Processo nº 196/14.4YHLSB.L1.S1
7.ª Secção (Cível)
Recurso de Revista
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
RTL TELEVISION GmbH,
com sede em Picassoplatz, 1, 50679 Colónia, Alemanha,
demandou as rés GRUPO PESTANA - S.G.P.S., S.A.,
com sede no Largo António Nobre, 9000 - 022 Funchal, e SALVOR - SOCIEDADE DE INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A.,
com sede na Rua Rodrigo da Fonseca, n.º 77, 5.º, 1250 - 190 Lisboa, pedindo que
se declare:
a) A captação e
disponibilização das emissões do Canal RTL, nos quartos dos hotéis D.... e ...
Praia, assim como nos quartos dos demais hotéis explorados, direta ou
indiretamente, pela Salvor, S.A. e ainda nos quartos
dos demais hotéis que se venham a apurar em resultado dos pedidos de informação
formulado supra no artigo 141.º, constitui um ato de
comunicação ao público nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do
n.º 1 do art. 187.º do CDADC ou, caso assim não se
entenda, que constitui uma retransmissão daquelas emissões nos termos e para os
efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.
187.º do CDADC;
b) A
disponibilização mencionada no ponto anterior se encontra sujeita à autorização
prévia da RTL Television, enquanto organismo de
radiodifusão e titular de direitos conexos (afins ou vizinhos do direito de
autor) sobre as suas emissões, nomeadamente o direito de autorizar a
comunicação ao público das referidas emissões e o direito da retransmissão das
mesmas, bem como ao pagamento de uma remuneração como contrapartida das mesmas;
c) Que, não tendo
a autorização referida no ponto anterior sido outorgada pela Autora, a
disponibilização do Canal RTL nos quartos dos hotéis explorados pela Salvor, S.A. bem como nos quartos dos demais hotéis que se
venham a apurar em função dos pedidos de informação formulados supra, é
ilícita;
E se condene:
A Salvor, S.A. a não disponibilizar o acesso ao Canal RTL,
nos quartos dos hotéis por si explorados, sem ter solicitado e obtido a
autorização da RTL Television para a retransmissão
e/ou comunicação ao público das suas emissões;
A Salvor, S.A. ao pagamento, a título de compensação pela
retransmissão e/ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no
montante de 0,20€, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento
em que a Salvor, S.A. começou a disponibilizar o
referido Canal nos quartos dos seus hotéis até ao dia em que cessar a
disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescidos de juros à taxa
legal desde o trânsito em julgado da presente ação até integral pagamento;
Condene
solidariamente a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento a que se refere o
pedido formulado em (iv) supra;
Condene a Grupo
Pestana S.G.P.S., S.A., enquanto sociedade dominante, a tomar as medidas intra-grupo adequadas, designadamente através de instruções
vinculantes ao abrigo do disposto no artigo 503.º do CSC (ex vi artigo
491.º do CSC), afim de que as sociedades por ela
detidas não disponibilizem o Canal RTL nos hotéis por si explorados, sem obter
a prévia autorização da Autora, pagando-lhe a correspondente remuneração;
Condene a Grupo
Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento, a título de compensação pela
retransmissão e/ou comunicação ao público das emissões do Canal RTL, no
montante de 0,20€, por quarto e por mês, pelo período decorrido entre o momento
em que os hotéis explorados pelas restantes sociedades por si detidas (para
além da Salvor, S.A.) começaram a disponibilizar o
referido Canal nos respetivos quartos até ao dia em que cessar a
disponibilização ilícita das emissões do Canal RTL, acrescidos de juros legais
taxa legal desde o trânsito em julgado da presente ação até integral pagamento;
Condene, nos
termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, a Salvor,
S.A. ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a dividir em partes
iguais entre a RTL Television e o Estado, no valor de
5000€ (cinco mil euros) por cada dia, posterior ao trânsito em julgado desta
ação, em que Salvor, S.A. não cumpra a injunção
referida supra no ponto iv;
Condene
solidariamente a Grupo Pestana S.G.P.S., S.A., ao pagamento a que se refere o
pedido formulado no ponto anterior.
Como fundamento
dos pedidos alegaram:
A ora autora RTL Television GmbH, é uma entidade que efetua emissões de
radiodifusão sonora e visual, destinadas à receção pelo público em geral.
A autora RTL Television efetua emissões de radiodifusão sonora e visual
de vários canais de televisão “gratuitos”, isto é, cuja receção e uso para fins
privados não está sujeita ao pagamento de qualquer licença, nomeadamente, o
canal “RTL Television” (doravante “Canal RTL”) e o
canal “RTL Nitro”.
O canal RTL é um
“canal generalista”, sendo o líder de mercado há quase 20 anos na maioria dos
grupos-alvo; o seu programa disponibiliza aos seus telespetadores uma gama
muito ampla de formatos televisivos (filmes, séries, espetáculos,
documentários, eventos desportivos, notícias e magazines) e é um dos canais de
televisão de língua alemã mais conhecidos e visionados pela população
germano-falante da União Europeia.
Embora a
programação do canal RTL seja criada e direcionada para o público residente na
Alemanha, Áustria e Suíça e todas as fontes de financiamento publicitário
provenham destes países, tendo em conta o alastramento do sinal de satélite
(satélite ASTRA 19,2º Este), este canal é tecnicamente rececionável em toda a
Europa.
A autora RTL Television, enquanto organismo de radiodifusão, tem o
direito de autorizar ou de proibir a retransmissão e a comunicação ao público
das emissões das suas emissões, sendo prática da RTL Television
a celebração de acordos de licenciamento nesse sentido.
A autora RTL Television já celebrou acordos de licença de retransmissão
e de comunicação ao público das suas emissões com operadores de televisão por
cabo que operam em Portugal, bem como com alguns hotéis localizados no nosso
país, sendo o preço que aplica aos hotéis portugueses pela celebração dos
referidos contratos, no tocante ao Canal RTL, de 0,20€, por quarto e por mês
(montante a que acrescem os impostos aplicáveis e é independente da taxa de
ocupação do hotel).
A ré Grupo Pestana
S.G.P.S. é um dos maiores grupos portugueses no setor do turismo, com uma
atuação centrada na vertente hoteleira, explorando atualmente cerca de 80
unidades de alojamento turístico, que totalizam aproximadamente dez mil
quartos.
A ré Salvor - Sociedade de Investimento Hoteleiro, S.A.
(doravante “Salvor S.A.”), detida pela autora Grupo
Pestana S.G.P.S., é uma sociedade portuguesa que se dedica ao exercício e o
fomento da indústria hoteleira, construindo ou financiando a construção de
hotéis e interessando-se direta ou indiretamente na exploração de hotéis e
estabelecimentos similares.
Entre a ré Grupo
Pestana S.G.P.S. e a ré Salvor S.A. verifica-se, na
prática, uma relação de domínio total, uma vez que a primeira detém uma
participação direta de 98,98% no capital social da segunda.
O Canal RTL tem
sido disponibilizado pela ré Salvor S.A. nos quartos
do Hotel ... Praia e do Hotel Pestana D....
Ambas as rés
entendem que não estão legalmente obrigadas ao pagamento de qualquer
remuneração à autora por qualquer disponibilização do Canal RTL aos hóspedes
dos hotéis explorados por sociedades por si detidas.
*
As rés, devidamente citadas, impugnaram parcialmente os factos afirmados pela
autora no articulado inicial, pugnando pela improcedência da ação.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que que decidiu:
a) Declarar que a captação e disponibilização das
emissões do Canal RTL da autora RTL TELEVISION GmbH nos quartos dos hotéis
D.... e ... Praia, assim como nos quartos dos demais hotéis explorados, direta
ou indiretamente, pelas rés GRUPO PESTANA - S.G.P.S., S.A. e SALVOR -SOCIEDADE
DE INVESTIMENTO HOTELEIRO, S.A., constitui um ato de comunicação ao público nos
termos referidos na alínea e) do n.º 1 do art. 187.º
do CDADC [mas não com “entradas pagas”];
b) absolver as rés dos demais pedidos formulados pela
ora autora;
c) condenar a autora no pagamento das custas já que
decaiu totalmente na ação.
*
A Autora apelou da
sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Este Tribunal, por
acórdão de 21.11.2019, decidiu julgar improcedente a apelação e confirmar a
sentença apelada.
Ainda
inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional,
que foi admitida, tendo formulado as seguintes conclusões (suprimem-se
as que visam exclusivamente a admissibilidade da revista excepcional):
A) Nestes Autos de
ação declarativa, a ora Recorrente, sociedade comercial sediada na Alemanha
cujo objeto social consiste na emissão, tanto via satélite como via cabo, de
programas de televisão e de radio, alegou que, pelo menos desde o início de
2014, algumas das unidades hoteleiras exploradas pela Recorrida Salvor têm vindo a disponibilizar aos seus hóspedes a
fruição de um dos canais de televisão emitidos via satélite pela Recorrente (o
canal RTL), captando o respetivo sinal através de antena parabólica e
fazendo-os chegar aos aparelhos de televisão instalados nos respetivos quartos
através de uma rede de cabos coaxiais.
B. Fazendo apelo à
legislação sobre direitos de autor e direitos conexos (nomeadamente ao Código
dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, doravante “CDADC”, e ao
Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, relativo à radiodifusão por satélite
e à retransmissão por cabo), e aos direitos de exclusivo que em seu entender a
referida legislação outorga aos “organismos de radiodifusão” relativamente ao
aproveitamento com fins comerciais das respetivas emissões – nomeadamente, o
direito de proibir/autorizar atos de comunicação ao público dessas emissões em
lugares aos quais se aceda mediante pagamento de entrada, e o direito de
proibir/autorizar atos de retransmissão das mesmas emissões, sejam eles
efetuados através de ondas hertzianas, ou por cabo, independentemente de que
quem os realiza seja, ele próprio, um organismo de radiodifusão – a ora
Recorrente pediu, em primeira instância, ao Tribunal da Propriedade
Intelectual, que declarasse que a disponibilização das emissões do canal RTL
efetuada pela Recorrida Salvor nos quartos dos hotéis
por si explorados vulnera simultaneamente aqueles dois direitos, ou, pelo
menos, que vulnera o segundo desses direitos (o direito de autorizar ou proibir
a retransmissão das referidas emissões).
C. Em decisão de
primeira instância, o Tribunal da Propriedade Intelectual deu como provado,
entre outros, o facto, confessado pelas próprias Recorridas, de que nos hotéis
... Praia e Pestana D..., ambos explorados pela Recorrida Salvor,
pelo menos entre o dia 1 de maio de 2013 e o dia 28 de fevereiro de 2014, o
canal RTL neles rececionado foi distribuído através de cabo coaxial pelos
televisores instalados nos respetivos quartos (ou seja, nos 202 quartos do
Hotel ... Praia e nos 301 quartos do Hotel Pestana D...).
D. O mesmo
Tribunal estatuiu que a distribuição do canal RTL levada a cabo pela Recorrida Salvor nos quartos dos seus hotéis não vulnera o direito de
retransmissão contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC,
porquanto o direito de retransmissão contemplado nesse preceito legal apenas abrange
a retransmissão de emissões de radiodifusão quando essa retransmissão for
efetuada por organismos de radiodifusão (ou seja,
quando essa retransmissão couber literalmente no enunciado do conceito de
“retransmissão” constante do n.º 10 do artigo 176.º do CDADC), sendo que a
Recorrida Salvor é uma empresa de hotelaria, e não
pode ser qualificada como organismo de radiodifusão.
E. A Recorrente,
inconformada com a Sentença da primeira instância, interpôs recurso de apelação
para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando tanto a decisão relativa à
matéria de facto, como a decisão relativa à matéria de direito, alegando,
especificamente quanto a esta última, que o Tribunal da Propriedade Intelectual
errou ao não ter qualificado a distribuição do canal RTL, efetuada pela
Recorrida Salvor nos quartos dos seus hotéis através
de um sistema de cabos coaxiais, como ato de retransmissão por cabo de emissões
de radiodifusão definido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de
novembro, que apenas se pode efetuar se for previamente autorizado pelo
organismo de radiodifusão que efetua as emissões, nos termos conjugados dos
artigos 8.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro e da alínea a) do n.º 1 do
artigo 187.º do CDADC.
F. O Tribunal da
Relação de Lisboa, no Acórdão de que ora se recorre, veio julgar a Apelação
improcedente e confirmar a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal da
Propriedade Intelectual, nomeadamente no tocante ao não preenchimento do tipo
legal do direito de retransmissão atribuído aos organismos de radiodifusão pela
legislação em vigor.
G. Ao acompanhar, no essencial, a
fundamentação jurídica do Tribunal da Propriedade Intelectual quanto à
improcedência da tese da Recorrente quanto à violação do direito de
retransmissão que, segundo ela, lhe é outorgado pela legislação de direitos de
autor e conexos em vigor, o Tribunal da Relação de Lisboa estabeleceu uma dupla
conformidade de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, apurada
de acordo com matéria factual análoga, o que, nos termos comuns de recurso,
impede a ora Recorrente de sindicar o referido acórdão no âmbito de uma revista
comum.
H. Sem prejuízo, entendeu o legislador
conceder à parte que vê a sua pretensão vencida na primeira instância e na
Relação a faculdade de submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a
decisão judicial unânime das instâncias precedentes, sempre que estiverem
verificados um conjunto de pressupostos, consagrados nos artigos 671.º e 672.º
do CPC.
I(…).
J. (…):
K. (…).
L. (…).
N.(…).
O. A questão
jurídica fundamental que se suscita nos presentes autos, e da qual, em
concreto, dependia a procedência dos pedidos formulados pela ora Recorrente, é
a questão de saber se a distribuição através de cabo coaxial das emissões do
Canal RTL da ora Recorrente, pelos diversos quartos dos hotéis ... Praia e
D.... (explorados pelas Recorridas), constitui uma retransmissão daquelas
emissões, dependente, à luz da legislação vigente, de autorização do organismo
de radiodifusão emissor (no caso, a Recorrente).
P. O direito
concedido aos organismos de radiodifusão de autorizar e proibir a retransmissão
das suas emissões – consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC,
em conjugação com os artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro
– abrange não só a emissão simultânea das emissões quando este for um organismo
de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, como ainda a distribuição
ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão
primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção pelo público
(independentemente de que quem leve a cabo essa distribuição ao público seja,
ou não, um organismo de radiodifusão).
Q. Com efeito, o
Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, veio ampliar o leque de direitos
conferidos aos organismos de radiodifusão pelo CDADC.
R. Esse diploma
define, na alínea c) do seu artigo 3.º, o conceito de retransmissão
por cabo, como “a distribuição
ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à recepção pelo público”.
S. E, nos termos
do artigo 8.º do mesmo Decreto-Lei, “aplicam-se aos organismos de radiodifusão, no respeitante […] à retransmissão
por cabo, as disposições [do artigo] 187.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”.
T. O artigo 187.º
do CDADC estabelece o âmbito do jus prohibendi de
que dispõem os organismos de radiodifusão relativamente aos atos de exploração
das suas emissões primárias. Pelo que, o Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de
novembro, nos seus artigos 3.º e 8.º, veio estabelecer em favor dos organismos
de radiodifusão o direito a autorizar ou proibir terceiros de retransmitir
por cabo das suas emissões.
U. Ora,
o Tribunal a quo veio negar que os organismos de
radiodifusão sejam titulares do direito a autorizar ou proibir a terceiros a
distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de
uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção
pelo público.
V. Nas palavras do
Acórdão ora recorrido:
«É pois indefensável a posição da recorrente no sentido de que, “por força do disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos organismos de radiodifusão, de
autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.º
n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange [não
só a emissão simultânea das mesmas por um] organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas
emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma
simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de
televisão ou rádio destinados à receção do público [independentemente
de que quem leva a cabo essa retransmissão ao público seja um
organismo de radiodifusão ou não]”».
W. Se a
interpretação feita pelas instâncias vingar, a posição jurídica e económica dos
organismos de radiodifusão fica extremamente enfraquecida no nosso país. A
decisão recorrida estabelece um precedente segundo o qual os
organismos de radiodifusão não dispõem do direito a proibir (ou autorizar) a
retransmissão por cabo das suas emissões (nos termos do artigo 3.º
do Decreto-Lei 333/97, de 27 de novembro), mas apenas do direito a
proibir (ou autorizar) a emissão simultânea das mesmas
naqueles casos em que o sujeito retransmissor for, ele próprio, um organismo de
radiodifusão (nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo
187.º do CDADC).
X. Se a
interpretação feita pelas instâncias vingar, a consequência é fácil de
vislumbrar: o ordenamento jurídico português não conferirá proteção aos
organismos de radiodifusão perante a distribuição ao público,
processada de forma simultânea e integral por cabo, das suas
emissões primárias, por empresas e entidades que não sejam, elas próprias, organismos
de radiodifusão.
Y. E este
precedente coloca sérios problemas à coerência e à razoabilidade do regime
jurídico dos direitos dos organismos de radiodifusão relativamente ao
aproveitamento com fins comerciais das respetivas emissões.
Z. Em primeiro
lugar, a interpretação feita pelas instâncias torna impossível
compreender, de jure condito, qual
a utilidade do conceito de “retransmissão por cabo”
introduzida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, nem
tampouco a remissão para o artigo 187.º do CDADC constante no artigo 8.º desse
diploma. O Tribunal da Relação faz uma interpretação ab-rogatória do direito
vigente, sem apresentar qualquer justificação para tal, e sem explicar qual o
sentido que atribui às normas jurídicas invocadas pela Recorrente.
AA. Em segundo
lugar, a interpretação feita pelas instâncias deixa as entidades de
radiodifusão – entre as quais se contam as estações de televisão e de rádio –
sem proteção jurídica face a quaisquer entidades ou empresas que, apesar de não
serem elas próprias organismos de radiodifusão, tiram
proveito económico das emissões daquelas, retransmitindo-as ao público por
cabo.
BB. Ao
realizar uma interpretação ab-rogatória do Decreto-Lei 333/97 (estatuindo
que é indefensável a sua aplicação num caso em
que ficou provada a distribuição por cabo das emissões da ora
Recorrente), o Tribunal a quo lança a mensagem de
que um país, como Portugal, no qual vigora uma lei que protege o direito dos
organismos de radiodifusão a autorizar ou proibir a “retransmissão por cabo”, e
que adota verbatim a noção de
“retransmissão por cabo” que consta da Diretiva n.º 93/83/CEE, não
protege, efetivamente, o direito daqueles organismos a autorizar ou proibir
essas retransmissões.
CC. Isto significa
que os organismos de radiodifusão que transmitem as suas emissões para os
vários Estados-Membros da União Europeia, e que confiam que os direitos que
lhes são outorgados pela lei portuguesa face às retransmissões de terceiros têm
a mesma força e extensão que encontram reconhecida nos restantes
Estados-Membros da União Europeia, verão as suas expetativas goradas.
Em Portugal,
apesar de se encontrar em vigor um Decreto-Lei que transpõe a Diretiva n.º
93/83/CEE de 27 de setembro, e que explicitamente atribui aos organismos de
radiodifusão o direito a autorizar ou proibir a retransmissão por cabo conforme
definida nessa diretiva, os Tribunais (nomeadamente, o Tribunal a quo)
não reconhecem esse direito.
DD. À luz de tudo
o que ficou dito nos parágrafos anteriores, é bom de ver que na questão objeto
de recurso estão involucrados interesses sociais particularmente relevantes e
cuja correta resolução deve ser salvaguardada mediante o acesso excecional ao terceiro
grau de jurisdição. O peso do setor audiovisual e do broadcasting na
economia portuguesa (e europeia) é extremamente significativo, e é crucial
dotar o mercado de regras que definam de forma clara quais os direitos de que
dispõem os organismos de radiodifusão relativamente às suas emissões
audiovisuais.
EE. A intervenção
clarificadora e pacificadora do STJ revela-se portanto
fundamental no sentido de determinar se a ordem jurídica portuguesa confere aos
organismos de radiodifusão o direito de autorizar ou proibir a terceiros que
não sejam, eles próprios, organismos de radiodifusão, a retransmissão por cabo
das suas emissões, conforme definida na Diretiva n.º 93/83/CEE, de 27 de
setembro de 1993, do Conselho.
FF. Diga-se
ainda que a Recorrente requereu ao Tribunal a quo que,
caso tivesse dúvidas sobre se o caso concreto sub judice se subsumiria ao conceito de retransmissão por cabo constante
da diretiva, fizesse uso do mecanismo de reenvio prejudicial previsto artigo
97.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e nos artigos 93.º e
seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, e suscitasse junto
do TJUE uma questão relativa à interpretação da norma europeia (n.º 3 do artigo
1.º da Diretiva 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho, que a alínea
c) do artigo 3.º do Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro transpõe para o
ordenamento jurídico português).
GG. Concretamente,
foi pedido ao Tribunal a quo que indagasse junto
do TJUE o seguinte:
“A situação em que uma unidade hoteleira
procede à distribuição, simultânea e integral, através de uma rede de cabos
coaxiais, de emissões primárias de um canal de televisão destinado à receção
pelo público captadas através de antena parabólica subsume-se ao conceito de
“retransmissão por cabo”, constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva n.º93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho?”
HH. (…).
II. Não se entende
que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha decidido omitir, por completo,
qualquer referência a este pedido de reenvio prejudicial, uma vez que, dada a
sua decisão de total confirmação da sentença do Tribunal da Propriedade
Intelectual, o acórdão prolatado seria, em princípio, insuscetível de recurso
(a menos, é claro, que o Colendo Tribunal aceite este recurso excecional pelos
motivos que aqui se expõem).
JJ. Assim, do
ponto de vista do Tribunal a quo, uma vez suscitado o pedido de
reenvio prejudicial, e tendo decidido confirmar a Sentença do Tribunal da
Propriedade Intelectual, a situação que se lhe apresentava consubstanciava um
caso de reenvio obrigatório, à luz do terceiro parágrafo do
artigo 234.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:
“Sempre que uma questão desta natureza [sobre
a interpretação ou validade do direito da União Europeia] seja suscitada em processo pendente perante um
órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso
judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal [de
Justiça da União Europeia].”
KK. Dada a
importância, para uma aplicação uniforme a nível europeu, e coerente a nível
nacional, do regime de direitos conexos que cabem aos organismos de
radiodifusão em Portugal, reveste suma importância que o Venerando Supremo
Tribunal de Justiça tenha oportunidade de se pronunciar acerca da existência de
um direito, na esfera jurídica dos organismos de radiodifusão, a autorizar ou
proibir a retransmissão por cabo (na aceção do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
333/97, de 27 de novembro) das suas emissões primárias.
LL. E, caso surjam
dúvidas, no espírito do Venerando Tribunal ad quem,
acerca da subsunção da situação concreta, que ficou provada nos autos
(distribuição, através de cabo coaxial, pelos vários quartos dos hotéis
explorados pelas Recorridas, das emissões primárias da Recorrente), ao conceito
de “retransmissão por cabo” plasmado no
Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro (que transpõe a Diretiva n.º
93/83/CEE, de 27 de setembro, do Conselho) – sempre deverá este Colendo
Tribunal questionar o Tribunal de Justiça da União Europeia.
MM. Em face do
exposto, este Colendo Tribunal não pode declinar pronunciar-se sobre o fundo do
presente recurso nem limitar-se a dizer que a questão
nele suscitada (a existência de um direito do organismo de radiodifusão a
autorizar ou proibir a retransmissão por cabo na aceção do Decreto-Lei n.º
333/97 de 27 de novembro) não passa de uma simples questão técnica, cuja
resolução não transcende as fronteiras dos presentes Autos nem os interesses
particulares da Recorrente.
NN. Entende a
Recorrente que, em face do exposto, deverá, o presente recurso ser admitido
(…).
Dos fundamentos do Recurso
OO. O Acórdão aqui
em crise estatuiu que o direito concedido aos organismos de radiodifusão de
autorizar e proibir a retransmissão das suas emissões, consagrado no artigo 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, não abrange
a distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo,
de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção
do público – mesmo à luz do disposto nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º
333/97 de 27 de novembro. E que, portanto, a disponibilização das emissões do
Canal RTL da Recorrente, por parte das Recorridas, através dos vários quartos
dos hotéis por si explorados não constitui per se, um
ato ilícito, apesar da inexistência de autorização por parte da
Recorrente.
PP. A
Recorrente considera que o Tribunal a quo se
equivocou na resposta que deu à questão jurídica aqui sub judice e que, tendo cometido erros de vulto na
sua interpretação do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com o disposto nos
artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, proferiu uma
decisão (a de declarar improcedentes os pedidos apresentados na presente ação
pela ora Recorrente) que não merece transitar em julgado, devendo ser revogada
por este Colendo Tribunal e por ele substituída por outra de sentido oposto.
QQ. O
Tribunal a quo errou ao julgar que o conceito de
“retransmissão”, que constitui o objeto do direito contemplado na alínea a) do
n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, se circunscreve apenas à
emissão simultânea, efetuada através de ondas radioelétricas por um organismo
de radiodifusão, de emissões por ele captadas provenientes de outro organismo
de radiodifusão.
RR. O n.º 1 do
artigo 187.º do CDADC estabelece o alcance do jus prohibendi de que desfrutam os organismos de
radiodifusão em Portugal. Porém, esse preceito é complementado pelo
Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, que regula a radiodifusão por
satélite e a retransmissão por cabo de emissões primárias de
radiodifusão, garantindo aos organismos de radiodifusão certos
direitos perante terceiros que distribuam, por satélite ou por cabo, as suas
emissões primárias.
SS. Este diploma
começa, no seu artigo 2.º, por estabelecer que “as disposições sobre
radiodifusão, constantes dos artigos 149.º a 156.º do [CDADC], aplicam-se à
radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, nos termos do presente diploma”.
TT. Ou seja: o
Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, amplia, no seu artigo 2.º, os
direitos (jus prohibendi) de que
beneficia o titular de direito de autor face a terceiros que pratiquem atos de
radiodifusão ou retransmissão (regulados nos artigos 149.º a 156.º do CDADC), de modo a que nesses atos (carentes de autorização do autor)
se incluam os atos de radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo,
conforme definidos nesse diploma.
UU. De seguida, no
seu artigo 3.º, o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro estabelece
os conceitos de radiodifusão por satélite e retransmissão por cabo, definindo
este último do seguinte modo:
“Para efeitos do presente diploma […] entende-se
por «retransmissão por cabo» a distribuição ao público, processada de forma
simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de
televisão ou rádio destinados à receção pelo público.”
VV. E, tal como o
artigo 2.º amplia os direitos dos titulares de direitos de
autor, para incluírem também os direitos a impedirem a retransmissão por cabo,
tal como definida no artigo 3.º, das suas obras, o artigo 8.º, de forma
análoga, amplia o jus prohibendi de
que beneficiam os organismos de radiodifusão, para incluírem, também,
o direito a impedir que terceiros não autorizados redistribuam por cabo as
suas emissões primárias:
“Extensão aos titulares de direitos conexos:
Aplicam-se aos artistas ou executantes, produtores de fonogramas e videogramas e organismos
de radiodifusão, no respeitante à comunicação ao
público por satélite das suas prestações, fonogramas, videogramas e emissões
e à retransmissão por cabo, as disposições dos
artigos 178.º, 184.º e 187.º
do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e, bem assim, dos artigos 6.º e 7.º do presente diploma.”
WW. Em suma, o
artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 estende o leque de direitos conferidos
no n.º 1 do artigo 187.º do CDADC ao organismo de radiodifusão, para incluir,
também, o direito a proibir a retransmissão por cabo – definida, no artigo 3.º daquele
diploma, como a “distribuição ao público, processada de forma simultânea e
integral por cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio
destinados à receção pelo público”.
XX. Tendo sido
incluído, no elenco da factualidade provada, que “O Hotel ...
Praia dispõe de 202 unidades de alojamento e o Hotel Pestana D... dispõe
de 301 unidades de alojamento, tendo a disponibilização do canal RTL ocorrido em
todos os quartos daquelas duas unidades, em simultâneo; a disponibilização do canal
RTL nestas duas unidades hoteleiras manteve-se, pelo menos, entre maio de 2013 até
ao final de fevereiro de 2014”,
e que “A distribuição dos canais televisivos recebidos
nos hotéis ... Praia e D.... pelos diversos quartos desses estabelecimentos é
feita por cabo coaxial”, o
Tribunal a quo deveria ter considerado que a
atuação das Recorridas se subsume ao conceito de retransmissão por cabo das
emissões primárias da Recorrente, conforme definida no artigo 3.º
do Decreto-Lei n.º 333/97 – e que, consequentemente, essa conduta,
desprovida da autorização da Recorrente, vulnera os seus direitos
enquanto organismo de radiodifusão.
YY. Não foi essa a
decisão do Tribunal a quo, conquanto este recusou-se a
subsumir os factos dados como provados ao conceito de retransmissão
consagrado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de
novembro, que regula a radiodifusão por satélite e a retransmissão
por cabo de emissões primárias de radiodifusão. E essa recusa teve, na sua
base, dois fundamentos.
ZZ. O primeiro
fundamento em que repousa a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de
não subsumir os factos provados à noção de retransmissão por cabo mobilizada
pelo artigo 3.º daquele normativo encontra-se explanado da seguinte
forma:
«Nos termos do art. 187.º n.º 1 do CDADC, “os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou proibir:
a) a retransmissão das suas emissões por ondas radioelétricas
[…]
e) a comunicação ao público das suas emissões, quando essa
comunicação é feita em lugar público e com entradas pagas.”
Por força do art.
176.º n.ºs 9 e 10 do CDADC, “organismo de radiodifusão é a entidade que efetua
emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de
radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes,
separada ou cumulativamente, opor fios ou sem fios, nomeadamente por ondas
hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo público”
e “retransmissão é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma
emissão de outro organismo de radiodifusão”.
A L 50/2004, de 24 de agosto, alterou a redação do artigo 176.º do CDADC, mas a noção de retransmissão manteve-se.
É, pois, indefensável
a posição da recorrente no sentido de que, “por força do disposto nos artigos
3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, o direito, concedido aos
organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a retransmissão das suas
emissões, consagrado no 187.º n.º 1 alínea a) do CDADC, abrange [não só a
emissão simultânea das mesmas, efetuada através de ondas radioelétricas por um]
organismo de radiodifusão distinto daquele do qual elas emanam, mas também a
distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de
uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção do
público”»
AAA. Esta
argumentação é improcedente. O Tribunal da Relação de Lisboa pratica uma interpretação ab-rogante do
Decreto-Lei 333/97, de 27 de novembro, com base no argumento histórico –
afirmando, na essência, que se o Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de
novembro, tivesse como finalidade alterar o âmbito do jus prohibendi dos organismos de
radiodifusão, essa alteração teria sido concretizada, no texto do CDADC,
através da Lei 50/2004, de 24 de agosto.
BBB. O
Tribunal a quo intui que, se a Lei 50/2004 de 24
de agosto alterou a redação do artigo 176.º do CDADC, mas não tocou
na noção de “retransmissão” contida nesse artigo, então a “distribuição ao público processada de forma simultânea e integral por
cabo, de uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à
receção do público” não poderá constituir uma retransmissão,
que a lei sujeite à permissão do organismo de radiodifusão
responsável pela emissão primária.
CCC. Esta
interpretação ignora por completo aquele que foi o propósito da Lei 50/2004, de
24 de agosto. Esse diploma não pretendia harmonizar o regime dos direitos
conexos dos organismos de radiodifusão em Portugal, mas apenas
transpor a Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização
(ao nível da União Europeia) de certos aspetos do direito de autor e dos direitos
conexos na sociedade de informação (conhecida como a “Diretiva InfoSoc”).
DDD. A Lei 50/2004
de 24 de agosto não visava reformar o CDADC, nem tinha qualquer desígnio
de consolidar a legislação de direitos de autor e conexos existente à data. Tratava-se
apenas da lei que transpunha a Diretiva InfoSoc. E,
como tal, se esse diploma não alterou a noção de “retransmissão”
constante do artigo 176.º do CDADC, tal facto deveu-se, pura e
simplesmente, ao facto de a Diretiva que se impunha transpor não
exigir tal alteração. Não se vê de que modo essa realidade possa pesar para a interpretação
do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro.
EEE. Ou seja: o
argumento histórico trazido à colação pelo Tribunal a quo em
nada deve influenciar a interpretação que se faz do Decreto-Lei n.º
333/97, de 27 de novembro, que atribui aos organismos de radiodifusão o jus
prohibendi sobre a retransmissão por cabo
realizada por terceiros das suas emissões.
FFF. O segundo
fundamento avançado pelo Tribunal a quo para
justificar a sua decisão também se apresenta falacioso.
GGG. O
Tribunal a quo cita o Acórdão do Tribunal de
Justiça da União Europeia (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, no
processo C-641/15, e dele retira uma conclusão errónea:
«Do acórdão do
Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de fevereiro de 2017, acórdão citado
pelo tribunal recorrido, consta o seguinte:
“Há que constar que,
no acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C- 306/05, EU:C:2006:764, n.ºs 47 e
54), o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição de um sinal através de
aparelho de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste
estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado,
constitui um ato de comunicação ao público na aceção do artigo 3.º, n.º 1, da
Diretiva 2001/29”.
A distribuição dos
canais televisivos pelos diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros
constitui comunicação ao público e não retransmissão, independentemente de a
distribuição ser feita por cabo coaxial»HHH.
O erro aqui é de pura lógica e interpretação textual: o que o Tribunal de
Justiça da União Europeia deixa claro na sua decisão é que a distribuição
através de um canal de televisão num quarto de hotel constitui uma comunicação
ao público. Ou seja: o ato de disponibilizar, através de televisores, as
emissões de outrem aos convidados de um hotel constitui um ato de comunicação
ao público, independentemente da técnica que se use para transmitir o sinal.
Mas isso não significa que o ato de fazer chegar as
emissões aos televisores, através de cabo coaxial, não consubstancie, por si,
um ato de retransmissão por cabo.
III. O equívoco do
Tribunal a quo parece residir na ideia (errada) de
que estes dois conceitos (comunicação ao público e retransmissão por cabo)
se excluem mutuamente – como se o facto de um hotel praticar um ato de
comunicação ao público eliminasse a possibilidade de aquele praticar um ato de
retransmissão por cabo; o que não é o caso.
JJJ. Em suma,
nenhum dos dois argumentos avançados pelo Tribunal a quo fundamenta
adequadamente a interpretação ab-rogatória do disposto no
Decreto-Lei 333/97 de 27 de novembro.
KKK. E, como tal,
impõe-se que esse Decreto-Lei, que se encontra em vigor no nosso ordenamento
jurídico e protege interesses económicos vitais dos organismos de radiodifusão,
seja aplicado ao caso concreto sub judice, dele se retirando as devidas consequências
jurídicas.
LLL. Assim,
resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro que a
distribuição que a Recorrida Salvor fez das emissões
do Canal RTL da Recorrente constitui uma distribuição ao público, processada
por cabo de forma simultânea e integral, de uma emissão primária de programas
de televisão destinados à receção pelo público, e portanto consubstancia uma
retransmissão por cabo dessa emissão a qual, por remissão do referido
Decreto-Lei, constitui, também, objeto do direito exclusivo de retransmissão
atribuído à Recorrente pela alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC.
MMM. Nestes
termos, deve o Venerando Tribunal ad quem revogar
o Acórdão ora recorrido e declarar que a distribuição das emissões do canal RTL
levada a cabo entre 1 de maio de 2013 e 28 de fevereiro de 2014 nos hotéis ...
Praia e Pestana D... pela Recorrida Salvor, constitui
uma retransmissão daquelas emissões, nos termos e para os efeitos do disposto
na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do CDADC, em conjugação com o disposto
nos artigos 3.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de novembro, a qual,
tendo sido levada a cabo sem a autorização prévia da ora Recorrente, constitui
um ilícito vulnerador do direito exclusivo de retransmissão, outorgado pelas
disposições legais acima referidas à ora Recorrente.
Do Reenvio Prejudicial
NNN. Ora, não
tendo sido este o entendimento seguido pelo Tribunal a quo no
âmbito dos presentes autos, e respondida, como cremos estar, pela positiva, a
questão de saber se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 333/97 de 27 de
novembro efetivamente amplia o jus prohibendi dos
organismos de radiodifusão, de modo a incluir também os atos de retransmissão
por cabo das suas emissões realizadas por terceiros, a dúvida que poderá,
eventualmente, surgir ao julgador será a de saber qual a amplitude do
conceito de retransmissão por cabo, conforme definido nesse
Decreto-Lei, por transposição da Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 22 de Maio.
OOO. Em concreto,
uma vez que a interpretação e aplicação deste conceito de retransmissão por cabo devem
ser realizadas de maneira uniforme por todas as instâncias judiciais dos países
membros da União Europeia, caso o Venerando Tribunal ad quem,
apesar de tudo o que ficou dito, tenha dúvidas sobre se os factos ocorridos nos
hotéis ... Praia e Pestana D... da Recorrida Salvor
se subsumem ao conceito de retransmissão por cabo, deverá questionar o Tribunal
de Justiça da União Europeia, ao abrigo do mecanismo de reenvio prejudicial
previsto no artigo 97.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e
nos artigos 93.º e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,
sobre se a situação em questão se subsume à noção de retransmissão por cabo
constante do n.º 3 do artigo 1.º da Diretiva 93/83/CEE de 27 de setembro de
1993, do Conselho (disposição esta que o Decreto- Lei n.º 333/97 de 27 de
novembro justamente transpôs para a ordem jurídica portuguesa).
PPP. A pergunta a
formular ao Tribunal de Justiça da União Europeia poderia ser a seguinte:
“A situação em que
uma unidade hoteleira procede à distribuição, simultânea e integral, através de
uma rede de cabos coaxiais, de emissões primárias de um canal de televisão
destinado à receção pelo público captadas através de antena parabólica
subsume-se ao conceito de “retransmissão por cabo”, constante do n.º 3 do
artigo 1.º da Diretiva n.º 93/83/CEE de 27 de setembro de 1993, do Conselho?”
Nestes termos, (…)deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente,
o Acórdão recorrido ser parcialmente revisto nos termos e pelos fundamentos
acima invocados e substituído por Acórdão que julgue procedentes, por provadas,
as pretensões declarativas formuladas na presente ação pela Recorrente, bem
como os pedidos de condenação delas dependentes, em conformidade e nos termos
acima expostos.
*
Contra alegaram as Recorridas, culminando a sua
resposta com as seguintes conclusões:
2. (…)o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação de
Lisboa procederam a um correta aplicação do direito, designadamente das
disposições relevantes do CDADC e do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11, nada
havendo a apontar às duas indicadas decisões;
3. Em especial, o
Tribunal de 1ª Instância pronunciou-se sobre o objeto do litígio, nos termos em
que o mesmo foi delimitado nos autos pela A. Recorrente, tendo como única causa
de pedir a “disponibilização” do Canal RTL nos quartos de dois estabelecimentos
hoteleiros explorados pela 2ª R. Recorrida, ao abrigo do princípio do
dispositivo e do ónus da alegação, previstos no artigo 3º, n.º 1, e 5º, n.º 1,
ambos do C.P.C;
4. Começou o
Tribunal de 1ª instância por decidir, e bem, que a disponibilização efetuada
pela 2ª R. Recorrida do canal RTL nos quartos dos hotéis Pestana D... e ... Praia constitui uma comunicação ao público, “mas
não com entradas pagas”, não se encontrando, pois, abrangida pelo direito de
autorização previsto no artigo 187º, n.º 1, alínea e), do CDADC, o que não foi
posto em crise no recurso de apelação;
5. Do mesmo modo,
e no que respeita ao segundo fundamento da ação, a retransmissão das emissões
por ondas radioelétricas, previsto no artigo 187º, n.º 1, a), do CDADC, o
Tribunal de 1ª instância concluiu que “no caso dos autos não ocorreu a alegada
retransmissão das emissões do canal RTL da autora já que nem as rés nem os
identificados hotéis são organismos de radiodifusão, não possuindo sequer
condições técnicas para realizar a retransmissão daquelas emissões”;
6. A A. Recorrente interpôs recurso de apelação, alterando a
causa de pedir, e motivando a impugnação da decisão no conceito de
“retransmissão por cabo” e do regime resultante do Decreto-Lei n.º 333/97, de
27.11, mas que foi julgado improcedente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa
no Acórdão decidido que “a distribuição dos canais televisivos pelos
diversos quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao
público e não retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por
cabo coaxial”;
7. No recurso de
revista excecional (…) pretende a A. Recorrente ver
reconhecido o direito de autorizar a mera disponibilização do sinal de
televisão, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nos quartos de duas unidades
hoteleiras por si exploradas, com fundamento numa interpretação do conceito de
“retransmissão por cabo” que se mostra contrário aos princípios do direito
comunitário e dos preceitos relevantes do CDADC;
8. O artigo 8º do
Decreto-Lei 333/97, de 27.11, determina a aplicação dos artigos 178º, 184º e
187º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), entre
outros, aos organismos de radiodifusão, no que respeita à comunicação ao
público via satélite das suas emissões e à retransmissão por cabo;
9. O conceito de
“retransmissão por cabo” previsto naquele diploma legal não poderá afastar-se
do conceito mais vasto e abrangente, e onde aquela se integra, de “retransmissão”,
definido no artigo 176º, n.º 10, do CDADC, que exige para tanto que se
verifique uma “emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma
emissão de outro organismo de radiodifusão;”
10. Admitir-se o
contrário seria contrariar o princípio da unidade do sistema jurídico e levaria
à inaceitável e injustificada consagração de dois regimes de proteção dos
direitos conexos no que respeita à autorização de retransmissão de emissões
radiodifundidas, com base exclusivamente no meio técnico utilizado, a
retransmissão por ondas radioelétricas, que apenas tem lugar quando se
verifique intervenção de dois organismos de radiodifusão, e a retransmissão por
cabo, prescindindo dessa intervenção;
11. O número 10 do
artigo 176º do CDADC estabelece um conceito amplo de “retransmissão” que se
verifica em caso de “emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma
emissão de outro organismo de radiodifusão”, ao passo que o Decreto-Lei n.º 333/97,
de 27.11 (que “visa transpor para a ordem jurídica portuguesa a Directiva
comunitária n.º 93/83/CEE, de 27 de Setembro de 1993”), exige, na definição de
retransmissão por cabo, constante do artigo 3º, a realização de uma
distribuição ao público, “processada de forma simultânea e integral por cabo”;
12. A definição
constante do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27.11, tem
assim o propósito de restringir a proteção do direito (conexo) de
autorizar a retransmissão por cabo de emissões radiodifundidas apenas às que
forem efetuadas, por cabo, de forma simultânea e integral, excluindo, portanto,
da proteção conferida nos termos do artigo 187º do CDADC não só as transmissões
diferidas, mas também as que alterem os programas transmitidos ou selecionem
apenas as suas melhores partes;
13. Mesmo que
assim não fosse, e que se pudesse considerar, sem conceder, que a
disponibilização do Canal RTL, efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas unidades
hoteleiras em causa nos autos, integra de alguma forma o conceito de
“retransmissão por cabo”, tal como a A. Recorrente
erradamente pretende, não assistiria à A. Recorrente qualquer direito de
autorizar ou proibir a mesma, nos termos expressamente previstos no artigo
187º, n.º 2, do CDADC, que dispõe que “ao distribuidor por cabo que se limita a
efetuar a retransmissão de emissões de organismos de radiodifusão não se
aplicam os direitos previstos neste artigo”;
14. Em
consequência, mesmo admitindo por absurdo que a disponibilização do Canal RTL,
efetuada pela 2ª R. Recorrida, nas duas unidades hoteleiras em causa nos autos,
constituiria um ato de “retransmissão por cabo” (no que não se concede), não se
verifica qualquer violação dos direitos da A. Recorrente, pelo que não existe
qualquer facto ilícito, nem obrigação de indemnizar, nos termos
previstos, a contrario, no
artigo 483º do Código Civil;
15. Ainda que,
mais uma vez, assim não se entenda, no que não se concede, o artigo 7º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 333/97, aplicável por remissão do artigo 8º do mesmo
diploma, estabelece que o direito de autorizar ou proibir a retransmissão por
cabo apenas pode ser exercido através de uma entidade de gestão coletiva dos
direitos de autor ou dos direitos conexos, sendo os litígios obrigatoriamente
resolvidos pela via arbitral, o que não sucedeu no caso dos autos e determina a
necessária improcedência de todas as pretensões da A. Recorrente;
16. (…). o pedido
de reenvio prejudicial deve ser indeferido, por não se verificarem os
necessários pressupostos previstos no artigo 234º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia.
*
Fundamentação.
Vem provada a
seguinte matéria de facto:
1 - A A., com sede efetiva na Alemanha, em Picassoplatz,
1, 50679 Kóln, é uma entidade que efetua emissões de
radiodifusão sonora e visual, destinadas à receção pelo público em geral.
2 - A A. é uma das sociedades que forma parte de um conglomerado
de empresas emissoras de conteúdos televisivos, conjuntamente designadas pela
designação comercial "Media Group RTL Germany" ou "Mediengruppe
RTL Deutschland", designação esta que constitui
um nome comercial; integram ainda o "Media Group
RTL Germany" ou "Mediengruppe
RTL Deutschland" as seguintes sociedades:
- VOX Television GmbH, responsável pela emissão do canal
"VOX";
- RTL 2 Femsehen GmbH & Co KG, responsável pela emissão do
canal "RTL II";
- RTL Disney Fernsehen GmbH & Co. KG, responsável pela emissão do
canal "Super RTL";
- n-tv Nachrichtenfernsehen GmbH,
responsável pela emissão do canal "n-tv".
3 - Todas estas
entidades, incluindo a A. pertencem direta ou
indiretamente à RTL Group S.A., Luxembourg; esta
sociedade constitui o vértice de um dos principais grupos empresariais da área
do entretenimento na Europa, da qual fazem parte vários canais de televisão e
rádio em vários países europeus.
4. A RTL Group S.A. encontra-se cotada na bolsa de valores de
Frankfurt/ Main, Luxemburgo e Bruxelas, sendo 75,1%
das suas ações detidas pela empresa Bertelsmann SE
& Co. KGaA, sedeada em Gútersloh,
Alemanha.
5. A
estrutura acionista completa da A. encontra-se publicada pela competente
entidade reguladora alemã ("Kommission zur Ermittlung der Konzentration im Medienbereich").
6. A.. efetua emissões de radiodifusão sonora e visual de
vários canais de televisão "gratuitos", isto é, cuja receção e uso
para fins privados não está sujeita ao pagamento de qualquer licença,
nomeadamente: o canal "RTL Television"
(doravante "Canal RTL") e o canal "RTL Nitro"; a A. é ainda responsável pela emissão dos canais "RTL
Crime", "RTL Living" e "GEO Television".
7. A A. é detentora da licença de radiodifusão emitida pela
entidade alemã com competência para a concessão de licenças a canais de
televisão ou rádio para prestação de serviços de radiodifusão (a "Niedersãchsische Landesmedienanstalt"
[NLM] - Organismo para a Comunicação Social da Baixa Saxónia), sendo a A. responsável por todos aspetos que a transmissão dos
referidos canais envolve, desde a elaboração dos respetivos conteúdos até ao
cumprimento de todas as exigências técnicas, financeiras ou legais; nomeadamente,
a RTL Television é responsável pelo pagamento das
taxas administrativas devidas ao Organismo para a Comunicação Social da Baixa
Saxónia.
8. O canal RTL é
um "canal generalista"; o seu programa disponibiliza aos seus
telespetadores uma gama muito ampla de formatos televisivos (filmes, séries,
espetáculos, documentários, eventos desportivos, notícias e magazines) e é um
dos canais de televisão de língua alemã mais conhecidos e visionados pela
população germano-falante da União Europeia.
9. A identificação
da A. na emissão televisiva é feita através da aposição, num dos cantos da
imagem radio difundida, do logótipo com as letras "RTL",conforme doe. n°4 junto com a P.l.
10. O canal RTL é
tecnicamente rececionável na Alemanha, na Áustria e na Suíça através de todas
as opções existentes de receção de emissões televisivas: satélite, cabo, IP,
OTT/ Internet e televisão terrestre ("transmissão primária"); sendo a
RTL um canal televisivo gratuito, não é cobrada qualquer taxa pela sua receção
em domicílios privados e o sinal não está encriptado na maioria das opções de
receção.
11. Embora a
programação do canal RTL seja criada e direcionada para o público residente na
Alemanha, Áustria e Suíça e todas as fontes de financiamento publicitário
provenham destes países, tendo em conta o alastramento do sinal de satélite
(satélite ASTRA 19,2° Este), este canal é tecnicamente rececionável em vários
outros países europeus, designadamente em Portugal, bastando para isso usar uma
parabólica comum posicionada no satélite ASTRA 19,2°.
12. Relativamente
à receção e utilização desse sinal por operadores de televisão por cabo ou por
hotéis, a A., enquanto organismo de radiodifusão,
entende que tem o direito de autorizar, nas condições que entender, ou de
proibir a retransmissão e a comunicação ao público das suas emissões, sendo
prática da A. a celebração de acordos de licenciamento nesse sentido.
13. A A. já celebrou vários acordos de licenciamento nesse
sentido tanto com operadores de televisão por cabo como com hotéis situados na
União Europeia, sendo essa, em conjunto com a publicidade, a sua fonte de
receitas; o hotel denominado "Pestana Berlin Tiergarten",
situado em Berlim e explorado por uma sociedade pertencente à R. Grupo Pestana,
a empresa Pestana Berlin S.a.r.l., com sede no
Luxemburgo, paga uma remuneração à entidade de gestão coletiva alemã GEMA,
designadamente pela disponibilização dos canais pertencentes ao Media Group RTL, nomeadamente do Canal RTL, aos respetivos
hóspedes, conforme does. n°s 21 e 22 juntos com a
P.I.; a referência, nos referidos documentos, à sociedade VG Media justifica-se
pelo facto de esta ser uma sociedade de gestão coletiva de direitos de
propriedade intelectual na área dos media, a quem a A.
subcontratou a gestão das remunerações, no seu entender, devidas pelos
estabelecimentos hoteleiros.
14
. A A. já celebrou acordos de licença de retransmissão e de
comunicação ao público das suas emissões com operadores de televisão por cabo
que operam em Portugal, bem como com alguns hotéis localizados no nosso país,
sendo o preço que aplica aos hotéis portugueses pela celebração dos referidos
contratos, no tocante ao Canal RTL, de € 0,20, por quarto e por mês, montante a
que acrescem os impostos aplicáveis e é independente da taxa de ocupação do
hotel.
15
. A R. Grupo Pestana é
uma sociedade que se dedica à gestão de participações sociais de outras
sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
16. A R. Grupo
Pestana S.G.P.S. detém participações sociais maioritárias em sociedades que,
por sua vez, são proprietárias ou exploram, designadamente, as seguintes
unidades hoteleiras: Pousada de S. Teotónio; Pousada de S. Bento; Pousada Monte
de Santa Luzia; Pousada da Ria; Pousada de Viseu; Pousada da Covilhã; Pousada
de Marvão; Pousada Infante de Sagres; Pousada de Santa Marinha; Pousada de
Santa Maria do Bouro; Pousada Convento do Desagravo; Pousada do Castelo;
Pousada Conde de Ourém; Pousada de Palmela; Pousada dos Lóios;
Pousada de Santa Isabel; Pousada D. Maria; Pousada Castelo do Alvito; Pousada
de S. Francisco; Pousada Flor da Rosa; Pousada N. Senhora da Assunção; Pousada
D. João IV; Pousada D. Afonso II; Pousada Convento da Graça; Pousada Palácio de
Estoi; Pousada Forte de Santa Cruz; Pousada do Freixo; Pousada da Cidadela;
Hotel Pestana Porto; Hotel Pestana Cascais; Hotel Pestana Sintra; Hotel Pestana
Alvor Park; Hotel Pestana D...; Hotel Pestana Delfim;
Hotel Pestana Vicking; Apartamentos Pestana Vilage; Apartamentos Pestana Bay Gardens; Apartamentos Pestana Palms;
Hotel Pestana Promenade; Hotel Pestana Bahia Palace;
Hotel Pestana Palace; Hotel ... Praia; Hotel Pestana
Vila Sol; Hotel Pestana Porto Santo; Hotel Pestana Columbus; Hotel Pestana
Casino Park; Hotel Pestana Carlton Madeira; Hotel
Pestana Grand; a R. Grupo Pestana integra um dos
maiores grupos de empresas portuguesas no setor do turismo que explora unidades
de alojamento turístico que totalizam aproximadamente 9450 quartos; este grupo
de empresas possui, nomeadamente e para além dos 45 hotéis (10 na Madeira, 9 no
Algarve, 5 em Lisboa/Cascais/Sintra, 1 no Porto, 9 no Brasil, 2 na Argentina, 1
na Venezuela, 3 em Moçambique, 1 na África do Sul, 1 em Cabo Verde e 3 em S.
Tomé e Príncipe, 1 em Londres e 1 em Berlim), 9 empreendimentos de Vacation Club, 4 empreendimentos imobiliário/ turístico e a
gestão da rede das 33 Pousadas de Portugal.
17
. A R. Grupo Pestana é o
vértice da maior cadeia de turismo de origem portuguesa, encontrando-se no top
25 do ranking das cadeias hoteleiras da Europa e no top 75 a nível mundial.
18
. A R. Salvor, maioritariamente detida pela R. Grupo Pestana, é
uma sociedade portuguesa que se dedica ao exercício e ao fomento da indústria
hoteleira, construindo ou financiando a construção de hotéis e interessando-se
direta ou indiretamente na exploração de hotéis e estabelecimentos similares.
19
. A R. Grupo Pestana
detém uma participação direta de, pelo menos, 98,98% no capital social da R. Salvor.
20
. O mesmo tipo de
relação societária verifica-se entre a R. Grupo Pestana e várias das restantes
sociedades por esta detidas cuja atividade visa igualmente a exploração
comercial de hotéis; assim, designadamente, aquela R. é detentora de 100% do
capital social das seguintes sociedades: Carlton Palácio, Sociedade de
Construção e Exploração Hoteleira, S.A., M. & J. Pestana, Sociedade de
Turismo da Madeira, S.A., Pestana Cidadela -Investimentos Turísticos, S.A., ITI
- Sociedade de Investimentos Turísticos na Ilha da Madeira, S.A., Quinta da
Beloura - Golfe, S.A.
21
. A R. Salvor explora, nomeadamente, as seguintes unidades
hoteleiras: Hotel Pestana Alvor Park; Hotel Pestana D...; Hotel Pestana Delfim; Hotel Pestana Vicking; Hotel ... Praia; Hotel Pestana Vila Sol.
22
. No dia 22 de
fevereiro de 2014, a disponibilização do Canal RTL no Hotel ... Praia foi
certificada por notário e por dois solicitadores de execução; no mesmo dia, a
disponibilização do Canal RTL no Hotel Pestana D... foi também certificada por
notário e por dois solicitadores de execução; através do certificado exarado
pela notária AA e dos relatórios de verificação não judicial emitidos pelos
solicitadores de execução BB e CC é possível constatar que: no Hotel Pestana
D..., no dia 22 de fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto
...25, no canal 72 do aparelho de televisão; no Hotel ... Praia, no dia 22 de
fevereiro de 2014, estava disponível o Canal RTL no quarto ...38, no canal 12
do aparelho de televisão.
23
. O Hotel ... Praia
dispõe de 202 unidades de alojamento e o Hotel Pestana D...
dispõe de 301 unidades de alojamento, tendo a disponibilização do canal RTL
ocorrido em todos os quartos daquelas duas unidades, em simultâneo; a
disponibilização do canal RTL nestas duas unidades hoteleiras manteve-se, pelo
menos, entre maio de 2013 até ao final de fevereiro de 2014.
24
. Os hóspedes de
nacionalidade ... dos hotéis Pestana ... Praia e Pestana D...
representaram, nos últimos anos, pelo menos, 10% do volume total de negócio
daquelas duas unidades.
25
. A distribuição dos
canais televisivos recebidos nos hotéis ... Praia e D.... pelos diversos
quartos desses estabelecimentos é feita por cabo coaxial.
26
. A maioria dos
hóspedes que se instalam nos hotéis da R. Salvor não
tem qualquer espécie de interesse por um canal de língua ....
27
. A 29-05-2013, a
Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) e a Sociedade Portuguesa de Autores
(SPA) celebraram o acordo constante do doe. n.° 1
junto com a contestação, que contem, designadamente, o tarifário a aplicar por
esta entidade no licenciamento dos direitos de autor.
28
. De acordo com esse
tarifário, o valor a pagar relativo a todos os canais de televisão que possam
estar disponíveis em Portugal, seja por cabo, seja por satélite, seja por que
forma for, varia, para os hotéis de 5 estrelas, entre € 6,00 e € 4,67 por quarto
por ano, e, para os hotéis de 4 estrelas, entre € 5,33 e € 4,00 por quarto por
ano; feitas as contas ao mês, resulta um valor mensal entre € 0,50 e € 0,33 por
quarto.
29
. A R. Grupo
Pestana S.G.P.S. jamais deu instruções à R. Salvor
sobre qualquer matéria envolvendo os canais RTL da A.
30
. No dia 7 de agosto de
2012, o Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de
Autor e Direitos Conexos do Media Group RTL, DD,
remeteu uma carta em nome do Media Group RTL à R.
Grupo Pestana; nesta carta, o representante do Media Group
RTL afirmou ter tomado conhecimento de que diversos canais pertencentes a este
Grupo, designadamente o Canal RTL, estavam a ser disponibilizados nos quartos
de diversos hotéis explorados por sociedades integradas na Grupo Pestana
S.G.P.S., exigindo que lhe fosse paga a remuneração correspondente.
31
. No dia 30-10-2012, o
Diretor do Departamento Internacional de Distribuição e Direitos de Autor e
Direitos Conexos do Media Group RTL, DD, remeteu uma
carta em nome do Media Group RTL ao Hotel Pestana
Viking, conforme doe. n° 2 junto com a contestação cujo teor se considera aqui
reproduzido.
32
. No dia 12 de novembro
de 2012, o Administrador, à data, da R. Grupo Pestana, EE, remeteu ao Media Group RTL carta nos termos da qual veicula o entendimento
de que:
"(...) a lei portuguesa não estabelece a obrigação
de obter autorização nem de efectuar o pagamento de
quaisquer direitos com vista à recepção do sinal directo de televisão, quer nos quartos quer nas áreas
públicas dos Hotéis. Na verdade, os Hotéis apenas têm a obrigação de pagar os
direitos de autor e demais direitos que lhe sejam conexos nos casos de 'video on demand'
e não nos casos da mera receção do sinal de televisão. A presente informação
foi, igualmente, prestada no dia 1 de Outubro, p.p, pela AHP, Associação da Hotelaria de Portugal, de que
esta Empresa faz parte. Em face do que precede, informo que nos encontramos a
cumprir todas as normas a que estamos obrigados e que não temos obrigação de efectuar qualquer pagamento, seja à RTL ou seja a qualquer
outra organização pela mera recepção de televisão".
33. A referida
missiva do Administrador da R. Grupo Pestana fazia referência a um parecer
jurídico emitido em 2004 a pedido da Associação da Hotelaria de Portugal
(doravante apenas "AHP"), a propósito da consagração (ou não) na lei
portuguesa da obrigação de pagamento de remuneração aos organismos de
radiodifusão, por parte de estabelecimentos hoteleiros que, captando as
emissões dos referidos organismos, as disponibilizem aos seus hóspedes através
de aparelhos de televisão situados nos respetivos quartos. Esse parecer foi
enviado pela própria AHP à Media Group RTL no dia de
12 de setembro de 2012 (em carta cuja cópia constitui o doe. n° 18 junto com a P.l.) e o entendimento nele perfilhado foi reiterado pela
AHP em nova carta enviada ao Media Group RTL no dia 1
de outubro do mesmo ano (em carta cuja cópia constitui o doe. n° 19 junto com a
P.I.); através destas missivas a AHP respondia a uma carta que lhe fora enviada
pelo Media Group RTL, em carta de 14 agosto de 2012
(em carta cuja cópia constitui o doe. n° 20 junto com a P.I.), enviada pelo
Media Group RTL.
E foi dado como
não provado:
1 - Para a meia
dúzia de hóspedes que, anualmente, poderão visionar canais de língua alemã,
ser-lhes-á totalmente indiferente e irrelevante visionarem o canal RTL ou
qualquer outro.
2 - O canal RTL
foi ainda disponibilizado aos clientes no Hotel Pestana Village
entre outubro de 2009 e janeiro de 2013 e no Hotel Pestana Bay
tal disponibilização ainda ocorria em novembro de 2014, desconhecendo a A. quando se terá iniciado; no hotel Pestana D... a disponibilização do canal RTL já se verificava em
março de 2009.
*
O direito.
Breve síntese do
litígio que opõe as partes nos presentes autos:
A Autora é
detentora de licença de radiodifusão sonora e visual, emitida pela entidade
competente alemã e efectua emissões de radiodifusão
através de vários canais, designadamente o canal RTL; este canal, embora
direcionado para o público residente na Alemanha, Áustria e Suíça, é
tecnicamente recepcionável em Portugal bastando uma
parabólica simples; pelo menos entre Maio de 2013 e Fevereiro de 2014, o canal
RTL estava disponível nos quartos dos Hotéis ... Praia e D.... (que são
propriedade das RR), através de cabo coaxial.
Entende a Autora,
e é isso que vem sustentando no processo, que à luz do art.
187º, nº1, alínea a) do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC),
em conjugação com os art.s
3º e 8º do DL nº 333/97 de 27.11, “a distribuição através do cabo axial das
emissões do Canal RTL pelos diversos quartos dos hotéis constitui uma retransmissão daquelas
emissões, dependente de autorização da Autora/recorrente, o organismo de
radiodifusão emissor”. Em consequência, pede a condenação das RR a reconhecerem
o direito de que se arroga e a pagarem-lhe uma compensação pecuniária pela
disponibilidade do referido Canal nos quartos dos seus hotéis, desde que tal
disponibilização começou até ao dia em que cesse.
Diferentemente, as
Recorridas defendem que a disponibilização do canal RTL da Recorrente nos
quartos dos Hotéis que exploram não constitui “retransmissão por cabo”, para os
efeitos do art. 187º, nº1, a), do CDADC, pelo que a
sua disponibilização não está dependente de autorização da entidade emissora.
A pretensão da
Autora naufragou nas instâncias. Para justificar a improcedência da acção, ponderou a Relação:
“Nos termos do art. 187° n° 1
do CDADC, "os organismos de radiodifusão gozam do direito de autorizar ou
proibir:
a) a retransmissão das suas emissões por ondas
radioelétricas;
(…)
e) a comunicação ao público das suas emissões, quando
essa comunicação é feita em lugar público e com entradas pagas."
Por força do art. 176° n°s 9 e 10 do CDADC, "organismo de radiodifusão é a
entidade que efetua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se
por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a
representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios,
nomeadamente por ondas hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à
receção pelo público" e "retransmissão é a emissão simultânea por um
organismo de radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão".
A L 50/2004, de 24 de agosto, alterou a redação do art. 176° do CDADC, mas a noção de retransmissão
manteve-se.
É, pois, indefensável a posição da recorrente no sentido
de que, "por força do disposto nos artigos 3o e 8o do
Decreto-Lei n.° 333/97 de 27 de novembro, o direito,
concedido aos organismos de radiodifusão, de autorizar e proibir a
retransmissão das suas emissões, consagrado no 187.° n.°
1 alínea a) do CDADC, abrange organismo de radiodifusão distinto daquele do
qual elas emanam, mas também a distribuição ao público, processada de forma
simultânea e integral por cabo, de uma emissão primária de programas de
televisão ou rádio destinados à receção pelo público."
Do acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16
de fevereiro de 2017, acórdão citado pelo tribunal recorrido, consta o
seguinte:
"Há que recordar que, no acórdão de 7 de dezembro
de 2006, SGAE (C-306/05, EU:C:2006:764, n°s 47 e 54),
o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição de um sinal através de
aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste
estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado,
constitui um ato de comunicação ao público na aceção do artigo 3o,
n° 1, da Diretiva 2001/29".
A distribuição dos canais televisivos pelos diversos
quartos dos estabelecimentos hoteleiros constitui comunicação ao público e não
retransmissão, independentemente de a distribuição ser feita por cabo coaxial.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar
improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.”
Na revista, a
Recorrente reitera a posição que vem defendendo nos autos, como sintetiza na
conclusão LLL:
“Assim, resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 333/97,
de 27 de novembro que a distribuição que a Recorrida Salvor
fez das emissões do Canal RTL da Recorrente constitui uma distribuição ao
público, processada por cabo de forma simultânea e integral, de uma emissão
primária de programas de televisão destinados à receção pelo público, e
portanto consubstancia uma retransmissão por cabo dessa emissão a qual, por
remissão do referido Decreto-Lei, constitui, também, objeto do direito
exclusivo de retransmissão atribuído à Recorrente pela alínea a) do n.º 1 do
artigo 187.º do CDADC.”
Será assim?
Dispondo o art. 187º, nº1, alínea a) do CDADC
que os organismos de radiodifusão , como é o caso da Recorrente, “gozam do
direito de autorizar ou proibir, a retransmissão das suas emissões por ondas
radioelétricas”, importa precisar o conceito de retransmissão por cabo,
concretamente se inclui a disponibilização do canal RTL da Autora, nos
quartos das unidades hoteleiras exploradas pelas Recorridas.
A noção de
“retransmissão por cabo” consta do art. 1º, nº3 da
Directiva Comunitária nº 93/83/CEE do Conselho de 27 de Setembro
de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de
direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à
retransmissão por cabo.
A referida
Directiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei nº
333/97 de 27 de Novembro, como decorre do art. 1º. “O presente diploma transpõe para a ordem
jurídica interna o disposto na Directiva nº 93/83/CEE, relativa à coordenação
de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à
retransmissão por cabo.”
Nos termos do art. 1º, nº3 da citada Directiva, “entende-se por
retransmissão por cabo a transmissão ao público, simultâneo, inalterado e
integral, por cabo ou microndas, de uma emissão
primária a partir de outro Estado-Membro, com ou sem fio, incluindo por
satélite, de programas de televisão ou rádios destinados à recepção
pelo público.”
Sobre o direito de
retransmissão, consta do nº1 do art. 8º da Directiva:
“Os
Estados-Membros garantirão que a retransmissão por cabo de emissões
provenientes de outros Estados-Membros se processe, no seu território, no
respeito do direito de autor e dos direitos conexos aplicáveis, e com base em
contratos individuais ou acordos colectivos entre os
titulares do direitos de autor, os titulares de
direitos conexos e os distribuidores por cabo.”
Princípios que
vieram a ser consagrados no DL nº 333/97 de 27.11., dispondo no art. 3º, sob a epígrafe “Definições:
“Para os efeitos do presente diploma:
a) Entende-se por “satélite” qualquer aparelho
artificial colocado no espaço que permita a transmissão de sinais de
radiodifusão destinados a ser captados pelo público;
b) Entende-se por “comunicação ao público por satélite”
o acto de introdução, sob o controlo e a
responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de
programas destinados a ser captados pelo público numa cadeia ininterrupta de
comunicação conducente a satélite e deste para a terra;
c) Entende-se por “retransmissão por cabo” a
distribuição ao público, processada de forma simultânea integral e por cabo, de
uma emissão primária de programas de televisão destinados à recepção
pelo público.
Por sua vez,
dispõe o art. 8º, sob a epígrafe Extensão aos
titulares de direitos conexos:
Aplicam-se aos artistas ou executantes, produtores de
fonogramas e videogramas e organismos de radiodifusão, no respeitante à
comunicação ao público por satélite das suas prestações, fonogramas,
videogramas e emissões e à retransmissão por cabo, as disposições dos artigos
178º, 184 e 187º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, e bem
assim, dos artigos 6º e 7º do presente diploma.
Reza o art. 2º do DL 333/97 que “as disposições sobre
radiodifusão, constantes dos artigos 149º a 156º do Código do Direito de Autor
e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto Lei nº
63/85 de 14 de Março, alterado pelas Leis nºs 45/85 de 17 de Setembro e 114/91
de 3 de Setembro, aplicam-se à radiodifusão por satélite e à retransmissão por
cabo, nos termos do presente diploma.”
Por sua vez
resulta do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), o seguinte:
“Organismo de radiodifusão é a entidade que efetua
emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de
radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes,
separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas
hertzianas, fibras óticas, cabo ou satélite, destinada à receção pelo
público" (art. 176º, nº9);
E "retransmissão
é a emissão simultânea por um organismo de radiodifusão de uma emissão de outro
organismo de radiodifusão". (art. 176º, nº10).
Mais estabelece o
CDADC, no art. 187º, alínea a), que “os organismos de radiodifusão
gozam do direito de autorizar ou proibir a retransmissão das suas emissões por
ondas radioelétricas”
Posto isto, a
questão nuclear a decidir é a de saber se a disponibilização do canal RTL,
através de cabo coaxial, nos quartos dos estabelecimentos hoteleiros supra
identificados, constitui uma retransmissão por cabo de uma
emissão primária de programas de televisão, dependente de autorização do
organismo de radiodifusão emissor, no caso a Recorrente.
A correcta interpretação do quadro legal vigente, em que se
torna necessário compatibilizar as normas aplicáveis do CDADC e do Dec. Lei nº
333/97, de 27.11., com a Directiva do Conselho
de 93/83, fonte originária daquele decreto lei, levou a anterior Relatora a
submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do disposto no
artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as seguintes
questões prejudiciais:
- n°3, da Diretiva
93/83/CEE, do Conselho de 27 de setembro de 1993, deve ser interpretado no
sentido de abranger não só a emissão simultânea por um organismo de
radiodifusão de uma emissão de outro organismo de radiodifusão, como ainda a
distribuição ao público, processada de forma simultânea e integral por cabo, de
uma emissão primária de programas de televisão ou rádio destinados à receção
pelo público (independentemente de que quem leve a cabo essa distribuição ao
público seja, ou não, um organismo de radiodifusão)?
- A distribuição,
em simultâneo, das emissões de um canal de televisão, difundidas via satélite,
pelos diversos aparelhos de televisão, instalados nos quartos de hotéis,
através de cabo coaxial, constitui uma retransmissão daquelas
emissões, subsumível ao conceito enunciado no n°3, do art.
Io, da Diretiva 93/83, do Conselho de 27 de setembro de 1993?
O Tribunal de
Justiça (Quinta Secção), depois de explicar que os estabelecimentos como os
hotéis não são abrangidos pelos conceitos de “distribuidor por cabo” ou de
“operador por cabo”, na acepção da Directiva 93/83,
emitiu a seguinte declaração:
O artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro
de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de
direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à
retransmissão por cabo, lido em conjugação com o artigo 8.°, n.° 1, da mesma, deve ser interpretado
no sentido de que:
- não estabelece a favor dos organismos de
radiodifusão um direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão por
cabo, na aceção desta disposição, e
- a distribuição simultânea, inalterada e
integral de emissões de televisão ou de rádio difundidas por satélite e
destinadas à receção pelo público não constitui tal retransmissão por cabo
quando esta seja efetuada por uma entidade distinta de um distribuidor por
cabo, na aceção desta diretiva, como um hotel.
Face a esta
interpretação normativa, proveniente do próprio TJ, em reenvio prejudicial,
carece de razoabilidade e de sentido a pretensão deduzida pela Recorrente nos
presentes autos.
A
distribuição do canal RTL da Recorrente nos quartos dos Hotéis explorados pelas
Recorridos, através de cabo coaxial, não consubstancia “retransmissão” das
emissões daquele Canal, não estando dependente de autorização do organismo de
radiodifusão emissor, no caso da Recorrente.
Já
assim haviam decidido as instâncias, numa interpretação agora validada pelo
Tribunal de Justiça da União Europeia - instituição que nos termos do art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia cabe decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a
interpretação dos actos adoptados
pelas instituições, ou organismos da União Europeia – pelo que mais
não resta que confirmar a decisão recorrida, o que conduz à inevitável
improcedência da revista.
Decisão.
Pelo exposto,
nega-se a revista, com custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 13.10.2022
Ferreira Lopes
(Relator)
Manuel Capelo
Tibério Nunes da
Silva