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Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 0013751-55.2004.8.26.0506, Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira, julgado em 20 março 2018

br033-jpt

 

Registro: 2018.0000195845

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0013751-55.2004.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que são apelantes SIGLA SISTEMA GLOBO DE GRAVAÇOES AUDIOVISUAIS LTDA (GLOBO COMUNICAÇAO E PARTICIPAÇOES S A), WARNER MUSIC BRASIL LTDA e ATRAÇAO FONOGRAFICA LTDA, são apelados HELIANA MARIA MATRANGULO (E OUTROS(AS)), PAULO AUGUSTO FERREIRA MATRANGULO, PAULA VERIDIANA FERREIRA MATRANGULO, FERNANDA FERREIRA MATRANGULO e SANDRA HELENA MATRANGULO.

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos da SIGLA e ATRAÇÃO e deram parcial provimento ao recurso da WARNER.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.

 

São Paulo, 20 de março de 2018.

 

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA RELATORA
Assinatura Eletrônica

 

APELAÇÃO Nº 0013751-55.2004.8.26.0506
Relatora: Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado
APELANTES:
SIGLA SISTEMA GLOBO DE GRAVAÇÕES AUDIOVISUAIS, WARNER MUSIC BRASIL LTDA, ATRAÇÃO FONOGRÁFICA LTDA. APELADO: JOSÉ PAULO MATRÃNGULO
COMARCA: RIBEIRÃO PRETO
JUÍZA PROLATORA: FLAVIA DE ALMEIDA MONTINGELLI ZANFERDINI

 

VOTO Nº 878

 

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DIREITOS AUTORAIS. Sentença de parcial procedência, com a condenação das recorrentes ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Insurgência das condenadas. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Alegação de que empresa diversa do mesmo grupo econômico seria a detentora do domínio SOMLIVRE.COM. Ausência de comprovação da alegação por meio de documentos. Preliminar afastada. PROTEÇÃO LEGAL AOS DIREITOS DO INTÉRPRETE. Artigos 5º, XIII e 89, caput, ambos da Lei nº 9.610/98, que conferem proteção aos direitos do intérprete, não apenas ao autor de obra artística. CONTRAFAÇÃO VERIFICADA. Banda que teve atuação em dois momentos distintos, com integrantes diferentes, atuando o autor apenas na primeira fase. Contratos celebrados com a banda que se referiram exclusivamente a período posterior à atuação do autor como intérprete, não podendo alcançar a reprodução musical quanto ao período antecedente, assim como de sua imagem, sem sua autorização. Corrés WARNER e ATRAÇÃO FONOGRÁFICA que se valeram de contratos que não contavam com a participação do autor, e portanto, ao reproduzir, sem autorização do intérprete, obras artísticas de que fez parte, incorrem na prática de contrafação, prevista no art. 5º, VII, da Lei nº 9.610/98. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Corre SIGLA que deve ser responsabilizada pela distribuição do produto contrafeito, ainda que não tenha agido de má- fé, por força da solidariedade estabelecida nos termos do art. 104, da Lei nº 9.610/98. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAS. Aplicação pela sentença do critério do artigo 103 da LEI 9.610/98. Critério a ser sopesado com a consideração da remuneração própria a produtos musicais, de 10%, e com a proporcionalidade devida pelo número de integrantes da banda. Redução da indenização na proporção de 10% e ¼ do montante fixado. DANOS MORAIS. Quantum indenizatório fixado em primeira instância (R$ 30.000,00) que se mostra adequado aos fins colimados, em respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se aspectos relevantes do caso concreto como o porte das empresas, a expectativa de pleno cumprimento dos direitos autorais pela especialização de sua atividade, com propósito didático da medida, o tempo da violação. Manutenção. Sentença parcialmente reformada, apenas para reduzir o valor dos danos materiais. RECURSOS DA ATRAÇÃO E SIGMA IMPROVIDOS. RECURSO DA WARNER PARCIALMENTE PROVIDO.

 

Vistos.

 

Trata-se de ação de Indenização ajuizada por JOSÉ PAULO MATRÂNGULO (sucedido por seus herdeiros) em face de SIGLA SISTEMA GLOBO DE GRAVAÇÕES AUDIOVISUAIS, ZAN COMUNICAÇÃO E PRODUÇÃO ARTÍSTICA LTDA., WARNER MUSIC BRASIL, ATRAÇÃO FONOGRÁFICA LTDA., UNIVERSAL MUSIC LTDA. e DOUGLAS DOTTA, julgada pela r. sentença de fls. 778/808, cujo relatório se adota, com: a) improcedência da ação em relação à ZAN COMUNICAÇÃO, UNIVERSAL MUSIC e DOUGLAS DOTTA, condenando os autores ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 para cada advogado, observada a gratuidade de justiça; b) procedência parcial da ação em relação à SIGLA, WARNER e ATRAÇÃO FONOGRÁFICA, condenando-as ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 60.000,00, corrigidos a partir da data do efetivo prejuízo e indenização por danos morais no importe de R$30.000,00, corrigidos a partir da data do arbitramento, ambas as condenações acrescidas de juros de mora de 1% ao mês desde a data do evento danoso. As rés foram condenadas ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor total da condenação.

 

Recorrem as rés Sigla, Warner e Atração.

 

A apelante SIGLA insiste em sua ilegitimidade passiva para a demanda pelo fato de a SOMLIVRE.COM pertencer a outra empresa do Grupo Globo. No mérito sustenta que se mostra inaplicável o disposto nos artigos 5º, IV e 29 da Lei 9.610/98 por não verificada a distribuição, já que apenas os editores são distribuidores, não os expositores do produto à venda, tampouco se exigindo destes autorização para comercialização dos produtos. Sustenta que a loja virtual da "Som Livre" não tinha conhecimento de qualquer irregularidade na produção e distribuição dos CDS, não podendo o artigo 104 da LDA ser aplicado ao expositor de boa-fé, refutando a ocorrência de conduta culposa e sua responsabilidade solidária pela indenização fixada. Busca sua exclusão da lide ou a reforma do julgado (fls. 845/853).

 

A apelante WARNER diz que a causa de pedir em relação a ela seria a violação dos direitos autorais do produto "The Jet Black-s Vitrola Digital", relançado em 2.001 no formato CD. Afirma que a banda era "cover", sem composições de autoria da banda, restrito eventual direito à interpretação, mas não houve contrafação porque se estava diante de mero relançamento de músicas gravadas em LP para o formato digital, com reutilização da foto original, o que encontrava autorização nas cláusulas 3ª, 7ª e 10ª do contrato celebrado originalmente com a Gravações Elétricas S/A Continental, posteriormente adquirido pela recorrente. Afirma que o grupo (original), através de seu procurador, celebrou referido contrato em 1.971, aduzindo que o autor apenas teria direito à remuneração estabelecida naquele contrato.

 

Insurge-se contra o cálculo da indenização, que leva em consideração 2 CD´s, quando a causa de pedir quanto à Warner foi exclusiva a um deles, e ainda porque considerou o preço "cheio" do CD, não atentando para a proporcionalidade relativa à composição da banda (4 integrantes) e ao fato de que há inúmeras obrigações decorrentes da vendagem, além de desconsiderar o fato de que os direitos dos intérpretes são calculados sobre percentual médio de 10% sobre o valor do CD, e não 100%, o que resultaria em enriquecimento ilícito. Também os danos morais teriam violado os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser reduzidos. Busca a reforma da r. sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos feitos contra si ou, subsidiariamente, a redução dos valores fixados a título de indenização por danos materiais e morais (fls. 856/885).

 

A apelante ATRAÇÃO alega que não houve violação ao direito autoral, sendo o contrato formal cumprido de forma lícita, tendo o intérprete da banda cedido e transferido ao produtor todos os direitos sobre suas obras vinculadas ao contrato, razão pela qual deve ser afastada a pretensão de indenização por danos materiais e morais, com a reforma do julgado e improcedência da ação (fls. 936/948).

 

Recursos regularmente processados e contrariados (fls. 905/909, 910/914, 924/928 e 967/971).

 

É O RELATÓRIO.

 

Trata-se de ação indenizatória por meio da qual o autor (por seus sucessores), ex-integrante da banda musical "The Jet Black´s", alega violação a seus direitos autorais e de imagem por parte das rés, que teriam reproduzido e comercializado material fonográfico da banda sem sua autorização, tendo pleiteado danos materiais e morais decorrentes da violação.

 

A preliminar de ilegitimidade passiva da apelante SIGLA foi bem afastada, pois embora afirme não ser a proprietária do sítio eletrônico SOMLIVRE.COM, que pertenceria à empresa "Sigla Sistema Globo de Gravações Audiovisuais da Amazônia Ltda.", não fez prova de sua alegação.

 

Não trouxe aos autos qualquer documento pertinente à "Sigla Amazônia". Os únicos documentos que acompanham sua contestação são a "17ª Alteração do Contrato Social de Sigla Sistema Globo de Gravações Audiovisuais Ltda." e o instrumento de procuração " (fls. 493/500v e 501/501v). Posteriormente, com a manifestação de fls. 729/730, quando informou a alteração de sua razão social em virtude de sucessão da "Sigla" pela "Globo Comunicação e Participações S/A", exibiu a "Ata de Assembleia Geral Extraordinária da Globo Comunicação e Participações S.A."; "20ª Alteração do Contrato Social" da "Sigla"; "Protocolo da Cisão Parcial do Patrimônio da Sigla"; "Lista de processos judiciais transferidos à Globo Comunicação" e, procuração acompanhada de substabelecimento (fls. 731/754).

 

Logo, na completa ausência de documentos capazes de demonstrar que a plataforma por meio da qual as obras fonográficas debatidas nos autos eram comercializadas pertencia a empresa diversa da requerida, correta a decisão que estabeleceu sua legitimidade passiva para a demanda.

 

Superada a preliminar, essencial destacar dois pontos que foram delimitados com precisão pelo juízo "a quo" e que são determinantes para a definição de responsabilidades, que são: a) o fato de que a banda "The Jet Black's" teve duas formações distintas, sendo a primeira a partir de sua criação na década de 1.960 até o final da mesma década, período em que o autor José Paulo Matrângulo a integrava, e após seu encerramento, a partir a década de 1.980, com nova composição, dentre seus integrantes Guilherme Dotta; b) e a ausência de composição de músicas originais pela banda, sendo a proteção autoral restrita à categoria de interpretação, atuando sob a modalidade conhecida como "cover" (fls. 784/785).

 

E a partir destas duas premissas, não há como se negar, como o fez a sentença, a violação aos direitos do autor, na forma do artigo 5º, XIII e artigo 89, ambos da Lei nº 9.610/98, conforme segue:

 

"Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
XIII - artistas intérpretes ou executantes - todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore.
(...)
Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão."

 

Os contratos de Locação de Serviços exibidos nos autos, que resultaram na contratação dos serviços de artista da banda por parte da Gravações Elétricas S/A, posteriormente negociados com a Warner, foram celebrados em 1.971, 1983 e 1989 (fls. 376/377, 379/382 e 384/387), o que significa dizer que se referiam ao segundo período do grupo, quando já não contava com a participação de Paulo Matrângulo, que permaneceu na banda até idos de 1.970.

 

E justamente essa constatação resulta na inocuidade dos argumentos oferecidos pela Warner e Atração, pois ninguém pode transferir mais direitos do que possui, e portanto, sendo os contratos com a Gravações Elétricas celebrados após o desligamento de Paulo, claramente não poderiam contemplar a utilização de interpretação que contou com sua participação e imagem, sem sua autorização, razão pela qual sem importância a invocação de cláusulas contratuais que estabelecem a possibilidade de uso do material artístico e imagem relacionado à banda, mesmo que por outros meios de reprodução (de LP para CD), assim como sua subsequente utilização por parte da Atração (fls. 13/24 do Incidente de Impugnação ao Valor da Causa), já que não contemplam o autor.

 

trechos que destaco:

 

E esse aspecto foi bem analisado na sentença, conforme seguintes

 

"É de se verificar, portanto, que os serviços contratados pela Gravações Elétricas, em 1971, não contemplaram as músicas interpretadas pela banda durante a década de 1960, que contavam com a participação de Paulo Matrângulo. Não poderia, por conseguinte, a ré Warner comprar direitos que não haviam sido transacionados com a Gravações Elétricas. Comprou direitos sobre interpretações que tinham qualquer outro integrante menos Paulo Matrângulo, não ficando comprovada, através do instrumento apresentado, a compra de quaisquer direitos sobre suas interpretações, tampouco sobre seu direito de imagem.

 

No mais, a ré Warner não apresentou qualquer contrato firmado entre Paulo Matrângulo e a Gravações Elétricas que trate da cessão de direitos patrimoniais e de imagem e que poderiam comprovar tal transação, permanecendo inerte e apresentando escusas que não merecem consideração.

 

A segunda peculiaridade, de menor importância, mas que corrobora de maneira ainda mais robusta o apresentado acima, é a de que o contrato de locação de serviços apresentado não menciona as interpretações realizadas durante o período de sua vigência. Ou seja, não se pode determinar sobre quais músicas recaíra as interpretações, o que deveria também a ré Warner comprovar.

 

Destarte, não sendo mais Paulo Matrângulo integrante da banda quando da assinatura do contrato apresentado pela ré Warner, o que compra que qualquer cessão de direitos não lhe afetou, bem como pelo fato de o instrumento não mencionar sobre quais músicas, ao fim, recaíram as interpretações, fica prejudicada a argumentação de que se valeu a ré Warner, pois não detinha, assim como não detém, qualquer direito sobre interpretações realizadas por Paulo Matrângulo, tampouco sobre o uso de sua imagem" (fls. 792/793).

 

E especificamente quanto à ré Atração:

 

"Destarte, o argumento apresentado pela ré não pode isentá-la de responsabilidades, uma vez que, ao firmar contrato com a ré Warner para se utilizar de supostos direitos que esta tinha sobre a produção artística e sobre a imagem de Paulo Matrângulo, não foi diligente o bastante para se acautelar quanto a real propriedade da pessoa jurídica sobre os mencionados direitos.

 

Deveria ter verificado, ao menos, a existência dos referidos documentos, o que não o fez, permanecendo inerte. Se tivesse tomado esse mínimo de precaução, poderia ter se cientificado de que os instrumentos que a ré Warner apresenta como cessão de direitos autorais e de imagem em nada se relacionam com os fonogramas de Paulo Matrângulo.

 

Suas escusas não vingam: mesmo limitando-se a alegar que agiu a partir de direito transacionado com a ré Warner, que se apresentava como legítima detentora de direitos autorais e de imagem de Paulo Matrângulo, o que, como bem ficou demonstrado, não ocorreu, deve ser responsabilizada, pois efetivamente se valeu de fonogramas que continham direitos autorais que não lhe pertenciam e que não foram, em momento algum, adquiridos pela ré Warner." (fls. 792/795 grifos nossos).

 

Dessa forma, forçoso reconhecer que restou caracterizada a prática de conduta violadora pelas rés Warner e Atração, na medida em que reproduziram material fonográfico e promoveram sua distribuição sem a autorização do intérprete, assim como utilizaram a imagem do artista, com intuito comercial (fls. 51), igualmente de forma não autorizada, incorrendo na conduta do artigo 5º, em violação ao estabelecidos nos artigos 28 e 29, I, V e VI, todos da Lei 9.610/98.

 

No que diz respeito à Sigla, a discussão quanto a se tratar de mera expositora não afasta sua responsabilidade, pois restou inequívoco que os produtos destacados eram comercializados por meio do sítio eletrônico SOMLIVRE.COM, de que decorre sua atuação como distribuidora, nos termos do artigo 5º, IV da Lei de Direitos Autorais, que define distribuição como sendo "a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse".

 

Esse quadro não se altera por sua boa fé ou ausência de conhecimento quanto à anterior violação aos direitos autorais, pois na medida em que desenvolve atividade empresarial compete-lhe adotar os meios e expedientes necessários à sua própria proteção, na medida em que a legislação pertinente é clara ao estabelecer a responsabilidade solidária ao do contrafator, de modo que essa discussão fica restrita a quem dela participou, não afetando os direitos violados do artista.

 

É o que se extrai do art. 104 da LDA: "Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior".

 

Assim, bem andou a sentença ao reconhecer a responsabilidade das três recorrentes pela violação ao direito autoral do autor, assim delimitadas: a) a WARNER, sob o pálio de ser detentora de direitos sub-rogados de Gravações Elétricas, cedeu a exploração de tais direitos à ATRAÇÃO FONOGRÁFICA, bem como produziu coletânea em que consta faixa musical com a participação do autor na qualidade de intérprete CD intitulado "Vitrola Digital The Jet Black's"; b) a ATRAÇÃO FONOGRÁFICA, como cessionária dos direitos cedidos pela WARNER, produziu e pôs em circulação indevidamente obra fonográficas contendo a participação do autor, valendo-se, inclusive, da utilização de sua imagem; c) a SIGLA, por meio da plataforma SOMLIVRE.COM, ao comercializar todas as obras da banda "The Jet Black's" produzidas pelas demais recorrentes.

 

Resta aferir a extensão dos danos.

 

A Warner se insurge contra a condenação por danos materiais ao levar em consideração dois CD´s, quando sua atuação foi restrita a um deles, além de pretender estabelecer proporcionalidade em relação ao número de integrantes da banda e percentual de participação próprio ao intérprete, pela consideração de despesas diversas a envolver a atividade.

 

Na medida em que restou assentado que embora tenha produzido apenas um dos CDs, cedeu a exploração dos direitos à ATRAÇÃO, o que resultou na produção e circulação do segundo CD, o dano material deve abranger todo o prejuízo sofrido, alcançando os dois títulos.

 

Por outro lado, razão assiste à recorrente quando pretende considerar a proporcionalidade em relação aos componentes da banda e a lesão sofrida diretamente pelo autor, e na medida em que é ele um, dentre quatro componentes da banda, não poderia ser beneficiado com a integralidade do preço do CD, em detrimento dos outros três integrantes, e ainda, a indenização segundo a remuneração própria ao intérpete.

 

É lição da doutrina, nos ensinamentos de José Carlos Costa Netto ao tratar especificamente dos direitos autorais de conhecida banda musical brasileira, composta de quatro integrantes numa primeira fase e continuidade com exclusão de um deles. Veja-se sobre o tema:

 

"No âmbito da reivindicação de natureza econômica formulada pelo demandante, a prevalecer o entendimento que propusemos de, por analogia, dar-se tratamento de direito do autor ou autoral às questões jurídicas em debate, lógico que se utilizem as mesmas regras remuneratórias (e não de caráter indenizatório, que, como vimos, não é o caso, pois a utilização do bem sub judice é legítima e não indevida). Nesse sentido , é notória a adoção na área de livros e produtos musicais -, por exemplo da remuneração percentual de 10% sobre a receita líquida (receita bruta menos impostos incidentes) efetivamente recebida) pelo grupo musical MPB4 com a exploração , por si ou por terceiros, de bem intelectual em questão ( ou seja, os direitos de uso da imagem artística MPB4 corresponderão a R$ 1.000,00; se gravarem ou publicarem um novo CD a ser comercializado por terceiros, recebendo o grupo, a título de direitos de interpretação (ou royaltes) sobre os CDs vendidos, R$ 15.000,00 trimestralmente, R$ 1.500,00 corresponderão ao uso da imagem artística MPB4 no produto e período respectivos, e assim por diante.

 

Finalmente, estas quantias resultantes da aplicação do percentual de 10%, na forma em que referimos, deverão ser partilhadas em iguais proporções entre os quatro titulares originários da imagem artística do grupo musical MPB4, o que resultaria, portanto, na participação de 2,5% (dois e meio por cento) sobre as bases referidas, a ser quitada junto ao demandante à medida que forem ocorrendo os efetivos recebimentos" ("Estudos e Pareceres de Direito Autoral, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2.015, p. 165)

 

No sentido da proporcionalidade veja-se ainda a lição do Superior Tribunal de Justiça, que embora se refira à situação em que a violação foi restrita a direitos autorais de uma faixa de obra fonográfica composta por treze faixas, é passível de aplicação à situação dos autos:

 

"RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIREITOS AUTORAIS. COMPOSIÇÃO MUSICAL. INSERÇÃO EM FONOGRAMA COMPOSTO DE OUTRAS 13 FAIXAS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO REAL COMPOSITOR DA OBRA. RESPONSABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. INADEQUAÇÃO DA VIA ESPECIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. ART. 104 DA LEI Nº 9.610/1998. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA Nº 284/STF.INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. REDIMENSIONAMENTO. PROPORCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO DA MÚSICA CONTRAFEITA PARA O CONJUNTO DA OBRA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 54/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA Nº 7/STJ. (...) 3. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, o ressarcimento pela utilização indevida de obra artística deve se dar com o arbitramento de indenização a ser fixada com a observância da proporção da efetiva contribuição do autor na totalidade do fonograma produzido, sob pena de se promover seu enriquecimento sem causa. (...)" (REsp 1457234/PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, julgado em 15/09/2016, DJe 04/10/2016)(destaquei).

 

E portanto, o critério a ser adotado é de 3.000 exemplares em relação a 2 CDs, ao preço médio de R$ 10,00, alcançando o valor final de R$ 60.000,00, sobre o qual incide o percentual de 10% próprio à remuneração do mercado em relação a produtos musicais, ou seja, R$ 6.000,00, que dividido pelo número de componentes do grupo resulta na indenização ao autor de R$ 2.000,00.

 

Os danos morais foram sopesados com moderação, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

 

Veja a lição de Carlos Alberto Bittar em relação ao tema, destacando o papel inibidor e sancionatório da indenização:

 

"O valor da indenização deve corresponder à reposição, no patrimônio do lesado, do prejuízo experimentado, revertendo-se, a seu favor, o resultado indevido obtido pelo agente, a par dos lucros cessantes, dentro da técnica tradicional da responsabilidade civil. Na satisfação de interesses morais, a gravidade da infração e as circunstâncias do caso é que oferecerão os elementos necessários para a sua dosagem e a fixação final do quantum devido, levando-se em conta, sempre, que o valor final de indenização deve ser tal que desestimule a prática de futura lesão e possa, em consonância com a teoria da responsabilidade e a índole dos direitos autorais, propiciar ao lesado compensação adequada pelo interesse ferido.

 

Impõe-se, na prática, o rigor na definição do quantum ou do quid, a fim de que o sancionamento venha a constituir-se, como se deve, em fator de inibição de ações vedadas pelo ordenamento jurídico, na defesa dos transcendentes valores da pessoa humana aqui acobertados". (Bittar, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 143)

 

Ainda, novamente José Carlos da Costa Netto traz preciosa análise sob o caráter punitivo da indenização devida a este título. A respeito:

 

"O benefícios econômico do ofensor pelo ilícito praticado como parâmetro indenizatório e uma punição que seja realmente sentida pelo infrator é fundamental par ao desestímulo da violação de direito de autor. A respeito da amplitude da fixação indenizatória, o grande autoralista português, José Oliveira Ascensão, em sua monumental obra "Direito Autoral" cita o jurista brasileiro Fabio Maria de Mattia ("Estudos de Direito de Autor", pag. 87) para observar, também, que "havendo um cúmulo de infrações, cada utilização ou execução deve originar uma indenização diferente, pois os ilícitos acrescem uns aos outros e as indenizações são cumulativas".

 

Nesse passo, o princípio de se impor ao causador do dano uma punição exemplar, proporcional ao dolo ou culpa com que se houve, e proporcional ao seu patrimônio consiste, exatamente, no direito brasileiro, como um dos parâmetros orientadores de fixação indenizatória para reparação de danos morais e patrimoniais nas ofensas relacionadas a direitos autorais". ("Critérios para Reparação de Danos Decorrentes da Violação de Direitos Morais de Autor", p. 15).

 

No caso concreto, em consideração ao porte econômico das partes, o grau de culpa das rés, empresas destacadas no segmento de atuação, com conhecimento suficiente e mais que isso, dever de zelar pelo respeito aos direitos autorais, o tempo pelo qual as requeridas puderam se beneficiar da contrafação, tudo em consideração ao objetivo de promover justa reparação ao autor, sem promover seu enriquecimento ilícito, devendo ser mantida a indenização fixada em R$ 30.000,00.

 

Portanto, pequeno reparo deve ser imposto à r. sentença, com mera adequação do valor da indenização por danos materiais, reduzida a R$ 2.000,00.

 

Interpostos os recursos na vigência do CPC/1973, não são devidos honorários recursais, conforme orientação do enunciado administrativo nº 7 do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC".

 

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS da SIGLA e ATRAÇÃO e DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO da WARNER.

 

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA RELATORA