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PT029-j

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, processo n.º 196/14.4YHLSB.L1.S1 | ECLI:PT:STJ:2022:196.14.4YHLSB.L1.S1.16

 

Processo nº 196/14.4YHLSB.L1.S1 

7.ª Secção (Cível)

Recurso de Revista

 

 

 

Decisão Texto Integral

 

 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 

RTL TELEVISION GmbH, com sede em Picassoplatz, 1, 50679 Colónia, Alemanha, demandou as rés GRUPO PESTANA - S.G.P.S., S.A., com sede no Largo António Nobre, 9000 - 022 Funchal, e SALVOR - SOCIEDADE DE INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A., com sede na Rua Rodrigo da Fonseca, n.º 77, 5.º, 1250 - 190 Lisboa, pedindo que se declare:

a) A captação e disponibilização das emissões do Canal RTL, nos quartos dos hotéis D.... e ... Praia, assim como nos quartos dos demais hotéis explorados, direta ou indiretamente, pela Salvor, S.A. e ainda nos quartos dos demais hotéis que se venham a apurar em resultado dos pedidos de informação formulado supra no artigo 141.º, constitui um ato de comunicação ao público nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 187.º do CDADC ou, caso assim não se entenda, que constitui uma retransmissão daquelas emissões nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 187.º do CDADC;

b) A disponibilização mencionada no ponto anterior se encontra sujeita à autorização prévia da RTL Television, enquanto organismo de radiodifusão e titular de direitos conexos (afins ou vizinhos do direito de autor) sobre as suas emissões, nomeadamente o direito de autorizar a comunicação ao público das referidas emissões e o direito da retransmissão das mesmas, bem como ao pagamento de uma remuneração como contrapartida das mesmas;

c) Que, não tendo a autorização referida no ponto anterior sido outorgada pela Autora, a disponibilização do Canal RTL nos quartos dos hotéis explorados pela Salvor, S.A. bem como nos quartos dos demais hotéis que se venham a apurar em função dos pedidos de informação formulados supra, é ilícita;

E se condene:

A Salvor, S.A. a não disponibilizar o acesso ao Canal RTL, nos quartos dos hotéis por si explorados, sem ter solicitado e obtido a autorização da RTL Television para a retransmissão e/ou comunicação ao público das suas emissões;

 

A Salvor, S.A. ao pagamento, a título de compensação pela retransmissão e/ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no montante de 0,20€, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento em que a Salvor, S.A. começou a disponibilizar o referido Canal nos quartos dos seus hotéis até ao dia em que cessar a disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescidos de juros à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente ação até integral pagamento;

Condene solidariamente a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento a que se refere o pedido formulado em (ivsupra;

Condene a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., enquanto sociedade dominante, a tomar as medidas intra-grupo adequadas, designadamente através de instruções vinculantes ao abrigo do disposto no artigo 503.º do CSC (ex vi artigo 491.º do CSC), afim de que as sociedades por ela detidas não disponibilizem o Canal RTL nos hotéis por si explorados, sem obter a prévia autorização da Autora, pagando-lhe a correspondente remuneração;

Condene a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento, a título de compensação pela retransmissão e/ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no montante de 0,20€, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento em que os hotéis explorados pelas restantes sociedades por si detidas (para além da Salvor, S.A.) começaram a disponibilizar o referido Canal nos respetivos quartos até ao dia em que cessar a disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescidos de juros legais taxa legal desde o trânsito em julgado da presente ação até integral pagamento;

Condene, nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, a Salvor, S.A. ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a dividir em partes iguais entre a RTL Television e o Estado, no valor de 5000€ (cinco mil euros) por cada dia, posterior ao trânsito em julgado desta ação, em que Salvor, S.A. não cumpra a injunção referida supra no ponto iv;

Condene solidariamente a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento a que se refere o pedido formulado no ponto anterior.

 

Como fundamento dos pedidos alegaram:

A ora autora RTL Television GmbH, é uma entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora e visual, destinadas à receção pelo público em geral.

A autora RTL Television efetua emissões de radiodifusão sonora e visual de vários canais de televisão “gratuitos”, isto é, cuja receção e uso para fins privados não está sujeita ao pagamento de qualquer licença, nomeadamente, o canal “RTL Television” (doravante “Canal RTL”) e o canal “RTL Nitro”.

O canal RTL é um “canal generalista”, sendo o líder de mercado há quase 20 anos na maioria dos grupos-alvo; o seu programa disponibiliza aos seus telespetadores uma gama muito ampla de formatos televisivos (filmes, séries, espetáculos, documentários, eventos desportivos, notícias e magazines) e é um dos canais de televisão de língua alemã mais conhecidos e visionados pela população germano-falante da União Europeia.

Embora a programação do canal RTL seja criada e direcionada para o público residente na Alemanha, Áustria e Suíça e todas as fontes de financiamento publicitário provenham destes países, tendo em conta o alastramento do sinal de satélite (satélite ASTRA 19,2º Este), este canal é tecnicamente rececionável em toda a Europa.

A autora RTL Television, enquanto organismo de radiodifusão, tem o direito de autorizar ou de proibir a retransmissão e a comunicação ao público das emissões das suas emissões, sendo prática da RTL Television a celebração de acordos de licenciamento nesse sentido.

A autora RTL Television já celebrou acordos de licença de retransmissão e de comunicação ao público das suas emissões com operadores de televisão por cabo que operam em Portugal, bem como com alguns hotéis localizados no nosso país, sendo o preço que aplica aos hotéis portugueses pela celebração dos referidos contratos, no tocante ao Canal RTL, de 0,20€, por quarto e por mês (montante a que acrescem os impostos aplicáveis e é independente da taxa de ocupação do hotel).

A ré Grupo Pestana S.G.P.S. é um dos maiores grupos portugueses no setor do turismo, com uma atuação centrada na vertente hoteleira, explorando atualmente cerca de 80 unidades de alojamento turístico, que totalizam aproximadamente dez mil quartos.

A ré Salvor - Sociedade de Investimento Hoteleiro, S.A. (doravante “Salvor S.A.”), detida pela autora Grupo Pestana S.G.P.S., é uma sociedade portuguesa que se dedica ao exercício e o fomento da indústria hoteleira, construindo ou financiando a construção de hotéis e interessando-se direta ou indiretamente na exploração de hotéis e estabelecimentos similares.

Entre a ré Grupo Pestana S.G.P.S. e a ré Salvor S.A. verifica-se, na prática, uma relação de domínio total, uma vez que a primeira detém uma participação direta de 98,98% no capital social da segunda.

O Canal RTL tem sido disponibilizado pela ré Salvor S.A. nos quartos do Hotel ... Praia e do Hotel Pestana D....

Ambas as rés entendem que não estão legalmente obrigadas ao pagamento de qualquer remuneração à autora por qualquer disponibilização do Canal RTL aos hóspedes dos hotéis explorados por sociedades por si detidas.


*


As rés, devidamente citadas, impugnaram parcialmente os factos afirmados pela autora no articulado inicial, pugnando pela improcedência da ação.


*



Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que que decidiu:

a) Declarar que a captação e disponibilização das emissões do Canal RTL da autora RTL TELEVISION GmbH nos quartos dos hotéis D.... e ... Praia, assim como nos quartos dos demais hotéis explorados, direta ou indiretamente, pelas rés GRUPO PESTANA - S.G.P.S., S.A. e SALVOR -SOCIEDADE DE INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A., constitui um ato de comunicação ao público nos termos referidos na alínea e) do n.º 1 do art. 187.º do CDADC [mas não com “entradas pagas”];

b) absolver as rés dos demais pedidos formulados pela ora autora;

c) condenar a autora no pagamento das custas já que decaiu totalmente na ação.


*


           

A Autora apelou da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Este Tribunal, por acórdão de 21.11.2019, decidiu julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença apelada.

Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitida, tendo formulado as seguintes conclusões (suprimem-se as que visam exclusivamente a admissibilidade da revista excepcional):

A) Nestes Autos de ação declarativa, a ora Recorrente, sociedade comercial sediada na Alemanha cujo objeto social consiste na emissão, tanto via satélite como via cabo, de programas de televisão e de radio, alegou que, pelo menos desde o início de 2014, algumas das unidades hoteleiras exploradas pela Recorrida Salvor têm vindo a disponibilizar aos seus hóspedes a fruição de um dos canais de televisão emitidos via satélite pela Recorrente (o canal RTL), captando o respetivo sinal através de antena parabólica e fazendo-os chegar aos aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos através de uma rede de cabos coaxiais.

B. Fazendo apelo à legislação sobre direitos de autor e direitos conexos (nomeadamente ao Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, doravante “CDADC”, e ao Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, relativo à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo), e aos direitos de exclusivo que em seu entender a referida legislação outorga aos “organismos de radiodifusão” relativamente ao aproveitamento com fins comerciais das respetivas emissões – nomeadamente, o direito de proibir/autorizar atos de comunicação ao público dessas emissões em lugares aos quais se aceda mediante pagamento de entrada, e o direito de proibir/autorizar atos de retransmissão das mesmas emissões, sejam eles efetuados através de ondas hertzianas, ou por cabo, independentemente de que quem os realiza seja, ele próprio, um organismo de radiodifusão – a ora Recorrente pediu, em primeira instância, ao Tribunal da Propriedade Intelectual, que declarasse que a disponibilização das emissões do canal RTL efetuada pela Recorrida Salvor nos quartos dos hotéis por si explorados vulnera simultaneamente aqueles dois direitos, ou, pelo menos, que vulnera o segundo desses direitos (o direito de autorizar ou proibir a retransmissão das referidas emissões).

C. Em decisão de primeira instância, o Tribunal da Propriedade Intelectual deu como provado, entre outros, o facto, confessado pelas próprias Recorridas, de que nos hotéis ... Praia e Pestana D..., ambos explorados pela Recorrida Salvor, pelo menos entre o dia 1 de maio de 2013 e o dia 28 de fevereiro de 2014, o canal RTL neles rececionado foi distribuído através de cabo coaxial pelos televisores instalados nos respetivos quartos (ou seja, nos 202 quartos do Hotel ... Praia e nos 301 quartos do Hotel Pestana D...).

D. O mesmo Tribunal estatuiu que a distribuição do canal RTL levada a cabo pela Recorrida Salvor nos quartos dos seus hotéis não vulnera o direito de retransmissão contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, porquanto o direito de retransmissão contemplado nesse preceito legal apenas abrange a retransmissão de emissões de radiodifusão quando essa retransmissão for efetuada por organismos de radiodifusão (ou seja, quando essa retransmissão couber literalmente no enunciado do conceito de “retransmissão” constante do n.º 10 do artigo 176.º do CDADC), sendo que a Recorrida Salvor é uma empresa de hotelaria, e não pode ser qualificada como organismo de radiodifusão.

E. A Recorrente, inconformada com a Sentença da primeira instância, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando tanto a decisão relativa à matéria de facto, como a decisão relativa à matéria de direito, alegando, especificamente quanto a esta última, que o Tribunal da Propriedade Intelectual errou ao não ter qualificado a distribuição do canal RTL, efetuada pela Recorrida Salvor nos quartos dos seus hotéis através de um sistema de cabos coaxiais, como ato de retransmissão por cabo de emissões de radiodifusão definido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, que apenas se pode efetuar se for previamente autorizado pelo organismo de radiodifusão que efetua as emissões, nos termos conjugados dos artigos 8.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro e da alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC.

F. O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de que ora se recorre, veio julgar a Apelação improcedente e confirmar a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, nomeadamente no tocante ao não preenchimento do tipo legal do direito de retransmissão atribuído aos organismos de radiodifusão pela legislação em vigor.

G. Ao acompanhar, no essencial, a fundamentação jurídica do Tribunal da Propriedade Intelectual quanto à improcedência da tese da Recorrente quanto à violação do direito de retransmissão que, segundo ela, lhe é outorgado pela legislação de direitos de autor e conexos em vigor, o Tribunal da Relação de Lisboa estabeleceu uma dupla conformidade de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, apurada de acordo com matéria factual análoga, o que, nos termos comuns de recurso, impede a ora Recorrente de sindicar o referido acórdão no âmbito de uma revista comum.

H. Sem prejuízo, entendeu o legislador conceder à parte que vê a sua pretensão vencida na primeira instância e na Relação a faculdade de submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a decisão judicial unânime das instâncias precedentes, sempre que estiverem verificados um conjunto de pressupostos, consagrados nos artigos 671.º e 672.º do CPC.

 I(…).

J. (…):

K. (…).

L. (…).

N.(…).

O. A questão jurídica fundamental que se suscita nos presentes autos, e da qual, em concreto, dependia a procedência dos pedidos formulados pela ora Recorrente, é a questão de saber se a distribuição através de cabo coaxial das emissões do Canal RTL da ora Recorrente, pelos diversos quartos dos hotéis ... Praia e D.... (explorados pelas Recorridas), constitui uma retransmissão daquelas emissões, dependente, à luz da legislação vigente, de autorização do organismo de radiodifusão emissor (no caso, a Recorrente).

P. O direito concedido aos organismos de radiodifusão de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões – consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com os artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro – abrange não só a emissão simultânea das emissões quando este for um organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, como ainda a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público (independentemente de que quem leve a cabo essa distribuição ao público seja, ou não, um organismo de radiodifusão).

Q. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, veio ampliar o leque de direitos conferidos aos organismos de radiodifusão pelo CDADC.

R. Esse diploma define, na alínea c) do seu artigo 3.º, o conceito de retransmissão por cabo, como “a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à recepção pelo público”.

S. E, nos termos do artigo 8.º do mesmo Decreto-Lei, “aplicam-se aos organismos de radiodifusão, no respeitante […] à retransmissão por cabo, as disposições [do artigo] 187 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”.

T. O artigo 187.º do CDADC estabelece o âmbito do jus prohibendi de que dispõem os organismos de radiodifusão relativamente aos atos de exploração das suas emissões primárias. Pelo que, o Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, nos seus artigos 3.º e 8.º, veio estabelecer em favor dos organismos de radiodifusão o direito a autorizar ou proibir terceiros de retransmitir por cabo das suas emissões.

U. Ora, o Tribunal a quo veio negar que os organismos de radiodifusão sejam titulares do direito a autorizar ou proibir a terceiros a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público.

V. Nas palavras do Acórdão ora recorrido:

«É pois indefensável a posição da recorrente no sentido de que, “por força do disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange [não só a emissão simultânea das mesmas por um] organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção do público [independentemente de que quem leva a cabo essa retransmissão ao público seja um organismo de radiodifusão ou não]”».

W. Se a interpretação feita pelas instâncias vingar, a posição jurídica e económica dos organismos de radiodifusão fica extremamente enfraquecida no nosso país. A decisão recorrida estabelece um precedente segundo o qual os organismos de radiodifusão não dispõem do direito a proibir (ou autorizar) a retransmissão por cabo das suas emissões (nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 333/97, de 27 de novembro), mas apenas do direito a proibir (ou autorizar) a emissão simultânea das mesmas naqueles casos em que o sujeito retransmissor for, ele próprio, um organismo de radiodifusão (nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC).

X. Se a interpretação feita pelas instâncias vingar, a consequência é fácil de vislumbrar: o ordenamento jurídico português não conferirá proteção aos organismos de radiodifusão perante a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, das suas emissões primárias, por empresas e entidades que não sejam, elas próprias, organismos de radiodifusão.

Y. E este precedente coloca sérios problemas à coerência e à razoabilidade do regime jurídico dos direitos dos organismos de radiodifusão relativamente ao aproveitamento com fins comerciais das respetivas emissões.

Z. Em primeiro lugar, a interpretação feita pelas instâncias torna impossível compreender, de jure conditoqual a utilidade do conceito de “retransmissão por cabo” introduzida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, nem tampouco a remissão para o artigo 187.º do CDADC constante no artigo 8.º desse diploma. O Tribunal da Relação faz uma interpretação ab-rogatória do direito vigente, sem apresentar qualquer justificação para tal, e sem explicar qual o sentido que atribui às normas jurídicas invocadas pela Recorrente.

AA. Em segundo lugar, a interpretação feita pelas instâncias deixa as entidades de radiodifusão – entre as quais se contam as estações de televisão e de rádio – sem proteção jurídica face a quaisquer entidades ou empresas que, apesar de não serem elas próprias organismos de radiodifusão, tiram proveito económico das emissões daquelas, retransmitindo-as ao público por cabo.

BB. Ao realizar uma interpretação ab-rogatória do Decreto-Lei 333/97 (estatuindo que é indefensável a sua aplicação num caso em que ficou provada a distribuição por cabo das emissões da ora Recorrente), o Tribunal a quo lança a mensagem de que um país, como Portugal, no qual vigora uma lei que protege o direito dos organismos de radiodifusão a autorizar ou proibir a “retransmissão por cabo”, e que adota verbatim a noção de “retransmissão por cabo” que consta da Diretiva n.º 93/83/CEE, não protege, efetivamente, o direito daqueles organismos a autorizar ou proibir essas retransmissões.

CC. Isto significa que os organismos de radiodifusão que transmitem as suas emissões para os vários Estados-Membros da União Europeia, e que confiam que os direitos que lhes são outorgados pela lei portuguesa face às retransmissões de terceiros têm a mesma força e extensão que encontram reconhecida nos restantes Estados-Membros da União Europeia, verão as suas expetativas goradas.

Em Portugal, apesar de se encontrar em vigor um Decreto-Lei que transpõe a Diretiva n.º 93/83/CEE de 27 de setembro, e que explicitamente atribui aos organismos de radiodifusão o direito a autorizar ou proibir a retransmissão por cabo conforme definida nessa diretiva, os Tribunais (nomeadamente, o Tribunal a quo) não reconhecem esse direito.

DD. À luz de tudo o que ficou dito nos parágrafos anteriores, é bom de ver que na questão objeto de recurso estão involucrados interesses sociais particularmente relevantes e cuja correta resolução deve ser salvaguardada mediante o acesso excecional ao terceiro grau de jurisdição. O peso do setor audiovisual e do broadcasting na economia portuguesa (e europeia) é extremamente significativo, e é crucial dotar o mercado de regras que definam de forma clara quais os direitos de que dispõem os organismos de radiodifusão relativamente às suas emissões audiovisuais.

EE. A intervenção clarificadora e pacificadora do STJ revela-se portanto fundamental no sentido de determinar se a ordem jurídica portuguesa confere aos organismos de radiodifusão o direito de autorizar ou proibir a terceiros que não sejam, eles próprios, organismos de radiodifusão, a retransmissão por cabo das suas emissões, conforme definida na Diretiva n.º 93/83/CEE, de 27 de setembro de 1993, do Conselho.

FF. Diga-se ainda que a Recorrente requereu ao Tribunal a quo que, caso tivesse dúvidas sobre se o caso concreto sub judice se subsumiria ao conceito de retransmissão por cabo constante da diretiva, fizesse uso do mecanismo de reenvio prejudicial previsto artigo 97.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e nos artigos 93.º e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, e suscitasse junto do TJUE uma questão relativa à interpretação da norma europeia (n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho, que a alínea c) do artigo 3.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro transpõe para o ordenamento jurídico português).

GG. Concretamente, foi pedido ao Tribunal a quo que indagasse junto do TJUE o seguinte:

A situação em que uma unidade hoteleira procede à distribuição, simultânea e integral, através de uma rede de cabos coaxiais, de emissões primárias de um canal de televisão destinado à receção pelo público captadas através de antena parabólica subsume-se ao conceito de “retransmissão por cabo”, constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva n.º93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho?”

 

HH. (…).

II. Não se entende que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha decidido omitir, por completo, qualquer referência a este pedido de reenvio prejudicial, uma vez que, dada a sua decisão de total confirmação da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, o acórdão prolatado seria, em princípio, insuscetível de recurso (a menos, é claro, que o Colendo Tribunal aceite este recurso excecional pelos motivos que aqui se expõem).

JJ. Assim, do ponto de vista do Tribunal a quo, uma vez suscitado o pedido de reenvio prejudicial, e tendo decidido confirmar a Sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, a situação que se lhe apresentava consubstanciava um caso de reenvio obrigatório, à luz do terceiro parágrafo do artigo 234.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:

Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação ou validade do direito da União Europeia] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal [de Justiça da União Europeia].

KK. Dada a importância, para uma aplicação uniforme a nível europeu, e coerente a nível nacional, do regime de direitos conexos que cabem aos organismos de radiodifusão em Portugal, reveste suma importância que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça tenha oportunidade de se pronunciar acerca da existência de um direito, na esfera jurídica dos organismos de radiodifusão, a autorizar ou proibir a retransmissão por cabo (na aceção do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro) das suas emissões primárias.

LL. E, caso surjam dúvidas, no espírito do Venerando Tribunal ad quem, acerca da subsunção da situação concreta, que ficou provada nos autos (distribuição, através de cabo coaxial, pelos vários quartos dos hotéis explorados pelas Recorridas, das emissões primárias da Recorrente), ao conceito de “retransmissão por cabo” plasmado no Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro (que transpõe a Diretiva n.º 93/83/CEE, de 27 de setembro, do Conselho) – sempre deverá este Colendo Tribunal questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia.

MM. Em face do exposto, este Colendo Tribunal não pode declinar pronunciar-se sobre o fundo do presente recurso nem limitar-se a dizer que a questão nele suscitada (a existência de um direito do organismo de radiodifusão a autorizar ou proibir a retransmissão por cabo na aceção do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro) não passa de uma simples questão técnica, cuja resolução não transcende as fronteiras dos presentes Autos nem os interesses particulares da Recorrente.

NN. Entende a Recorrente que, em face do exposto, deverá, o presente recurso ser admitido (…).

Dos fundamentos do Recurso

 

OO. O Acórdão aqui em crise estatuiu que o direito concedido aos organismos de radiodifusão de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no  artigo 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, não abrange a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção do público – mesmo à luz do disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro. E que, portanto, a disponibilização das emissões do Canal RTL da Recorrente, por parte das Recorridas, através dos vários quartos dos hotéis por si explorados não constitui per seum ato ilícito, apesar da inexistência de autorização por parte da Recorrente.

PP. A Recorrente considera que o Tribunal a quo se equivocou na resposta que deu à questão jurídica aqui sub judice e que, tendo cometido erros de vulto na sua interpretação do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com o disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, proferiu uma decisão (a de declarar improcedentes os pedidos apresentados na presente ação pela ora Recorrente) que não merece transitar em julgado, devendo ser revogada por este Colendo Tribunal e por ele substituída por outra de sentido oposto.

QQ. O Tribunal a quo errou ao julgar que o conceito de “retransmissão”, que constitui o objeto do direito contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, se circunscreve apenas à emissão simultânea, efetuada através de ondas radioelétricas por um organismo de radiodifusão, de emissões por ele captadas provenientes de outro organismo de radiodifusão.

RR. O n.º 1 do artigo 187.º do CDADC estabelece o alcance do jus prohibendi de que desfrutam os organismos de radiodifusão em Portugal. Porém, esse preceito é complementado pelo Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, que regula a radiodifusão por satélite e a retransmissão por cabo de emissões primárias de radiodifusão, garantindo aos organismos de radiodifusão certos direitos perante terceiros que distribuam, por satélite ou por cabo, as suas emissões primárias.

SS. Este diploma começa, no seu artigo 2.º, por estabelecer que “as disposições sobre radiodifusão, constantes dos artigos 149.º a 156.º do [CDADC], aplicam-se à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, nos termos do presente diploma”.

TT. Ou seja: o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, amplia, no seu artigo 2.º, os direitos (jus prohibendi) de que beneficia o titular de direito de autor face a terceiros que pratiquem atos de radiodifusão ou retransmissão (regulados nos artigos 149.º a 156.º do CDADC), de modo a que nesses atos (carentes de autorização do autor) se incluam os atos de radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo, conforme definidos nesse diploma.

UU. De seguida, no seu artigo 3.º, o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro estabelece os conceitos de radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo, definindo este último do seguinte modo:

Para efeitos do presente diploma […] entende-se por «retransmissão por cabo» a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público.”

VV. E, tal como o artigo 2.º amplia os direitos dos titulares de direitos de autor, para incluírem também os direitos a impedirem a retransmissão por cabo, tal como definida no artigo 3.º, das suas obras, o artigo 8.º, de forma análoga, amplia o jus prohibendi de que beneficiam os organismos de radiodifusão, para incluírem, também, o direito a impedir que terceiros não autorizados redistribuam por cabo as suas emissões primárias:

Extensão aos titulares de direitos conexos:

Aplicam-se aos artistas ou executantes, produtores de fonogramas e videogramas e organismos de radiodifusão, no respeitante à comunicação ao público por satélite das suas prestações, fonogramas, videogramas e emissões e à retransmissão por cabo, as disposições dos artigos 178.º, 184.º e 187.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e, bem assim, dos artigos 6.º e 7.º do presente diploma.

WW. Em suma, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 estende o leque de direitos conferidos no n.º 1 do artigo 187.º do CDADC ao organismo de radiodifusão, para incluir, também, o direito a proibir a retransmissão por cabo – definida, no artigo 3.º daquele diploma, como a “distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público”.

XX. Tendo sido incluído, no elenco da factualidade provada, que “O Hotel ... Praia dispõe de 202 unidades de alojamento e o Hotel Pestana D... dispõe de 301 unidades de alojamento, tendo a disponibilização do canal RTL ocorrido em todos os quartos daquelas duas unidades, em simultâneo; a disponibilização do canal RTL nestas duas unidades hoteleiras manteve-se, pelo menos, entre maio de 2013 até ao final de fevereiro de 2014”, e que “A distribuição dos canais televisivos recebidos nos hotéis ... Praia e D.... pelos diversos quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial”, o Tribunal a quo deveria ter considerado que a atuação das Recorridas se subsume ao conceito de retransmissão por cabo das emissões primárias da Recorrente, conforme definida no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 – e que, consequentemente, essa conduta, desprovida da autorização da Recorrente, vulnera os seus direitos enquanto organismo de radiodifusão.

YY. Não foi essa a decisão do Tribunal a quo, conquanto este recusou-se a subsumir os factos dados como provados ao conceito de retransmissão consagrado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, que regula a radiodifusão por satélite e a retransmissão por cabo de emissões primárias de radiodifusão. E essa recusa teve, na sua base, dois fundamentos.

ZZ. O primeiro fundamento em que repousa a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não subsumir os factos provados à noção de retransmissão por cabo mobilizada pelo artigo 3.º daquele normativo encontra-se explanado da seguinte forma:

«Nos termos do art. 187.º n.º 1 do CDADC, “os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou proibir:

a) a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas

[]

e) a comunicação ao público das suas emissões, quando essa comunicação é feita em lugar público e com entradas pagas.”

Por força do art. 176.º n.ºs 9 e 10 do CDADC, “organismo de radiodifusão é a entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, opor fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo público” e “retransmissão é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão”.

A L 50/2004, de 24 de agosto, alterou a redação do artigo 176.º do CDADC, mas a noção de retransmissão manteve-se.

É, pois, indefensável a posição da recorrente no sentido de que, “por força do disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange [não só a emissão simultânea das mesmas, efetuada através de ondas radioelétricas por um] organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção do público”»

AAA. Esta argumentação é improcedente. O Tribunal da Relação de Lisboa pratica uma interpretação ab-rogante do Decreto-Lei 333/97, de 27 de novembro, com base no argumento histórico – afirmando, na essência, que se o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, tivesse como finalidade alterar o âmbito do jus prohibendi dos organismos de radiodifusão, essa alteração teria sido concretizada, no texto do CDADC, através da Lei 50/2004, de 24 de agosto.

BBB. O Tribunal a quo intui que, se a Lei 50/2004 de 24 de agosto alterou a redação do artigo 176.º do CDADC, mas não tocou na noção de “retransmissão” contida nesse artigo, então a “distribuição ao público processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção do público” não poderá constituir uma retransmissão, que a lei sujeite à permissão do organismo de radiodifusão responsável pela emissão primária.

CCC. Esta interpretação ignora por completo aquele que foi o propósito da Lei 50/2004, de 24 de agosto. Esse diploma não pretendia harmonizar o regime dos direitos conexos dos organismos de radiodifusão em Portugal, mas apenas transpor a Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização (ao nível da União Europeia) de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (conhecida como a “Diretiva InfoSoc”).

DDD. A Lei 50/2004 de 24 de agosto não visava reformar o CDADC, nem tinha qualquer desígnio de consolidar a legislação de direitos de autor e conexos existente à data. Tratava-se apenas da lei que transpunha a Diretiva InfoSoc. E, como tal, se esse diploma não alterou a noção de “retransmissão” constante do artigo 176.º do CDADC, tal facto deveu-se, pura e simplesmente, ao facto de a Diretiva que se impunha transpor não exigir tal alteração. Não se vê de que modo essa realidade possa pesar para a interpretação do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro.

EEE. Ou seja: o argumento histórico trazido à colação pelo Tribunal a quo em nada deve influenciar a interpretação que se faz do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, que atribui aos organismos de radiodifusão o jus prohibendi sobre a retransmissão por cabo realizada por terceiros das suas emissões.

FFF. O segundo fundamento avançado pelo Tribunal a quo para justificar a sua decisão também se apresenta falacioso.

GGG. O Tribunal a quo cita o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, no processo C-641/15, e dele retira uma conclusão errónea:

«Do acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, acórdão citado pelo tribunal recorrido, consta o seguinte:

“Há que constar que, no acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C- 306/05, EU:C:2006:764, n.ºs 47 e 54), o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição de um sinal através de aparelho de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um ato de comunicação ao público na aceção do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 2001/29”.

A distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial»HHH. O erro aqui é de pura lógica e interpretação textual: o que o Tribunal de Justiça da União Europeia deixa claro na sua decisão é que a distribuição através de um canal de televisão num quarto de hotel constitui uma comunicação ao público. Ou seja: o ato de disponibilizar, através de televisores, as emissões de outrem aos convidados de um hotel constitui um ato de comunicação ao público, independentemente da técnica que se use para transmitir o sinal. Mas isso não significa que o ato de fazer chegar as emissões aos televisores, através de cabo coaxial, não consubstancie, por si, um ato de retransmissão por cabo.

III. O equívoco do Tribunal a quo parece residir na ideia (errada) de que estes dois conceitos (comunicação ao público e retransmissão por cabo) se excluem mutuamente – como se o facto de um hotel praticar um ato de comunicação ao público eliminasse a possibilidade de aquele praticar um ato de retransmissão por cabo; o que não é o caso.

JJJ. Em suma, nenhum dos dois argumentos avançados pelo Tribunal a quo fundamenta adequadamente a interpretação ab-rogatória do disposto no Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro.

KKK. E, como tal, impõe-se que esse Decreto-Lei, que se encontra em vigor no nosso ordenamento jurídico e protege interesses económicos vitais dos organismos de radiodifusão, seja aplicado ao caso concreto sub judice, dele se retirando as devidas consequências jurídicas.

LLL. Assim, resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro que a distribuição que a Recorrida Salvor fez das emissões do Canal RTL da Recorrente constitui uma distribuição ao público, processada por cabo de forma simultânea e integral, de uma emissão primária de programas de televisão destinados à receção pelo público, e portanto consubstancia uma retransmissão por cabo dessa emissão a qual, por remissão do referido Decreto-Lei, constitui, também, objeto do direito exclusivo de retransmissão atribuído à Recorrente pela alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC.

MMM. Nestes termos, deve o Venerando Tribunal ad quem revogar o Acórdão ora recorrido e declarar que a distribuição das emissões do canal RTL levada a cabo entre 1 de maio de 2013 e 28 de fevereiro de 2014 nos hotéis ... Praia e Pestana D... pela Recorrida Salvor, constitui uma retransmissão daquelas emissões, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com o disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, a qual, tendo sido levada a cabo sem a autorização prévia da ora Recorrente, constitui um ilícito vulnerador do direito exclusivo de retransmissão, outorgado pelas disposições legais acima referidas à ora Recorrente.

Do Reenvio Prejudicial

 

NNN. Ora, não tendo sido este o entendimento seguido pelo Tribunal a quo no âmbito dos presentes autos, e respondida, como cremos estar, pela positiva, a questão de saber se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro efetivamente amplia o jus prohibendi dos organismos de radiodifusão, de modo a incluir também os atos de retransmissão por cabo das suas emissões realizadas por terceiros, a dúvida que poderá, eventualmente, surgir ao julgador será a de saber qual a amplitude do conceito de retransmissão por cabo, conforme definido nesse Decreto-Lei, por transposição da Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio.

OOO. Em concreto, uma vez que a interpretação e aplicação deste conceito de retransmissão por cabo devem ser realizadas de maneira uniforme por todas as instâncias judiciais dos países membros da União Europeia, caso o Venerando Tribunal ad quem, apesar de tudo o que ficou dito, tenha dúvidas sobre se os factos ocorridos nos hotéis ... Praia e Pestana D... da Recorrida Salvor se subsumem ao conceito de retransmissão por cabo, deverá questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 97.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e nos artigos 93.º e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, sobre se a situação em questão se subsume à noção de retransmissão por cabo constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho (disposição esta que o Decreto- Lei n.º 333/97 de 27 de novembro justamente transpôs para a ordem jurídica portuguesa).

PPP. A pergunta a formular ao Tribunal de Justiça da União Europeia poderia ser a seguinte:

“A situação em que uma unidade hoteleira procede à distribuição, simultânea e integral, através de uma rede de cabos coaxiais, de emissões primárias de um canal de televisão destinado à receção pelo público captadas através de antena parabólica subsume-se ao conceito de “retransmissão por cabo”, constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva n.º 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho?”

Nestes termos, (…)deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, o Acórdão recorrido ser parcialmente revisto nos termos e pelos fundamentos acima invocados e substituído por Acórdão que julgue procedentes, por provadas, as pretensões declarativas formuladas na presente ação pela Recorrente, bem como os pedidos de condenação delas dependentes, em conformidade e nos termos acima expostos.


*



Contra alegaram as Recorridas, culminando a sua resposta com as seguintes conclusões:

2. (…)o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa procederam a um correta aplicação do direito, designadamente das disposições relevantes do CDADC e do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11, nada havendo a apontar às duas indicadas decisões;

3. Em especial, o Tribunal de 1ª Instância pronunciou-se sobre o objeto do litígio, nos termos em que o mesmo foi delimitado nos autos pela A. Recorrente, tendo como única causa de pedir a “disponibilização” do Canal RTL nos quartos de dois estabelecimentos hoteleiros explorados pela 2ª R. Recorrida, ao abrigo do princípio do dispositivo e do ónus da alegação, previstos no artigo 3º, n.º 1, e 5º, n.º 1, ambos do C.P.C;

4. Começou o Tribunal de 1ª instância por decidir, e bem, que a disponibilização efetuada pela 2ª R. Recorrida do canal RTL nos quartos dos hotéis Pestana D... e ... Praia constitui uma comunicação ao público, “mas não com entradas pagas”, não se encontrando, pois, abrangida pelo direito de autorização previsto no artigo 187º, n.º 1, alínea e), do CDADC, o que não foi posto em crise no recurso de apelação;

5. Do mesmo modo, e no que respeita ao segundo fundamento da ação, a retransmissão das emissões por ondas radioelétricas, previsto no artigo 187º, n.º 1, a), do CDADC, o Tribunal de 1ª instância concluiu que “no caso dos autos não ocorreu a alegada retransmissão das emissões do canal RTL da autora já que nem as rés nem os identificados hotéis são organismos de radiodifusão, não possuindo sequer condições técnicas para realizar a retransmissão daquelas emissões”;

6. A A. Recorrente interpôs recurso de apelação, alterando a causa de pedir, e motivando a impugnação da decisão no conceito de “retransmissão por cabo” e do regime resultante do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11, mas que foi julgado improcedente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão decidido que “a distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial”;

7. No recurso de revista excecional (…) pretende a A. Recorrente ver reconhecido o direito de autorizar a mera disponibilização do sinal de televisão, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nos quartos de duas unidades hoteleiras por si exploradas, com fundamento numa interpretação do conceito de “retransmissão por cabo” que se mostra contrário aos princípios do direito comunitário e dos preceitos relevantes do CDADC;

8. O artigo 8º do Decreto-Lei 333/97, de 27.11, determina a aplicação dos artigos 178º, 184º e 187º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), entre outros, aos organismos de radiodifusão, no que respeita à comunicação ao público via satélite das suas emissões e à retransmissão por cabo;

9. O conceito de “retransmissão por cabo” previsto naquele diploma legal não poderá afastar-se do conceito mais vasto e abrangente, e onde aquela se integra, de “retransmissão”, definido no artigo 176º, n.º 10, do CDADC, que exige para tanto que se verifique uma “emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão;”

10. Admitir-se o contrário seria contrariar o princípio da unidade do sistema jurídico e levaria à inaceitável e injustificada consagração de dois regimes de proteção dos direitos conexos no que respeita à autorização de retransmissão de emissões radiodifundidas, com base exclusivamente no meio técnico utilizado, a retransmissão por ondas radioelétricas, que apenas tem lugar quando se verifique intervenção de dois organismos de radiodifusão, e a retransmissão por cabo, prescindindo dessa intervenção;

11. O número 10 do artigo 176º do CDADC estabelece um conceito amplo de “retransmissão” que se verifica em caso de “emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão”, ao passo que o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11 (que “visa transpor para a ordem jurídica portuguesa a Directiva comunitária n.º 93/83/CEE, de 27 de Setembro de 1993”), exige, na definição de retransmissão por cabo, constante do artigo 3º, a realização de uma distribuição ao público, “processada de forma simultânea e integral por cabo”;

12. A definição constante do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11, tem  assim o propósito de restringir a proteção do direito (conexo) de autorizar a retransmissão por cabo de emissões radiodifundidas apenas às que forem efetuadas, por cabo, de forma simultânea e integral, excluindo, portanto, da proteção conferida nos termos do artigo 187º do CDADC não só as transmissões diferidas, mas também as que alterem os programas transmitidos ou selecionem apenas as suas melhores partes;

13. Mesmo que assim não fosse, e que se pudesse considerar, sem conceder, que a disponibilização do Canal RTL, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas unidades hoteleiras em causa nos autos, integra de alguma forma o conceito de “retransmissão por cabo”, tal como a A. Recorrente erradamente pretende, não assistiria à A. Recorrente qualquer direito de autorizar ou proibir a mesma, nos termos expressamente previstos no artigo 187º, n.º 2, do CDADC, que dispõe que “ao distribuidor por cabo que se limita a efetuar a retransmissão de emissões de organismos de radiodifusão não se aplicam os direitos previstos neste artigo”;

14. Em consequência, mesmo admitindo por absurdo que a disponibilização do Canal RTL, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas duas unidades hoteleiras em causa nos autos, constituiria um ato de “retransmissão por cabo” (no que não se concede), não se verifica qualquer violação dos direitos da A. Recorrente, pelo que não existe qualquer facto ilícito, nem obrigação de indemnizar, nos termos previstos, a contrario, no artigo 483º do Código Civil;

15. Ainda que, mais uma vez, assim não se entenda, no que não se concede, o artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 333/97, aplicável por remissão do artigo 8º do mesmo diploma, estabelece que o direito de autorizar ou proibir a retransmissão por cabo apenas pode ser exercido através de uma entidade de gestão coletiva dos direitos de autor ou dos direitos conexos, sendo os litígios obrigatoriamente resolvidos pela via arbitral, o que não sucedeu no caso dos autos e determina a necessária improcedência de todas as pretensões da A. Recorrente;

16. (…). o pedido de reenvio prejudicial deve ser indeferido, por não se verificarem os necessários pressupostos previstos no artigo 234º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


*



    Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1 - A A., com sede efetiva na Alemanha, em Picassoplatz, 1, 50679 Kóln, é uma entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora e visual, destinadas à receção pelo público em geral.

2 - A A. é uma das sociedades que forma parte de um conglomerado de empresas emissoras de conteúdos televisivos, conjuntamente designadas pela designação comercial "Media Group RTL Germany" ou "Mediengruppe RTL Deutschland", designação esta que constitui um nome comercial; integram ainda o "Media Group RTL Germany" ou "Mediengruppe RTL Deutschland" as seguintes sociedades:

- VOX Television GmbH, responsável pela emissão do canal "VOX";

- RTL 2 Femsehen GmbH & Co KG, responsável pela emissão do canal "RTL II";

- RTL Disney Fernsehen GmbH & Co. KG, responsável pela emissão do canal "Super RTL";

- n-tv Nachrichtenfernsehen GmbH, responsável pela emissão do canal "n-tv".

3 - Todas estas entidades, incluindo a A. pertencem direta ou indiretamente à RTL Group S.A., Luxembourg; esta sociedade constitui o vértice de um dos principais grupos empresariais da área do entretenimento na Europa, da qual fazem parte vários canais de televisão e rádio em vários países europeus.

4. A RTL Group S.A. encontra-se cotada na bolsa de valores de Frankfurt/ Main, Luxemburgo e Bruxelas, sendo 75,1% das suas ações detidas pela empresa Bertelsmann SE & Co. KGaA, sedeada em Gútersloh, Alemanha.

5.  A estrutura acionista completa da A. encontra-se publicada pela competente entidade reguladora alemã ("Kommission zur Ermittlung der Konzentration im Medienbereich").

6. A.. efetua emissões de radiodifusão sonora e visual de vários canais de televisão "gratuitos", isto é, cuja receção e uso para fins privados não está sujeita ao pagamento de qualquer licença, nomeadamente: o canal "RTL Television" (doravante "Canal RTL") e o canal "RTL Nitro"; a A. é ainda responsável pela emissão dos canais "RTL Crime", "RTL Living" e "GEO Television".

7. A A. é detentora da licença de radiodifusão emitida pela entidade alemã com competência para a concessão de licenças a canais de televisão ou rádio para prestação de serviços de radiodifusão (a "Niedersãchsische Landesmedienanstalt" [NLM] - Organismo para a Comunicação Social da Baixa Saxónia), sendo a A. responsável por todos aspetos que a transmissão dos referidos canais envolve, desde a elaboração dos respetivos conteúdos até ao cumprimento de todas as exigências técnicas, financeiras ou legais; nomeadamente, a RTL Television é responsável pelo pagamento das taxas administrativas devidas ao Organismo para a Comunicação Social da Baixa Saxónia.

8. O canal RTL é um "canal generalista"; o seu programa disponibiliza aos seus telespetadores uma gama muito ampla de formatos televisivos (filmes, séries, espetáculos, documentários, eventos desportivos, notícias e magazines) e é um dos canais de televisão de língua alemã mais conhecidos e visionados pela população germano-falante da União Europeia.

9. A identificação da A. na emissão televisiva é feita através da aposição, num dos cantos da imagem radio difundida, do logótipo com as letras "RTL",conforme doe. n°4 junto com a P.l.

10. O canal RTL é tecnicamente rececionável na Alemanha, na Áustria e na Suíça através de todas as opções existentes de receção de emissões televisivas: satélite, cabo, IP, OTT/ Internet e televisão terrestre ("transmissão primária"); sendo a RTL um canal televisivo gratuito, não é cobrada qualquer taxa pela sua receção em domicílios privados e o sinal não está encriptado na maioria das opções de receção.

11. Embora a programação do canal RTL seja criada e direcionada para o público residente na Alemanha, Áustria e Suíça e todas as fontes de financiamento publicitário provenham destes países, tendo em conta o alastramento do sinal de satélite (satélite ASTRA 19,2° Este), este canal é tecnicamente rececionável em vários outros países europeus, designadamente em Portugal, bastando para isso usar uma parabólica comum posicionada no satélite ASTRA 19,2°.

12. Relativamente à receção e utilização desse sinal por operadores de televisão por cabo ou por hotéis, a A., enquanto organismo de radiodifusão, entende que tem o direito de autorizar, nas condições que entender, ou de proibir a retransmissão e a comunicação ao público das suas emissões, sendo prática da A. a celebração de acordos de licenciamento nesse sentido.

13. A A. já celebrou vários acordos de licenciamento nesse sentido tanto com operadores de televisão por cabo como com hotéis situados na União Europeia, sendo essa, em conjunto com a publicidade, a sua fonte de receitas; o hotel denominado "Pestana Berlin Tiergarten", situado em Berlim e explorado por uma sociedade pertencente à R. Grupo Pestana, a empresa Pestana Berlin S.a.r.l., com sede no Luxemburgo, paga uma remuneração à entidade de gestão coletiva alemã GEMA, designadamente pela disponibilização dos canais pertencentes ao Media Group RTL, nomeadamente do Canal RTL, aos respetivos hóspedes, conforme does. n°s 21 e 22 juntos com a P.I.; a referência, nos referidos documentos, à sociedade VG Media justifica-se pelo facto de esta ser uma sociedade de gestão coletiva de direitos de propriedade intelectual na área dos media, a quem a A. subcontratou a gestão das remunerações, no seu entender, devidas pelos estabelecimentos hoteleiros.

14 .  A A. já celebrou acordos de licença de retransmissão e de comunicação ao público das suas emissões com operadores de televisão por cabo que operam em Portugal, bem como com alguns hotéis localizados no nosso país, sendo o preço que aplica aos hotéis portugueses pela celebração dos referidos contratos, no tocante ao Canal RTL, de € 0,20, por quarto e por mês, montante a que acrescem os impostos aplicáveis e é independente da taxa de ocupação do hotel.

15 . A R. Grupo Pestana é uma sociedade que se dedica à gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

16. A R. Grupo Pestana S.G.P.S. detém participações sociais maioritárias em sociedades que, por sua vez, são proprietárias ou exploram, designadamente, as seguintes unidades hoteleiras: Pousada de S. Teotónio; Pousada de S. Bento; Pousada Monte de Santa Luzia; Pousada da Ria; Pousada de Viseu; Pousada da Covilhã; Pousada de Marvão; Pousada Infante de Sagres; Pousada de Santa Marinha; Pousada de Santa Maria do Bouro; Pousada Convento do Desagravo; Pousada do Castelo; Pousada Conde de Ourém; Pousada de Palmela; Pousada dos Lóios; Pousada de Santa Isabel; Pousada D. Maria; Pousada Castelo do Alvito; Pousada de S. Francisco; Pousada Flor da Rosa; Pousada N. Senhora da Assunção; Pousada D. João IV; Pousada D. Afonso II; Pousada Convento da Graça; Pousada Palácio de Estoi; Pousada Forte de Santa Cruz; Pousada do Freixo; Pousada da Cidadela; Hotel Pestana Porto; Hotel Pestana Cascais; Hotel Pestana Sintra; Hotel Pestana Alvor Park; Hotel Pestana D...; Hotel Pestana Delfim; Hotel Pestana Vicking; Apartamentos Pestana Vilage; Apartamentos Pestana Bay Gardens; Apartamentos Pestana Palms; Hotel Pestana Promenade; Hotel Pestana Bahia Palace; Hotel Pestana Palace; Hotel ... Praia; Hotel Pestana Vila Sol; Hotel Pestana Porto Santo; Hotel Pestana Columbus; Hotel Pestana Casino Park; Hotel Pestana Carlton Madeira; Hotel Pestana Grand; a R. Grupo Pestana integra um dos maiores grupos de empresas portuguesas no setor do turismo que explora unidades de alojamento turístico que totalizam aproximadamente 9450 quartos; este grupo de empresas possui, nomeadamente e para além dos 45 hotéis (10 na Madeira, 9 no Algarve, 5 em Lisboa/Cascais/Sintra, 1 no Porto, 9 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 3 em Moçambique, 1 na África do Sul, 1 em Cabo Verde e 3 em S. Tomé e Príncipe, 1 em Londres e 1 em Berlim), 9 empreendimentos de Vacation Club, 4 empreendimentos imobiliário/ turístico e a gestão da rede das 33 Pousadas de Portugal.

17 . A R. Grupo Pestana é o vértice da maior cadeia de turismo de origem portuguesa, encontrando-se no top 25 do ranking das cadeias hoteleiras da Europa e no top 75 a nível mundial.

18 . A R. Salvor, maioritariamente detida pela R. Grupo Pestana, é uma sociedade portuguesa que se dedica ao exercício e ao fomento da indústria hoteleira, construindo ou financiando a construção de hotéis e interessando-se direta ou indiretamente na exploração de hotéis e estabelecimentos similares.

19 . A R. Grupo Pestana detém uma participação direta de, pelo menos, 98,98% no capital social da R. Salvor.

20 . O mesmo tipo de relação societária verifica-se entre a R. Grupo Pestana e várias das restantes sociedades por esta detidas cuja atividade visa igualmente a exploração comercial de hotéis; assim, designadamente, aquela R. é detentora de 100% do capital social das seguintes sociedades: Carlton Palácio, Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, S.A., M. & J. Pestana, Sociedade de Turismo da Madeira, S.A., Pestana Cidadela -Investimentos Turísticos, S.A., ITI - Sociedade de Investimentos Turísticos na Ilha da Madeira, S.A., Quinta da Beloura - Golfe, S.A.

21 . A R. Salvor explora, nomeadamente, as seguintes unidades hoteleiras: Hotel Pestana Alvor Park; Hotel Pestana D...; Hotel Pestana Delfim; Hotel Pestana Vicking; Hotel ... Praia; Hotel Pestana Vila Sol.

22 .  No dia 22 de fevereiro de 2014, a disponibilização do Canal RTL no Hotel ... Praia foi certificada por notário e por dois solicitadores de execução; no mesmo dia, a disponibilização do Canal RTL no Hotel Pestana D... foi também certificada por notário e por dois solicitadores de execução; através do certificado exarado pela notária AA e dos relatórios de verificação não judicial emitidos pelos solicitadores de execução BB e CC é possível constatar que: no Hotel Pestana D..., no dia 22 de fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto ...25, no canal 72 do aparelho de televisão; no Hotel ... Praia, no dia 22 de fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto ...38, no canal 12 do aparelho de televisão.

23 . O Hotel ... Praia dispõe de 202 unidades de alojamento e o Hotel Pestana D... dispõe de 301 unidades de alojamento, tendo a disponibilização do canal RTL ocorrido em todos os quartos daquelas duas unidades, em simultâneo; a disponibilização do canal RTL nestas duas unidades hoteleiras manteve-se, pelo menos, entre maio de 2013 até ao final de fevereiro de 2014.

24 . Os hóspedes de nacionalidade ... dos hotéis Pestana ... Praia e Pestana D... representaram, nos últimos anos, pelo menos, 10% do volume total de negócio daquelas duas unidades.

25 . A distribuição dos canais televisivos recebidos nos hotéis ... Praia e D.... pelos diversos quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial.

26 .  A maioria dos hóspedes que se instalam nos hotéis da R. Salvor não tem qualquer espécie de interesse por um canal de língua ....

27 . A 29-05-2013, a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) celebraram o acordo constante do doe. n.° 1 junto com a contestação, que contem, designadamente, o tarifário a aplicar por esta entidade no licenciamento dos direitos de autor.

28 . De acordo com esse tarifário, o valor a pagar relativo a todos os canais de televisão que possam estar disponíveis em Portugal, seja por cabo, seja por satélite, seja por que forma for, varia, para os hotéis de 5 estrelas, entre € 6,00 e € 4,67 por quarto por ano, e, para os hotéis de 4 estrelas, entre € 5,33 e € 4,00 por quarto por ano; feitas as contas ao mês, resulta um valor mensal entre € 0,50 e € 0,33 por quarto.

29 .  A R. Grupo Pestana S.G.P.S. jamais deu instruções à R. Salvor sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da A.

30 . No dia 7 de agosto de 2012, o Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de Autor e Direitos Conexos do Media Group RTL, DD, remeteu uma carta em nome do Media Group RTL à R. Grupo Pestana; nesta carta, o representante do Media Group RTL afirmou ter tomado conhecimento de que diversos canais pertencentes a este Grupo, designadamente o Canal RTL, estavam a ser disponibilizados nos quartos de diversos hotéis explorados por sociedades integradas na Grupo Pestana S.G.P.S., exigindo que lhe fosse paga a remuneração correspondente.

31 . No dia 30-10-2012, o Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de Autor e Direitos Conexos do Media Group RTL, DD, remeteu uma carta em nome do Media Group RTL ao Hotel Pestana Viking, conforme doe. n° 2 junto com a contestação cujo teor se considera aqui reproduzido.

32 . No dia 12 de novembro de 2012, o Administrador, à data, da R. Grupo Pestana, EE, remeteu ao Media Group RTL carta nos termos da qual veicula o entendimento de que:

"(...) a lei portuguesa não estabelece a obrigação de obter autorização nem de efectuar o pagamento de quaisquer direitos com vista à recepção do sinal directo de televisão, quer nos quartos quer nas áreas públicas dos Hotéis. Na verdade, os Hotéis apenas têm a obrigação de pagar os direitos de autor e demais direitos que lhe sejam conexos nos casos de 'video on demand' e não nos casos da mera receção do sinal de televisão. A presente informação foi, igualmente, prestada no dia 1 de Outubro, p.p, pela AHP, Associação da Hotelaria de Portugal, de que esta Empresa faz parte. Em face do que precede, informo que nos encontramos a cumprir todas as normas a que estamos obrigados e que não temos obrigação de efectuar qualquer pagamento, seja à RTL ou seja a qualquer outra organização pela mera recepção de televisão".

33. A referida missiva do Administrador da R. Grupo Pestana fazia referência a um parecer jurídico emitido em 2004 a pedido da Associação da Hotelaria de Portugal (doravante apenas "AHP"), a propósito da consagração (ou não) na lei portuguesa da obrigação de pagamento de remuneração aos organismos de radiodifusão, por parte de estabelecimentos hoteleiros que, captando as emissões dos referidos organismos, as disponibilizem aos seus hóspedes através de aparelhos de televisão situados nos respetivos quartos. Esse parecer foi enviado pela própria AHP à Media Group RTL no dia de 12 de setembro de 2012 (em carta cuja cópia constitui o doe. n° 18 junto com a P.l.) e o entendimento nele perfilhado foi reiterado pela AHP em nova carta enviada ao Media Group RTL no dia 1 de outubro do mesmo ano (em carta cuja cópia constitui o doe. n° 19 junto com a P.I.); através destas missivas a AHP respondia a uma carta que lhe fora enviada pelo Media Group RTL, em carta de 14 agosto de 2012 (em carta cuja cópia constitui o doe. n° 20 junto com a P.I.), enviada pelo Media Group RTL.

E foi dado como não provado:

1 - Para a meia dúzia de hóspedes que, anualmente, poderão visionar canais de língua alemã, ser-lhes-á totalmente indiferente e irrelevante visionarem o canal RTL ou qualquer outro.

2 - O canal RTL foi ainda disponibilizado aos clientes no Hotel Pestana Village entre outubro de 2009 e janeiro de 2013 e no Hotel Pestana Bay tal disponibilização ainda ocorria em novembro de 2014, desconhecendo a A. quando se terá iniciado; no hotel Pestana D... a disponibilização do canal RTL já se verificava em março de 2009.


*



O direito.

Breve síntese do litígio que opõe as partes nos presentes autos:

A Autora é detentora de licença de radiodifusão sonora e visual, emitida pela entidade competente alemã e efectua emissões de radiodifusão através de vários canais, designadamente o canal RTL; este canal, embora direcionado para o público residente na Alemanha, Áustria e Suíça, é tecnicamente recepcionável em Portugal bastando uma parabólica simples; pelo menos entre Maio de 2013 e Fevereiro de 2014, o canal RTL estava disponível nos quartos dos Hotéis ... Praia e D.... (que são propriedade das RR), através de cabo coaxial.

Entende a Autora, e é isso que vem sustentando no processo, que à luz do art. 187º, nº1, alínea a) do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), em conjugação com os art.s 3º e 8º do DL nº 333/97 de 27.11, “a distribuição através do cabo axial das emissões do Canal RTL pelos diversos quartos dos hotéis constitui uma retransmissão daquelas emissões, dependente de autorização da Autora/recorrente, o organismo de radiodifusão emissor”. Em consequência, pede a condenação das RR a reconhecerem o direito de que se arroga e a pagarem-lhe uma compensação pecuniária pela disponibilidade do referido Canal nos quartos dos seus hotéis, desde que tal disponibilização começou até ao dia em que cesse.

Diferentemente, as Recorridas defendem que a disponibilização do canal RTL da Recorrente nos quartos dos Hotéis que exploram não constitui “retransmissão por cabo”, para os efeitos do art. 187º, nº1, a), do CDADC, pelo que a sua disponibilização não está dependente de autorização da entidade emissora.

A pretensão da Autora naufragou nas instâncias. Para justificar a improcedência da acção, ponderou a Relação:

“Nos termos do art. 187° n° 1 do CDADC, "os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou proibir:

a) a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas;

(…)

e) a comunicação ao público das suas emissões, quando essa comunicação é feita em lugar público e com entradas pagas."

Por força do art. 176° n°s 9 e 10 do CDADC, "organismo de radiodifusão é a entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo público" e "retransmissão é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão".

A L 50/2004, de 24 de agosto, alterou a redação do art. 176° do CDADC, mas a noção de retransmissão manteve-se.

É, pois, indefensável a posição da recorrente no sentido de que, "por força do disposto nos artigos 3o e 8o do Decreto-Lei n.° 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.° n.° 1 alínea a) do CDADC, abrange organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público."

Do acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, acórdão citado pelo tribunal recorrido, consta o seguinte:

"Há que recordar que, no acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C-306/05, EU:C:2006:764, n°s 47 e 54), o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um ato de comunicação ao público na aceção do artigo 3o, n° 1, da Diretiva 2001/29".

A distribuição dos canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.”

 

Na revista, a Recorrente reitera a posição que vem defendendo nos autos, como sintetiza na conclusão LLL:  

“Assim, resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro que a distribuição que a Recorrida Salvor fez das emissões do Canal RTL da Recorrente constitui uma distribuição ao público, processada por cabo de forma simultânea e integral, de uma emissão primária de programas de televisão destinados à receção pelo público, e portanto consubstancia uma retransmissão por cabo dessa emissão a qual, por remissão do referido Decreto-Lei, constitui, também, objeto do direito exclusivo de retransmissão atribuído à Recorrente pela alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC.”

 

Será assim?

Dispondo o art. 187º, nº1, alínea a) do  CDADC que os organismos de radiodifusão , como é o caso da Recorrente, “gozam do direito de autorizar ou proibir, a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas”, importa precisar o conceito de retransmissão por cabo, concretamente se  inclui a disponibilização do canal RTL da Autora, nos quartos das unidades hoteleiras exploradas pelas Recorridas.

A noção de “retransmissão por cabo” consta do art. 1º, nº3 da Directiva Comunitária nº 93/83/CEE do Conselho de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo.

A referida Directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei nº 333/97 de 27 de Novembro, como decorre do art. 1º. “O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna o disposto na Directiva nº 93/83/CEE, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis  à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo.

Nos termos do art. 1º, nº3 da citada Directiva, “entende-se por retransmissão por cabo a transmissão ao público, simultâneo, inalterado e integral, por cabo ou microndas, de uma emissão primária a partir de outro Estado-Membro, com ou sem fio, incluindo por satélite, de programas de televisão ou rádios destinados à recepção pelo público.”

Sobre o direito de retransmissão, consta do nº1 do art. 8º da Directiva:

Os Estados-Membros garantirão que a retransmissão por cabo de emissões provenientes de outros Estados-Membros se processe, no seu território, no respeito do direito de autor e dos direitos conexos aplicáveis, e com base em contratos individuais ou acordos colectivos entre os titulares do direitos de autor, os titulares de direitos conexos e os distribuidores por cabo.”

Princípios que vieram a ser consagrados no DL nº 333/97 de 27.11., dispondo no art. 3º, sob a epígrafe “Definições:

“Para os efeitos do presente diploma:

a) Entende-se por “satélite” qualquer aparelho artificial colocado no espaço que permita a transmissão de sinais de radiodifusão destinados a ser captados pelo público;

b) Entende-se por “comunicação ao público por satélite” o acto de introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de programas destinados a ser captados pelo público numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente a satélite e deste para a terra;

c) Entende-se por “retransmissão por cabo” a distribuição ao público, processada de forma simultânea integral e por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão destinados à recepção pelo público.

 

Por sua vez, dispõe o art. 8º, sob a epígrafe Extensão aos titulares de direitos conexos:

Aplicam-se aos artistas ou executantes, produtores de fonogramas e videogramas e organismos de radiodifusão, no respeitante à comunicação ao público por satélite das suas prestações, fonogramas, videogramas e emissões e à retransmissão por cabo, as disposições dos artigos 178º, 184 e 187º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, e bem assim, dos artigos 6º e 7º do presente diploma.

Reza o art. 2º do DL 333/97 que “as disposições sobre radiodifusão, constantes dos artigos 149º a 156º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto Lei nº 63/85 de 14 de Março, alterado pelas Leis nºs 45/85 de 17 de Setembro e 114/91 de 3 de Setembro, aplicam-se à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, nos termos do presente diploma.”

 

Por sua vez resulta do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), o seguinte:

“Organismo de radiodifusão é a entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo público" (art. 176º, nº9);

"retransmissão é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão". (art. 176º, nº10).

Mais estabelece o CDADC, no art. 187º, alínea a), que  “os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou proibir a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas”

Posto isto, a questão nuclear a decidir é a de saber se a disponibilização do canal RTL, através de cabo coaxial, nos quartos dos estabelecimentos hoteleiros supra identificados, constitui uma retransmissão por cabo de uma emissão primária de programas de televisão, dependente de autorização do organismo de radiodifusão emissor, no caso a Recorrente.

A correcta interpretação do quadro legal vigente, em que se torna necessário compatibilizar as normas aplicáveis do CDADC e do Dec. Lei nº 333/97, de 27.11., com a  Directiva do Conselho de 93/83, fonte originária daquele decreto lei, levou a anterior Relatora a submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do disposto no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as seguintes questões prejudiciais:

- n°3, da Diretiva 93/83/CEE, do Conselho de 27 de setembro de 1993, deve ser interpretado no sentido de abranger não só a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão, como ainda a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público (independentemente de que quem leve a cabo essa distribuição ao público seja, ou não, um organismo de radiodifusão)?

- A distribuição, em simultâneo, das emissões de um canal de televisão, difundidas via satélite, pelos diversos aparelhos de televisão, instalados nos quartos de hotéis, através de cabo coaxial, constitui uma retransmissão daquelas emissões, subsumível ao conceito enunciado no n°3, do art. Io, da Diretiva 93/83, do Conselho de 27 de setembro de 1993?

O Tribunal de Justiça (Quinta Secção), depois de explicar que os estabelecimentos como os hotéis não são abrangidos pelos conceitos de “distribuidor por cabo” ou de “operador por cabo”, na acepção da Directiva 93/83, emitiu a seguinte declaração:

O artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, lido em conjugação com o artigo 8.°, n.° 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que:

não estabelece a favor dos organismos de radiodifusão um direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão por cabo, na aceção desta disposição, e

a distribuição simultânea, inalterada e integral de emissões de televisão ou de rádio difundidas por satélite e destinadas à receção pelo público não constitui tal retransmissão por cabo quando esta seja efetuada por uma entidade distinta de um distribuidor por cabo, na aceção desta diretiva, como um hotel.

Face a esta interpretação normativa, proveniente do próprio TJ, em reenvio prejudicial, carece de razoabilidade e de sentido a pretensão deduzida pela Recorrente nos presentes autos.

  A distribuição do canal RTL da Recorrente nos quartos dos Hotéis explorados pelas Recorridos, através de cabo coaxial, não consubstancia “retransmissão” das emissões daquele Canal, não estando dependente de autorização do organismo de radiodifusão emissor, no caso da Recorrente.

  Já assim haviam decidido as instâncias, numa interpretação agora validada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia - instituição que nos termos do art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia cabe decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, ou organismos da União Europeia – pelo que mais não resta que confirmar a decisão recorrida, o que conduz à inevitável improcedência da revista.

 

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista, com custas a cargo da Recorrente.

 

Lisboa, 13.10.2022

 

Ferreira Lopes (Relator)          

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva