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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/11/2022, processo n.º 399/21.5YHLSB.L1 | ECLI:PT:TRL:2022:399.21.5YHLSB.L1.PICRS.23

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Processo nº 399/21.5YHLSB.L1

Recurso de apelação

*

SUMÁRIO:

I. Os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação»;

II. São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção;

III. Impõe-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades»;

IV. Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea; antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;

V. A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado;

VI. É assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia;

VII. O consumidor avalia o conjunto e não as particularidades e, quando compara, tem, por regra, uma marca fisicamente diante de si e a outra apenas retida na pouco rigorosa memória por regra envolvida no acto de consumo.

*

DESCRITORES: propriedade intelectual; marca; função distintiva da marca; reprodução da marca.

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Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I. RELATÓRIO                  

BENE FARMACÊUTICA, L.DA e BENEARZNEIMITTEL GMBH, ambas com os sinais identificativos constantes do autos, interpuseram recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 «BRUFENON», requerido por MYLAN HEALTCARE GMBH, neles também melhor identificada.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos [imagens não reproduzidas]:

Bene Farmacêutica, Lda., pessoa colectiva nº 508735696 com sede na Avenida D. João II, 44 C – 1º, 1990-095 Lisboa (adiante também designada ‘1ª recorrente’) e BeneArzneimittel GmbH, com sede em Herterichstr. 1, 81479 München, Alemanha (adiante também designada ‘2ª recorrente’ e ambas colectivamente designadas ‘recorrentes’), vieram nos termos do artigo 38º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI) interpor o presente recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON, requerido por Mylan Healtcare GmbH, com sede em Lütticher Strasse 5, 53842 Troisdorf, Alemanha (adiante também designada ‘recorrida’).

Alegam, em síntese, que a referida marca constitui imitação das suas marcas nacionais nº 582253 , nº 582255 , nº 593026 , nº 626601 , e internacional com designação de Portugal e da União Europeia (UE) nº 479688 BEN-U-RON, e que o registo possibilita a prática de actos de concorrência desleal.

Cumprido o disposto no artigo 42º do CPI, o INPI remeteu o processo administrativo.

Citada a recorrida, respondeu pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

 

Foi proferida sentença que decretou:

Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, concede-se provimento ao recurso interposto por Bene Farmacêutica, Lda. e Bene-Arzneimittel GmbH e, em consequência, revoga-se a decisão do INPI de 8.09.2021, publicada no BPI de 15.09.2021, que concedeu o registo da marca nº 655664 BRUFENON.

 

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por MYLAN HEALTHCARE GMBH, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido [imagens não reproduzidas]:

 1. O recurso de apelação é interposto da sentença do TPI, proferida em 15 de março de 2022, que julgou procedente o recurso interposto Bene do despacho do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON a favor da Mylan.

2. A sentença ora recorrida recusou o registo da marca BRUFENON com fundamento na suposta imitação das marcas nacionais n.º 582253 , n.º 582255 , n.º 593026 e n.º 626601 , bem como da marca de registo internacional n.º 479688 BEN-U-RON, e no risco da prática de atos de concorrência desleal.

3. A sentença recorrida é ilegal e deve ser revogada, pois: (i) não levou em consideração a sentença do TPI de 30.03.2021 que considerou que BRUFENON não imita as marcas BEN-U-RON, estando por isso em clara contradição com aquela decisão; (ii) não atendeu a factos alegados pela Mylan com extrema relevância para a decisão da causa, designadamente que a Mylan é titular da marca registada BRUFEN e que esta é uma marca notória em Portugal, bem como que a marca registanda BRUFENON mais não é do que a marca BRUFEN acrescida de “ON”; (iii) incorreu em erro de julgamento quanto à imitação das marcas, o que parece resultar de alguma desatenção no juízo comparativo levado a cabo.

4. DA AUTORIDADE DE CASO JULGADO MATERIAL: Pouco tempo antes da sentença recorrida ter sido proferida, quer o TPI, quer o TRL já se tinham pronunciado sobre a mesmíssima questão em análise nos presentes autos: a marca BRUFENON da Mylan imita ou não as marcas BEN-U-RON da Bene em sede do procedimento cautelar iniciado pela Bene contra a BGP Products, Unipessoal, Lda. com vista à proibição daquela empresa de usar BRUFENON.

5. Ambos os arestos foram claríssimos em concluir enfaticamente que não existe qualquer risco de confusão entre aquelas marcas, razão pela qual à marca registanda deve ser atribuído o registo. O juízo comparativo entre aquelas marcas levado a cabo na sentença recorrida encontra-se em manifesta contradição com aquelas duas decisões judiciais já transitadas em julgado!

6. Nas duas decisões proferidas no processo n.º 588/20.0YHLSB, tanto o TPI como o TRL: (i) consideraram que BRUFENON não imita nenhuma das marcas BEN-U-RON invocadas pela Bene na reclamação e no recurso de propriedade industrial; (ii) consideraram que a forma como a marca BRUFENON se encontra a ser utilizada e promovida no mercado português não configura uma prática de concorrência desleal; (iii) rejeitaram que a embalagem do medicamento BRUFENON infrinja o tradedress das embalagens de BEN-U-RON.

7. No âmbito do procedimento cautelar, o TPI e o TRL procederam à comparação das marcas sob cotejo nos exatos mesmos termos que relevam nestes autos, tendo concluído que não existe imitação ou infração das marcas da Bene. A conclusão refletida na Decisão Singular do TRL é clara: “Sendo, pois, idêntico o número de sílabas entre “Ben-u-ron” e “Brufenon” e a terminação “on”, ficam por aí as semelhanças. Tudo o mais são diferenças gráficas, fonéticas e até figurativas que afastam a suscetibilidade de gerar o risco de confusão ou de associação. Tanto mais que, conforme resulta dos factos provados, os medicamentos “Ben-u-ron” e “Brufen” são bem conhecidos do consumidor, que os distingue claramente, sendo que o nome deste último se encontra incluído no nome do medicamento em discussão (“Brufenon”). Não existe também qualquer semelhança conceptual, já que tratando-se de designações de fantasia, apenas “Brufenon” traduz alguma alusão a uma das substâncias ativas que o compõem, o ibuprofeno – diversamente do que sucede com o “Ben-u-ron”. (….) “Perante tudo o que acaba de expor-se importa concluir, como na primeira instância, pela inverificação de imitação suscetível de induzir o consumidor em confusão, ou de consubstanciar concorrência parasitária” – cf. página 84 da Decisão Singular.

8. Apesar de os dois processos não coincidirem totalmente quanto ao objeto, a questão jurídica subjacente aos dois processos é precisamente a mesma: a alegada imitação das marcas da Bene por BRUFENON e a possibilidade da ocorrência de atos de concorrência desleal decorrente do uso de BRUFENON. Considerando que a Bene é parte nos dois processos, não será desprovido de sentido invocar a autoridade de caso julgado material da Decisão Singular de 06.03.2022 sobre a decisão a proferir neste recurso.

9. O instituto do caso julgado visa evitar a prolação de decisões contraditórias sobre a mesma questão controvertida, em prol do princípio basilar da certeza e da segurança jurídica com vista a evitar a instabilidade das relações jurídicas e a preservar o prestígio dos tribunais e do sistema judicial (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.01.2019, tirado no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S17).

10. Tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem que a dispensa da verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir implica que se possa verificar autoridade de caso julgado material entre processos com partes diferentes. De todo o modo, visto que as decisões judiciais proferidas no processo n.º 588/20.0YHLSB produzem efeitos e são oponíveis à Bene que foi parte naquele processo, a invocação da autoridade de caso julgado daquelas decisões nos presentes autos tem pleno cabimento.

11. De todo o modo, a desconsideração da decisão transitada em julgado no processo n.º 588/20.0YHLSB resultaria na prolação de uma decisão contraditória sobre a mesma exata relação jurídica material: a alegada imitação das marcas da Bene por BRUFENON. Tal contradição gera uma grave incerteza jurídica que é repudiada pelo Direito e deve por isso ser sanada no acórdão a proferir nestes autos.

12. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: Na sua resposta ao recurso da Bene, a Mylan alegou vários factos relativos ao contexto do aparecimento da marca BRUFENON que têm particular interesse e relevância para a decisão a proferir nos autos, os quais resultam provados por documentos e/ou por não terem sido impugnados pela Bene e que devem por isso ser considerados provados pelo Tribunal ad quem, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC.

13. No artigo 44.º da sua resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou que “A BGP é a titular das Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) do medicamento BRUFEN”. Para prova deste facto a Mylan juntou impressão da informação constante na base de dados Infomed sobre as AIMs das várias apresentações do medicamento BRUFEN – cf. Doc. n.º 6 junto com a resposta ao recurso.

14. No artigo 47.º da resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou o seguinte: 47. A marca BRUFEN encontra-se registada a favor da Mylan Healthcare GmbH, aqui Recorrida, através dos seguintes registos:

       • Marca nacional n.º 153527 BRUFEN, registada em 18.05.1970 para assinalar substâncias farmacêuticas, veterinárias e de higiene na classe 5;

       • Marca da União Europeia n.º 003409786 BRUFEN, registada em 21.07.2005 para assinalar produtos farmacêuticos na classe 5.

15. A titularidade dos registos de marca BRUFEN não foi nunca posta em causa pela Bene, e resultou provada nos autos de providência cautelar iniciados pela Bene contra a BGP sob o número de processo 588/20.0YHLSB – cf. pontos 17 e 18 da matéria dada como provada na sentença do TPI de 30.03.2021, reproduzidos a págs. 36 da Decisão Singular do TRL.

16. Nos artigos 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou os seguintes factos quanto à notoriedade e ao reconhecimento da marca BRUFEN pelos consumidores portugueses:

       48. A marca BRUFEN é usada em Portugal há mais de 45 anos, sendo uma marca bem conhecida dos consumidores portugueses.

       49. Na verdade, segundo um estudo de mercado feito pela empresa GFK em junho de 2019 junto de consumidores portugueses, o BRUFEN é um dos medicamentos mais usados para a dor, bem como um dos analgésicos com avaliação mais positiva.

       50. De acordo com o mesmo estudo, o BRUFEN é um dos dois analgésicos mais referido pelos entrevistados, tendo praticamente o mesmo nível de notoriedade e reconhecimento que o BEN-U-RON.

17. A notoriedade do BRUFEN não foi impugnada pela Bene nos presentes autos, nem do âmbito do procedimento cautelar e resulta provada pelos Docs. n.º 7 e 8 juntos com a resposta da Mylan ao recurso da Bene.

18. A factualidade referente à marca e ao medicamento BRUFEN relevam para decisão a proferir nos presentes autos, porquanto são factos referentes ao contexto subjacente à criação da marca BRUFENON aqui em crise. Tratando-se de factos incontrovertidos, porque devidamente sustentados em documentos e não impugnados pela Bene, os factos alegados pela Mylan nos artigos 44.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso de propriedade industrial devem ser dados como provados, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC.

19. DO DIREITO: A fundamentação da sentença recorrida revela de forma evidente que o juízo comparativo das marcas foi feito com desatenção, o que feriu a decisão de erros graves e contradições insanáveis. A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 238.º e 232, n.º 1, alínea b) do Código da Propriedade Industrial.

20. Tal como foi entendido pelo INPI no despacho de concessão do registo e, pelo TPI e por este Tribunal da Relação nas decisões proferidas no processo n.º 588/20.0YHLSB, no presente caso não se verifica o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do CPI, pelo que não existe qualquer impedimento à concessão do registo da marca nacional n.º 655664: BRUFENON não apresenta tal semelhança gráfica ou fonética com BEN-U-RON que, no seu conjunto, induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou compreenda um risco de associação.

21. Tal como foi entendido da Decisão Singular do TRL com autoridade de caso julgado material nestes autos, no plano fonético os dois sinais são perfeitamente distintos: BRUFENON é uma palavra grave, tem a tónica na penúltima sílaba – fé -, enquanto a sílaba tónica de BEN-U-RON é a primeira. As diferentes classificações das palavras quanto às respetivas sílabas tónicas (uma é grave e a outra é esdrúxula) têm um impacto muito evidente nos respetivos ritmos de dicção e impressão sonora global.

22. Sendo comum a nomes de inúmeros outros medicamentos, a justaposição das letras “ON” é um elemento banal e de fraco carácter distintivo. A semelhança quanto a este elemento é irrelevante na apreciação dos sinais no seu conjunto, como foi corretamente entendido no despacho de concessão da marca registada e, bem assim, nas decisões do TPI e do TRL proferidas no processo 588/20.0YHLS e que têm autoridade de caso julgado material.

23. Acresce que o nome BRUFENON foi aprovado pelo Infarmed no âmbito do procedimento de autorização de introdução no mercado sem que em momento algum desse processo o Infarmed tenha levantado alguma questão quanto essa marca suscitar qualquer risco de confusão ou associação com outros nomes de medicamentos aprovados, incluindo BEN-U-RON. Note-se nos termos da Norma Orientadora Para Aceitação de Nomes de Medicamentos, aprovada pela Deliberação n.º 144/CD/2012 de 08/11/2012 do Conselho Diretivo do Infarmed, a confundibilidade com nomes de outros dos medicamentos é um dos critérios a ter em conta na avaliação do nome de um novo medicamento.

24. No presente caso, o juízo comparativo entre as marcas não pode ser alheio às circunstâncias concretas inerentes à utilização dessas marcas no mercado o qual, como se sabe, é amplamente regulado e foi objeto de escrutínio e análise no procedimento cautelar e nas duas decisões proferidas nesse contexto e que gozam de autoridade de caso julgado material.

25. O TPI e o TRL analisaram em detalhe a forma como BRUFENON é usado no mercado, tendo concluído de forma clarividente e absolutamente irrepreensível que nada nas embalagens de BRUFENON ou na forma como aquela marca é usada na promoção do medicamento do Grupo Mylan é passível de gerar confusão ou associação com os medicamentos BEN-U-RON da Bene.

26. BRUFENON foi o nome escolhido para o medicamento novo do Grupo Mylan que combina ibuprofeno e paracetamol. é uma clara referência a , ou seja, à marca do medicamento de ibuprofeno do Grupo Mylan comercializado em Portugal há mais de 45 anos e que que é líder em Portugal e merecedora do reconhecimento e preferência dos consumidores portugueses

27. A ideia subjacente à criação do nome do medicamento que combina de forma inovadora o ibuprofeno e o paracetamol foi procurar transmitir de forma positiva as vantagens dessa combinação num produto melhor e mais eficaz: + paracetamol = .

28. Toda a linguagem visual escolhida para a embalagem do é comum à das embalagens de BRUFEN atualmente em uso: (a) uso predominante de branco como cor de fundo e presença da cor azul pelo menos na parte inferior de cada face da embalagem; (b) a marca BRUFEN representada em letras estilizadas em cor rosa: ; (c) duas figuras triangulares dispostos simetricamente com vértices convergentes, em forma de “ampulheta”, representados numa cor forte e contratante com o fundo branco:

29. O nome e a imagem do foram criados e desenvolvidos precisamente para suscitar uma associação fácil, imediata e espontânea do medicamento novo e inovador à marca que os consumidores bem conhecem e em que confiam. Isso mesmo foi confirmado pelo Tribunal da Relação na Decisão Singular de 06.03.2022.

30. Também como entendido pelo TPI e pelo TRL, nada na embalagem de que reflete a forma como a marca é usada no mercado imita ou apresenta sequer semelhanças com as marcas da Bene ou com as embalagens das várias apresentações do medicamento BEN-U-RON.

31. Para que o requisito cumulativo de imitação de marca previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do CPI se considere verificado as marcas devem apresentar semelhanças que sejam suscetíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou compreendam um risco de associação com a marca anterior registada.

32. O risco de fácil indução do consumidor em erro de confusão ou associação foi minuciosamente analisado no procedimento cautelar e totalmente rejeitado quer pelo TPI, quer pelo TRL nas suas decisões com autoridade de caso julgado material.

33. Tratando-se de um medicamento não sujeito a receita médica com dispensa exclusiva em farmácia o BRUFENON só pode ser adquirido em farmácias comunitárias mediante a intermediação e assistência de técnicos farmacêuticos. O único local onde o BRUFENON coexiste com os medicamentos assinalados pelas marcas da Bene no momento da aquisição é a farmácia, o que significa que no momento da possível decisão entre medicamentos os consumidores serão sempre auxiliados por profissionais de saúde, o que afasta qualquer hipótese de risco de confusão.

34. Por outro lado, mesmo que um consumidor tenha os dois medicamentos em casa, lado a lado, e sinta necessidade de aliviar alguma dor, as diferenças notórias evidenciadas acima entre as embalagens desses medicamentos impediriam em absoluto qualquer confusão.

35. Sendo um de três requisitos cumulativos, a não verificação do risco de confusão ou associação afasta, assim a imitação da marca da Bene por BRUFENON.

36. A possibilidade de concorrência desleal decorrente do uso de BRUFENON foi afastada na sentença proferida pelo TPI e na Decisão Singular do TRL, pelo que, por maioria de razão, o registo da marca BRUFENON também não possibilita a prática nem representa nenhum risco de concorrência desleal.

37. Não havendo qualquer risco de confusão entre BRUFENON e as marcas da Bene, não existe, logicamente, qualquer possibilidade de concorrência desleal, seja por desvio de clientela ou vendas, seja por aproveitamento da reputação da marca da Bene, por parte da Apelante ou da BGP.

38. Ao ter revogado o despacho de concessão do registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 232.º, n.º 1, alíneas b) e h), 238.º e 311.º, n.º 1, alínea a) do CPI.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a apelação ser julgada totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que conceda o registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON.

 

BENE FARMACÊUTICA, LDA. e BENE-ARZNEIMITTEL GMBH responderam às alegações de recurso concluindo e pedindo:

1. Em sede das presentes contra-alegações de recurso, como ponto prévio, é de referir que, ao longo da sentença recorrida, a Recorrida deparou-se com três lapsos de escrita.

2. Refere o Meritíssimo Juiz a quo que “Constata-se que o elemento verbal inicial e mais característico de todas as marcas é composto por um só vocábulo de três silabas e sete ou oito letras, das quais o “b” inicial e o sufixo “on” final, bem como o “e” e o “u” intercalares, são comuns e pela mesma ordem, partilhando igualmente o acento tónico na sílaba final”. (sublinhado nosso)

3. Acontece que, o “e” e o “u” intercalares, não são da mesma ordem, pois, na palavra “Brufenon” o “u” vem primeiro que o “e” e na palavra “Ben-U-Ron”, o “e” vem primeiro que o “u”, pelo que não se pode considerar que são da mesma ordem.

4. Por outro lado, na página 8 da sentença recorrida é referido que: “Esta forte coincidência gráfica reflete-se na correspondente fonética, sendo a pronúncia de ataque “b” e o som final tónico “on” de ambos os sinais idênticos, só diferindo na parte intermédia do sinal: “-nu-ron” v. “bru-fé-non.”

5. O Tribunal a quo refere “-nu-ron” v. “bru-fé-non” em vez de “be-nu-ron” e “bru-fe-non”, quando anteriormente já tinha afirmado, por duas vezes, que as duas marcas partilham o acento tónico na silaba final.

6. Por fim, também na página 8 da sentença recorrida, é feita a seguinte referência: “Conceptualmente, ambos remetem para o conceito de conhecidos antipiréticos e antiinflamatórios, amplamente divulgados em Portugal sob o nome “benuron” ou “profene”, o que ainda mais os aproxima”. (sublinhado nosso).

7. Facilmente se constata que o Tribunal a quo, por lapso, escreveu “profene” em vez de “brufene”, tratando-se, obviamente, de um lapso de escrita, que desde já se requer a sua retificação.

8. Assim, a Recorrida, requer, nos termos do artigo 614.º, n. º1, do CPC, a retificação dos erros de escrita identificados.

9. Tendo por base os factos dados como provados pelo Tribunal a quo e o direito aplicável, a questão a dirimir consiste em determinar se as marcas BEN-U-RON, prioritariamente registadas pelas Recorridas para assinalar produtos farmacêuticos, medicamentos, na classe 5.ª, não obstam ao registo da marca composta pelo termo BRUFENON, para assinalar “preparações farmacêuticas; produtos farmacêuticos; medicamentos”, na mesma classe 5.ª, como pretende a Recorrente, ou se existem semelhanças entre os sinais e afinidade e identidade entre os produtos respectivamente assinalados, susceptíveis de induzirem o consumidor em erro ou confusão, ou possibilitar concorrência desleal, como entendem as Recorridas e sufragou a decisão do Tribunal a quo.

10. Desde logo, no que se refere à alegada existência de autoridade de caso julgado material que, no entendimento da Recorrente, a sentença recorrida está em flagrante contradição com as decisões do Tribunal de Propriedade Intelectual e do Tribunal da Relação de Lisboa, a mesma deverá improceder por falta de fundamento legal.

11. A Recorrente invoca a existência de autoridade do caso julgado perante, por um lado, uma decisão proferida no âmbito de uma medida cautelar e, por outro, uma decisão proferida no âmbito de uma ação comum (a dos presentes autos).

12. No âmbito do procedimento cautelar figurava como Recorrente a Bene Arzneimittel e Bene Farmacêutica, Lda. e como Recorrido BGP Products Unipessoal, Lda., enquanto no âmbito dos presentes autos figura como Recorrente a Bene Arzneimittel e Bene Farmacêutica, Lda., mas já figura como Recorrida a Mylan Healthcare Gmbh.

13. Ao contrário do que acontece com a exceção de caso julgado, que pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.06.2019, processo n.º 355/16.5T8PMS.C1 e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.10.2021, processo n.º 511/20.1T8PDL-A.L1-7).

14. No presente caso, não estamos perante os mesmos sujeitos, e consequentemente, não poderia a Recorrente invocar a autoridade de caso julgado, quando a mesma nem sequer foi parte no procedimento cautelar que chama à colação.

15. Mas mais. A verdade é que, nas providências cautelares não se forma caso julgado definitivo. E se nos termos do artigo 364.º, n.º 4, do CPC, as providências cautelares não têm qualquer influência no julgamento da ação principal de que o procedimento cautelar depende, muito menos terá influência em outras ações declarativas comuns, designadamente, de recursos de marca como é o caso dos presentes autos.

16. Efetivamente, como decorre do artigo 364.º do CPC, a providência cautelar é uma decisão judicial que se mantém enquanto não sobrevier a sua caducidade ou absorção pela ação principal ou antes desta, enquanto não ocorrer uma alteração das circunstâncias de facto que lhe serviram de fundamento decisório.

17. Deste modo, as providências cautelares são substituídas por decisões judiciais de natureza e qualidade diversas.

18. A Recorrente chama à colação duas decisões proferidas no âmbito de procedimento cautelar quando na verdade ainda nem sequer existe ação principal e, consequentemente, decisão definitiva quanto à discussão do processo n.º 588/20.0YHLSB.Pelo que, as referidas decisões não têm força definitiva.

19. Mais se diga que, a análise da prova e o grau de certeza de uma decisão proferida no âmbito de uma medida cautelar não é o mesmo que é feito no âmbito de uma ação principal, para além de que oferece garantias inferiores em termos de produção de prova.

20. “III–Na vertente de autoridade, a decisão proferida no procedimento cautelar, não tendo ocorrido inversão do contencioso, não produz efeitos extensivos no próprio processo principal, nem em quaisquer outros processos, sendo, pois, insusceptível de produzir efeitos de caso julgado material.” (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.06.2020, processo n.º 18864/13.6YYLSB-A-PICRS).

21. Além de que, a matéria de facto nem sequer pode ser considerada ao nível da autoridade do caso julgado, porque o caso julgado abrange apenas a decisão em si e não os fundamentos de facto, conforme o referem, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2016, Processo n.º 2560/10.9TBPBL.C1, o Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2005, Processo n.º 05B691 e o Tribunal da Relação de Guimarães de 22.09.2016, Processo n.º 795/15.7T8CHV.G1

22. Face a tudo o que foi exposto, a alegada autoridade do caso julgado deverá improceder por falta de fundamento legal.

23. Alegou ainda a Recorrente que a douta Sentença deu apenas como provados 6 factos, tendo posto em causa o Tribunal a quo não ter atendido e não ter dado como provados determinados factos, considerando que, “quer por se tratarem de factos não controvertidos, quer por se tratarem de factos sustentados em documentos, devem por isso ser aditados à matéria de facto dada como provada (ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC”). 78 de 1839

24. Os factos a que a Recorrente se refere encontravam nos artigos 44.º, 47.º 48.º, 49º e 50º da sua resposta ao Recurso, e que eram os seguintes:

25. “44. A BGP é a titular das Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) do medicamento BRUFEN.” – A Recorrente pretende que tal facto seja dado como provado alegando que juntou à sua resposta ao recurso uma impressão da informação constante da base de dados do Infarmed sobre as AIMs. Contudo, analisado o documento junto pela Recorrente como doc. 6 verifica-se que não se tratam das AIMs propriamente ditas mas apenas de um print retirado do site do Infarmed; - Em todo o caso, a titularidade das AIMs nem sequer pertence à Recorrente sendo que nos presentes autos a Recorrente não alegou quaisquer factos sobre o relacionamento comercial com a BGP; - De qualquer forma, o facto em causa não é relevante para a questão em discussão nos presentes autos uma vez que a única informação que nos poderá dar é que o medicamento Brufen é comercializado licitamente.

26. “47. A marca BRUFEN encontra-se registada a favor da Mylan Healthcare GmbH, aqui Recorrida, através dos seguintes registos: Marca nacional n.º 153527 BRUFEN, registada em 18.05.1970 para assinalar substâncias farmacêuticas, veterinárias e de higiene na classe 5; Marca da União Europeia n.º 003409786 BRUFEN, registada em 21.07.2005 para assinalar produtos farmacêuticos na classe 5. A titularidade dos registos de marca BRUFEN não foi nunca posta em causa pela Bene e resultou provada nos autos de providência cautelar iniciados pela Bene contra a BGP (…) cf. Pontos 17 e 18 da matéria de facto dada como provada na sentença do TPI (…).”

27. Contudo a própria Recorrente não junto aos presentes autos quaisquer comprovativos dos registos das marcas que refere;

28. Relativamente ao argumento da Recorrente de que a Recorrida não pôs em causa as marcas registadas a favor da Recorrente, salvo o devido respeito é um argumento que não colhe uma vez que o recurso judicial das decisões do INPI apenas prevê o recurso, a resposta da parte contrária e a decisão final, conforme previsto no artigo 43.º do CPI, logo a não impugnação dos factos contidos na resposta não tem qualquer efeito cominatório uma vez que não está previsto qualquer outro articulado;

29. No que respeita ao facto de na sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar tais factos terem sido dados como provados, a Recorrente pretende transportar para os presentes autos factos referentes a outro processo o que, salvo o devido respeito, não é possível (conforme já o entenderam, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2016, Processo n.º 2560/10.9TBPBL.C1, do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2005, Processo n.º 05B691 e o do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.09.2016, Processo n.º 795/15.7T8CHV.G1).

30. Não era a Recorrida  que tinha de pôr em causa ou não as marcas que a Recorrente tem registadas a seu favor cabendo à Recorrente que invocou tais factos a prova dos mesmos através da junção dos registos das marcas cuja titularidade se arroga, o que não fez. Razão pela qual não podem tais factos ser dados como provados.

31. De qualquer forma sempre se diga que não são as marcas “BRUFEN”, em si, que estão em causa, que imitam as marcas “BEN-U-RON” das Recorridas, mas sim a marca “BRUFENON”.

32. Quando muito, a importância de haver um BRUFEN, uma marca “BRUFEN” neste contexto, não será certamente o respectivo registo, a sua protecção como marca, mas o tipo de fármaco que está por detrás desse nome e que, por o fármaco “BRUFENON”, que já está no mercado, combinar as propriedades daquele com as do BEN-U-RON, o que, por este motivo, mas não só, leva as pessoas a associá-lo às marcas e ao fármaco BEN-U-RON das Recorridas.

33. Relativamente ao terceiro facto que a Recorrente entende que deveria ter sido considerado pelo tribunal a quo, este, com fundamento nos doc. 7 e 8 que juntou à sua resposta ao recurso e, mais uma vez, pelo facto de não terem sido postos em causa pelas Recorridas: “Nos artigos 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou os seguintes factos quanto à notoriedade e ao reconhecimento da marca BRUFEN pelos consumidores portugueses. 48. A marca Brufen é usada em Portugal há mais de 45 anos, sendo uma marca bem conhecida dos consumidores portugueses. 49. Na verdade, segundo um estudo de mercado feito pela empresa GFK em junho de 2019 junto de consumidores portugueses, o Brufen é um dos medicamentos mais usados para a dor, bem como um dos analgésicos com avaliação mais positiva. 50. De acordo com o mesmo estudo, o Brufen é um dos dois analgésicos mais referido pelos entrevistados, tendo praticamente o mesmo nível de notoriedade e reconhecimento que o Ben-U-Ron.”:

34. No que respeita ao argumento da falta de contestação das Recorridas a estes factos dá- se por reproduzido o que já foi dito a este respeito na análise dos factos alegados no artigo 47.º da resposta ao recurso.

35. Quanto aos documentos juntos pela Recorrente que, no seu entender, demonstram os factos por si alegados, o doc. 7 é a página de internet da própria Recorrente, pelo que, por si só não poderá fazer prova de quaisquer factos. No que respeita ao estudo junto pela Recorrente à resposta ao recurso como doc. 8 o mesmo revela a própria notoriedade da marca “BEN-U-RON”. Conforme revela este estudo, a marca BEN-URON é a marca que os consumidores mais têm em casa, bastante acima do BRUFEN (cfr. pág. 26 do estudo junto à resposta ao recurso como doc. 8).

36. Este mesmo estudo revela, ainda, que a marca BEN-U-RON é a preferida dos consumidores, ficando acima da marca BRUFEN (cfr. pág. 35 do estudo junto à resposta ao recurso como doc. 8), sendo a marca BEN-U-RON a marca que apresenta maior satisfação dos consumidores (cfr. pág. 49 do estudo junto à resposta ao recurso como doc. 8), a mais recomendada (cfr. pág. 51 do estudo junto à resposta ao recurso como doc. 8).

37. Pelo que o estudo junto pela Recorrente demonstra a notoriedade das marcas das próprias Recorridas.

38. Finalmente, refira-se apenas que, ter a Recorrente alegado que a sua marca “é notória”, isso não constitui um facto, é de direito. O referido artigo 662.º do CPC que a Recorrente invoca só se aplica a factos. Afirmar que a marca é notória ou não, isso constitui uma conclusão, não é um facto.

39. Assim, quanto à alegação que a Recorrente faz que o Tribunal devia ter dado como provado que a sua marca é notória, isso traduz-se “apenas” num certo desconhecimento de Direito, pois conclusões de facto e alegações de direito, não podem ser dadas como provadas!

40. Quanto à compelação contida ainda nas Alegações da Recorrente, na parte final, quando alega “(…) bem como que a marca registanda BRUFENON mais não é do que a marca BRUFEN acrescida de “ON”: - os sinais que estão efetivamente em questão são a conhecida marca “BEN-U-RON” das Recorridas, por um lado, e a nova marca “BRUFENON” da Recorrente, por outro. Não há mais marcas nem sinais a confrontar.

41. Trazer insistentemente à colação a marca “BRUFEN” da Recorrente, é uma manobra dilatória, dispersora, que atrasa todo o juízo de valor que está realmente em causa no presente processo. É querer justificar, “o porquê” da imitação, da infracção.

42. É inútil saber como o infrator chegou até ao nome, à marca que imita outra, que, neste caso, já está no mercado há anos! (o que só agrava todo o quadro). Não é a sua marca “BRUFEN”, que vai legitimar o aparecimento no mercado de uma marca que imita as marcas das Recorridas. O que verdadeiramente interessa e está em causa, é o “resultado” final.

43. Se a Recorrente é titular de uma marca com o nome “BRUFEN”, que está no mercado, os seus cuidados quando cria e lança uma outra marca sua no mercado (no que concerne à não infração de direitos prioritários de terceiros em termos de propriedade industrial, e outros), terão que ser necessariamente os mesmos de um qualquer outro agente, entidade que opera no mercado. E quer já detenha a marca “BRUFEN” ou uma outra marca qualquer!

44. Discordam veementemente as Recorridas do alegado pela Recorrente quando afirma que a palavra BRUFENON tem a sílaba tónica na sua “penúltima sílaba – fé”! Ou seja, que é uma palavra grave.

45. Ninguém lê nem pronuncia a palavra “brufenon” como “bru–fé–non!

46. A palavra “brufenon” é uma palavra aguda ou oxítona não acentuada. Lendo-se e pronunciando-se da seguinte forma: brufe–non

47. Por tudo o supra exposto deve o presente recurso ser julgado improcedente nesta parte e mantida a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto considerada provada pelo tribunal “a quo”.

48. Alega ainda a Recorrente que “(…) a sentença recorrida é ilegal e deve ser revogada, pois “Incorreu em erro de julgamento quanto à imitação das marcas, o que parece resultar de alguma desatenção no juízo comparativo levado a cabo.”, chegando mesmo a afirmar que “a fundamentação da sentença recorrida revela de forma evidente que o juízo comparativo das marcas foi feito com desatenção, o que resulta no ferimento da decisão de erros graves e contradições insanáveis.

49. As Recorridas, refutam toda a argumentação, demonstrando uma vez mais que se verifica efetivamente in casu, todos os requisitos da imitação ou usurpação de marca registada, susceptível de fundamentar a recusa do registo (nos termos do art.º 232.°, n.º 1, al. b) do CPI), incluindo, naturalmente, o terceiro requisito, que a Recorrida quer afastar, que é: - o da semelhança gráfica, fonética e, neste caso até conceptual, a qual induz facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada de forma a que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto. (Art.º 238.º n.° 1, al. c) do CPI),

50. Sob ponto e vista fonético, as duas designações pronunciam-se praticamente da mesma maneira, tendo fonemas idênticos.

51. Discordam veementemente as Recorridas do alegado pela Recorrente quando afirma que a palavra BRUFENON tem a sílaba tónica na sua “penúltima sílaba – fé”! Ou seja, que é uma palavra grave: Ninguém lê nem pronuncia a palavra “brufenon” como “bru– fé–non, como tenta inculcar a Recorrente!

52. A palavra “brufenon” é uma palavra aguda ou oxítona não acentuada, lendo-se e pronunciando-se: brufe–non

53. O facto de a silaba tónica da palavra BRUFENON ser a última, contribui para que ambas as palavras “BRUFENON” e “BENURON” se pronunciem da mesma maneira: be – nu – ron / brufe – non, tendo sido também este o entendimento do Tribunal de 1ª instância que, inclusive, foi mais além no raciocínio de aferição de semelhança fonética, e gráfica também, entre os dois sinais, aproximando-os: “Constata-se que o elemento verbal inicial e mais característico de todas as marcas é composto por um só vocábulo de três sílabas e sete ou oito letras, das quais o ‘b’ inicial e o sufixo ‘on’ final, bem como o ‘e’ e o ‘u’ intercalares, são comuns e pela mesma ordem, partilhando igualmente o acento tónico na sílaba final.”

54. A importância da semelhança fonética das marcas, ligada, naturalmente, à semelhante gráfica e outras (que in casu, também se verificam), advém também do facto de, em ambos os casos, tratarem-se de marcas que assinalam “medicamentos”, sendo, pois, também através desta importante vertente fonética das marcas que o público consumidor destes produtos toma, na maior parte das vezes, contacto com as marcas (através do balcão das farmácias, parafarmácias ou outros estabelecimentos, ou através de outros meios ou canais).

55. Ao contrário do que a Recorrente afirma, as Recorridas não afirmaram ou defenderam que as marcas se confundem devido ao facto de terminarem em “ON”! O facto de ambas as marcas terminarem em “ON” pode naturalmente constituir um factor que aproxima as marcas (inclusive a nível fonético, como acima de viu) e contribuir para a semelhança de conjunto entre as marcas, que as Recorridas sempre defenderam!

56. Nunca as Recorridas reivindicaram um “direito de exclusivo” sobre a utilização da terminação “on”! Todos os exemplos de medicamentos que a Recorrente invocou que terminam em “-ON”, (como “BENADON”, “BETARFERON”, “BISOLVON”, “BRIDION”, “DIMIDON”), nenhuma desses nomes é confundível com a marca “BEN-U-RON”.

57. O que demonstra que cai por terra esta “não-questão”, esta teoria alegada pela Recorrente e, confirma plenamente a posição defendida pela Jurisprudência e pela Doutrina – a da semelhança de conjunto entre os sinais.

58. Face ao exposto, é às Recorridas que resta senão concluir que a marca BRUFENON e as marcas BEN-U-RON apresentam semelhanças significativas entre si, a nível gráficonominativas, fonéticas e, inclusivamente  conceptuais, à semelhança da conclusão sobre esta mesma questão alcançada pelo Tribunal de 1ª instância na sua sentença proferida em 15/03/2022.

59. Por outro lado, quanto à afirmação da Recorrente que o “nome BRUFENON foi aprovado pelo Infarmed no âmbito do procedimento de autorização de introdução no mercado (AIM) sem que em momento algum desse processo o Infarmed tenha levantado alguma questão quanto essa marca suscitar qualquer risco de confusão ou associação com outros nomes de medicamentos aprovados (…), não colhe.

60. Pois o INFARMED não tem poderes decisórios vinculativos para a atribuição ou não de nomes de medicamentos. ”O organismo nacional que tem os poderes para atribuir e assegurar a proteção de direitos sobre marcas (e de outras modalidades de direito de propriedade industrial) e de conduzir todos os processos de atribuição e proteção de marcas (e de outros direitos de propriedade industrial), é o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que garante que a legislação nacional sobe esta matéria, sobretudo o Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro) são respeitadas durante os processos de atribuição e proteção dos direitos de propriedade industrial.

61. O papel fundamental do INFARMED (Autoridade Nacional do Medicamento e dos Produtos de Saúde I.P.) consiste em, basicamente, regular e supervisionar os sectores dos medicamentos de uso humano e dos produtos de saúde.” (art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 46/2012, de 24 de Fevereiro).

62. A referida norma orientadora para aceitação de nomes de medicamentos do Infarmed, referida pela Recorrente, que também tem paralelismo no Código da Propriedade Industrial, (nomeadamente nos art. os 231.º e 232.º), é, como o próprio nome indica, “orientadora”, indicativa dos critérios e princípios que devem estar na base na escolha de um nome de medicamento aquando da apresentação de um pedido de AMI ou de uma alteração de uma AMI.

63. Em suma, é verdade que o Infarmed deve, aquando da aprovação do nome de determinado medicamento, guiar-se pela Resolução 144/CD/2012 de 08/11/2012 que aprova a “norma orientadora para aceitação de nomes de medicamentos”.

64. Contudo, também é verdade que desta norma orientadora resulta que a verificação se a utilização de um nome pode ou não constituir violação dos direitos de propriedade intelectual de terceiros, não é da responsabilidade do Infarmed.

65. O que também significa que a aprovação do nome de um medicamento pelo Infarmed não corresponde, necessariamente, à circunstância do mesmo não ser confundível e de não gerar confusão ou erro com o nome de outro medicamento.

66. Pelo que concluir a Recorrente que por o Infarmed ter concedido a AIM significa que o BRUFENON não suscita confusão com o nome de outro medicamento e que não há risco de os prescritores ou doentes poderem confundir o nome do BRUFENON com outros medicamentos, é excessivo, não tem lugar.

67. Quanto aos alegados erros de julgamento na Sentença são, na realidade, como facilmente se verá, dois meros “lapsos de escrita”, em que é a própria Recorrente a reparar que se trata, nesses mesmos dois casos, de um lapso, quando refere: (Quanto ao primeiro erro de escrita) - “(…) a sentença recorrida afirma por duas vezes que o acento tónico dos elementos nominativos das marcas sob comparação reside na última sílaba, mas ao transcrever foneticamente esses elementos coloca a tónica na primeira sílaba de ‘-nu-ron’ e na segunda sílaba de ‘bru-fé-non’!!! Se as sílabas tónicas são, afinal, as sílabas e fé, então os elementos verbais das marcas não podem partilhar o acento tónico na sílaba final, como incorretamente se diz na sentença recorrida!”.

68. O ter o Meritíssimo Juiz escrito “-nu-ron” e “bru-fé-non” (em vez de “be-nu-ron” “brufe-non”), quando já tinha afirmado anteriormente, e por duas vezes, que as duas marcas partilham o acento tónico na sílaba final, nas seguintes passagens, trata-se, evidentemente, de um lapso de escrita.

69. Quanto ao alegado segundo erro material, quando refere: “Os critérios comparativos são incompreensíveis, pois não existe nenhum medicamento aprovado e comercializado em Portugal com o nome “profene” (!) nem profene é nome de nenhuma substância ativa (…).

70. Ao ter o Meritíssimo Juiz escrito “profene” (em vez de “brufen” ou até de ibuprofeno) no contexto do parágrafo e da sentença em si, é perfeitamente percetível que se tratou de uma lapsus linguae ou, melhor dizendo, de um lapsus calami.

71. Em todo o caso, estes erros de escrita não comprometem a decisão proferida, nem os fundamentos da mesma, pois em ambos os casos, trata-se de erros que são detectáveis no contexto da própria decisão, que não afectam a verdade material, podendo ser rectificados, nos termos das disposições conjugadas dos art. os 614º, do CPC, e devem sê-lo mesmo, oficiosamente, no quadro dos princípios orientadores da verdade material, da celeridade processual e do disposto nos art.º 5.º, n.º 2, 6.º e 608.º, n.º 2, última parte, 85 de 1839 todos do CPC. (Conforme também referido nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/10/2015, no Processo n.º 1692/12.3TBABT-L.E1, no do STJ de 12/02/2009, no processo nº 08A2680).

72. O erro material – artigo 667.º do Código Civil – é corrigível por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Mas nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o torna perceptível face às premissas do silogismo judiciário.

73. Ainda a propósito do conceito de “erro material”, pode ver-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 10/03/2015, proferido no processo n.º 490/11.6TBOHP-D.C2 nos termos do qual, é clarividente a diferença entre os dois tipos de erro (material e de julgamento): “I – O erro ou lapso que pode ser rectificado, ao abrigo do art.º 667º, nº 1, do anterior CPC – ou 614º, nº 1, do actual CPC – é apenas o erro material cuja existência pressupõe uma divergência entre a vontade real do juiz e aquilo que escreveu na sentença (o juiz escreveu coisa diversa daquela que queria escrever) e que não se confunde com o erro de julgamento (que ocorre quando o juiz disse aquilo que pretendia, mas julgou ou decidiu mal). II – Para que o erro material possa ser rectificado, ao abrigo das normas citadas, é ainda necessário que o mesmo seja manifesto, ou seja, é necessário que ele seja apreensível externamente através do contexto da sentença ou despacho, de tal forma que possa ser percebido por outrem (e não apenas pelo juiz que os proferiu) que o juiz escreveu coisa diversa daquela que pretendia e que, como tal, o erro em causa não é um erro de julgamento.” (sublinhado nosso).

74. Ora, no caso em apreço, esses erros materiais foram percebidos e detectados pela Recorrente que os mencionou e perfeitamente os identificou nas Alegações, embora os tenha chamado, erradamente, de “erros de julgamento”.

75. Quanto à alegada existência do risco de confusão ou associação entre as marcas, afirma a Recorrente que “a marca BRUFENON está a ser usada em Portugal para assinalar um medicamento que combina num só comprimido as substâncias ativas ibuprofeno e paracetamol, o qual é comercializado pela BGP Products, Unipessoal, Lda.” (cf. pág. 20 das Alegações da Recorrente).

76. Ora, esta combinação, num só medicamento, destas duas substâncias activas especificas, (uma específica do medicamento “BEN-U-RON” (o paracetamol) a outra (o ibuprofeno), específica do medicamento “BRUFEN”, ambas as marcas conhecidas no mercado, mais não leva que acentuar a associação entre duas marcas em causa.

77. Uma das várias associações daí possíveis será a de poder levar os consumidores a pensar que se trata de uma parceria entre o Brufen e o Ben-u-ron, “conforme explicitamente parece sugerir, em forma de aglutinação fonética, a expressão “Brufenon” (Brufen + Ben-u-ron)”. – (cf. pág. 26 de decisão do Júri de Ética Publicitária da Associação da Auto Regulação Publicitária, na sequência da queixa apresentada pela aqui primeira Recorrente (a Bene), Procº. N.º 11J/2020) alegando em suma que a campanha publicitária feita ao produto BRUFENON para a promoção do lançamento deste medicamento, difundida junto do público em geral pela BGP PRODUCTS, UNIPESSOAL LDA. (titular da AIM relativa medicamento BRUFENON) possuía um carácter enganador por conta do conteúdo da referida campanha publicitária, tendo tal queixa merecido o acolhimento do Júri de Ética, tendo sido a Ré inibida de divulgar a campanha publicitária nos moldes em que a mesma estava a ser difundida.

78. Na acta da Auto Regulação Publicitária pode ler-se ainda na parte decisória que: “Pelo exposto e neste enquadramento jurídico, entende este JE que o anúncio transmitido na televisão é suscetível de induzir o consumidor médio em erro quanto à origem comercial do produto (Brufen+Ben-u-ron) e direitos de propriedade industrial (…).”

79. Quanto à forma como o BRUFENON é usado no mercado, nomeadamente as “embalagens do BRUFENON”, as Recorridas refutam a afirmação da Recorrente de que é passível de gerar confusão ou associação com os medicamentos BEN-U-RON da Bene.” Porquanto, os termos do desfecho das duas decisões, nos referidos processos de queixa apresentada pela aqui primeira Recorrida junto Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, “No entanto ainda que não exista publicidade comparativa o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido retirará a conclusão que as marcas em que confia (ben-u-ron e brufen) que só contêm uma substância activa, podem ser menos eficazes do que o Brufenon que é um medicamento novo que juntou as duas marcas. Ou seja, persiste o erro, nomeadamente por associação dos elementos gráficos (as cores em que se decompõe o nome Brufenon) e da própria embalagem e da alegação publicitária final.”

80. A própria forma como a  marca BRUFENON foi lançada no mercado, contendo, a referida campanha publicitária, expressões enganadoras tais como “BRUFENON - A marca em que confia”; “a união faz a diferença”; “Os dois gigantes da dor em que confia, finalmente juntos num único comprimido” - levaram à confusão ou associação com a conhecida marca “BEN-U-RON” das Recorridas – tendo esta conduta da parte da Recorrente sido objecto de queixa (dirigida ao referido Júri de Ética da Associação da Auto Regulação Publicitária), tendo todas decisões dado razão à 1ª Recorrida, tendo a Recorrente que retirar a companha publicitaria que fazia naqueles moldes à marca BRUFENON. 87 de 1839 81. Quanto ao alegado pela Recorrente que a partícula “on” contida na marca BRUFENON” é uma palavra inglesa curta e de ortografia simples que exprime bem um conjunto de ideias positivas, como por exemplo a ideia de ativação positiva, a ideia de “estar ligado” ou estar na predisposição de fazer algo, a ideia de estar atento e alerta ou a ideia de um acrescento (“add-on”)”, não procede.

82. Desde logo, jamais a marca “BRUFENON” se lê e pronuncia com o fonema “ON” da língua inglesa [BRUFENÓN], pelo que dificilmente será percetível essa ideia de positividade, de ligação de (“add-on”) que a Recorrente alegadamente quis tramitar com essa partícula.

83. Por outro lado, cai a Recorrente no erro da dissecação da marca (BRUFEN + ON = BRUFENON), repudiada pela unanimidade da jurisprudência e da doutrina.

84. Bem pelo contrário, a marca deverá ser tomada pelo seu conjunto, e não separando os elementos “BRUFEN” e “ON”. Neste sentido, vide acórdão da Relação de Lisboa de 20/10/2005, publicado in “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XXX, tomo IV, págs. 125 a 126; acórdão da Relação de Lisboa de 06/05/2003, publicado in “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XXVIII, tomo III, págs. 70 a 73, onde se apela para a perspectiva do consumidor captada através de “intuição sintética”, “não sendo por dissecação analítica que deve proceder-se à necessária comparação”. A doutrina e a jurisprudência têm também considerado que o mais relevante para se determinar a existência de imitação é a impressão do conjunto, sendo que é esta que sensibiliza o público consumidor (entre outros, vd. Ac. do S.T.J. de 22/04/2004, Processo 04B541, disponível em www.dgsi.pt; Ac. do S.T.J., de 03/11/1981, in BMJ, n.º 311, p. 311- 401).

85. Com a (continuação) da coexistência de ambos os sinais no mercado, os consumidores serão facilmente induzidos em erro ou confusão e existe um claro risco de associação da marca “BRUFENON” da Recorrente com as marcas “BEN-U-RON” das Recorridas, bem com as respetivas origens empresariais, estabelecendo entre os sinais (e as respetivas entidades), uma ligação que não existe, nem de facto nem de direito.

86. à semelhança da conclusão sobre esta mesma questão alcançada pelo Tribunal de 1ª instância na sua sentença proferida em 15/03/2022, “Atendendo às assinaladas semelhanças gráfica, fonética e conceptual entre os sinais, será o consumidor médio dos conhecidos medicamentos respectivamente assinalados facilmente induzido em erro ou confusão e levado a crer que provêm da mesma origem comercial, ou de entidades de algum modo entre si relacionadas.

87. Ou seja, mesmo depois de recorrer a um exame atento ou confronto, o consumidor, ainda que conseguisse distinguir os sinais, não deixaria de os associar, julgando, assim, pertencerem à mesma entidade.

88. Por outro lado, a aparência das embalagens em si de ambas as marcas, ou as várias variantes da família de marcas “BEN-U-RON” (como “(…) Caff”, “(…) Já está”, “(…) Direct”, …), ou até mesmo os tipos de letra ou estilizações das letras em que as marcas se encontram inscritas, que igualmente a Recorrente cirurgicamente examinou para poder ressaltar e dissemelhanças, manifestam-se irrelevantes e insuficientes, aos olhos do consumidor de atenção média, para afastar a semelhança e o risco (real) de confusão ou de associação entre as marcas, fazendo com que o consumidor associe, intuitivamente, o sinal BRUFENON em apreço às marcas BEN-U-RON das Recorridas, por ele bem (re)conhecidas.

89. Neste mesmo sentido, bem andou o Tribunal a quo: “A irrelevância do aspecto figurativo nos sinais mistos prioritários, limitado a uma certa estilização ou coloração de letra ou alguns traços circulares, tão pouco permite distanciar os mesmos sob esse prisma.”

90. No caso em apreço é incontornável que o que está em causa, em confronto, são as apenas as designações “BRUFENON” e “BEN-U-RON”.

91. Destinando-se a marca da Recorrente a assinalar os mesmos produtos assinalados pelas marcas das Recorridas (para os quais já é usada), o risco de erro ou confusão é exponencial!

92. A óbvia identidade entre os sectores de actividade em que as partes actuam é mais um indício de que os serviços prestados por cada uma delas dirigem-se aos mesmos consumidores, ao mesmo “público-alvo”.

93. Toda esta situação poderá considerar-se igualmente agravada pelo facto de as empresas Recorridas e a empresa Recorrente serem ambas empresas do ramo farmacêuticas, pelo que o aparecimento no mercado da marca “BRUFENON” beneficia a Recorrente, pois esta, aproveitando-se da notoriedade da marca “BEN-U-RON”, como de resto o próprio INPI reconheceu, como consequência deste uso abusivo, avocam para si, ainda que indiretamente, maior visibilidade, clientela e vendas.

94. Sendo por demais evidente o conhecimento e prestígio da marca “BEN-U-RON” das Recorridas, é impossível que a Recorrente, que actua na mesma indústria (na indústria farmacêutica) desconhecesse esta inevitável associação e uso violador.

95. Conclui-se que no presente contencioso de marca verificam-se todos os requisitos cumulativos de imitação de marca previstos no art.º 238.º, n.º 1, alíneas a) b) e c) do CPI, sendo por isso aplicável o motivo de recusa do registo nos termos do art.º 232.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma.

96. Acresce que é fundamento de recusa de registo de marca “O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”

97. Conforme decidiu o Tribunal a quo, é aplicável por isso, o motivo de recusa do registo previsto no art.º 232.º, n.º 1, alínea b) do CPI: “Existindo risco de confusão com os sinais prioritários da recorrente, dá-se igualmente a invocada possibilidade de o registo ou uso do sinal em causa consubstanciar concorrência desleal, independentemente da intenção da recorrente, o que igualmente justifica a recusa do peticionado registo, nos termos dos artigos 232º, nº 1, al. h) e 311º, nº 1, ambos do CPI.”

98. No caso em análise a marca “BRUFENON” vem contribuir, por via da imitação, para a banalização do carácter exclusivo e capacidade atractiva das marcas das Recorridas e, por consequência, afectar o valor patrimonial das mesmas, o que é contrário aos bons usos e costumes comerciais.

99. As Recorridas e as Recorrente são entidades concorrentes, que exercem actividades idênticas, coincidentes, em que o domínio da actividade económica é o mesmo (o farmacêutico, em sentido amplo e abrangente), e concorrentes directas, pois os medicamentos em causa estão inseridos no mercado dos analgésicos e antipiréticos.

100. Por outro lado, o facto de as marcas serem notórias, potenciam exponencialmente as situações de concorrência desleal, mesmo independentemente da intenção da Recorrente - sendo esta prática proibida nos termos da lei (referido art.º 311.º do CPI).

101. O público em geral, ainda que seja capaz de identificar a diferente origem de cada uma das marcas, aos poucos, habituar-se-á ao facto de existir no mercado outro sinal semelhante. Como consequência, a força distintiva da marca notória e de prestígio dilui-se, o seu poder publicitário diminui e, mais grave ainda, a posição que determinou a sua qualificação especial, de marca notória e de prestígio, tende a perder-se, e com ela, essa preciosa mais-valia.

102. Por outras palavras, quanto mais marcas existirem imitando ou associando-se à marca “BEN-U-RON”, mais se verificará a vulgarização da mesma, facto que as Recorridas não podem conceder, até pela responsabilidade que têm perante o consumidor e 90 de 1839 investidores.

103. A Recorrente, – ao imitar uma marca notória e implementada no mercado nacional, com a qual as Recorridas assinalam um mesmo produto (medicamento), - inclusive com propriedades complementares, para, à custa disso, obter para si, enquanto concorrente directo das Recorridas, ganhos ilegítimos, traduzidos numa diminuição do volume potencial de negócios destas e de perda de parte da clientela por estas conquistada – pratica atos que não podem deixar de ser reputados de contrários às normas e usos honestos do mercado.

104. Tais atos constituem atos de confusão, de aproveitamento e de concorrência parasitária que se destinam a criar e a expandir a clientela da própria Recorrente à custa da redução da clientela real ou possível das Recorridas e que não podem, por isso, deixar de ser considerados ilícitos e danosos.

105. Assim, torna-se aqui adequada a seguinte citação Doutrinária do Prof. Nogueira Serens (in A vulgarização da marca na Directiva nº 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, pág. 10).: "No caso de conflito entre duas marcas, se a primeira(mente registada) for uma marca forte (por causa da sua peculiaridade e ou notoriedade no tráfico), entende-se que, para evitar riscos de confusão entre ambas, a segunda há-de apresentar um grau de dissemelhança maior que aquele que seria exigido se a marca anterior fosse fraca."

106. Contudo, a questão ultrapassa o risco de confusão do consumidor e o rasto que dela tem na sua memória (memory trace), pois o prejuízo revela-se patente pela vulgarização, banalização das marcas das Recorridas. Ou seja, pelo risco de diluição da marca BENU-RON.

107. As marcas BEN-U-RON são merecedoras da protecção especial que a Lei prevê nestes casos, pugnando-se, pois, pela confirmação da decisão ora recorrida, de forma a evitar a existência de marcas que possam comprimir e comprometer a notoriedade e o prestígio alcançado pelas marcas das Recorridas, sendo certo que, independentemente da sua notoriedade e prestígio, existe, para todos os relevantes efeitos, imitação de marca no presente caso.

108. Verificam-se , assim, in casu todos os fundamentos de recusa invocados pelas Recorridas, o dos elementos integradores da imitação das suas marcas notórias, consequente e indesejada vulgarização do seu sinal marcário BEN-U-RON e possibilidade de concorrência desleal.

109. Estando preenchidos, de facto e de direito, todos os pressupostos legais que fundamentam a recusa do registo da marca apelada (artigos 232.º, n.º 1. als. b), e h) 238.º, n.º 1, 241.º e 242.º, 311.º 317, n.º 1 als. a) e c), todos do CPI Termos em que, e nos melhores de direitos e com o sempre douto suprimento dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, deve a apelação julgada improcedente e confirmada a douta sentença recorrida por acórdão que recuse o registo da marca nacional n.º 655664 “BRUFENON”

 

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, impõe-se apreciar e decidir.

Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:

1. Pelas razões indicadas na impugnação judicial que se aprecia,  os factos alegados pela Mylan nos artigos 44.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso de propriedade industrial devem ser dados como provados?

2. A sentença recorrida deve ser revogada por não ter levado em consideração a sentença do TPI de 30.03.2021 que considerou que «BRUFENON» não imita as marcas «BEN-U-RON», estando por isso em clara contradição com aquela decisão?

3. No presente caso, não se preenche o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial?

4.  Não havendo qualquer risco de confusão entre BRUFENON e as marcas da Bene, não existe qualquer possibilidade de concorrência desleal, seja por desvio de clientela ou vendas, seja por aproveitamento da reputação da marca da Bene?

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

1. Pelas razões indicadas na impugnação judicial que se aprecia,  os factos alegados pela Mylan nos artigos 44.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso de propriedade industrial devem ser dados como provados?

Têm o seguinte conteúdo os apontados números da resposta ao recurso de propriedade industrial apresentada pela ora Recorrente:

44. A BGP é a titular das Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) do medicamento BRUFEN – cf. Docs. n.º 6 que se junta e que já fora apresentado com a contestação em sede administrativa.

(...)

47. A marca BRUFEN encontra-se registada a favor da Mylan Healthcare GmbH, aqui Recorrida, através dos seguintes registos:

       • Marca nacional n.º 153527 BRUFEN, registada em 18.05.1970 para assinalar substâncias farmacêuticas, veterinárias e de higiene na classe 5;

       • Marca da União Europeia n.º 003409786 BRUFEN, registada em 21.07.2005 para assinalar produtos farmacêuticos na classe 5.

48. A marca BRUFEN é usada em Portugal há mais de 45 anos, sendo uma marca bem conhecida dos consumidores portugueses – cf. https://www.brufen.pt/pt-pt/ sobre e respetiva impressão que se junta como Doc. n.º 7 e que também foi junto com a contestação em sede administrativa.

49. Na verdade, segundo um estudo de mercado feito pela empresa GFK em junho de 2019 junto de consumidores portugueses, o BRUFEN é um dos medicamentos mais usados para a dor, bem como um dos analgésicos com avaliação mais positiva – cf. pág. 8 do Doc. n.º 8 que se junta e que já fora apresentado com a contestação em sede administrativa.

50. De acordo com o mesmo estudo, o BRUFEN é um dos dois analgésicos mais referido pelos entrevistados, tendo praticamente o mesmo nível de notoriedade e reconhecimento que o BEN-URON – cf. Doc. n.º 8, pág. 23

 

No que tange ao n.º 44 acima referido, cumpre referir que não se vislumbra nos autos qualquer esforço minimamente eficaz e efectivo de demonstração do aí vertido. Se queria demonstrar a titularidade de autorizações de introdução no mercado relativamente a um qualquer medicamento, competia à Recorrente, profissionalmente representada nos autos, juntar aos mesmos cópias devidamente certificadas de documentos oficiais que patenteassem a concessão de tais autorizações, o que não fez.

Neste âmbito, juntou o que aparenta ser uma impressão de uma página de Internet, necessariamente de escasso relevo demonstrativo para o efeito pretendido por não estar legalmente atribuído a tal meio eficácia probatória relativamente à prática de actos oficiais e conteúdo de actos administrativos. Tudo agravando, nem terá a Recorrente notado que não lhe é feita qualquer menção nessa cópia já que, se tal tivesse ocorrido, nunca viria encarniçar a sustentação de que daí resultaria a sua titularidade de algo.

Improcede, pois, esta vertente do recurso.

 

Quanto ao ponto n.º 47, o recurso faz tábua rasa do disposto nos n.ºs 1 e 4  do  art. 7.º do Código da Propriedade Industrial que impunham à Recorrente a junção de certificado que patenteasse os títulos respectivos.

Tal junção não foi invocada no recurso e não ocorreu, não tendo, salvo o devido respeito, qualquer sentido técnico a pretensão de cruzamento de decisões fácticas de processos distintos menos o possuindo num contexto de junção ilegal e ulterior de documentos por tal razão não admitidos nestes autos de impugnação judicial.

É improcedente esta parte da pretensão da Recorrente.

 

Relativamente ao ponto 48, pretendia a Impugnante que as suas próprias declarações, porque vertidas num documento escrito (da sua lavra), patenteariam o por si alegado num processo (aquele em que se gerou o recurso que se aprecia).

De novo salvo o respeito devido, é totalmente destituída de suporte técnico e, até, razoabilidade, a pretensão apreciada. A aceitação do proposto, geraria, aliás, a própria implosão do processo civil como conhecemos e desvirtuaria completamente a instrução tal como a conhecemos. Sobretudo, estaria criada a forma perfeita de desacreditar o sistema judicial. Na tese propugnada, alguém invocaria algo e bastar-lhe-ia juntar um documento por si elaborado para ter como necessariamente provada circunstância por si alegada. Tal proposta interpretativa nada tem a ver com o rigoroso, equidistante, ritual, exigente acto de julgar e administrar Justiça. Aliás, ao pretender-se estar demonstrado o alegado não se atende ao disposto no n.º 3 do  art. 466.º do Código de Processo Civil que sempre reclamaria, na situação em apreço, por confirmação em esteio bem mais sólido e substancialmente menos parcial.

Acresce ser conclusiva a referência final constante do apontado número, pelo que nunca poderia tal menção ser levada à sentença final como facto demonstrado.

 

No que tange ao ponto 49, é incongruente o aí afirmado e, logo, também o é a pretensão já que o que se porfia por ver cristalizado é um facto irrelevante que contém o que poderia ser um facto de relevo. Efectivamente se poderia ter alguma importância, no que se refere ao reconhecimento do mercado específico do produto referido pela marca, a menção a que «o BRUFEN é um dos medicamentos mais usados para a dor, bem como um dos analgésicos com avaliação mais positiva» (afirmações que, no entanto, sempre teriam que ser quantificadas para não serem meras conclusões de facto), a verdade é que não foi isso o alegado. O que se invocou é que um estudo de mercado de uma determinada empresa o disse uma vez em determinado contexto temporal. Ora, esta afirmação, por demasiado frágil e por pretender transformar um meio instrutório no próprio objecto da instrução, não tem aqui o relevo pretendido, nada justificando a sua inclusão entre os factos provados.

Não existem, em consequência, razões de procedência que suportem esta parte do pretendido.

 

Por serem as mesmas as razões de decidir, é mandatório concluir que o mesmo vício fere de morte a pretensão de inclusão do invocado no art. 50.º da contestação da ora Recorrente, aliás também de forma conclusiva e geradora da necessidade de decomposição em factos efectivos e quantificação precisa, não valendo o alegado nos termos imprecisos e conclusivos vertidos na peça processual.

Rejeita-se depois, por flagrante improcedência, esta derradeira pretensão em matéria de facto.

 

Vem provado que:

1. A 1ª recorrente é titular dos seguintes registos de marca:

- marca nacional nº 582253 Uma imagem com texto, Tipo de letra, captura de ecrã, logótipo

Descrição gerada automaticamente, solicitado em 11.05.2017 e concedido em 12.12.2017 para assinalar ‘medicamentos’ na classe 5 da Classificação de Nice;

- marca nacional nº 582255 ,solicitado em 11.05.2017 e concedido em 12.12.2017 para assinalar ‘medicamentos’ na classe 5 da Classificação de Nice;

- marca nacional nº 593026 Uma imagem com texto, Tipo de letra, design

Descrição gerada automaticamente, solicitado em 10.12.2017 e concedido em 5.03.2018 para assinalar ‘medicamentos’ na classe 5 da Classificação de Nice;

- marca nacional nº 626601 Uma imagem com texto, Tipo de letra, design

Descrição gerada automaticamente, solicitado em 4.07.2019 e concedido em 29.10.2019 para assinalar ‘medicamentos; medicamentos à base de paracetamol de administração oral; medicamentos farmacêuticos’ na classe 5 da Classificação de Nice.

2. A 2ª recorrente é titular do registo de marca internacional com designação de Portugal e da UE nº 479688 BEN-U-RON, efectuado em 31.07.1991 para assinalar ‘Produits pharmaceutiques et de médecine vétérinaire, produits chimiques pour les soins d’hygiene, produits diététiques pour enfants et malades, désinfectants à l’usage médical’ na classe 5 da Classificação de Nice.

3. Em 28.12.2020, a recorrida solicitou junto do INPI o registo da marca nacional nº 655664 BRUFENON para assinalar ‘preparações farmacêuticas; produtos farmacêuticos; medicamentos’ na classe da Classificação de Nice.

4. Em 10.03.2021, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o mencionado pedido de registo de marca (ponto 3 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 55-141 dos autos, que se dão por reproduzidos.

5. Em 11.05.2021, a recorrida contestou a mencionada reclamação da recorrente (ponto 4 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 142-248v dos autos.

6. Por decisão de 8.09.2021, publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 15.09.2021, o INPI indeferiu a reclamação da recorrente e concedeu o registo de marca nacional n° 655664 BRUFENON, nos termos peticionados.

 

Fundamentação de Direito

2. A sentença recorrida deve ser revogada por não ter levado em consideração a sentença do TPI de 30.03.2021 que considerou que «BRUFENON» não imita as marcas «BEN-U-RON», estando por isso em clara contradição com aquela decisão?

Não foi invocada perante o Tribunal «a quo» e apreciada na sentença impugnada a excepção de caso julgado.

Não vêm provados factos que possam apontar para a sua verificação nem foi questionada a cristalização fáctica, a este nível, no âmbito do estabelecido no art. 640.º do Código de Processo Civil.

Não se divisam válidos elementos nos autos que permitam, sequer, cogitar o preenchimento de tal excepção dilatória ao nível dos seus pressupostos repetição dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir.

Neste quadro, é insofismavelmente improcedente a arguição ora apreciada

 

3. No presente caso, não se preenche o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial?

O Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, o enquadramento jurídico das noções subjacentes e pressuponentes da análise que se propunha realizar, designadamente dos conceitos de marca, sua função e forma de constituição.

Esta matéria conceptual não vem posta em crise, não se colocando, no caso em apreço, dificuldades específicas ao nível da caracterização dos signos em confronto.

Estamos perante duas marcas, já que tais sinais são subsumíveis à fattispecie do art. 208.º do Código da Propriedade Industrial (CPI). Sobretudo, salienta-se, a este nível, a finalidade de distinguir produtos através das palavras escolhidas como signos.

Quanto ao mais, trata-se de matéria que, por não vir questionada e não aparecer em crise de forma que se imponha a este Tribunal avaliar, não receberá análise autónoma nesta decisão.

Não se materializa qualquer das excepções referenciadas no art. 209.º do mesmo encadeado normativo.

O Tribunal «a quo» identificou correctamente preceitos relevantes para a análise que realizou – os art.s 208.º, 232.º, n.º 1, als. b) e h)  e as três alíneas do n.º 1 do art. 238.º, todos do referido código, bem como o artigo 9.º do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2017, sobre a marca da União Europeia – e deu o devido relevo e sentido ao disposto nesses preceitos legais.

No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art. 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos:

a. Prioridade;

b. Coincidência de objecto; e

c. Susceptibilidade de confusão, erro ou associação.

 

Face aos factos colhidos nos autos, o Tribunal concluiu, com facilidade e em termos que não deixam margens para dúvidas nem vêm questionados, pelo preenchimento dos dois primeiros requisitos. Não há dificuldades remanescentes quanto à anterioridade da marca das Recorridas e seus registos e não as há também no que se reporta à coincidência de objectos e, consequentemente, de mercados, mostrando-se correcta a análise feita na sentença, incidente sobre a noção de identidade de produtos, assente na noção de especialidade – referindo que os bens envolvido se destinam «a satisfazer as mesmas necessidades (terapia de enfermidades humanas) do mesmo público-alvo (pacientes necessitados de tratamento medicamentoso), partilhando os mesmos canais de promoção e distribuição, designadamente farmácias e parafarmácias em grandes superfícies».

Resta, pois, para avaliação, o requisito definido na al. c) do apontado número e artigo.

Há que atender, neste âmbito, a que os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto). E será mais intensa se a palavra aparecer ou for usada várias vezes. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação. São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos.

À luz da técnica que ao Tribunal cabia aplicar, impunha-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.

Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.

A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado. E é assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.

Face aos factos provados acima referenciado, tem que se concluir que se comparam marcas essencialmente nominativas (só «ben-u-ron caff» tem algum grafismo, mesmo assim discreto, pouco criativo e escassamente distintivo).

No quadro da referida análise de conjunto e globalizante – a realizar, sobretudo, se abstrairmos do muito relevante facto de a venda dos produtos em comparação (ambos medicamentos) ser tendencialmente feita por profissionais devidamente formados e não atreitos a confusões do jaez da brandida nos autos – temos que se confrontam duas palavras substancialmente distintas. Com efeito, a ponderação do conjunto permite-nos verificar que as marcas das Recorridas correspondem a um bloco de letras e sonoridades associadas constituídos por justaposição, ou seja, em concreto, pela ligação através de dois hífenes com invulgar isolamento central da letra «u». Usando o mesmo método, podemos verificar que a marca da Recorrente corresponde a um bloco único constituído por aglutinação, ou seja por mera junção com integração e perda de autonomia.

Quanto à tão essencial fonética (porque os grafismos produzem sons mesmo quando não reproduzidos e apenas pensados), temos que a acentuação tónica da marca «ben-u-ron» se localiza na primeira sílaba e a da marca «brufenon» na segunda o que inculca a noção da existência de uma muito substancial diferença no núcleo dos espaços gnoseológico e de comunicação.

Perante substanciais diferenças entre os conjuntos em cotejo, nenhuma razão permite que se sustente a tese da semelhança, ainda que emulemos o menos exigente dos olhares (que não é o do consumidor de medicamentos e menos o é o do profissional que os vende). Para o consumidor pouco dado a tecnicidades e detalhes e que faz a dita perspectivação global, os dois conjuntos em comparação são, manifestamente, diferentes.

 Ainda que se abstraísse da análise global imposta pela jurisprudência acima invocada e se atendesse ao detalhe, fazendo a decomposição dos elementos integrantes dos vocábulos, sempre extrairíamos, inafastável e flagrante, a noção de que,  afinal, as duas palavras apenas comungam de duas singelas letras finais, um «o» e «n» que nada significam, juntos, na língua portuguesa e que, na língua inglesa, assumem o significado de «ligado», «em funcionamento», «em cima de», «sobre», «em diante», «adiante», «em marcha», «junto a», «a respeito de» e vários outros, sendo que esta multi-semântica não é, de qualquer forma, enquanto radical linguístico, apropriável. Aliás, quanto a este elemento, é facto notório a existência de diversos medicamentos cujas marcas terminam em «on».

Neste contexto, atendendo à abordagem de conjunto que é a do consumidor (e que ao julgador se impõe), há que considerar que a marca da Recorrente produz um efeito cognitivo e sensitivo claramente distinto do gerado pelas marcas pré-existentes.

Pelo exposto, responde-se afirmativamente à questão proposta.

 

4.  Não havendo qualquer risco de confusão entre BRUFENON e as marcas da Bene, não existe qualquer possibilidade de concorrência desleal, seja por desvio de clientela ou vendas, seja por aproveitamento da reputação da marca da Bene?

A resposta dada à questão anterior impõe, de forma directa e insofismável, que se responda afirmativamente também a esta questão.

Não se preenchem as previsões da al. h) do n.º 1 do art. 232.º e da al. a) do n.º 1 do  art. 311.º, ambos do Código da Propriedade Industrial

 

III. DECISÃO

Pelo exposto, concedemos provimento ao recurso e, em consequência revogamos a sentença impugnada mantendo a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 08.09.2021, publicada no Boletim da Propriedade Industrial n.º 181/2021, de 2021.09.15, que concedeu o registo da marca n.º 655664 «BRUFENON».

Custas pelas Apeladas.

*

Lisboa, 09.11.2022

 

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Paula Dória de Cardoso Pott  (1.ª Adjunta)

Eleonora M. P. de Almeida Viegas (2.ª Adjunta)