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STJ. REsp 1610728/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/10/2019, DJe 14/10/2019

RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635

FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC

ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. AÇÃO COLETIVA. SOJA ROUNDUP READY. TRANSGENIA. LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. ART. 10. INOPONIBILIDADE AO TITULAR DE PROTEÇÃO PATENTÁRIA. DUPLA PROTEÇÃO. INOCORRÊNCIA. SISTEMAS PROTETIVOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO. CIRCUNSTÂNCIA ESPECÍFICA QUE FOGE À REGRA GERAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.

1.                           O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual das recorridas, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas.

2.                           A Lei de Propriedade Industrial – em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição de 1988 – autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização.

3.                           Patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta.

4.                           A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dente outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio.

5.                           O âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado.

6.                           Ainda que a LPI veicule o princípio da exaustão como norma geral aplicável a produtos patenteados, há de se destacar que seu art. 43, VI, parte final, prevê expressamente que não haverá exaustão na hipótese de tais produtos serem utilizados para “multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”.

7.                           A toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão, quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos recorrentes.

8.                           Diante disso, a tese firmada, para efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte: as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.

RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Marco Buzzi acompanhando a Sra. Ministra Relatora, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial , nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Para os efeitos do art. 947 do CPC/15, foi firmada a seguinte tese: as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais. Os Srs. Ministros Marco Buzzi (voto-vista), Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 09 de outubro de 2019(Data do Julgamento).

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC

ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO e OUTROS, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

Ação: coletiva, ajuizada pelos sindicatos recorrentes em face de MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSANTO TECHNOLOGY LLC, com o objetivo de ver reconhecidos os direitos dos sojicultores brasileiros, sem pagamento de royalties, taxa tecnológica ou indenização, de reservar sementes transgênicas da soja Roundup Ready (soja RR) para replantio, de vender a produção como alimento ou como matéria-prima e, quanto aos pequenos produtores rurais, de doar ou trocar as sementes reservadas.

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar o direito dos sojicultores brasileiros de: (i) “reservar o produto cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização, nos termos do art. 10, incisos I e II, da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010”; (ii) “doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais, nos termos do art. 10, inciso IV, § 3º e incisos, da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010”. Condenou as recorridas a: (i) se absterem “de cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, a contar da safra 2003/2004”; (ii) devolverem “os valores cobrados sobre a produção da soja transgênica a partir da safra 2003/2004, corrigida pelo IGPM e acrescida de juros de 1% ao mês, a contar da safra 2033/2004, tudo a ser apurado em liquidação de sentença”. Concedeu, ainda, medida liminar de ofício para “determinar a imediata suspensão na cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, sob pena de multa diára no valor de 1.000.000,00 (um milhão de reais)”. (e-STJ 3.367/3.416).

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram acolhidos apenas para corrigir erro material relativo à safra mencionada no dispositivo (safra 2003/2004 e não safra 2033/2004) e para alterar o valor devido a título de honorários advocatícios.

Acórdão: desacolheu os agravos retidos, afastou as preliminares e, por maioria, deu provimento à apelação interposta pelas recorridas, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial.

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados.

Embargos infringentes: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, nos termos da seguinte ementa:

EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO COLETIVA. DIREITO À PROPRIEDADE INTELECTUAL. SOJA TRANSGENCIA. LEI DE PATENTES E LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. PRELIMINARES AFASTADAS.

1.                           Ainda que a Lei de Patentes não permita a proteção decorrente de patentes para o todo ou partes de seres vivos, houve expressa exclusão desta proibição em relação aos microorganismos transgênicos (art. 18, inc. III, da Lei de Patentes), justamente porque resultantes de um produto de intervenção cultural, por meio do invento. Possível a extensão dos efeitos da propriedade intelectual sobre microorganismos transgênicos desde que atendam os critérios próprios à situação jurídica de patenteabilidade - no caso, a novidade, a atividade inventiva e a aplicabilidade à atividade industrial. Circunstância expressamente reconhecida, por certificados próprios, em relação ao produto ora discutido em juízo.

2.                           Não há como excluir dos efeitos de proteção desta o produto do objeto de patente, por força da proteção conferida pelo art. 42 da Lei nº 9.279/96. A doutrina, na interpretação mais correta da Lei de Patentes, acerca de casos de propriedade intelectual, esclarece que o art. 42 da Lei 9.279/96, por meio de seus incisos, protege tanto o produto que é objeto direto da patente, como o processo ou o produto obtido diretamente pelo processo, caso seja este patenteado.

3.                           Descabe excluir-se o direito de patentes sobre o produto de uma intervenção humana por técnica de transgenia - e que abranja todas as características próprias à proteção -, inclusive quando isto ocorra sobre uma cultivar. E isto, porque ambas as Leis mencionadas são omissas na hipótese de sobreposição de situações. Quando uma variedade é desenvolvida pela técnica da transgenia - podendo, portanto, receber a proteção da Lei de Patentes – e sofre, posteriormente, uma melhora por via biológica, recebendo o certificado de cultivares, em tese, tem-se situação de duplicidade de proteção, algo que estaria vedado pelas disposições da UPOV referente à Convenção de 1978. Tal conflito, para a doutrina mais recente, enquanto inexistente uma definição legal especifica, poderia sofrer solução suficiente por meio do instituto da "patente dependente", previsto na disciplina da Lei de Patentes.

4.                           Não se trata, portanto, de hipótese de aplicação de lei mais específica para a resolução do conflito de regras. Aqui, tem-se leis que disciplinam objetos de tutela diversos. A própria Exposição de Motivos da cartilha elaborada à Lei nº 9.456/97 deixa clara tal situação quando justifica a criação da Lei de Proteção de Cultivares como 'mecanismo distinto de proteção à propriedade intelectual."

5.                           Não há como fazer subsistir o argumento de que o licenciamento concedido para a pesquisa sobre o produto e para o desenvolvimento de técnica de aperfeiçoamento afaste o direito originário sobre patentes. O que pode é o titular de patente celebrar contrato de licença para exploração e investir o licenciado nos poderes para agir em defesa da patente (art. 61 da Lei de Patentes). Tal não afasta os direitos de exercício desta titularidade, seja pelo proprietário do invento, seja pelo licenciado, ressalvada apenas a hipótese de análise do aperfeiçoamento introduzido em patente licenciada (art. 63 da Lei de Patentes).

6.                           O debate proposto é referente ao produto da soja transgênica, para a qual é identificada a situação de proteção específica e comprovada - ao menos até 31.08.2010 - por meio de carta de patente. Não há, portanto, como se pretender a aplicação de disposições normativas da Lei de Proteção de Cultivares para o caso em comento, na medida em que diversa é a proteção jurídica identificada.

7.                           Reconhece-se causa legítima à cobrança - a descaracterizar hipótese de ilicitude para os fins do art. 187 do CC brasileiro -, por força de aplicação da Lei de Patentes na hipótese, não afastada a cobrança por situação diversa de proteção do produto pela Lei de Cultivares, como na hipótese das exceções do art. 10 da Lei referida.

8.                           Com relação ao percentual de royalties estabelecido, a desproporção é apontada ainda na inicial, por meio de pedido alternativo no sentido de que "seja judicialmente estabelecido percentual não abusivo para adequadamente indenizar as demandadas, em índices que variam entre 0,06% a 0,10% sobre o valor da soja transgênica comercializada, preferindo o menor índice pelas razões anotadas" (fl. 31 dos autos). Nesse ponto, há que se observar os limites estabelecidos em Lei e mesmo a partir de acordos mais amplos, realizados entre os envolvidos, por meio de suas entidades representativas. Não há que se falar em abusividade quando negociados entre entidades representantes de ambas as partes royalties em percentual (2%) proporcional à prática de mercado internacional, sem que demonstrada efetiva abusividade de cobrança.

Rejeitadas as preliminares, à unanimidade. EMBARGOS DESACOLHIDOS POR MAIORIA.

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram acolhidos em parte, apenas para afastar a condenação em honorários, ante a ausência de má-fé dos autores no ajuizamento da ação coletiva.

Recurso especial: aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 2º, 7º e 10 da Lei 9.456/97 (Lei de Proteção de Cultivares); do art. 2.1 da UPOV/78 (União para a Proteção das Obtenções Vegetais), promulgado pelo Decreto 3.109/99; e dos arts. 18, III, parágrafo único, e 42 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Entende que as recorridas não podem cobrar royalties por condutas que são explicitamente qualificadas pelo ordenamento jurídico como de uso livre, ressaltando que a única forma de obstar tal liberdade de utilização seria mediante eventual autorização contida na Lei de Proteção de Cultivares, uma vez que há vedação legal à dupla proteção. Defende que a existência de patentes produziria efeitos apenas num primeiro momento, para impedir que terceiros reproduzam o processo de transgenia e para fundamentar a cobrança de royalties para a venda da primeira semente. Posteriormente, seria aplicado o regime da LPC. Argumenta que a Lei de Propriedade Industrial, sendo lei anterior e geral, não pode suplantar a Lei de Proteção de Cultivares, lei posterior e especial. Aponta que há barreiras que impedem a aplicação do artigo 42, II, da LPI, como a vedação para o patenteamento de produtos vivos, estabelecida no art. 18, III, da mesma lei. Ressalta que, de acordo com as Diretrizes de Exame de Patente do INPI, nem a semente transgênica e nem o gene se qualificam juridicamente como microrganismo. Alega que as recorridas buscam a reiteração da cobrança de royalties para produtos em relação aos quais já ocorreu a exaustão dos direitos de propriedade industrial. Cita julgado de Corte argentina que também reconhece a impossibilidade de cumulação das tutelas de patente com cultivar, enfatizando o caráter internacionalizado do direito da propriedade intelectual, que tem por resultado uma aproximação das legislações nacionais quanto ao tema.

Juízo de admissibilidade: O Tribunal de origem admitiu o recurso

especial.

Redistribuição: os autos foram inicialmente distribuídos ao

eminente Min. Marco Buzzi, que declinou da competência, determinando a redistribuição a um dos Ministros integrantes da Terceira Turma.

Os recorrentes interpuseram agravo regimental quanto à determinação de livre distribuição na Terceira Turma, o qual não foi conhecido.

Incidente de assunção de competência: a Segunda Seção admitiu o incidente de assunção de competência, destacando o seguinte tema: "definir se é possível conferir proteção simultânea - pelos institutos da patente de invenção (Lei 9.279/96) e da proteção de cultivares (Lei 9.456/97) - a sementes de soja Roundup Ready, obtidas mediante a técnica da transgenia, e, como corolário, se é ou não facultado aos produtores rurais o direito de reservar o produto de seu cultivo para replantio e comercialização como alimento ou matéria prima, bem como o direito de pequenos agricultores de doar ou trocar sementes reservadas no contexto de programas oficiais específicos” (e-STJ 5.900/5.918).

Parecer do Ministério Público Federal: pelo provimento do recurso especial (e-STJ fls. 6005/6016).

Pareceres: foram apresentados pareceres elaborados por Paulo Brossard de Souza Pinto (e-STJ fls. 1213/1232), Célio Borja (e-STJ fls. 1234/1254), Ruy Rosado de Aguiar Júnior (e-STJ fls. 3136/3180), Denis Borges Barbosa (e-STJ fls. 4646/4685), Charlene de Ávila (e-STJ fls. 4744/4846), Patricia Carvalho da Rocha Porto (e-STJ fls. 4846/4936), Maria Margarida Rodrigues Mittlebach (e-STJ fls. 5025/5057).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC

ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

EMENTA

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. AÇÃO COLETIVA. SOJA ROUNDUP READY. TRANSGENIA. LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. ART. 10. INOPONIBILIDADE AO TITULAR DE PROTEÇÃO PATENTÁRIA. DUPLA PROTEÇÃO. INOCORRÊNCIA. SISTEMAS PROTETIVOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO. CIRCUNSTÂNCIA ESPECÍFICA QUE FOGE À REGRA GERAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.

1.                           O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual das recorridas, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas.

2.                           A Lei de Propriedade Industrial – em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição de 1988 – autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização.

3.                           Patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta.

4.                           A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dente outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio.

5.                           O âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado.

6.                           Ainda que a LPI veicule o princípio da exaustão como norma geral aplicável a produtos patenteados, há de se destacar que seu art. 43, VI, parte final, prevê expressamente que não haverá exaustão na hipótese de tais produtos serem utilizados para “multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”.

7.                           A toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão, quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos recorrentes.

8.                           Diante disso, a tese firmada, para efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte: as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.

RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC

ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual das recorridas, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas.

1.        DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA.

Os recorrentes alegam que a Lei de Proteção de Cultivares autoriza os agricultores por eles representados a reservar o produto da soja transgênica Roundup Ready para replantio em seus campos de cultivo, a vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação a pequenos produtores, a doar a outros pequenos produtores rurais, ou com eles trocar, sementes reservadas para tal finalidade.

Entendem que a prática dessas condutas independe do pagamento de qualquer valor a título de royalties, taxas tecnológicas ou indenização, à vista da incidência do chamado “privilégio do agricultor”.

Assim, os direitos de propriedade intelectual das recorridas, segundo argumentam, não teriam o alcance pretendido, pois o ordenamento jurídico confere liberdade à prática das atividades retro mencionadas.

As recorridas, por sua vez, alegam que a cobrança desses valores não se fundamenta no direito de proteção de cultivares, mas, sim, no sistema de patentes, uma vez que são titulares, devidamente reconhecidas pelo Estado, dos direitos sobre as invenções inseridas na soja Roundup Ready.

As patentes concedidas lhes garantiriam o direito exclusivo de exploração dessas tecnologias, não havendo que se cogitar da aplicação do “privilégio do agricultor”, porquanto as limitações aos direitos de patente, exclusivamente previstas na Lei de Propriedade Industrial, não abrangeriam as atividades cuja prática é reivindicada pelos recorrentes.

Para o Tribunal de origem, todavia, não há como se pretender a aplicação de disposições normativas contidas na Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/97) à hipótese concreta, pois o produto da soja RR está protegido, específica e comprovadamente, por meio de patentes devidamente expedidas pelo INPI, devendo, assim, ser respeitados os direitos de seus titulares previstos na lei de regência.

Neste momento, é oportuno consignar que o prazo de vigência da proteção legal das recorridas (especificamente da patente n. PI1100008-2) constitui objeto do Recurso Extraordinário 797.449/RJ, cuja tramitação foi sobrestada pelo e. Relator em razão da controvérsia instaurada por ocasião do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.234/DF.

Não se pode, portanto, sustentar a ocorrência de eventual perda do objeto deste recurso.

A corroborar tal conclusão, constata-se que os recorrentes deduziram, na inicial, pedidos de declaração de nulidade de valores cobrados a título de royalties e de repetição de indébito de montante já pago, a revelar que o julgamento da presente irresignação não está prejudicado.

Todavia, ainda que assim não fosse, os relevantes efeitos nas esferas jurídica e econômica decorrentes do resultado do presente julgamento, a revelar o interesse público subjacente, justificam o enfrentamento das questões de direito que ora se examina.

2.        TUTELA JURÍDICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL. PATENTES E CULTIVARES: LINHAS GERAIS.

O atual sistema brasileiro de proteção à propriedade intelectual deriva, em grande parte, de compromissos assumidos pelo país no plano internacional, sobretudo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) – mediante a assinatura do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs) –, à União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial (CUP, revisão de 1967) e à União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (Convenção UPOV, revisão de 1978).

De se destacar que, tratando especificamente de patentes, o Brasil se obrigou a proteger os respectivos titulares conferindo-lhes “os seguintes direitos exclusivos” (Acordo TRIPs, art. 28, 1):

a)                                        quando o objeto da patente for um produto, o de evitar que terceiros sem seu consentimento produzam usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos aqueles bens;

b)                                        quando o objeto da patente for um processo, o de evitar que terceiros sem seu consentimento usem o processo, usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos pelo menos o produto obtido diretamente por aquele processo.

No plano interno, a Constituição de 1988 estabelece, no título destinado à proteção dos direitos e garantias fundamentais, que a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país (art. 5º, XXIX).

O estímulo à formação e ao fortalecimento da inovação e de ambientes que a promovam, bem como à criação, à absorção, à difusão e à transferência de tecnologia também constitui dever imposto ao Estado pela Carta Constitucional (arts. 218 a 219-B).

No que concerne a patentes relacionadas com matéria viva e à proteção de cultivares, a tutela jurídica conferida pelo ordenamento pátrio está esquematizada, respectivamente, nas Leis 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial

– LPI) e 9.456/97 (Lei de Proteção aos Cultivares – LPC), editadas com base nas premissas delineadas a partir das diretrizes internacionais contidas nos diplomas antes referidos.

Quanto ao ponto, o art. 27, 1, do Acordo TRIPs dispõe que “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial”, não sendo admitida, quanto à disponibilidade e à fruição dos direitos patentários, “discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente”.

Mais adiante, no item 3, 'b', do mesmo artigo, o Acordo impõe aos membros da OMC que concedam “proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos”.

A forma escolhida pelo Brasil para proteção de novas variedades vegetais resultou de intenso debate travado nas casas legislativas, envolvendo os mais diversos atores sociais.

Como corolário desse debate, ficou positivada na LPI (art. 18, III) a patenteabilidade de microrganismos transgênicos, o que permitiu que processos e produtos alimentícios, farmacêuticos e químicos passassem a ser tutelados por esse diploma legal. Frise-se que o patenteamento de microrganismos encontrados na natureza e de outros seres vivos (plantas e animais, no todo ou em parte) é expressamente vedado pelo próprio dispositivo em questão.

Por outro lado, a proteção da propriedade intelectual sobre variedades vegetais (cultivares) passou a ser regulada por lei específica (Lei 9.456/97), que veio a complementar, nesse aspecto, a LPI, como forma de atender ao compromisso firmado pelo país quando da assinatura do Acordo TRIPs (art. 27, 3, 'b').

A LPC, vale ressaltar, estabeleceu o que o Acordo retro citado denominou de sistema protetivo sui generis, mediante o qual a tutela do obtentor de novas variedades vegetais é levada a efeito de forma distinta daquela prevista no sistema de patentes.

3.        DO SISTEMA JURÍDICO DE PROTEÇÃO DE VARIEDADES VEGETAIS E DO PRIVILÉGIO DO AGRICULTOR.

A questão central a ser examinada neste julgamento consiste em definir se aos recorrentes deve ser assegurado o que usualmente se denomina de “privilégio do agricultor”.

Trata-se de verdadeira limitação aos direitos de propriedade intelectual relacionados a variedades vegetais, estes definidos, como já visto, na Lei de Proteção de Cultivares.

De se gizar que o estabelecimento de um sistema de proteção aos direitos daqueles que contribuem para a obtenção e o melhoramento de plantas (obtentor/melhorista) constituiu condição a ser obedecida para adesão do Brasil à UPOV (União para a Proteção das Obtenções Vegetais), organização internacional da qual o país se tornou membro em 1999, tendo se comprometido com a internalização das diretrizes estabelecidas na Ata da respectiva convenção revisada em 1978 (promulgada pelo Decreto 3.109/99).

Em linhas gerais, segundo a LPC, cumpridos determinados pressupostos relativos sobretudo à distinguibilidade, à homogeneidade e à estabilidade da variedade vegetal, o órgão competente está autorizado a outorgar ao requerente Certificado de Proteção de Cultivar, que garante ao titular os direitos sobre o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta, em prazo que pode se estender por até 18 anos.

Durante esse prazo, a produção com finalidade comercial, o oferecimento à venda ou a comercialização do material de propagação da cultivar (tais como sementes, mudas, tubérculos, estacas, brotos) dependem de autorização prévia do titular do certificado.

Além dos requisitos retro mencionados, necessários para concessão da proteção a novas variedades vegetais, a Lei em questão estabelece todo um procedimento especial a ser seguido para obtenção da tutela legal junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, órgão integrante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criado pela Lei 9.456/97 com a incumbência de ser o responsável pela análise dos requerimentos formulados pelo respectivo obtentor ou cessionário do direito sobre a cultivar.

Após o cumprimento de todas as etapas do procedimento administrativo, o SNPC emite, finalmente, o Certificado de Proteção de Cultivar, que confere a seu titular o direito à exclusividade de reprodução comercial da variedade vegetal protegida.

Por outro lado, a Lei em questão também prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado “privilégio do agricultor”.

Trata-se de exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial, à variedade vegetal protegida.

Isso decorre do fato de que, no que concerne ao “privilégio do agricultor”, as disposições da Ata UPOV de 1978 – à qual o Brasil aderiu – conferem proteção apenas quanto ao aspecto comercial da variedade vegetal, autorizando, assim, a conclusão de que usos de natureza diversa, tais como a troca ou o uso de sementes para replantio, não exigem autorização do titular do direito tutelado.

Quanto ao ponto, esclarece a doutrina especializada:

A ata de 1978 deixa um espaço aberto, de maneira tácita, para que se permita, em nível nacional, proteger os direitos e privilégios do agricultor sobre o uso de sementes e material de propagação em suas próprias colheitas. A ata menciona que a proteção conferida aos obtentores se refere à obrigação de terceiros solicitar o consentimento do titular para produzir com fins comerciais, colocar a venda ou comercializar material de reprodução ou de multiplicação vegetal da variedade protegida. Ou seja, os agricultores podem, a princípio, guardar o material de reprodução ou multiplicação vegetativa de uma variedade protegida e utilizá-la em suas colheitas posteriores em sua propriedade, desde que o resultado não seja a venda ou comercialização deste material.

(GARCIA, Selemara B. F. A Proteção jurídica das cultivares no Brasil. Curitiba: Juruá, 2004, p. 59)

Vale ressaltar que o aprimoramento das discussões travadas no âmbito da UPOV, como se observa das mudanças havidas a partir da assinatura da Ata de 1991, denotam que o sistema protetivo internacional de variedades vegetais vem limitando as hipóteses de exceção aos direitos do melhorista, sinalizando, cada vez mais, sua aproximação ao sistema de patentes.

Todavia, o compromisso firmado pelo Brasil, como já visto, cingiu-se a respeitar os termos específicos da Ata UPOV de 1978, de modo que a opção legislativa positivada foi a de garantir aos agricultores os privilégios listados no art.

10 da Lei 9.456/97. Assim, não fere o direito de propriedade sobre a nova variedade vegetal aquele que:

I                              - reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em estabelecimento de terceiros cuja posse detenha;

II                             - usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio, exceto para fins reprodutivos;

III                           - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica;

IV                          - sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou troca, exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas de financiamento ou de apoio a pequenos produtores rurais, conduzidos por órgãos públicos ou organizações não-governamentais, autorizados pelo Poder Público.

V                            - multiplica, distribui, troca ou comercializa sementes, mudas e outros materiais propagativos no âmbito do disposto no art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, na qualidade de agricultores familiares ou por empreendimentos familiares que se enquadrem nos critérios da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.

É, pois, com base nessa limitação aos direitos do titular de Certificado de Proteção de Cultivar que os recorrentes postulam, nas situações listadas na inicial, o não pagamento de royalties, taxa tecnológica ou indenização às empresas recorridas.

4.        DO SISTEMA JURÍDICO DE PATENTES: PROTEÇÃO À ATIVIDADE INVENTIVA.

No particular, todavia, verifica-se que, para além de se discutir o âmbito de proteção – e suas respectivas exceções – conferido pelo ordenamento às variedades vegetais, é necessário não perder de vista que as recorridas ostentam a condição de titulares dos direitos decorrentes do patenteamento de um processo específico de transgenia e do produto respectivo (relativo ao gene CP4 EPSPS), o qual, inserido em certas espécies vegetais, lhes confere resistência ao herbicida glifosato.

De se destacar que os royalties cujo pagamento os recorrentes pretendem ver afastados com o ajuizamento da presente ação referem-se ao uso reprodutivo de sementes que contém a tecnologia patenteada, de modo que, para solução da controvérsia, afigura-se imprescindível analisar não somente os ditames da Lei de Proteção de Cultivares, mas também as disposições da Lei de Propriedade Industrial, bem como eventuais interconexões entre elas.

É importante lembrar que a higidez dos atos administrativos que concederam as patentes às recorridas não constitui objeto deste recurso, de modo que não se pode desviar da premissa de que os registros patentários por elas titulados são válidos, circunstância que exige a observância dos efeitos que deles decorrem.

O art. 8º da LPI veicula regra geral do sistema de patentes, que considera patenteável toda invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Já o art. 10 desse mesmo diploma legal estabelece o que, para seus fins, não é considerado invenção. Dentre seus incisos, merece destaque, por pertinente à espécie, o seguinte:

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: [...]

IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

O art. 18 da LPI, por sua vez, elenca as situações que, ainda que se trate de inventos, não poderão ser objeto de patente. No que importa à hipótese, dispõe seu inciso III:

Art. 18. Não são patenteáveis:

[...]

III                           - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

[...]

Os direitos titulados pelas recorridas, portanto, decorrem desse permissivo legal.

Os pedidos de patente, é cediço, seguem um procedimento específico junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia responsável pela análise e concessão dos requerimentos a ela dirigidos.

Como é sabido, as patentes conferem aos seus titulares o direito de impedir que terceiros produzam, usem, coloquem à venda, vendam ou importem os produtos objeto de patente, bem como o processo ou produtos obtidos diretamente por processo patenteado (art. 42, I e II, da LPI). É também assegurado ao proprietário o direito de obstar que terceiros contribuam para que outros pratiquem tais atos (§ 1º do artigo precitado).

Assim é que, sob a perspectiva das recorridas, a utilização de sementes de soja contendo a tecnologia protegida pelas patentes, sem sua autorização, configura infração a seus direitos de propriedade intelectual.

5.        DA DUPLA PROTEÇÃO. REGIMES JURÍDICOS DISTINTOS.

Um dos argumentos defendidos pelos recorrentes é o de que a Lei 9.456/97 veda, em seu art. 2º, a dupla proteção. As variedades vegetais, segundo argumentam, apenas podem ser protegidas pelas diretrizes nela contidas, excluída a incidência de qualquer outro instrumento legal.

Asseveram, nesse passo, que a aplicação desse diploma deve prevalecer sobre os ditames da Lei de Propriedade Industrial, o que garantiria aos sojicultores brasileiros, segundo o art. 10 da LPC, o direito de reservar sementes para replantio e comercialização como alimentos ou matéria-prima, ao mesmo tempo em que aos pequenos produtores rurais também seria permitido doar e trocar sementes dentro de programas oficiais específicos.

Importante consignar que as situações previstas no precitado artigo não têm correspondência no atual regime de proteção patentária instituído pela Lei 9.279/96.

É dizer, tais limitações, impostas ao direito do titular do Certificado de Proteção de Cultivar, por não estarem elencadas na LPI, não podem, automaticamente, ser aplicadas ao detentor de patentes, sob pena de restringir indevidamente os direitos que a lei lhe confere.

Deve-se notar que, tratando-se de controvérsia acerca do alcance de direitos de propriedade intelectual, é essencial haver, de fato, um direito devidamente reconhecido como tal pela autoridade competente, a fim de que se possa determinar o alcance de sua proteção.

No que concerne a variedades vegetais, conforme assentado linhas atrás, os direitos de proteção se efetivam mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, expedido pelo Serviço Nacional de Proteção de Cultivares.

Assim, a primeira conclusão a que se poderia chegar é que, ausente notícia acerca da existência de tal certificado em favor das recorridas, não haveria sequer viabilidade jurídica de se analisar a questão sob a ótica da tutela de cultivares, uma vez que não cabe ao Poder Judiciário decidir, em abstrato, pela aplicação de um ou de outro diploma legal.

Consequentemente, as exceções previstas na lei específica, incluindo aquelas alegadas pelos recorrentes e conhecidas como “privilégio do agricultor”, não haveriam de irradiar seus efeitos na hipótese.

De todo modo, ainda que se reconhecesse a existência de direitos de propriedade intelectual sobre a soja Roundup Ready derivados também da Lei 9.456/97 (LPC), os argumentos dos recorrentes acerca da incidência exclusiva desse diploma legal à espécie não devem prosperar.

Patentes e proteção de cultivares, como visto, são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há, por isso, incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta.

A marcante distinção existente entre um regime e outro compreende desde o objeto protegido – novas cultivares, pela LPC; processos e produtos biotecnológicos (microrganismos transgênicos), pela LPI – passando pelo alcance da proteção, pelas exceções oponíveis aos titulares dos direitos, pelos requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, pelo órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo, pelo prazo de duração do privilégio, dentre outros.

Não se pode negar, entretanto, que o art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Segundo esse dispositivo, “a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País”.

A existência dessa norma, como já delineado anteriormente, decorre diretamente da obrigação internacional assumida pelo Brasil ao ratificar a Ata de 1978 da União para a Proteção das Obtenções Vegetais, que proíbe os países membros de lhes conferir dupla proteção.

Isso quer dizer que uma mesma variedade vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito sui generis, tal qual o direito de proteção de cultivares. De acordo com o art. 2, 1, da Convenção UPOV 1978, cada Estado da União pode reconhecer o direito do obtentor mediante a outorga de um título especial de proteção ou de uma patente. Porém, caso a legislação nacional admita a proteção em ambas as formas, deverá aplicar apenas uma delas a um mesmo gênero ou a uma mesma espécie botânica.

É exatamente esse o escopo da norma do art. 2º da LPC. Conforme explica DENIS BORGES BARBOSA, “a proteção de uma variedade de planta por cultivar exclui a proteção do mesmo objeto por patente” (Tratado de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, vol. IV, p. 234, sem destaque no original).

A lei proíbe, portanto, que a variedade vegetal – ou seja, “o mesmo objeto” – seja protegido também pela concessão de carta-patente.

Ocorre que, ao contrário do que defendem os recorrentes, o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado na semente de soja.

DENIS BARBOSA elucida o ponto:

Veja-se que a tecnologia em questão não afeta a semente em si (salvo o aspecto de resistência ao glifosato), e muito menos a colheita. A patente não cobre a semente como um todo. Não existe [...] nenhuma patente de semente da Monsanto no tocante à tecnologia RR1. Salvo pelo produto (elemento transgênico) patenteado pela Monsanto, toda semente está em domínio público. (Dois estudos sobre os aspectos jurídicos do patenteamento da tecnologia Roundup Ready no Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição 7/2014, Out/2014, p. 437).

Ou, em outros termos, a proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares (LPC) abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema da LPI protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado, sendo certo que “processos de produção de plantas geneticamente modificadas são considerados patenteáveis, uma vez que não há restrição na LPI” (PLAZA, Charlene Maria C. De Ávila. Exclusões de patentes do material genético – análises entre as Leis Nacional/Regional de Propriedade Intelectual. Revista Internacional de Direito Ambiental, Caxias do Sul (RS), v. 1, n. 2, p. 35-62, maio/ago. 2012).

Quanto ao ponto, parece oportuno esclarecer os conceitos de cultivar e de microrganismo transgênico, cada qual protegido por um estatuto jurídico distinto:

Cultivares

O Glossário de biotecnologia vegetal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento define cultivar como uma “variedade cultivada de planta, a qual se distingue por características fenotípica e que, quando multiplicada por via sexual ou assexual, mantém suas características distintivas” (Torres, Antonio Carlos et al. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2000).

De acordo com o conceito trazido pela Lei 9.456/97, cultivares podem ser consideradas espécies de plantas sobre as quais foi realizada alguma melhoria, por meio da ação humana, que tenha resultado da alteração de alguma de suas características ou da introdução de características novas capazes de torná-las distintas de outras variedades da mesma espécie. Além de distintividade, devem apresentar homogeneidade e estabilidade.

O conceito técnico está previsto no art. 3º, IV, da LPC:

Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei:

[...]

IV                          - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;

Microrganismos transgênicos

A LPI os conceitua como organismos (à exceção do todo ou parte de plantas e animais) que, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, expressem características normalmente não alcançáveis pela espécie em condições naturais. Eis a definição legal:

Art. 18. [...]

[...]

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

Na medida em que a lei veda o patenteamento do “todo ou parte de seres vivos” (art. 18, III, parte inicial, da LPI), tem-se que microrganismos transgênicos constituem os “únicos elementos constitutivos de seres vivos que, pela lei brasileira, serão objeto de patente contendo reivindicação de produto” (BARBOSA, Pedro M. N. e BARBOSA, Denis Borges. O Código da Propriedade Industrial conforme os Tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, vol. I, p. 259).

Ou, nos termos informados em material publicado pelo próprio INPI, “a Lei 9.279, pelos comandos citados, estabelece um marco divisório nítido: nem plantas nem animais superiores são patenteáveis no Brasil; as tecnologias, porém, relacionadas à manipulação genética envolvendo microorganismos tornaram-se inequivocamente passíveis de patenteamento” (e-STJ fl. 2699).

Definido, portanto, o objeto da proteção contida em cada diploma normativo, passa-se ao exame da pretensão dos recorrentes – não pagamento de royalties às recorridas nas hipóteses de reserva de sementes para replantio e comercialização como alimento ou matéria-prima e possibilidade de, tratando-se de pequenos agricultores, doar ou trocar sementes entre si – a partir das limitações legais previstas no art. 18, III, 42, II, e 43, VI, da LPI.

6.        PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO. REPRODUÇÃO DE SEMENTES QUE CONTÊM GENE E/OU PROCESSO PATENTEADO.

Uma vez concedida a patente, a LPI, em seu art. 42, garante ao titular o direito de impedir que terceiros façam uso do produto (inc. I) ou do “processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado” (inc. II).

Quanto à proteção conferida ao processo patenteado, DENIS BORGES BARBOSA enfatiza que, “como em todos demais sistemas nacionais sob a regra de TRIPs, a patente de processo protege o produto resultante do processo; e não há qualquer vedação de patentes de processo de plantas ou animais” (in Proposta para regular a intercessão patente/cultivar. Sem destaque no original. Disponível em www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/economia/patente_cultivar.pdf).

A lição de CHARLENE PLAZA merece destaque:

A violação da patente depende da natureza dos bens jurídicos. Se, de fato, a propriedade legal do titular das sementes é a transgenia, ou, no máximo, apenas a composição do genoma da planta e da transgenia, então logo que a semente germina, a patente é violada. Isso porque cada célula da planta terá uma cópia do objeto da propriedade legal de que o titular poderá impedir terceiros de fabricar e utilizar sem o seu consentimento.

(PLAZA, Charlene Maria C. De Ávila. Exclusões de patentes do material genético – análises entre as Leis Nacional/Regional de Propriedade Intelectual. Revista Internacional de Direito Ambiental, Caxias do Sul (RS), v. 1, n. 2, p. 35-62, maio/ago. 2012)

Por outro lado, o art. 43 do mesmo diploma normativo estabelece diversos limites ao exercício dos direitos do titular. As limitações listadas em seus incisos consistem em verdadeira autorização para que terceiros utilizem o objeto da patente, independentemente de autorização, sem que se possa impedi-lo ou dele exigir qualquer contraprestação pecuniária.

No que interessa à hipótese, verifica-se que o inciso VI desse dispositivo afasta do espectro protetivo da lei, quando se tratar de “patentes relacionadas com matéria viva” – hipótese dos autos –, o uso de produto patenteado “que haja sido introduzido licitamente no comércio” por seu próprio detentor ou por seu licenciado.

É a positivação do que se convencionou chamar de “princípio da exaustão”:

É a doutrina segundo a qual uma vez que o titular tenha auferido o benefício econômico da exclusividade (“posto no comércio”), através, por exemplo, da venda do produto patenteado, cessam os direitos do titular da patente sobre ele. Resta-lhe, apenas, a exclusividade de reprodução. (BARBOSA, Pedro M. N. e BARBOSA, Denis Borges. O Código da Propriedade Industrial conforme os Tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, vol. I, p. 598).

Assim, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem.

Todavia, e aqui reside ponto fundamental da presente controvérsia, a parte final do inc. VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser “utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”.

A toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão, quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos recorrentes.

O exemplo utilizado por BARBOSA e BARBOSA é esclarecedor:

Quem compra a espiga de milho, protegida por processo de reprodução, pode comer, vender, fazer pipoca ou enfeite de sala de jantar. Pode até mesmo plantar o milho num potinho na varanda. Mas não pode tornar-se competidor do titular da patente, reproduzindo milho para fins comerciais. (op. cit., p. 611).

NUNO PIRES DE CARVALHO ilustra a situação comentando julgado da Suprema Corte dos Estados Unidos:

O Tribunal entendeu que o agricultor não era protegido pela exaustão no caso de guardar sementes de uma colheita e replantá-las em seguida, posto que a exaustão não serve de argumento para permitir que o comprador produza os bens protegidos a partir daqueles que adquiriu. Na verdade, ao “replantar”, o agricultor não está plantando os artigos que comprou, mas sim plantando – pela primeira (e única) vez – os artigos que ele produziu a partir dos artigos que comprou. A exaustão só se dá quanto aos artigos que ele comprou, e não quanto aos que ele produziu. Assim, por meio de contrato, o titular (no caso, de uma patente) pode negar ao agricultor a exceção da UPOV, e este não pode alegar a exaustão em seu favor. (Acordo TRIPS Comentado. 2ª edição. Versão para Kindle, p. 603).

Acerca do tema, vale também a leitura da exposição detalhada por CHARLENE PLAZA:

No Brasil não há aplicação da exaustão de direitos quando o produto patenteado seja utilizado para multiplicação ou propagação da matéria viva em causa.

Tal norma possibilita que terceiros, no caso de patentes relacionadas com matéria viva, utilizem, ponham em circulação ou comercializem um produto patenteado que haja sido introduzido licitamente no comércio (interno ou externo) pelo detentor da patente ou por detentor de licença, desde que o produto patenteado não seja utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa.

(PLAZA, Charlene Maria C. de Ávila. Das patentes aos royalties – o caso da soja transgênica da Monsanto. In Revista de propriedade intelectual: direito contemporâneo e constituição. Aracaju, 2012, n. 1, p. 9)

DENIS BARBOSA é categórico ao afirmar que “a exaustão não se aplica, no Brasil, quando o produto patenteado seja utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa” (Dois estudos sobre os aspectos jurídicos do patenteamento da tecnologia Roundup Ready no Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição 7/2014, Out/2014, p. 425).

Nessa linha intelectiva, entender que os agricultores representados pelos recorrentes possuem o direito de reservar o produto da soja RR (que contém tecnologia patenteada pelas recorridas) para replantio e posterior comercialização, bem como o de doar ou trocar essas sementes, equivale a esvaziar o conteúdo normativo do dispositivo em questão, tornando-o letra morta, o que se revela inadmissível do ponto de vista técnico-jurídico.

7.        CONCLUSÕES: PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO INVENTOR EM FUNÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE PROCESSO OU PRODUTO RELACIONADO À TRANSGENIA.

De tudo o que foi até aqui exposto, é possível extrair-se algumas

conclusões.

Como as patentes em questão foram concedidas em razão da inserção

de um gene que conferiu à planta uma função distinta da que naturalmente possuía, os direitos do titular do privilégio vão incidir sobre o atributo inoculado (que confere resistência ao glifosato) e, via de consequência, tendo a planta sido reproduzida e a nova geração conservado tal atributo, sobre ele também devem se projetar os direitos de exclusiva.

Os possíveis desdobramentos do alcance da proteção são esmiuçados por BRUCH, VIEIRA E DEWES:

Se o inventor inserir um novo atributo em uma planta existente, tal como um novo gene com nova função, seu direito de propriedade industrial se restringe ao atributo inserido nesta e não se expande para toda a planta modificada. As outras plantas da mesma espécie que não receberam este novo atributo também continuarão não pertencentes a ele. Deste direito surgem três situações [...]:

1)                           Se esta planta com o novo atributo se replica, conservando nas plantas-filhas o atributo inserido originalmente, sobre este atributo tem o titular do DPI sua titularidade. Se esta planta replicada for utilizada por causa do atributo protegido, é lógico que este atributo dá ao seu titular o direito de cobrar pelo seu uso.

2)                           Contudo, se esta planta com o novo atributo for cultivada e o atributo inserido nela não permanecer na planta ou não for utilizado pelo usuário da planta, pode-se concluir que não cabe ao inventor do atributo reivindicar a cobrança de royalties pelo uso do novo atributo protegido.

3)                           Ademais, se esta planta com o novo atributo ou os produtos derivados dela forem utilizados, sendo que neste uso é irrelevante o novo atributo, não cabe ao inventor do atributo direito de cobrar sobre o seu uso.

[...]

Contudo, deve-se deixar claro que, em existindo o atributo protegido em uma planta, mesmo que esta planta em si seja protegida por terceiro, a existência desse atributo confere ao seu titular o direito de cobrar royalties pelo seu uso, bem como ao titular da proteção da cultivar.

(BRUCH, Kelly Lissandra; VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto e DEWES, Homero. A propriedade industrial: dupla proteção ou proteções coexistentes sobre uma mesma planta. In Propriedade intelectual e inovações na agricultura. Org.: Antônio Márcio Buainain, Maria Beatriz Machado Bonacelli, Cássia Isabel Costa Mendes. Brasília; Rio de Janeiro: CNPq, FAPERJ, INCT/PPED, IdeiaD; 2015, p. 314).

Ou, na lição de PLAZA e CARRARO, “pela regra do art. 42, inciso II, da Lei nº 9.279/96, tem-se que um titular de patente de invenção, cuja proteção abarca novo atributo de uma planta, tal como um gene com nova função, tem o direito de explorar com exclusividade essa planta no Brasil ou vedar que terceiros


a utilizem comercialmente, sem sua autorização” (PLAZA, Charlene Maria C. de Ávila e CARRARO, Fábio. Propriedade Intelectual – patentes e cultivares. In Propriedade intelectual na agricultura. Coord.: PLAZA, DEL NERO, TARREGA e SANTOS. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 131).

Sobreleva consignar que o afastamento dos direitos conferidos aos titulares de patentes devidamente concedidas – como objetivam os recorrentes – teria aptidão para, além de malferir as disposições de direito interno consubstanciadas na LPI, frustrar compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio, pois resultaria em descumprimento do quanto estabelecido no art. 28, 1, do Acordo TRIPs, que estipula as garantias asseguradas ao inventor.

O “privilégio do agricultor” previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.

A tese defendida pelos recorrentes parte de um pressuposto manifestamente equivocado: o de querer fazer incidir às recorridas, titulares de direitos garantidos por cartas-patentes, as limitações previstas, exclusivamente, a detentores de certificados de proteção de cultivares.

De se referir, outrossim – o que corrobora a ausência de previsão no ordenamento jurídico vigente acerca das limitações postuladas pelas recorrentes sobre os direitos de propriedade intelectual das recorridas –, a existência de estudos, elaborados por doutrinadores especialistas na área, por meio dos quais se propõe, justamente, que a LPI seja modificada para que se faça nela constar normas restritivas que deem suporte a reivindicações como as aqui deduzidas.

É o caso dos seguintes artigos, de lavra, respectivamente, do Professor DENIS BORGES BARBOSA e da Professora CARLA EUGENIA CALDA BARROS: Proposta para regular a intercessão patente/cultivar (disponível em www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/economia/patente_cultivar.pdf) e A sobreposição dos direitos de propriedade intelectual em biotecnologia: patentes e cultivares. Modificações dos artigos 43 e 70 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 (In Proteção Jurídica para as Ciências da Vida: Propriedade Intelectual e Biotecnologia. IBPI, 2012, pp. 81/172).

A pretensão dos recorrentes, portanto, exigiria inovações normativas

de lege ferenda.

A título de consideração final, impõe-se assentar que, muito embora a adoção em larga escala do cultivo de plantas modificadas por meio de transgenia venha acompanhada de uma série de questionamentos de natureza econômica, social, ambiental, alimentar e político-ideológica, o Poder Judiciário – sobretudo em sede de recurso de fundamentação vinculada, versando sobre questões restritas ao âmbito de sistemas protetivos de direitos de propriedade intelectual – não constitui a arena adequada para o enfrentamento dessas questões, não podendo elas servirem como condicionantes das razões de decidir do julgador.

No que concerne à alegação usualmente feita de que os direitos de propriedade intelectual criam monopólios, ainda que temporários, é importante lembrar que existem sensíveis diferenças entre seus efeitos e o funcionamento da proteção à propriedade intelectual (quanto à matéria, confira-se o estudo conduzido por ROBERT M. SHERWOOD, in Propriedade intelectual e desenvolvimento econômico. São Paulo: EDUSP, 1992).

Segundo SHERWOOD (op. cit., pp. 60/62), a propriedade intelectual, como explanado no decorrer deste voto em relação às patentes, cria, tão somente, o direito de impedir/excluir terceiros do uso de um produto ou processo específico. O monopólio, por outro lado, se relaciona à capacidade de excluir qualquer produto ou processo de um determinado mercado, sendo notório que, no caso dos autos, a soja com a tecnologia patenteada pelas recorridas não se trata de produto que equivalha à totalidade do mercado brasileiro desse grão. De um lado, o Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (RNC) aponta, em 11/4/2019, mais de duas mil ocorrências para cultivares de soja; de outro, DENIS BARBOSA informa que “haveria pelo menos 75 cultivares com características de serem resistentes ao glifosato, mas este número compreende variedades que não são da Monsanto” (Dois estudos sobre os aspectos jurídicos do patenteamento da tecnologia Roundup Ready no Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição 7/2014, Out/2014, p. 431).

Ainda que se assuma como premissa que um novo mercado possa surgir como mera consequência de um único invento protegido, o que sucede é que o acesso a ele não estaria vedado senão em razão de deficiências técnicas, atribuíveis aos próprios potenciais competidores, em desenvolver produtos dotados de capacidade concorrencial. As barreiras à entrada nesse mercado não decorreriam, substancialmente, da proteção à propriedade intelectual.

Caso se tratasse, ao contrário, de um verdadeiro monopólio, mesmo que fossem envidados esforços de pesquisa e desenvolvimento que resultassem na criação de um produto ou processo competitivo, seria, por definição, impossível inseri-los no mercado, independentemente da proteção a direitos de propriedade intelectual.

Novamente, a doutrina de SHERWOOD é esclarecedora:

A propriedade intelectual pode oferecer uma vantagem importante, mas não é um monopólio. Num monopólio, especialmente quando for criado por iniciativa governamental, como é frequente em muitos países comunistas e em desenvolvimento, a empresa, na verdade, não fracassa porque ela é protegida. A propriedade intelectual protege a idéia, a invenção, a expressão criativa, mas não a empresa. No caso da propriedade intelectual, o produto da mente pode fracassar ou ser suplantado no mercado. No caso de um monopólio, é a própria empresa o objeto de proteção. (SHERWOOD, 1992, p. 61)

Não se pode, outrossim, cogitar da utilização, pelo Judiciário, do regime legal de proteção à propriedade intelectual para, por via indireta, corrigir eventuais imperfeições concernentes ao funcionamento do mercado. Resultados nesse sentido devem ser buscados na esfera própria destinada à defesa da concorrência e da ordem econômica, sob pena de se impor ao sistema de patentes uma função que não lhe cabe.

De se consignar, pode derradeiro, que, conforme destacado no acórdão recorrido, nada impedia que os agricultores representados pelos recorrentes empregassem a soja convencional em seus plantios, sem o custo relacionado a royalties ou taxa tecnológica; mas, a partir do momento em que optaram pelo cultivo de sementes modificadas por meio de invenção patenteada, inafastável o dever de contraprestação pela tecnologia utilizada. Se escolheram fazer uso desta variedade específica, é porque lhes pareceu economicamente vantajoso, devendo arcar com as consequências dessa opção.

8.        TESE FIRMADA PARA EFEITO DO ART. 947 DO CPC/15

A tese a ser firmada, portanto, para efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte: as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.

9.        CONCLUSÃO DA HIPÓTESE CONCRETA

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2016/0171099-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.610.728 / RS

Números Origem: 01056613620158217000 02513164420128217000 03985116220148217000

03998338320158217000 10901069152 70064202831 70068334473

PAUTA: 12/06/2019 JULGADO: 12/06/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS

Secretária

Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743

ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ

ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentaram oralmente:

1                             - Dr. NERI PERIN, pelo RECORRENTE SINDICATO RURAL DE SERTÃO e Outros;

2                             - Dr. PEDRO MARCOS NUNES BARBOSA, pelo RECORRENTE SINDICATO RURAL DE

SERTÃO e Outros;

3                             - Dra. ANNA CHRISTINA SILVEIRA BERNARDI, pelo AMICUS CURIAE IBPI - Instituto

Brasileiro de Propriedade Intelectual;

4                             - Dr. LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL, pela RECORRIDA MONSANTO DO BRASIL LTDA; e

5                             - Dra. PATRICIA FUKUMA JANNINI, pelo AMICUS CURIAE AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, Relatora, negando provimento ao recurso especial e fixando tese para os fins do incidente de assunção de competência, pediu VISTA antecipadamente o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Aguardam os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2016/0171099-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.610.728 / RS

Números Origem: 01056613620158217000 02513164420128217000 03985116220148217000

03998338320158217000 10901069152 70064202831 70068334473

PAUTA: 09/10/2019 JULGADO: 09/10/2019

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS

Secretária

Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865

NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743

ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887

INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ

ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224

INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA

ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Marco Buzzi acompanhando a Sra. Ministra Relatora, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial , nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Para os efeitos do art. 947 do CPC/15, foi firmada a seguinte tese: as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi (voto-vista), Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO

RECORRENTE : FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS : DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865 NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883

JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER - RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S) - RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640

RECORRIDO : MONSANTO CO

ADVOGADOS : GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759

RECORRIDO : MONSANTO DO BRASIL LTDA

ADVOGADOS : ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO TERMIGNONI - RS048110

IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264

BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887 INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ

ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883

INTERES. : SINDICATO RURAL DE JATAÍ

ADVOGADO : JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM

ADVOGADOS : DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548

ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693

MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224 INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA

AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928

PATRICIA FUKUMA JANNINI E OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821

INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC

ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO - MS002464

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842

WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP024798

INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"

ADVOGADOS : LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214

RODRIGO AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

O presente apelo nobre descortina controvérsia acerca da possibilidade de produtores rurais de soja - sem discussão acerca de violação de direitos de propriedade intelectual das recorridas - reservarem de maneira livre o produto da soja transgênica denominada Roundup Ready (soja RR) para fins de replantio e/ou venda da produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima.

Verifica-se que o pedido inicial, movido em sede de ação coletiva (fls. 1/31), foi parcialmente acolhido em primeiro grau de jurisdição. O dispositivo ficou assim redigido, no que interessa: "(...) a) declarar o direito dos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros, de reservar o produto cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização, nos termos do art. 10, incisos I e II da Lei n.º 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010; b) declarar o direito dos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros que cultivam soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais, nos termos do art. 10, inciso IV, §3º e incisos, da Lei n.º 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010; c) determinar que as requeridas se abstenham de cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, a contar da safra 2003/2004; d) condenar as requeridas devolvam (sic) os valores cobrados sobre a produção da soja transgênica a partir da safra 2003/2004, corrigida pelo IGPM e acrescida de juros de 1% ao mês, a contar da safra 2003/2004, tudo a ser apurado em liquidação de sentença; e) conceder de ofício, a liminar para determinar a imediata suspensão na cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, sob pena de multa diária no valor de 1.000.000,00 (um milhão de reais); f) condenar as requeridas ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), corrigido pelo IGPM a contar desta data (art. 21, § único, do CPC)" (fls. 3367/3416)

Portanto, o r. juízo a quo acolheu em parte o pedido inicial e garantiu aos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros a possibilidade de reservar, replantar e/ou trocar sem recolhimento de royalties em favor das ora recorridas, titulares das patentes objeto da presente controvérsia, ao argumento de que, em resumo "(...) as requeridas podem cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, e até em relação às sementes geneticamente modificadas (RR), conforme art. 10 da Lei de Cultivares, mas jamais sobre o produto vivo (soja)." (fl. 3391)

Em sede de apelação (fls. 3449/3535), por maioria de votos, o eg. Tribunal de origem reformou a sentença de modo a julgar improcedentes os pedidos, invertendo os ônus sucumbenciais. (fls. 4554/4568) Opostos embargos infringentes (fls.4598/4645), esses foram rejeitados, por maioria de votos. (fls. 5150/5282) Embargos de declaração foram acolhidos apenas para afastar a condenação em honorários advocatícios.

Daí a interposição de recurso especial, apresentado pelo SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO/RS e OUTROS, que, além de dissídio jurisprudencial, alegam violação dos artigos 2º, 7º e 10 da Lei 9.456/97 (Lei Proteção de Cultivares); do art. 2.1 da UPOV/78 (União para a Proteção das Obtenções Vegetais), promulgado pelo Decreto 3.109/99; dos arts. 18, III, parágrafo único, e 42 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Aduzem, em resumo, que: i) "(...) o acórdão dos Embargos Infringentes teve por entender que a cobrança de royalties, de condutas perfeitamente excepcionadas pelo ordenamento, seria admitida, uma vez que as Recorridas seriam titulares de uma patente, afeita ao processo de inserção de um gene (transgenia) na semente, então, protegível (e protegida) por cultivar." Dizem, outrossim, que "(...) Embora o acórdão reconhecesse a existência da Lei de Proteção de Cultivares e de toda a sua sistemática, entendeu-se que haveria eventual omissão inexistente entre os Sistemas Patentário e de Cultivares, tendo sido, desse modo, desconsiderada regra expressa da Lei de Proteção de Cultivares (artigo 2º), comando normativo obrigatório de Tratado Internacional ratificado (...) e também toda a ratio pertinente à construção deste arcabouço jurídico." Citam, nesse contexto, que "(...) o TJRS a quo (reformando a sentença de primeiro grau) - na crença de que o direito à propriedade industrial seria absoluto e na assunção de uma (inexistente) omissão regulatória entre os sistemas - entendeu, como ressaltado, pela prevalência da patente e de todas as regras que lhe são pertinentes - violando, assim, a sistemática expressa e cogente relaltiva à LPC." Argumentam, finalmente, que "(...) Apesar de ser permitido patenteamento de um processo de criação de um ser vivo transgênico, a Lei de Propriedade Industrial apresenta expressa vedação para patenteamento de produtos vivos, em seu artigo 18,

III.        Na hipótese, todo ou parte de seres vivos não são patenteáveis. A esta regra fogem apenas os 'microorganismos transgênicos", os quais a própria Lei conceitua como 'organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais." Indicam, em favor de sua tese recursal, dissídio jurisprudencial com julgados do TJ/MT e TJ/BA, corroborado com decisão da Corte Argentina. (fls. 5308/5335)

Admitido o processamento do apelo nobre (fls. 5503/5515), os autos ascenderam ao STJ sendo distribuídos à Relatoria deste signatário que, consoante a regra do art. 71, §1º, do RISTJ, determinou a redistribuição do feito a um dos integrantes da eg. Terceira Turma.

Após redistribuição, a Segunda Seção, em voto conduzido pela e. Relatora, Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, afetou o julgamento do presente recurso especial como incidente de assunção de competência, destacando o seguinte tema a ser objeto de deliberação: "(...) definir se é possível conferir proteção simultânea - pelos institutos da patente de invenção (Lei 9.279/96) e da proteção de cultivares (Lei 9.456/97) - a sementes de soja Roundup Ready, obtidas mediante a técnica da transgenia, e, como corolário, se é ou não facultado aos produtores rurais o direito de reservar o produto de seu cultivo para replantio e comercialização como alimento ou matéria prima, bem como o direito de pequenos agricultores de doar ou trocar sementes reservadas no contexto de programas oficiais específicos" (fls. 5900/5918).

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento do recurso especial. (fls. 6.005/6016)

Apregoado o feito na assentada do dia 12/06/2019, a e. Relatora, Min. Nancy Andrighi votou no sentido de negar provimento ao apelo recursal e, para efeito do art. 947 do CPC/15, formulou a tese repetitiva.

Dentre seus fundamentos, é possível destacar, em resumo:

i)                            "(...) Patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta";

ii)                           "(...) A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio.";

iii)                         "(...) O âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado.";

Ao final, para efeito do art. 947 do CPC/15, sua Excelência propôs a seguinte tese:

"as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 - aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares - não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais."

exame.

Iniciado o debate, este signatário solicitou vista dos autos para melhor

É o relatório.

Acompanha-se a e. Relatora.

1                 - Os métodos mais adequados de solução de conflitos e a alta capacidade litigiosa das partes. Direitos disponíveis.

Inicialmente, a fim de dar cumprimento à ideia de que compete a todos que participam da relação processual estimular a realização das práticas voltadas à resolução de conflitos por métodos alternativos à jurisdição tradicional, expediente que se tornou impositivo no novel Código de Processo Civil, a teor do art. 3º, § 3º, do CPC/2015, calha registrar e lamentar que, perante as instâncias ordinárias, foram tímidas as tentativas de utilização de tais instrumentos jurídicos vocacionados a conferir pacificação social, mormente considerando-se que, apesar de controvertida e complexa, a contenda ora em liça versa sobre direito disponível, passível, dessa forma, de acordo entre os ora litigantes.

É necessária, portanto, a mudança de mentalidade quanto aos métodos de solução de conflitos, tanto por parte dos jurisdicionados, quanto dos operadores do Direito.

2                 - Agronegócio Brasileiro - Breve Panorama. Relevante Importância Econômica e Social.

Antes de adentrar no mérito da controvérsia, reputa-se relevante destacar o panorama econômico e social da atividade do agronegócio brasileiro. Conquanto divulgada sua importância para composição do PIB (Produto Interno Bruto), quando há querelas de repercussão econômica, como esta ora em debate, impõe-se examinar determinados e específicos dados estatísticos acerca do agronegócio, sejam eles oficiais - oriundos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - ou de entidades que representam o setor - Confederação Nacional da Agricultura - os quais confirmam, de maneira objetiva e escorreita, a representatividade e relevância social do agronegócio na economia do país, porquanto os números, de fato, são superlativos.

Segundo referenciais fornecidos pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, no ano de 2016, a soma de bens e serviços gerados pelo agronegócio chegou a R$ 1,3 trilhão, equivalente a 23,6% do PIB brasileiro, valendo frisar, por oportuno, a participação, cada vez maior em tais números, da produção e exportação de grãos de soja, cujo valor bruto de produção (VBP) alcançou o importe, em 2018, de R$ 127,7 bilhões de reais. Confira-se: "cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro." (acesso em 24/09/2019)

Além disso, informações publicadas na página oficial do Ministério da Agricultura e Abastecimento indicam que, na safra de 2017/2018, a área total de plantações no Brasil alcançou o patamar de 61,7 milhões de hectares, resultando em colheita de grãos de 227,8 milhões de toneladas. Para o ano de 2019, espera-se o aumento da produtividade, de modo a resultar em 234,1 milhões de toneladas colhidas, em espaço territorial plantado de 62,6 milhões de hectares. "agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola/agropecuaria-brasileira-em-numeros."

Ou seja, é previsto o aumento na colheita de grãos, com pequeno incremento da área plantada, demonstrando-se, uma vez mais, a altíssima capacidade produtiva do agronegócio, resultado, sem dúvida, da excelente qualidade dos agricultores brasileiros, aliada às inovações tecnológicas existentes nos insumos por estes utilizados (máquinas, implementos agrícolas), bem como, destacadamente, a eficiência produtiva das sementes que, na hipótese dos autos, foram, de maneira incontroversa (fls. 2170/2216), desenvolvidas pelas ora recorridas e são capazes de resistir, com maior eficácia, aos efeitos dos defensivos agrícolas, em especial, o glifosato, propiciando, assim, melhor produtividade da lavoura sem, contudo, aumentar o espaço territorial cultivado.

É importante ressaltar essa perspectiva: a parceria existente entre o homem do campo, com sua expertise, seu labor e dedicação e o acesso a insumos agrícolas de alta capacidade produtiva releva-se absolutamente exitosa, sustentando, em grande parte, a composição do PIB Nacional, especialmente nos últimos anos em que, cediço, a economia do país enfrentou e ainda enfrenta dificuldades de recuperação. (cf. Lenta recuperacao da economia brasileira reflete problemas estruturais.  Disponível  em: https://www.poder360.com.br; PIB  do Brasil  só recuperou 30% do  que foi perdido na crise econômica.  Disponível em:https://exame.abril.com.br/economia/pib-do-brasil-so-recuperou-30-do-que-foi-perdi do-na-crise-economica. Acesso em 25/09/2019; Ipea prevê recuperação econômica gradativa   a    partir  de   2020.  Disponível   em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/06/27/ipea-preve-recuperacao-economica-g radativa-a-partir-de-2020.ghtml. Acesso em 25/09/2019; Economia brasileira mostra ritmo fraco  de  crescimento  neste    trimestre. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/economia-brasileira-mostra-ritmo-fraco-de-crescimento-neste-3o-trimestre.shtml. Acesso em 25/09/2019).

Nesse contexto, vale destacar que, atualmente, o agronegócio emprega 1 em cada 3 trabalhadores brasileiros, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios - PNAD, elaborado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vide: "https://www.cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro" (Acesso em 25/09/2019).

Evidentemente, aliada à questão econômica - e sua representatividade na composição do PIB Nacional -, e social - fundamentada na existência de postos de trabalhos -, encontra-se a necessidade de se observar a sustentabilidade ambiental, esta traduzida na exigência, prevista nos artigos 3º, II, e 12, ambos do Novo Código Florestal (Lei n.º 12.561/12), os quais, respectivamente, contêm previsão de manutenção, tanto de áreas de preservação permanentes, bem como de reservas legais, de modo a reafirmar a importância da função estratégica do agronegócio, aliado ao necessário respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a teor da exigência constitucional (art. 225, da CF).

Essas circunstâncias, vistas em conjunto, traduzem, inegavelmente, o sucesso da parceria entre os produtores rurais (pequenos, médios e grandes) e o desenvolvimento tecnológico, aqui demonstrado, pela soja transgênica denominada Roundup Ready (soja RR), criada e patenteada pelas ora recorridas e disponibilizada aos agricultores por meio do pagamento de royalties, cuja observância é medida que se impõe, nos termos do voto proferido pela e. Relatora.

3.                                         Do mérito recursal - delimitação normativa:

No que concerne à questão de mérito alçada neste recurso, observa-se que a discussão cinge-se, basicamente, em saber se a utilização de biotecnologia pelos produtores rurais, consubstanciada no cultivo de soja geneticamente modificada por intermédio da tecnologia conhecida como soja RR, submete-se à disciplina da Lei nº 9.279/96, que trata da proteção industrial, ou à Lei nº 9.456/97, que estabelece as diretrizes sobre a proteção de cultivares.

Definir a conformação legal sobre o tema implicará no exame acerca da necessidade, ou não, de os produtores terem que pagar uma denominada “taxa tecnológica”, consubstanciada em royalties, tanto sobre as sementes que reservam para si após a colheita, quanto sobre aquelas destinadas ao pós-plantio.

Daí o cerne da controvérsia porquanto, de um lado, aos recorrentes parece correto sustentar que os referidos royalties foram pagos quando da aquisição das sementes, nada mais sendo devido pelos produtores, seja quando reservam grãos, seja quando os utilizam para replantio, nos termos preconizados na Lei de Proteção de Cultivares. De outro lado, a recorrida expressa fundamento no sentido de que a utilização da Soja RR, pelos produtores rurais, enseja o pagamento de royalties, tanto na aquisição dos grãos, quanto na sua eventual reserva e no pós-plantio, nos termos da Lei de Proteção Industrial.

Nesse contexto, é incontroverso que a recorrida - MONSANTO - detém a patente de invenção (registrada no INPI sob n.º PI 110008-82), cuja inovação biotecnológica introduz modificações genéticas nas sementes de soja, tornando-a resistente a defensivos agrícolas, em especial, o glifosato, aumentando, por conseguinte, a produtividade por hectare plantado com esse insumo. Ou seja: introduziu-se, por técnica inovadora, melhoramento na estrutura íntima da soja, cujo resultado foi o aparecimento de uma variedade desse vegetal com melhor desenvolvimento, sobretudo em relação ao enfrentamento de determinados agentes biológicos artificiais (glifosato) e/ou naturais (pragas orgânicas).

Com efeito, cumpre gizar que o art. 18, da Lei de Patentes estabelece in verbis: Art. 18. Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os micro-organismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, previsto no art. 8º e que não sejam mera descoberta." (grifos nossos) O parágrafo único do referido dispositivo, complementa essa disposição ao definir que microorganismos transgênicos são aqueles "organismos que expressam, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais." (grifos nossos)

Daí a consequência lógica e inexorável no sentido de que, se o processo inventivo biotecnológico subjacente às sementes RR é patenteável - tanto que o próprio INPI concedeu o registro n.º 110008-82 - em razão da expressa exceção contida no dispositivo supramencionado, não há como excluir dessa possibilidade os efeitos decorrentes da proteção industrial, atinentes à defesa da patente, consoante dispõem os artigos 209 e 210, da Lei n.º 9.279/1996, quais sejam, a autorização de uso, bem como o pagamento de royalties.

A corroborar essa conclusão, a doutrina especializa sustenta "(...) Se uma patente é concedida, o titular do produto ou processo patenteado goza de ampla gama de direitos exclusivos conferindo ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar seu produto." (ut. OLIVEIRA NETO, Geraldo Honório. Manual de direito das patentes. São Paulo: Pilares, 2017, p. 171-173). Com outras palavras, mantendo-se, contudo, a ideia central, veja-se: "(...) O registro torna certa a data da apropriação da patente e fixa os seus elementos, além de fazer público o ato da apropriação. Mas o seu efeito principal, como declara a lei, é assegurar ao seu titular o direito ao uso exclusivo da patente e, como consequencia, o direito de impedir que outros a empreguem para o mesmo fim.[...] Assegurando ao proprietário da patente o direito ao seu uso exclusivo, o registro fixa, ao mesmo tempo, a extensão desse direito. A lei protege tudo o que se acha compreendido no registro no que respeita à composição da patente como no que se refere às suas aplicações." (ut. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Vol. 2. Tomo 2. Parte 3. Rio de Janeiro: Revista Forense,1956, p. 76-77)

Na mesma linha, vale conferir os estudos de: MANARA, Cecília. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo (Coords.). Propriedade intelectual em perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 10-11; BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 516-518; BARBOSA, Denis Borges. Sinais distintivos e tutela judicial e administrativa: o direito constitucional dos signos distintivos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11.

A propósito, precedentes da Casa perfilham conclusões semelhantes, exaradas em casos análogos, consoante as seguintes ementas:

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. MEDICAMENTOS. PATENTE MAILBOX. SISTEMA TRANSITÓRIO. ACORDO TRIPS. PRAZO DE VIGÊNCIA. REGRA ESPECÍFICA. 20 ANOS CONTADOS DA DATA DO DEPÓSITO. INPI. DESRESPEITO AO PRAZO LEGAL DE ANÁLISE. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSIÇÃO DOS ÔNUS DECORRENTES DA DEMORA À SOCIEDADE. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO PASSÍVEL DE GERAR TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO A SETORES TECNOLÓGICOS ESPECÍFICOS. TRATADO INTERNACIONAL E LEI INTERNA. PARIDADE HIERÁRQUICA. PRECEDENTE DO STF.

(...)

10-                       O autor do invento possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo referente ao requerimento depositado, além de indenização por exploração indevida de seu objeto, a partir da data da publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida).

Dessa forma, apesar da expedição tardia da carta-patente pelo INPI, a invenção do recorrente não esteve, em absoluto, desprovida de amparo jurídico durante esse lapso temporal.

11-                       Recurso especial não provido.

REsp 1721711 / RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 20/04/2018.

(grifos nossos)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. USO INDEVIDO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. INEXISTÊNCIA. DANOS MORAIS. PRESUNÇÃO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

[...] 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, na hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido de condenação do falsificador em danos materiais e morais deriva diretamente da prova que revele a existência de contrafação.

4.                                         No caso dos autos, a Corte de origem, analisando o acervo fático-probatório dos autos, reconheceu o uso indevido de marca pela agravante, que adotou a expressão de uso exclusivo da agravada, não especificando que se tratava de película escurecedora, porém não produzida pela empresa autora, o que impõe o dever de indenizar.

5.                                         Agravo interno a que se nega provimento.

AgInt no REsp 1444464/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 15/12/2017.

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PATENTE. CONTRAFAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

DESPROVIMENTO. I. "Na hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido de condenação do falsificador em danos materiais deriva diretamente da prova que revele a existência de contrafação, independentemente de ter sido, o produto falsificado, efetivamente comercializado ou não." (3ª Turma, REsp n. 466.761/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 04.08.2003). II. Agravo regimental desprovido.

AgRg no REsp 1097702/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,

QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 30/08/2010

E ainda: REsp 1327773/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018; AgRg no REsp 1396962/BA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 01/09/2014; REsp 1281448/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 08/09/2014.

Por sua vez, a variedade vegetal denominada cultivar é assim definida pelo art. 3º, IV, da Lei de Cultivares: "(...) Art. 3º. Considera-se, para os efeitos desta lei: (...) IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso complexo agro-florestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos." (grifos nossos) Ademais, o art. 2º, da referida lei estabelece que "(...) A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e a única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País." Finalmente, a redação do art. 8º, da Lei de Cultivares preconiza que "(...) A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira." (grifos nossos)

Desse modo, é importante registrar, em síntese, que a Lei n.º 9.456/97 objetiva amparar - por meio da concessão do Certificado de Proteção de Cultivar - e estimular o agricultor no desenvolvimento e melhoramento genético de plantas (cultivares) quando da realização, por exemplo, do cruzamento de espécies distintas e/ou inserção de elementos orgânicos novos, com o desiderato de melhor adaptá-las às variadas condições de solo, clima e regiões do país, de modo a possibilitar o incremento na produtividade da lavoura.

Nesse sentido, confiram-se estudos da doutrina especializada: Vasconcelos Neto, Orlando. Lei de Proteção de Cultivares. Melhoramento de Espécies Cultivadas. Revista da Universidade Federal de Viçosa/MG, 2009, p. 769-777; Galvão, Paulo André Martins. Direitos de Propriedade intelectual em inovações vegetais arbóreas para plantios florestais no Brasil. Ed. Colombo. Embrapa Florestas, 2001, p. 41.

Assim, é possível inferir que a lei de cultivares busca proteger/fomentar o desenvolvimento da planta por meio da atuação do agricultor melhorista, consistente no aprimoramento de elementos vegetais de plantas já existentes na natureza, levando-se em conta seus atributos, propriedades e qualidades originárias para fins de "multiplicação vegetativa da planta inteira", consoante dispõe a parte final do art. 8º da referida lei de regência da matéria.

A seu turno, conforme já destacado, o art. 18, III, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial confere àquele que demonstrar, perante o INPI, a criação biotecnológica - consubstanciada no desenvolvimento de "organismos que expressam, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais " - a concessão do registro de patente e, por conseguinte, de seus consectários legais.

Em outras palavras, por um lado, enquanto a Lei n.º 9.456/97 aplica-se àquele que possui o Certificado de Proteção Cultivar, obtido perante o Ministério da Agricultura, com prazo de validade de 10 (dez) anos, a fim de fomentar a reprodução e/ou desenvolvimento vegetativo da planta inteira e, por imperativo lógico, já existentes na natureza. Por outro lado, na lei de propriedade industrial exige-se que a obtenção do registro deve ser realizada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, após demonstração de seus correlatos requisitos - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - cuja validade varia de 10 a 20 anos, a teor do art. 40, do referido normativo, e tem como objeto a proteção de microorganismos geneticamente modificados pela atuação/intervenção humana "(...) não alcancável pela espécie em condições naturais." Assim, os objetos de proteção dos referidos instrumentos normativos - lei de cultivares e a lei de propriedade industrial - de fato, são distintos.

Contudo, quando da aplicação dos regramentos ora em tela, o intérprete deverá observar o caráter complementar existente entre os referidos comandos normativos, conforme indicou o próprio Relator da matéria no âmbito do Senado Federal

- Senador Jonas Pinheiro - ao apresentar, perante a Comissão de Assuntos Econômicos, material legislativo com a exposição dos objetivos da Lei de Cultivares - juntado às fls. 246/248 dos presentes autos - preconizando orientação segundo a qual "(...) A Lei de Proteção de Cultivares se complementa à Lei de Propriedade Industrial (Lei de Patentes), recentemente aprovada" (grifos nossos).

De rigor, portanto, que na hipótese de atuação dos agricultores (melhoristas) no desenvolvimento de cultivares, seu replantio, a reserva de sementes para utilização e/ou comercialização futura, impõe-se, em tais condutas, seja observada e respeitada a existência de patentes - como identificada na hipótese dos autos - e os consectários daí decorrentes, como a autorização de uso de seu titular, bem como o recolhimento de royalties e eventual indenização por utilização indevida, consoante dispõe a Lei de Patentes, em seus artigos 2º, 41, 42, 43 e 44.

Assim, sem deixar de estimular o agricultor no desenvolvimento e melhoramento genético de plantas (cultivares), com o objeto de melhor adaptá-las às variadas condições de solo, clima e regiões do país, de modo a possibilitar o incremento na produtividade da lavoura, de rigor a observância da eventual existência de patente de invenção, devidamente registrada no INPI, a incidir sobre sementes utilizadas na atividade do melhorista.

Portanto, demonstrada perante o INPI o exercício de uma atividade inventiva, esta compreendida no conceito segundo o qual trata-se "(...) de uma criação da inteligência humana, que se utiliza das forças naturais para a solução efetiva de um problema novo e que visa à satisfação das necessidades práticas ou de ordem técnica da humanidade." (ut. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Patente e biotecnologia. Revista de Direito Mercantil, São Paulo. n.º 216, p. 209), exige-se o respeito à Lei de Patentes, especialmente, no caso dos autos em que, de maneira incontroversa, a patente das ora recorridas foi concedida pelo INPI porque ficou demonstrado que as mesmas comprovaram o desenvolvimento inventivo consistente em "um conjunto de elementos genéticos organizados estruturalmente e ligados para codificar uma proteína com ação enzimática que confira tolerância ao herbicida glifosato.", consoante a carta de patentes juntadas às fls. 2170/2216.

Sendo assim, na hipótese de se constatar que, no exercício da atividade laboral do melhorista/agricultor, no desenvolvimento de cultivares a fim de obter a multiplicação vegetativa da planta inteira, a teor do art. 8º da Lei de Cultivares, houve a utilização de elementos decorrentes de processo inventivo, obtidos mediante o exercício de atividade inovadora, com aplicação industrial - tal como na hipótese dos autos em relação à soja Roundup Ready (RR) - e devidamente patenteado pelo INPI, há que se respeitar de maneira rigorosa e estrita a Lei de Propriedade Industrial e seus consectários, impondo-se, por conseguinte, a concessão de autorização de uso de seus respectivos titulares, bem como o pagamento de royalties, de modo a demonstrar, segundo escólio doutrinário, o "(...) balanceamento equitativo de direitos e obrigações, entre produtores e usuários de tecnologia, numa forma que conduza ao bem estar econômico e social." (ut. BARBOSA, Denis Borges. Propriedade Intelectual: a aplicação do acordo TRIPs. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 58/59.).

Na mesma linha, confira-se: LOUREIRO, Luiz Guilherme. Patente e biotecnologia. Revista de Direito Mercantil, São Paulo. n.º 216, p. 23-24; FIGUEIREDO, Luciana. Patentes em biotecnologia. Revista de Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento. n. 36, p. 34, 2016.

Sendo assim, exigindo-se do interessado ao registro de patente a efetiva demonstração de um resultado criativo - e não simples descoberta de algo já existente na natureza - que traga consigo a possibilidade de exploração industrial, é necessário, portanto, superado esse procedimento administrativo, a devida proteção ao inventor.

Com esse norte hermenêutico, é incontroverso, na hipótese dos autos (fls. 3/5, 451/518, 5308/5335), a utilização pelos ora recorrentes, no exercício da atividade de melhoramento de sementes (cultivares), em suas varias formas (plantio, replantio, reserva, cruzamento, etc), de elementos genéticos decorrentes de processo inventivo, obtidos em favor das ora recorridas, mediante o exercício de atividade inovadora e devidamente patenteado pelo INPI, sendo de rigor, consoante destacado alhures, observância à Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96), exigindo-se, por conseguinte, a autorização de uso de seus respectivos titulares, bem como o pagamento de royalties.

4. Do exposto, acompanha-se o voto proferido pela e. Relatora, Min. Nancy

Andrighi.

É o voto.