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Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 0142549-44.2011.8.26.0100, Relator (a): Costa Netto, julgado em 19 março 2019

br047-jpt

Registro: 2019.0000359916

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0142549-44.2011.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL, é apelada UNIVERSO ONLINE S/A.

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, Deram parcial provimento ao recurso, vencidos o Relator Sorteado e o 2º Juiz. Acórdão com o 3º Juiz. Declara voto o Relator Sorteado. Declara voto a 4ª Juíza.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDSON LUIZ DE QUEIROZ (Presidente sem voto), COSTA NETTO, vencedor, MAURO CONTI MACHADO, vencido, ALEXANDRE LAZZARINI, ANGELA LOPES E PIVA RODRIGUES.

 

São Paulo, 19 de março de 2019

 

JOSÉ CARLOS COSTA NETTO RELATOR DESIGNADO
Assinatura Eletrônica

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 0142549-44.2011.8.26.0100

 

APELANTE: FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL APELADO: UNIVERSO ONLINE S/A

 

COMARCA: SÃO PAULO VOTO Nº 4504

 

Ação de Indenização por dano material e moral. Concurso Gata paulistão 2011. Reprodução divulgação e transmissão de imagens e informação do concurso, sem autorização do autor. Indevido compartilhamento do banco de dados do concurso. Violação aos direitos autorais. Contrafação perpetrada pela ré. Danos material e moral devidos. Apuração em liquidação. Recurso parcialmente provido, nos termos expostos.

 

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença de fls.593/595, na qual a ação principal foi julgada improcedente e cujo relatório é adotado. Reportados alguns resultados da perícia, o d. Juízo "a quo" entendeu que não houve indevido compartilhamento de dados, bem como não ocorreu contrafação, vez que concursos dessa natureza são comuns. Demais, julgou incabíveis os danos morais, pois não se denegriu ou ofendeu a marca, o concurso, ou as candidatas. Por fim, afirma que houve muito mais acessos ao site do autor em relação ao do réu, o que impede configurar danos materiais, haja vista que a credibilidade do certame não foi prejudicada.

 

Opostos embargos de declaração às fls.600/602, pela autora, no qual alegou omissão do magistrado por não decidir sobre o agravo retido. Analisados pelo juízo, o recurso foi rejeitado à fl.603.

 

Interposta apelação às fls.606/636, foi ratificado o agravo retido e fundamentadas as razões recursais. Alega que o laudo pericial confirmou a violação ao direito autoral e de marca, bem como apontou a necessidade da perícia contábil. Os danos materiais só não foram computados, por falta da prova técnica, já que magistrado e perito concordaram com a violação da Propriedade Intelectual. O compartilhamento de banco de dados não pode ser separado e, assim, há responsabilidade da apelada, pois disponibilizou mecanismo de compartilhamento indevido em seu "site". Os danos morais seriam devidos, vez que decorrem do uso indevido da imagem das candidatas. Enfim, aduz que pela prova pericial seria comprovado que os visitantes da apelada eram diferentes daqueles da apelante.

 

Contrarrazões apresentadas às fls.645/670. Sustenta que a prova pericial contábil estaria preclusa e seria inútil ao feito. No mérito, afirma que não realizou concurso paralelo, mas simples enquete com fins jornalísticos. Para tanto, era essencial a interatividade com o público, o que justifica as ferramentas de compartilhamento. Ainda, alega que não houve contrafação, pois não há originalidade no concurso. Igualmente o mero pedido de registro no INPI não garante a exclusividade do nome do concurso à apelante. Também aduz que não houve dano moral, pois o concurso não foi vulgarizado por conta dos comentários, haja vista o seu conteúdo sensual. Por derradeiro, diz que não há como recuperar os IP's de quem acessou o site.

 

Por fim, manifestado o interesse da apelante (fl.675), houve tentativa de conciliação, que restou infrutífera (fl.676).
É o relatório.

 

Inicialmente cumpre esclarecer que, a Lei 9.610/98 protege a chamada "base de dados", pela seleção, organização ou disposição de seu conteúdo (inciso XII, do art. 7º da Lei 9.610/98)1.

 

Além disso, a lei prevê:

 

"Art. 87. O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito exclusivo, a respeito da forma de expressão da estrutura da referida base, de autorizar ou proibir:

 

I - sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo;

 

II - sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outra modificação;

 

III - a distribuição do original ou cópias da base de dados ou a sua comunicação ao público;

 

IV - a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dos resultados das operações mencionadas no inciso II deste artigo."

 

Para se constatar a proteção de direito de Autor sobre a base de dados é necessário que, caso a caso, seja examinada a sua efetiva originalidade.

 

No tocante à proteção autoral à base de dados anota José de Oliveira Ascensão que:

 

"Não é a mera aglomeração de duas que permite falar de uma obra conjunta. Teriam de se tomar em conta dois elementos : o conjunto de obras, por um lado, e o critério de seleção, ordenação, elaboração e apresentação do material de base de dados, por outro. A matéria terá de ser dada pelas duas armazenadas mas só poderá aspirar a uma tutela autoral com base no critério ordenador." (Direito Autoral, Renovar, Rio de Janeiro, 1997, p.673).

 

Nesse aspecto, dispõe a Lei 9.610/98:

 

"Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

 

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

 

I - a reprodução parcial ou integral;

 

(...)

 

VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; (...)"

 

Visto isso, a farta documentação acostada demonstra que a idealizadora e criadora do concurso "Gata do Paulistão 2011" foi a Federação Paulista de Futebol, ora apelante - fls.77 Regulamento do Concurso.

 

A autora, ora apelante, Federação Paulista de Futebol, contratou a empresa "Concorrência 1 Eventos e Promoções Ltda" para organizar o "Concurso Gata do Paulistão" (fls.106/109)

 

Segundo o Regulamento do Concurso "Gata do Paulistão 2011" (art.4º), dado o caráter de exclusividade da participação no referido concurso, as 20 candidatas não poderiam "até o final do evento, sem prévia e expressa autorização da FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL".... realizar e/ou ceder quaisquer fotos e/ou ensaio sensual fotográfico de sua titularidade ou promovido por terceiros para qualquer meio de telecomunicação, incluindo, mas não se limitando à, Internet, filmes publicitários, mala direta telefonia fixa e/ou móvel, televisão aberta e/ou por assinatura, jornal, revista e calendários impressos ou on-line, marketing viral, até o encerramento do Campeonato Paulista de Futebol Profissional da Primeira Divisão Série A1 da temporada 2011." (fls.110).

 

As candidatas, por meio de "Termo de Compromisso, Cessão de Direitos e de Outras Avenças", cederam seus direitos de imagens, com exclusividade à empresa "Concorrência I Eventos e Promoções Ltda" para o referido certame.

 

Ao analisar a documentação acostada nos autos, observa- se que foram assertivas as constatações da perícia quanto à indevida utilização da imagem e da realização de concurso paralelo ao realizado pela ora apelante, com utilização das mesmas candidatas da recorrente.

 

Assim concluiu a perícia:

 

"O portal do uol promoveu uma eleição da gata do paulistão utilizando-se das mesmas imagens das participantes do concurso promovido pela requerente e também se utilizando da marca nominativa "Gata do Paulistão" de titularidade da requerente.

 

(...) a eleição promovida pelo requerido também associou as participantes aos mesmos clubes de futebol do concurso promovido pelo requerente, apresentando aos seus internautas as mesmas informações pessoais referentes a cada participante (fl.500).

 

Nesse quadro, está demonstrado não só a violação de direito autoral decorrente da utilização indevida de sua base de dados, deflagrada pelo aproveitamento da mesma seleção das candidatas e o seu compartilhamento tendo por consequência o uso indevido da imagem das participantes (e cuja reprodução "on line" detinha a exclusividade por contrato) do concurso realizado pela apelante, mas também a concorrência desleal, inclusive pela utilização da marca nominativa "Gata do Paulistão", (já depositada no INPI anteriormente à violação) (fls.500).

 

Quanto à proteção do direito do "depositante" de marca, expressa o art. 130, III, da Lei 9.279/96:

 

"Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

 

(...)

 

III - zelar pela sua integridade material ou reputação." (destacado)

 

Neste sentido é o entendimento do STJ:

 

"CIVIL E COMERCIAL. CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. DEPÓSITO EFETUADO JUNTO AO INPI. PENDÊNCIA DE REGISTRO. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. (...) 3. A finalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto. 4. O art. 129 da Lei 9.279/96 subordina o direito de uso exclusivo da marca ao seu efetivo registro no INPI, que confere ao titular o direito real de propriedade sobre a marca. Mas a demora na outorga do registro não pode andar a favor do contrafator. 5. Assim, não apenas ao titular do registro, mas também ao depositante é assegurado o direito de zelar pela integridade material ou reputação da marca, conforme o disposto no art. 130, III, da Lei 9.279/96. Interesse processual configurado. 6. Recurso especial provido." (REsp nº 1.032.104 RS, Relatora Nancy Andrigui- grifado)

 

Assim, entende-se ser devida a indenização por violação aos direitos morais e patrimoniais de autor, além da violação à marca e a contrafação perpetrada pela ré.

 

No que tange aos danos materiais, estes devem ser apurados em liquidação de sentença (mantendo-se neste prisma a rejeição do agravo retido interposto pelo ora apelante fls.611).

 

No que tange aos danos morais:

 

Na hipótese vertente, cumulam-se os danos patrimoniais e morais, como pacificado na jurisprudência,2 tendo em vista a ausência de crédito autoral da recorrente (Federação Paulista de Futebol) na utilização indevida (art. 24, II)3 e modificação desautorizada da base de dados art. 24, IV, da Lei 9.610/98)4

 

Diversamente do dano patrimonial, de origem econômica, o dano autoral de natureza moral é extrapatrimonial. Assim, a consequência indenizatória poderia conter, à primeira vista, tratamento jurídico que levasse a critérios diferenciados, sob o aspecto econômico da reparação devida ao autor lesado.

 

Essa linha de raciocínio acaba resultando, muitas vezes, na adoção - que se entende ser criticável no terreno dos direitos de autor de prefixação tarifária do "quantum" indenizatório que costuma ser aplicado em relação aos danos morais de natureza diversa do autoral.

 

Consequentemente é fundamental destacarmos quais são os elementos, com repercussão jurídica, que são similares ou diferentes na concepção dos critérios indenizatórios em relação a essas duas vertentes de danos autorais. Nesse passo,

 

(a) a diferenciação:

 

(a).1.- os direitos morais de autor, em virtude de sua natureza jurídica de direitos da personalidade, prevalecem em relação aos direitos patrimoniais e, portanto, no plano indenizatório, não devem ser mitigados em relação a estes,

 

(a).2.- a gravidade da violação de direito moral de autor, pela sua natureza (mutilação da obra, apropriação indevida de sua paternidade, etc.), é, normalmente, mais acentuada do que a violação de direitos patrimoniais (que poderá ser uma utilização da obra intelectual íntegra, mas sem a autorização do autor);

 

(b) a similitude:

 

(b).1.- ambos consistem em atos ilícitos que resultam em sanções indenizatórias de natureza pecuniária ou econômica,

 

(b).2.- em ambos, aplicam-se o "duplo caráter indenizatório das violações", ou seja, a reparação correspondente tanto aos danos autorais morais quanto aos patrimoniais, contém, não somente a finalidade ressarcitória/reparatória como também punitiva;

 

(b).3. - em ambos, o critério indenizatório deverá levar em conta a abrangência do dano e o benefício que o ato ilícito gerou ao infrator, especialmente de ordem econômica.

 

Nessa vertente, a reparação de danos autorais, tanto de ordem patrimonial quanto moral, confrontando-a com a teoria tradicional da responsabilidade civil, apesar da convivência de fundamentos comuns, especialmente no plano da equidade, para fazer frente aos malefícios da violação aos direitos de autor, além do ressarcimento do ofendido medido pela extensão do dano impõe o efeito pedagógico trazido com a punição do ofensor.

 

A resposta não poderia ser a mera fixação tarifária de um valor aleatório a título de danos morais, mas sim obedecer aos critérios que deverão se nortear pelas similitudes - e diferenciações expostas em relação aos danos patrimoniais. Nesse caminho, o valor da receita publicitária servirá como base para apuração do "quantum" indenizatório, acrescido do percentual ou multiplicador - a ser arbitrado em face da gravidade da prática ilícita referida5.

 

Nesse caminho, cabe destacar a judiciosidade de recente acórdão do STJ Superior Tribunal de Justiça de relatoria do Ministro Moura Ribeiro que, após destacar a melhor trilha doutrinária e jurisprudencial aplicável na fixação de critérios para a valoração da reparação dos danos decorrentes de violação de direitos morais de autor, conclui com inegável acerto:

 

"Feitas essas considerações, é de se ressaltar que os critérios para o arbitramento dos danos morais serão apreciados nas instâncias inferiores de acordo com a legislação de regência, observados os elementos orientadores para a reparação integral do dano, abrangendo a efetiva penalização dos infratores, com o objetivo de desestimular a prática ilícita, bem como a adequação do montante indenizatório de acordo com o volume econômico da atividade em que a utilização indevida da obra foi inserida"6.

 

Portanto, fixa-se os danos morais no mesmo valor dos danos materiais.

 

Sucumbente o réu, ora apelado, em maior parte, deverá arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixado em 20% sobre o valor da condenação.

 

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso nos

 

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por JOSE CARLOS COSTA NETTO, liberado nos autos em 13/05/2019 às 10:13.
Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0142549-44.2011.8.26.0100 e código RI000001QIODB.

 


1 O inciso XIII do artigo 7º da Lei 9.610/98, suprimiu do texto legal anterior (artigo 7º da Lei 5.988/73) as seguintes especificações: "seletas", "compêndios", "jornais", "revistas", "coletâneas de textos legais", "de despachos", "de decisões ou de pareceres administrativos, parlamentares ou judiciais" e acrescentou a expressão "base de dados e outras obras".

2 Nesse sentido a Súmula 37 do Superior tribunal de Justiça (STJ): "São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato."

3 Art. 24. São direitos morais do autor: (...)
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

4 IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra

5 Nesse sentido o Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão proferido em 22.06.2004, pela 3ª Câmara de Direito Privado, apelação nº 338.729.4/1-00, por votação unânime, Relator Desembargador Luiz Antonio de Godoy, que confirmou integralmente a sentença que quantificou indenização a título de dano moral (omissão do nome do autor de obra fotográfica em propaganda) em valor correspondente a 10 vezes o "quantum" indenizatório atribuído ao dano material.

6 Acórdão de 16.05.2017, proferido por votação unânime da Terceira Turma do STJ nos Embargos de Declaração no Resp nº 1.558.683/SP, relator Ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro.