurso.

Subscrevemos o juízo do tribunal a quo, considerando que não se mostram preenchidos os pressupostos previstos na alínea c) do nº 1 do citado art. 238º do CPI.

Nesta linha, concordamos com o relatório de exame do INPI (cf. ref. citius nº 96707, de 17/2/2022, doc. 10), onde se pode ler que: “ (…) do confronto entre o sinal requerido e os prioritariamente registados, abaixo reproduzidos, não ressaltam semelhanças gráficas, fonéticas, figurativas ou outras suscetíveis de gerar o risco de confusão ou de associação.

Com efeito, apesar da existência de um elemento comum (designativo da localização geográfica), nos sinais em confronto, isso não conduz necessariamente a uma constatação de semelhança entre os sinais, na medida em que a parte coincidente, não é percebida de forma independente na impressão global das marcas, sendo os sinais em litígio, considerando os seus conjuntos, perfeitamente distinguíveis.”

             

Assim, procedendo-se a análise de conjunto dos sinais em confronto,  consideramos que as diferenças entre os sinais são muito mais expressivas do que as semelhanças, tanto do ponto de vista gráfico e fonético, como conceptual, o que permite afastar o risco de confusão/associação.

Concretamente, a palavra «quinta» que compõe a marca registanda determina que o sinal “QUINTA DO ATAÍDE” seja pronunciado de forma diversa e em número de sílabas diverso da marca “CASA RURAL DE ATAÍDE”, existindo entre eles uma dissemelhança visual e fonética assinalável.

Acresce que o termo «quinta», colocado no início do sinal, é o primeiro a ser pronunciado e retido na memória, relativamente à expressão ‘DO ATAÍDE’ que a completa. Tal como na marca prioritária, «casa rural» assume preponderência no conjunto do sinal.

No que tange ao elemento comum «Ataíde», não sendo uma expressão de fantasia, mas antes de uma expressão comumente usada e que corresponde ao nome de uma localidade, não assume forte carácter arbitrário ou distintivo.

Por outro lado, não vislumbramos particulares semelhanças do ponto de vista conceptual, considerando o significado da palavra “quinta” - de acordo com o Dicionário Priberam, consultado na internet: “Terreno de semeadura com horta e árvores, murado ou cercado de sebes, e que tem geralmente casa de habitação” - e casa rural, que evoca um edifício destinado à habitação situado no campo.

Diferindo, pois, gráfica, fonética, figurativa e conceptualmente, inexiste semelhança relevante, que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor ou compreenda o risco de associação com as marcas prioritárias.

As dissemelhanças notadas permitem concluir por um forte elemento de distância, surgindo o sinal registando dotado de idoneidade distintiva que permite distanciamento perante o consumidor médio, por forma a afastar um juízo associativo ou relacional face ao sinal prioritário.

Como refere Goméz Segade (“FUERZA DISTINTIVA Y «SECONDARY MEANING» EN EL DERECHO DE LOS SIGNOS DISTINTIVOS”, in Cuadernos de Derecho y Comercio, ISSN 1575-4812, Nº 16, 1995, p. 180), “a maior ou menor força distintiva de um sinal não só é absolutamente decisiva para que possa eventualmente gozar de maior ou menor proteção, mas também desempenha um papel extremamente importante para determinar se há ou não risco de confusão ou associação. Parece claro que quanto menor o poder distintivo de um sinal, menor é a possibilidade de risco de associação por parte dos consumidores na acepção do artigo 6.º, n.º 2, da Lei da Concorrência Desleal”.

Com efeito, enquanto que «no caso das marcas fortes – assim designadas porque não apresentam referência conceitual ao produto ou ao serviço que distinguem ou não fazem parte do património semântico comum (marcas arbitrárias e de fantasia, respectivamente) – só uma diferença tipo poderá afastar o juízo de imitação», já «no caso das marcas débeis [ou fracas] – compostas por meras alterações morfológicas do nome do produto ou serviço (marcas expressivas) ou, ainda, por expressões ou figuras integrantes da linguagem ou património comum – uma pequena variação poderá ser suficiente para que o juízo de confusão seja afastado» - LUÍS COUTO GONÇALVES in “Manual de Direito Industrial – Propriedade Industrial e Concorrência Desleal” Almedina, Coimbra, 8ª Edição, 2019, p. 212, nota 492.

Assim, uma vez que a semelhança visual e fonética existente no elemento nominativo comum entre as marcas em confronto resulta da utilização de uma palavra apenas, que não sendo uma expressão de fantasia, mas antes de uma expressão comumente usada, não assume pois forte carácter arbitrário ou distintivo, não pode concluir-se da verificação dessa única semelhança, que ao deparar-se com produtos ou serviços comercializados mediante a marca concedida ao ora apelado, o consumidor vá confundir os serviços que a mesma assinala com os que recorda sob a marca do apelante. Entre as marcas verificam-se diferenças nítidas, diferenças essas que não permitem ao consumidor médio a confusão necessária para se poder considerar a marca registanda uma imitação da marca anterior do recorrente, não se mostrando preenchidos os requisitos previstos no art. 238º do CPI.

Por último, importa referir que, não ocorrendo risco de confusão de marcas também não ocorre aquele outro risco de associação inerente à concorrência desleal, não se encontrando verificados os pressupostos previstos no artigo 311º/1 alínea a) e 232º/1 h) do Código da Propriedade Industrial.

Concluímos pela improcedência do recurso também nesta parte.

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            4. Má fé do registo

            Sob as conclusões 37 a 41 o recorrente invoca que o pedido de registo da marca foi efectuado de má fé, nos termos do art. 231º/6 do CPI, alegando em síntese que:

“A Recorrida veio a requerer o registo da marca nacional 611012, depois de tomar conhecimento do pedido de registo da marca do Recorrente, onde veio a deduzir oposição a tal pretensão e onde alegava, entre o mais, que existia confundibilidade entre as marcas, pois que defendia a prioridade do registo da marca (o que não colheu), a afinidade dos produtos ou serviços (o que não colheu) e ainda a semelhança gráfica do sinal (o que não colheu). – conclusão 38;

“A recorrida atuou, pois, com consciência das consequências do seu acto e de forma contrária aos bons costumes, sendo que tal pedido de registo compreende uma intenção danosa, contrária aos princípios aceites do comportamento ético ou de usos honestos em matéria comercial” – conclusão 41.

Como flui do supra exposto relativamente à questão da imitação, não ocorre risco de confusão/associação, não se demonstrando in casu a invocada imitação da marca do apelante, nem dos autos se pode extrair qualquer factualidade susceptível de integrar o conceito de má fé do registo, sendo ainda certo que do exercício do direito de impugnação de uma marca prioritária não pode decorrer, por si só, a má fé (“motivação subjectiva da pessoa que pede o registo  da marca em causa, a saber uma intenção desonesta ou outro motivo causador de dano, implicando um comportamento que se afasta dos princípios reconhecidos como os que pautam um comportamento ético ou os usos honestos em matéria industrial ou comercial” – vide acórdão do Tribunal Geral de 23/5/2019 nos processos T-3/188 e T-4/18, citados no Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luis Gonçalves, 2021, Almedina, pág. 919) de quem ulteriormente procede ao registo de uma outra marca, inexistindo nos autos elementos susceptíveis de suportar tal conclusão.

            Improcede, pois, este segmento do recurso.

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V. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência:

- revogar a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a caducidade e declarou extinto o direito de interposição de recurso. 

- manter, no mais, a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante e apelado na proporção do decaimento, sendo 2/3 para o apelante e 1/3 para apelada (artigo 527º/1 e  2 do CPC)

Registe e notifique.

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Lisboa, 12/4/2023

 

Ana Mónica C. Mendonça Pavão (Relatora)

Luís Ferrão (1º Adjunto)

Carlos M. G. de Melo Marinho (2º Adjunto)