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Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.627.606/RJ, Rel. Ministro Villas Bôas Cueva, Segunda Turma, julgado em 02 março 2017

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.627.606 - RJ (2016/0127916-1)

 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : KORSA ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE SEGUROS LTDA - EPP ADVOGADOS : JORGE ALMIR GONÇALVES - RJ020829
MARCOS FABRÍCIO WELGE GONÇALVES - RJ104326 RECORRIDO : TOKIO MARINE SEGURADORA S.A
ADVOGADOS : GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO E OUTRO(S) - RJ012996 RODRIGO DE LIMA CASAES - RJ095957
EDUARDO SILVA LUSTOSA E OUTRO(S) - RJ131081 RAFAEL GERÔNIMO FALCÃO - RJ135925
GRAZIELA DE OLIVEIRA SOUZA E OUTRO(S) - SP253884 RODRIGO DE QUEIROZ FIONDA E OUTRO(S) - RJ155479

 

EMENTA

 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CORRETORA DE SEGUROS. CRIAÇÃO DE NOVA ESPÉCIE SECURITÁRIA. PROTEÇÃO AUTORAL. INEXISTÊNCIA. IDEIAS, PROJETOS E PLANOS DE NEGÓCIO. PATRIMÔNIO COMUM DA HUMANIDADE. PROPOSTA DE PARCERIA. ENTE SEGURADOR. RECUSA. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO SIMILAR. POSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE KNOW-HOW E CONCORRÊNCIA DESLEAL. DESCARACTERIZAÇÃO. QUEBRA DE CONFIANÇA E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. NÃO OCORRÊNCIA. RELAÇÃO TÍPICA ENTRE CORRETORA E SEGURADORA. COMERCIALIZAÇÃO DE APÓLICE DIVERSA.

 

1. Cinge-se a controvérsia a definir (i) se a criação de nova espécie de seguro (RC TRANS AMBIENTAL) possui a proteção da Lei de Direitos Autorais e (ii) se a seguradora, ao recusar parceria com a corretora de seguros que desenvolveu o seguro inédito e comercializar apólice similar, praticou conduta vedada, como a concorrência desleal por desvio de clientela e por uso de conhecimentos e informações sigilosos (know-how), enriquecendo ilicitamente.

 

2. O art. 7º da Lei nº 9.610/1998 garante a proteção de obras intelectuais, isto é, as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

 

3. Para não haver o engessamento do conhecimento bem como o comprometimento da livre concorrência e da livre iniciativa, a própria Lei de Direitos Autorais restringe seu âmbito de atuação, elencando diversas hipóteses em que não há proteção de exclusividade (art. 8º da Lei nº 9.610/1998).

 

4. O direito autoral não pode proteger as ideias em si, visto que constituem patrimônio comum da humanidade, mas apenas as formas de expressá-las. Incidência do princípio da liberdade das ideias, a proibir a propriedade ou o direito de exclusividade sobre elas.

 

5. Não há proteção autoral ao contrato por mais inovador e original que seja; no máximo, ao texto das cláusulas contido em determinada avença (isto é, à expressão das ideias, sua forma literária ou artística), nunca aos conceitos, dispositivos, dados ou materiais em si mesmos (que são o conteúdo científico ou técnico do Direito).

 

6. A Lei de Direitos Autorais não pode tolher a criatividade e a livre iniciativa, nem o avanço das relações comerciais e da ciência jurídica, a qual ficaria estagnada com o direito de exclusividade de certos tipos contratuais.

 

7. É possível a coexistência de contratos de seguro com a mesma temática (seguro de responsabilidade civil com cobertura para danos ambientais em transporte de cargas), comercializados por corretoras e seguradoras distintas sem haver violação do direito de autor. Licitude do aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras sem ocorrer infração à legislação autoral, sendo livre o uso, por terceiros, de ideias, métodos operacionais, temas, projetos, esquemas e planos de negócio, ainda que postos em prática, para compor novo produto individualizado, não podendo ser exceção a exploração de determinado nicho no mercado securitário, que ficaria refém de eventual monopólio.

 

8. Não há falar em concorrência entre corretora de seguros e entidade seguradora, já que atuam em ramos econômicos distintos, sendo descabida qualquer alegação de competição desonesta. Falta de demonstração de concorrência desleal no uso de conhecimentos e informações e no desvio de clientela.

 

9. Inexiste usurpação de know-how quando seguradora e corretora trabalham em conjunto para desenvolver produto com a expertise de cada uma, não havendo também confidencialidade das informações técnicas envolvidas, típicas da atividade de corretagem, a gerar apenas aviamento.

 

10. Não configura quebra de confiança legítima ou enriquecimento ilícito a comercialização, por seguradora, de apólice nova, diversa da idealizada por corretora, mesmo sendo de mesma temática.

 

11. Recurso especial não provido.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

Brasília (DF), 02 de maio de 2017(Data do Julgamento)

 

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.627.606 - RJ (2016/0127916-1)

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

 

Trata-se de recurso especial interposto por KORSA ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE SEGUROS LTDA. - EPP, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

 

Noticiam os autos que a recorrente ajuizou ação de reparação de dano combinado com pedido de abstenção de uso contra REAL CORRETORA DE SEGUROS S.A. e TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. (sucessora da REAL SEGUROS S.A.) visando o reconhecimento de quebra de confiança na relação contratual, de concorrência desleal e de violação de direitos autorais quanto à comercialização do seguro ambiental denominado RC TRANS AMBIENTAL.

 

Alegou que é empresa especialista em gestão de riscos e seguros, com foco no mercado de transporte, e que, a partir de 2001, desenvolveu seguro inédito e específico, apto a garantir danos ambientais ocorridos durante o transporte de carga. Após, firmou parceria com a REAL SEGUROS para a comercialização das apólices, sendo atribuído a esta direito exclusivo como seguradora e, a si mesma, direito exclusivo como corretora, de modo que, se o seguro fosse negociado por outros corretores, deveria receber royalties.

 

Acrescentou, todavia, que, em setembro de 2006, a REAL SEGUROS manifestou-se no sentido de que não poderia realizar o contrato de prestação de serviço (parceria) como proposto e que estaria em fase de conclusão e de aprovação na Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) novo seguro de RC ambiental, o qual não possuiria exclusividade de produtos e condições. Afirmou que logo depois as demandadas comercializaram tal seguro em todas as agências e sucursais, causando-lhe prejuízos, já que deixaram de observar os princípios da boa-fé e da confiança legítima, bem como outras normas de proteção comercial.

 

O magistrado de primeiro grau, entendendo que a primeira ré - REAL CORRETORA DE SEGUROS S.A. - careceria de legitimidade passiva, julgou, com relação à ela, extinto o processo sem análise do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código Civil de 1973 (CPC/1973). Quanto à segunda ré, julgou parcialmente procedente o pedido da inicial para condená-la ao pagamento de danos materiais "(...) a serem apurados através de liquidação de sentença, levando-se em consideração o percentual de 20% de todas as vendas do seguro 'RC TRANS AMBIENTAL' negociados sem a participação da autora, conforme as diretrizes acima traçadas, com juros e correção monetária" (fl. 1.051), visto que entendeu comprovado que o seguro desenvolvido pela demandante era inovador, sendo uma obra intelectual protegida, e que a ré a utilizou indevidamente, obtendo lucros com o know how desenvolvido, a caracterizar concorrência desleal.

 

Os embargos de declaração opostos pela autora foram acolhidos em parte para suprir omissão quanto ao pedido de abstenção de uso do aludido seguro sem a sua autorização.

 

Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação. O apelo da TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. foi provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na exordial, ao passo que o apelo da KORSA ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE SEGUROS LTDA. - EPP foi julgado prejudicado.

 

O acórdão ficou assim ementado:

 

"INDENIZATÓRIA. CORRETAGEM. SEGURO. ESPÉCIE SECURITÁRIA. INEXISTÊNCIA DE BEM IMATERIAL, CONCORRÊNCIA DESLEAL, KNOW-HOW, LEGÍTIMA CONFIANÇA, DANO.

 

1. Trata-se basicamente de ação indenizatória ajuizada contra seguradora por corretora de seguros, que sustenta, além da quebra de confiança na relação, ter criado um bem imaterial passível de proteção autoral consistente no seguro de danos ambientais no transporte de cargas;

 

2. Não assiste razão à corretora, primeira Apelante, pois não há que se falar em bem imaterial conforme pretendido; a rigor, a captação das necessidades da demanda, a gestão dessas informações e consequente formulação de proposta à seguradora, ora segunda Apelante, traduz um exercício empresarial ativo de corretagem, que redunda em um aviamento, sem configurar necessariamente um bem incorpóreo que se agregue ao estabelecimento empresarial;

 

3. Também não há que se falar em concorrência desleal, seja porque não configurado desvio de clientela, seja porque não restou configurada a confidencialidade das informações envolvidas;

 

4. Ademais, não há que se falar em know-how, pois não configurado o segredo industrial a fundamentar a regra protetiva da lei de propriedade industrial, seja porque aquela falta de confidencialidade não reflete o caráter de segredo, seja porque as informações técnicas envolvidas fazem parte do mister de uma seguradora e não de uma corretora;

 

5. Quanto à legítima confiança, esta também não restou configurada, pois não se trata de um estado psicológico, mas de adesão ao sentido objetivo extraído do fato, ou melhor, das características e práticas da relação entabulada entre as partes, e na espécie não foi apresentado pela segunda Apelante nada que pudesse criar expectativa para além de uma relação típica entre seguradora e corretora que lhe apresenta proposta de mercado;

 

6. Nesse diapasão, o dano material não foi provado, pelo que não há extensão a ser apurada em sede liquidatária conforme determinado na origem, certo que o seguro que vem sendo comercializado pela segunda Apelante não é aquele gerador de conflito;

 

7. Prejudicado o primeiro recurso e dado provimento ao segundo recurso para reformar a sentença, declarando-se a improcedência do pedido e invertida a sucumbência" (fls. 1.169/1.170).

 

Os embargos de declaração opostos foram acolhidos com efeitos infringentes (fls. 1.212/1.225) em aresto assim ementado:

 

"APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ACOLHIMENTO DE OMISSÃO A ENSEJAR EFEITO INTEGRATÓRIO DO JULGADO, DE MODO A EMPRESTAR-SE EXCEPCIONALÍSSIMO FEITO INFRINGENTE - IMPERATIVIDADE DE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA E DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS INTERPOSTOS PELAS PARTES - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS DECORRENTES DE USURPAÇÃO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL REVESTIDA DE CRIATIVIDADE E INEDITISMO - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE SINALIZA A CRIAÇÃO DO PRODUTO COMERCIALIZADO A TÍTULO DE SEGURO AMBIENTAL, SOBRE O QUAL VEM A EMBARGADA SE APROVEITANDO SEM COMPARTILHAR OS RENDIMENTOS AVENÇADOS COM A EMBARGANTE - CONVENCIMENTO EXTRAÍDO PELO JUÍZO PRIMEVO QUE DEVE SER PRESTIGIADO PARA EVITAR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - EMBARGOS CONHECIDOS E PROVIDOS PARA NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSO DE APELAÇÃO" (fl. 1.212).

 

Seguiu-se a interposição de recurso especial por TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. (fls. 1.243/1.258) que, inadmitido na origem (fls. 1.277/1.279), ensejou a interposição de agravo em recurso especial (fls. 1.285/1.301), autuado nesta Corte sob o nº 302.261/RJ.

 

Referido recurso foi provido por violação do art. 535 do CPC/1973, a fim de anular o acórdão que julgou os aclaratórios, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para novo julgamento (fls. 2.094/2.100 e 2.133/2.142).

 

Renovado o julgamento na origem, os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 2.147/2.152), recebendo a seguinte ementa:

 

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REPRODUÇÃO INTEGRAL DA PEÇA INICIAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO.

 

1. O autor ficou vitorioso na sentença. Em grau de apelação, esta Câmara deu provimento ao recurso da parte ré e julgou improcedente o pedido. Ato contínuo, o autor deduziu Embargos de Declaração onde obteve efeitos infringentes, logrando a manutenção da sentença que lhe era favorável. Esse resultado, contudo, foi alterado em sede de Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AgRg no AREsp n° 302.261/RJ) no qual foi anulado o acordão proferido nos aclaratórios, motivando novo julgamento;

 

2. O embargante repete toda a matéria veiculada em sua peça inicial, temática integralmente apreciada por ocasião do acórdão embargado, motivo pelo qual inexistem as omissões apontadas, tampouco a obscuridade alegada, e as contradições se revelam flagrantemente externas, o que conduz à conclusão de que o presente recurso foi manejado com forte objetivo de resistência e inconformismo frente ao sentido dado à imagem da situação jurídica apresentada;

 

3. Ao caso aplicam-se as Súmulas 170 e 172 do TJRJ;

 

4. Releva notar, ademais, que no acórdão proferido pela Corte Superior restou evidente a inexistência dos requisitos do art. 535 do CPC;

 

5. Em função da abordagem exauriente do acórdão, não cabe manejar embargos de declaração, escudando-se na excepcionalidade dos efeitos infringentes, para fazer desse recurso as vezes de um apelo contra o acórdão;

 

6. Negado provimento aos Declaratórios" (fls. 2.148/2.149).

 

No especial, a recorrente aponta violação dos arts. 7º, XIII, da Lei nº 9.610/1998, 195, III e XI, da Lei nº 9.279/1996 e 884 do Código Civil (CC).

 

Aduz, em síntese, que identificou um nicho de mercado, criando modelo específico de seguro de responsabilidade civil com cobertura para danos ambientais em transporte de cargas (RC TRANS AMBIENTAL). Acrescenta que o desenvolvimento de tal contrato, original e inovador, demandou conhecimentos, pesquisas e estudos para a produção de parâmetros e estrutura da apólice. Alega, assim, que é detentora de bem imaterial, merecendo, pois, a proteção da Lei de Direitos Autorais, a qual não foi observada pela recorrida.

 

Argui que o acórdão impugnado incorreu em error in judicando, como se extrai do seguinte trecho das razões recursais:

 

"(...)

 

Os errores in judicando que constam no v. acórdão, decorrem da interpretação equivocada e contraditória, do não reconhecimento do direito e da não aplicação das normas legais, conforme se demonstrará.

 

i) error in judicando: do não reconhecimento do seguro como um bem imaterial; industrial; desleal; industrial; e

 

ii) error in judicando: da não aplicabilidade da lei de direito autoral;

 

iii) error in judicando: do não reconhecimento do know-how;

 

iv) error in judicando: da não aplicabilidade da lei de direito

 

v) error in judicando: do não reconhecimento da concorrência

 

vi) error in judicando: da não aplicabilidade da lei de direito

 

vii) error in judicando: da não aplicação da proteção ao aviamento;

 

viii) error in judicando: da não aplicação do enriquecimento sem causa" (fl. 2.164).

 

Busca, enfim, a condenação da seguradora a reparar os prejuízos que lhe foram causados com a comercialização dos mesmos tipos securitários sem a sua participação, sob os seguintes argumentos:

 

"(...)

 

Primeiramente, o 'seguro', criado pela autora recorrente, é uma criação intelectual.

 

Trata-se de um bem imaterial incorpóreo original que possui características e contornos próprios.

 

A criação intelectual, em questão, goza de proteção conforme reza o disposto no inciso XIII, do artigo 7, da Lei de Direitos Autorais.

 

Em segundo, o bem imaterial foi criado a partir da criatividade e originalidade com base em todo um know how.

 

Em terceiro, configurou-se a concorrência desleal, no uso de conhecimentos e informações, com base no artigo 195, inciso XI, da Lei de Propriedade Industrial.

 

Em quarto, configurou-se a concorrência desleal, no desvio de clientela, com base no artigo 195, incisos III da Lei de Propriedade Industrial.

 

Em quinto, pode-se afirmar, que o 'seguro' constituiria como parte de aviamento e fundo de comércio da autora recorrente.

 

Em sexto, e por fim, mesmo negando a existência de um bem imaterial, não se pode negar a ocorrência do instituto do enriquecimento sem causa" (fls. 2.178/2.179).

 

Após a apresentação de contrarrazões (fls. 2.186/2.199), o recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 2.203/2.204), mas, por ter sido provido agravo (fls. 2.244/2.246), foi determinada a reautuação do feito.

 

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.627.606 - RJ (2016/0127916-1)

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

 

Cinge-se a controvérsia a definir (i) se a criação de nova espécie de seguro (RC TRANS AMBIENTAL) possui a proteção da Lei de Direitos Autorais e (ii) se a seguradora, ao recusar parceria com a corretora de seguros que desenvolveu o seguro inédito e comercializar apólice similar, praticou conduta vedada, como a concorrência desleal por desvio de clientela e por uso de conhecimentos e informações sigilosos (know how), enriquecendo ilicitamente.

 

1. Da criação de nova espécie securitária e do Direito Autoral

 

A recorrente, empresa especializada em gestão de riscos e seguros, com foco no mercado de transporte, alega que identificou um nicho de mercado, criando modelo específico de seguro de responsabilidade civil com cobertura para danos ambientais em transporte de cargas (RC TRANS AMBIENTAL). Acrescenta que o desenvolvimento de tal contrato, original e inovador, demandou conhecimentos, pesquisas e estudos para a produção de parâmetros e estrutura da apólice, sendo, portanto, detentora de bem imaterial.

 

Nesse passo, cumpre saber se a criação de seguro inédito encontra proteção na Lei de Direitos Autorais, já que não se trata de propriedade industrial (patente, marca, indicação geográfica ou desenho industrial).

 

O art. 7º da Lei nº 9.610/1998 garante a proteção de obras intelectuais, isto é, as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, a exemplo dos textos de obras literárias, artísticas ou científicas; das adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; e das coletâneas ou compilações, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

 

Todavia, para não haver o engessamento do conhecimento bem como o comprometimento da livre concorrência e da livre iniciativa, a própria Lei de Direitos Autorais restringe seu âmbito de atuação, elencando diversas hipóteses em que não há proteção de exclusividade, como as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos; os esquemas, planos ou regras para realizar negócios; as normas jurídicas e atos oficiais; e o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.

 

A propósito:

 

"Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; (...)
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
(...)
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
(...)
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; (...)
IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
(...)
VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.
"
(grifou-se)

 

Assim, o direito autoral não pode proteger as ideias em si, visto que constituem patrimônio comum da humanidade. Incide, portanto, o princípio da liberdade das ideias, a proibir a propriedade ou o direito de exclusividade sobre elas.

 

De igual modo, processos, sistemas, métodos operacionais, projetos, conceitos, princípios, descobertas, planos estratégicos, se não forem patenteáveis, não encontram guarida no direito de autor.

 

Um tema explorado em determinada obra, pode ser retomado em outras sem haver imitação, por mais inovador que seja. Nesse contexto, não há plágio se a obra contiver individualidade própria, centrada na criatividade, embora possam existir semelhanças oriundas da identidade do objeto.

 

Nesse sentido, por esclarecedora, cabe conferir a seguinte lição de José de Oliveira Ascensão:

 

"(...)
17. Idéias, processos, temas
I - Criações do espírito são as idéias.
Mas sustenta-se categoricamente que não há propriedade ou exclusividade de idéias. As idéias, uma vez concebidas, são patrimônio comum da humanidade. É inimaginável um sistema em que as idéias de alguém fossem restritas na sua utilização.
(...)
II - Processos.
Também não podem ser tutelados os processos, seja de que gênero forem.
Assimilam-se-lhes os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios e as descobertas.
A obra não é uma idéia de ação. Um plano de estratégia militar não é a obra que nos interessa.
O problema tem sido muito discutido a propósito de esquemas publicitários, e guiões para concursos de televisão, etc. Aqui a idéia comandaria uma determinada execução, que se visaria proibir. Mas esta proteção, ou cabe em qualquer dos quadros da propriedade industrial, ou não se admite.
A idéia em si, quer seja ou não reitora de atividade humana de execução, não é objeto de proteção em termos de direito de autor.

(...)
III - Temas
Enfim, também não são protegidos os temas.
Por mais extraordinário, um tema pode ser milhares de vezes retomado. Uma Inês de Castro não preclude todas as outras glosas do tema. Um filme sobre um extraterrestre, por mais invectivo, não impede a erupção de uma torrente de obras centradas no mesmo tema.

(...)
24. A tutela dos projetos
I - Ocorre perguntar se os meros projetos de atuação futura, por qualquer modo exteriorizados, podem ser protegidos como obras literárias ou artísticas.
A resposta é negativa. O projeto em si não merece tutela. O Direito de Autor tutela exteriorizações, abstraindo da sua qualificação possível como projetos ou esquemas de ação.

Assim, o roteiro dum filme, se for protegido, é-o como obra literária por si, e nunca como etapa na realização da obra cinematográfica final. O roteiro não é seguramente obra cinematográfica, o plano de realização do filme não cai na tutela do Direito de Autor."

(ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, págs. 28-38 - grifou-se)

 

Relevantes também são as seguintes reflexões feitas pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no REsp nº 1.528.627/SC (DJe 14/3/2017), quando tratou das consequências negativas que surgiriam caso as ideias fossem apropriáveis:

 

"(...)
Segundo preconiza o art. 7º da Lei n. 9.610/98, em seu caput, são protegidas as obras intelectuais que configuram criação do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. (...)
Deve-se averiguar, porém, em que extensão se dá essa proteção.
O referido inciso I já sinaliza que a proteção de que gozam as obras literárias e científicas limitam-se ao seu texto.
Ademais, o art. 8º do referido diploma expressamente exclui do âmbito de proteção dos direitos autorais as ideias.
É basilar na seara dos Direitos Autorais o pressuposto de que, se as obras em si estão sob a proteção dos direitos de autor, as ideias de que decorrem não encontram a mesma proteção.
Esta regra se justifica na própria finalidade dos direitos autorais, que é servir de incentivo à produção artística, científica e cultural, de modo a fomentar o desenvolvimento e incentivar a cultura.

Por meio do reconhecimento de direitos exclusivos sobre sua criação intelectual, o ordenamento jurídico busca incentivar os autores à produção criativa e original formadora da cultura brasileira e da identidade nacional.
Para o cumprimento dessa finalidade, ao autor de obra considerada protegida é conferido o monopólio de sua exploração, dependendo de sua prévia e expressa autorização qualquer forma de utilização da obra.
Exatamente por este motivo, o ordenamento protege apenas e tão somente a forma de expressão utilizada na obra, e não a ideia nela contida, que se encontra em domínio público e pode ser por todos utilizada.
Se ideias fossem apropriáveis por aquele que primeiro as tivesse, haveria, sem dúvida, um engessamento das artes e das ciências, cujo desenvolvimento dependeria, sempre, da autorização de quem previamente detivesse os direitos àquela ideia, o que não se coaduna com a finalidade própria da proteção da propriedade intelectual e tampouco com os objetivos da República elencados na Constituição Federal.

(...)
Conclui-se, assim, que os direitos autorais de que goza a autora não têm a extensão que ela pretende, de modo que, não tendo havido a transcrição literal de seu trabalho, ou a cópia de trechos literários ou artísticos nele eventualmente constantes, não há falar em ofensa a seus direitos."
(grifou-se)

 

Sobre o tema relacionado ao âmbito de proteção autoral das ideias, este Tribunal Superior já decidiu que o conceito do projeto "Orelhão Amigo", apesar de inovador e original, não estava protegido pela Lei de Direito Autoral. Do mesmo modo, não merecia amparo no direito do autor ideias, métodos e planos para otimização de comercialização de títulos de capitalização destinados à aquisição de motos ("Moto Fácil").

 

Eis as ementas de referidos julgados, respectivamente:

 

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REPARATÓRIA. LEI DE DIREITOS AUTORAIS INAPLICÁVEL À LIDE. ART. 8º DA LEI N. 9.610/1998. IDÉIAS, MÉTODOS E PROJETOS NÃO SÃO PASSÍVEIS DE PROTEÇÃO AUTORAL.

 

1. Ação de reparação distribuída em 08.03.2002, da qual foi extraída o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 16.01.2014.

 

2. Cinge-se a controvérsia em saber se o projeto desenvolvido pela recorrente fora plágio daquele idealizado pelo recorrido.

 

3. O art. 8º da Lei n. 9.610/1998 veda, de forma taxativa, a proteção como direitos autorais de ideias, métodos, planos ou regras para realizar negócios. Nessa linha, o fato de uma idéia ser materializada não a torna automaticamente passível de proteção autoral. Um plano, estratégia, método de negócio, ainda que posto em prática, não é o que o direito do autor visa proteger. Assim, não merece proteção autoral ideias/métodos/planos para otimização de comercialização de títulos de capitalização destinados à aquisição de motos.

 

4. Admitir que a Lei ponha métodos, estilos ou técnicas dentre os bens protegidos seria tolher, em absoluto, a criatividade. (REsp 906.269/BA, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29/10/2007)

 

5. Recurso especial provido." (REsp nº 1.418.524/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJe 15/5/2014 - grifou-se)

 

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. LEI DE DIREITOS AUTORAIS INAPLICÁVEL À LIDE. ART. 8º DA LEI N. 9.610/1998. IDEIAS, MÉTODOS E PROJETOS NÃO SÃO PASSÍVEIS DE PROTEÇÃO AUTORAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.

 

1. O art. 8º da Lei n. 9.610/1998 veda, de forma taxativa, a proteção como direitos autorais de ideias, métodos, planos ou regras para realizar negócios. Nessa linha, o fato de uma idéia ser materializada não a torna automaticamente passível de proteção autoral. Um plano, estratégia, método de negócio, ainda que posto em prática, não é o que o direito do autor visa proteger. Assim, não merece proteção autoral ideias/métodos/planos para otimização de comercialização de títulos de capitalização destinados à aquisição de motos.

 

2. Admitir que a Lei ponha métodos, estilos ou técnicas dentre os bens protegidos seria tolher, em absoluto, a criatividade. (REsp 906.269/BA, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2007, DJ 29/10/2007, p. 228)

 

3. 'Também não podem ser tutelados os processos, seja de que gênero forem. Assimilam-se-lhe os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios e as descobertas. A obra não é uma idéia de ação. Um plano de estratégia militar não é a obra que nos interessa. [...] A idéia em si, quer seja ou não reitora de atividade humana de execução, não é objeto de proteção em termos de direito de autor.' (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed., ref. e ampl. Rio de Janeiro: renovar, 1997. p. 29).

 

4. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os paradigmas, o que não é o caso dos autos.

 

5. Recurso especial não provido." (REsp nº 1.338.743/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, DJe 17/10/2013 - grifou-se)

 

Como visto, o Direito Autoral não protege ideias, planos, conceitos, sistemas ou métodos, mas apenas as formas de expressá-las.

 

Logo,

 

"(...) embora um artigo de uma revista, ensinando como ajustar o motor de um automóvel, seja protegido pelo Direito Autoral, esta proteção se estende somente à expressão das idéias, fatos e procedimentos no artigo, não às idéias, fatos e procedimentos em si mesmos, não obstante quão criativos ou originais eles possam ser. Qualquer um pode usar as idéias, fatos e processos existentes no artigo para ajustar um motor de automóvel, ou para escrever outro artigo sobre a mesma matéria.

 

Ou seja, ainda que houvesse proteção a planos de seguros, tal proteção não se estenderia jamais ao exercício da venda de seguros no mercado. Nem plano de seguros é obra de arte, nem venda de seguros é representação de obra de arte. Fosse artístico o plano de seguros, ainda assim a proteção se estenderia exclusivamente à expressão da idéia, nunca à idéia do plano, e muito menos à sua realização."
(BARBOSA, Denis Borges. Pão quente, planos de seguros e direitos autorais. Jun. 1998. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/pao_quente.pdf>. Acesso em: 24 de mar. 2017- grifou-se)

 

Conclui-se, assim, que não há proteção autoral ao contrato por mais inovador e original que seja; no máximo, ao texto das cláusulas contido em determinada avença (isto é, à expressão das ideias, sua forma literária ou artística), nunca aos conceitos, dispositivos, dados ou materiais em si mesmos (que são o conteúdo científico ou técnico do Direito).

 

Ao contrário, admitir que a Lei de Direitos Autorais ponha métodos, estilos e técnicas (contratuais ou não) dentre os bens passíveis de proteção tolheria não só a criatividade e a livre iniciativa, mas também o avanço das relações comerciais e da ciência jurídica, a qual ficaria estagnada com o direito de exclusividade de certos tipos contratuais.

 

No caso dos autos, como aduzido pela recorrente, a seguradora não fez uso indevido dos textos do clausulado relativo ao seguro RC TRANS AMBIENTAL, mas apenas comercializou com outra corretora produto similar, a saber, novo seguro aprovado pela SUSEP de responsabilidade civil com cobertura para danos ambientais em transporte de cargas.

 

Como explanado, é possível o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras sem ocorrer infração à legislação autoral, sendo livre o uso, por terceiros, de ideias, métodos operacionais, temas, projetos, esquemas e planos de negócio, ainda que postos em prática, para compor novo produto individualizado, não podendo ser exceção a exploração de determinado nicho no mercado securitário, que ficaria refém da recorrente com seu pretendido monopólio.

 

Em outras palavras, é possível a coexistência de contratos de seguro com a mesma temática comercializados por corretoras e seguradoras distintas sem haver violação do direito de autor.

 

2. Da concorrência desleal, do know-how e do enriquecimento ilícito

 

Falta saber se a seguradora, ao recusar a parceria com a recorrente e comercializar seguro de responsabilidade civil ambiental similar ao RC TRANS AMBIENTAL, praticou conduta vedada, como a concorrência desleal por desvio de clientela e por uso de conhecimentos e informações sigilosos (know-how), tendo enriquecido ilicitamente.

 

Como cediço, o corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado (art. 1º da Lei nº 4.594/1964).

 

A recorrente é uma corretora de seguros, ao passo que a recorrida é uma entidade seguradora. Como atuam em ramos econômicos distintos, não há falar em concorrência entre elas, devendo ser repelida, de plano, qualquer alegação de competição desonesta.

 

Ademais, apesar de a autora ter identificado novo nicho de mercado, qual seja, o de seguro específico para danos ambientais em transporte de carga, não poderia comercializar a apólice, pois tal atividade é exclusiva de seguradoras. Assim, foi necessário o trabalho conjunto com a demandada, de modo que cada uma contribuiu com seu know-how e expertise para desenvolver o produto, que foi vendido a alguns clientes.

 

Em vista disso, verifica-se que não existiu nenhuma usurpação de know-how com o término da parceria entre as partes, haja vista a falta de confidencialidade da atividade, sobretudo porque as informações técnicas que se pretende indenizar concernem ao mister de uma seguradora e não de uma corretora.

 

Com efeito, inexistiu segredo a ser protegido, apenas desdobramento do serviço típico de corretagem, cumprindo asseverar que o mero exercício ativo de corretor em mercados pouco explorados redunda em aviamento, dada a habilidade empresarial envolvida, sem configurar necessariamente um bem incorpóreo que se agregue ao estabelecimento.

 

A propósito, destaca-se o seguinte trecho do acórdão estadual:

 

"(...)
E aqui cabe um adendo, não há nos autos qualquer prova de que a corretora de seguros tenha levado a efeito um trabalho técnico 'a substituir' o estudo feito pela seguradora na análise da viabilidade da proposta apresentada por aquela. Sendo certo que a formação de uma equipe técnica que pudesse tornar um tanto mais cognoscíveis as necessidades de frutuoso cliente (BR Distribuidora), trabalho que culminou na planilha de fl. 60, data venia, não é mais que a representação do que acima aludido, ou seja, a atuação diferenciada no exercício empresarial"
(fl. 1.172 - grifou-se).

 

Logo, como assinalado pelo Tribunal local, a alegada concorrência desleal não foi comprovada, seja porque não restou configurada a confidencialidade das informações envolvidas, seja porque não foi demonstrado desvio de clientela, havendo notícia nos autos de que a empresa corretora "(...) carregou consigo sua carteira a fim de operar com outra seguradora" (fl. 1.171).

 

De mais a mais, não ocorreu quebra de confiança legítima, já que não foi criada nenhuma expectativa de algo além da relação típica entre seguradora e corretora de seguros, visto que aquela tão somente aceitou garantir propostas de mercado que lhe foram por esta apresentadas, a qual foi devidamente remunerada pelos serviços de corretagem.

 

Da dinâmica da relação, extrai-se que não ficou caracterizada má-fé com a atitude da seguradora, pois, "(...) a rigor, em nenhum momento (...) aderiu a qualquer exclusividade, parceria, prestação de serviços, nada além de uma relação entre comitente e comissionado" (fls. 1.174/1.175).

 

Enfim, também não houve enriquecimento ilícito da seguradora, ainda mais considerando que, após a negativa de parceria, não comercializou apólices RC TRANS AMBIENTAL, mas de novo produto de RC Ambiental registrado na SUSEP.

 

Por pertinentes, vale conferir as seguintes ponderações feitas pelo acórdão impugnado:

 

"(...)
(...) Ora, o art. 1º da Lei nº 4.594/64 revela que o corretor de seguros é o intermediário legalmente autorizado a 'angariar' e a 'promover' contratos de seguros. Angariar significa obter, arranjar, atrair a si; e promover, por sua vez, significa fomentar, dar impulso a. Dentro desses limites semânticos é que atua um corretor de seguros, pessoa física ou jurídica.
Parece pouco mais que evidente a subsunção na espécie aos limites acima expostos, e dentro desse trabalho de angariar e promover, que comporta os riscos específicos do negócio, notadamente quando o corretor busca aumentar suas possibilidades de lucro, poder-se-ia suscitar não necessariamente um decantado bem imaterial em termos de propriedade industrial, mas, sim, o aviamento gerado pela habilidade empresarial culminando em incrementos organizacionais que traduza o diferencial frente a outras organizações empresariais atuantes no mercado.
(...)
(...) sendo certo que nunca restou confirmada qualquer espécie de exclusividade, malgrado a pretensão publicada da corretora. De mais a mais, há notícia nos autos de que esta carregou consigo sua carteira a fim de operar com outra seguradora.
Essas razões fazem com que não se possa acolher a tese da concorrência desleal lançada pela primeira Apelante em sua peça vestibular. Retomando, a atividade de perceber o nicho e suas possibilidades — habilidade empresarial —, receber as demandas, constituir eventualmente uma equipe técnica para traduzir as informações de sorte a apresentar uma proposta atraente à sociedade de seguros, consiste em desdobramento mesmo do mister de um corretor que atua ativamente para aumentar a sua própria margem de lucro.
Evidentemente esse trabalho do corretor de seguros, na parte a informação e sua gestão, notadamente em nichos mais específicos, reflete uma importância, enquanto condição de possibilidade, a ser considerada nas ofertas de cobertura lançadas no mercado, que é produto de um trabalho conjunto, pois sem a análise técnica daquele que efetivamente vai cobrir o risco não há falar em seguro.

E aqui cabe um adendo, não há nos autos qualquer prova de que a corretora de seguros tenha levado a efeito um trabalho técnico 'a substituir' o estudo feito pela seguradora na análise da viabilidade da proposta apresentada por aquela. Sendo certo que a formação de uma equipe técnica que pudesse tornar um tanto mais cognoscíveis as necessidades de frutuoso cliente (BR Distribuidora), trabalho que culminou na planilha de fl. 60, data venia, não é mais que a representação do que acima aludido, ou seja, a atuação diferenciada no exercício empresarial.
(...)
(...) quanto às informações colhidas no mercado de consumo, atinentes às demandas e necessidades a serem preenchidas por ofertas específicas, (...) não existe qualquer decantado segredo nas demandas de consumo que estão disponíveis no mercado. A gestão dessas informações reflete, repita-se, o mister empresarial da corretagem que está a um passo à frente de suas concorrentes, que não são as seguradoras.
Não obstante isso, de modo a colocar uma pá de cal no assunto, as questões técnicas que delinearam a estruturação e melhoramento do seguro, i.e., daquilo que se sustenta ser um bem imaterial, e que a primeira Apelante alude ter se debruçado a ponto de se arvorar no mérito — mas sem trazer qualquer prova concreta além de suas ilações —, enfim, a investigação dessas questões técnicas é o mister de uma seguradora e seu setor de risco, pelo que não há que se falar em know-how.
(...)
In casu, a rigor, em nenhum momento a segunda Apelante aderiu a qualquer exclusividade, parceria, prestação de serviços, nada além de uma relação entre comitente e comissionado que apresenta uma proposta específica de contrato de seguro, pelo que essa expectativa criada pela própria corretora não vincula a seguradora como quer fazer crer a primeira Apelante.
Em verdade, analisando-se a dinâmica da relação, e os motivos esclarecidos pela segunda Apelante (fl. 600/603), conclui-se que a negativa desta não reflete qualquer ato de má-fé, violador de uma suposta expectativa por ela criada. O que se tem de fato é uma insurgência da primeira Apelante quanto àquela negação, vindo, por isso, a lançar teses de reprovabilidade que se mostraram insubsistentes"
(fls. 1.171/1.175 - grifou-se).

 

Em suma, não havendo proteção autoral às ideias contidas em contrato de seguro, ainda que inovador, e inexistindo prática desonesta de comércio (concorrência desleal, usurpação de know-how ou enriquecimento ilícito), não pode prosperar a pretensão indenizatória.

 

3. Do dispositivo

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto.

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

 

Número Registro: 2016/0127916-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.627.606 / RJ

 

Números Origem: 00961237720088190001 201524566343

 

PAUTA: 02/05/2017 JULGADO: 02/05/2017 SEGREDO DE JUSTIÇA

 

Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

 

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

 

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN

 

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE : KORSA ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE SEGUROS LTDA - EPP ADVOGADOS : JORGE ALMIR GONÇALVES - RJ020829
MARCOS FABRÍCIO WELGE GONÇALVES - RJ104326 RECORRIDO : TOKIO MARINE SEGURADORA S.A
ADVOGADOS : GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO E OUTRO(S) - RJ012996
RODRIGO DE LIMA CASAES - RJ095957
EDUARDO SILVA LUSTOSA E OUTRO(S) - RJ131081 RAFAEL GERÔNIMO FALCÃO - RJ135925
GRAZIELA DE OLIVEIRA SOUZA E OUTRO(S) - SP253884 RODRIGO DE QUEIROZ FIONDA E OUTRO(S) - RJ155479
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Direito Autoral

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

 

Dr(a). EDUARDO SILVA LUSTOSA, pela parte RECORRIDA: TOKIO MARINE SEGURADORA S.A

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.