Processo nº 3349/08.0TBOER.L2.S1
7.ª Secção (Cível)
Recurso de Revista
SUMÁRIO
Propriedade
intelectual - Direitos de autor – Intérprete
– Televisão – Remuneração – Equidade - Diretiva
comunitária - Transposição de Diretiva - Tribunal de Justiça da
União Europeia - Reenvio prejudicial – Pressupostos - Interpretação
da lei - Poderes do Supremo Tribunal de Justiça - Conhecimento
oficioso - Ampliação da matéria de facto - Incidente de
liquidação - Caso julgado - Juros de mora - Direito
Internacional - Âmbito pessoal de aplicação - Nulidade de acórdão
- Falta de fundamentação - Baixa do processo ao tribunal recorrido
I -
A jurisprudência do TJUE, aplicada de forma reiterada pelo STJ, tem admitido de
forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de
interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações:
- Em 1.º lugar, cessa
a obrigação de reenvio quando a questão de direito da UE suscitada for
impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;
-
Em 2º lugar, verifica-se dispensa de reenvio quando o TJUE já se tenha
pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em
sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;
-
Por último, a obrigação de reenvio não tem lugar quando o tribunal nacional
considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas,
ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas
imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua
interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico,
social e económico em que foram adotadas.
II
- Não faz sentido que se conclua que o legislador comunitário imponha um
conceito uniforme de remuneração equitativa se a própria Directiva permite
diferenças do grau de proteção conferido aos artistas, intérpretes e
executantes nos diferentes Estados-Membros, impondo apenas condições mínimas de
proteção como as que estão previstas no art. 8.º, n.º
2, da referida Directiva, a respeito da remuneração equitativa única devida
pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas
reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioeléctricas
ou em qualquer tipo de comunicações ao público.
III
- O Direito da União Europeia não impede os Estados Membros de conferir no seu
Direito interno, um grau de proteção superior, nomeadamente, incluir no cômputo
da remuneração equitativa a radiodifusão e a comunicação ao público a partir de
uma fixação autorizada pelo AIE, donde, não se justifica que se questione o
TJUE não sobre a interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, mas
sim, sobre a interpretação de uma disposição de Direito interno que em nada
conflitua com aquele.
IV
- Apenas quando surja uma questão de interpretação ou validade de Direito da
União Europeia, em processo pendente perante qualquer órgão jurisdicional de um
dos Estados-Membros, se o mesmo órgão considerar que uma decisão sobre essa
questão é necessária ao julgamento da causa, é que pode ser solicitado ao TJUE
que sobre ela se pronuncie, não competindo, por isso, ao TJUE pronunciar-se, no
âmbito de um reenvio a título prejudicial, sobre a interpretação a dar a uma
disposição de Direito nacional.
V -
A decisão de facto é da competência das instâncias, conquanto não seja uma
regra absoluta, pelo que, o STJ não pode, nem deve, interferir na decisão de
facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito.
VI
- A nulidade em razão da falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC) está relacionada com o comando que impõe
ao tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de
indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sendo que é
na fundamentação que o tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o
conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação
imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
VII
- Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de
fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1
do art. 615.º do CPC.
VIII
- No cômputo da remuneração equitativa prevista no n.º 2 do art.
178.º do CDADC devem-se considerar todas as emissões por radiodifusão de
prestações artísticas efetuadas a partir de uma prévia fixação que haja sido
autorizada pelos titulares dos correspondentes direitos, incluindo, portanto,
as primeiras emissões, porquanto o legislador disse o que queria, sendo que na
sua interpretação, importará integrar, conjuntamente, o elemento gramatical,
entendido como letra da lei (nada na letra do art.
178.º do CDADC autoriza uma interpretação restritiva relativa à exclusão das
primeiras transmissões do âmbito de remuneração equitativa - a remuneração
equitativa é atribuída “sempre que um artista intérprete ou executante autorize
a fixação da sua prestação para fins de radiodifusão a um produtor
cinematográfico ou audiovisual ou videográfico, ou a um organismo de
radiodifusão” [n.º 2] e “a remuneração inalienável e equitativa a fixar nos
termos do número antecedente abrangerá igualmente a autorização para novas transmissões,
a retransmissão e a comercialização de fixações obtidas para fins exclusivos de
radiodifusão” [n.º 3]) e o elemento lógico, condizente ao espírito da lei, de
ordem sistemática (condizente à ordem jurídica em que se integra a norma
jurídica a interpretar), histórica (consideração dos acontecimentos históricos
que aclaram a criação da lei, concretamente, a revogação do art.
179.º do CDADC na redação que lhe foi dada pela Lei 45/85, de 17-09, pelo art. 5.º da Lei 50/2004, de 24-08, que passou a consagrar
uma solução radicalmente diferente, estabelecendo uma remuneração inalienável,
equitativa e única em lugar de uma remuneração suplementar), e racional ou
teleológica (a razão de ser da lei e o objetivo pretendido com a sua criação,
ou seja, ter-se-á em atenção que o legislador vê o artista, intérprete,
executante, como parte mais fraca em todo este processo negocial e procura uma
paridade que impõe que estes não fiquem completamente desprotegidos,
arbitrando-lhes um direito de remuneração irrenunciável que procura
reequilibrar os interesses em confronto).
IX
- No que respeita aos cachets iniciais auferidos pelos AIE’s pela celebração do contrato de prestação, não podem
os mesmos incluir nesses montantes toda e qualquer remuneração derivada da
exploração subsequente da prestação pelos organismos de radiodifusão, pois tal
disposição do direito de remuneração dos artistas é absolutamente inadmissível
por violar o princípio da inalienabilidade e irrenunciabilidade do direito de
remuneração previsto no art. 178.º, n.º 2, do CDADC,
manifestação inequívoca do princípio da paridade jurídica que vigora no direito
português - protegendo-se, assim, a parte tendencialmente mais fraca do
contrato.
X -
A necessidade de ampliação da matéria de facto é de conhecimento oficioso
quando se constata que os factos apurados são insuficientes para a decisão
tomada, face à solução de direito encontrada, conforme textua
o n.º 4 do art. 360.º do CPC “quando a prova
produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida,
incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando,
designadamente, a produção de prova pericial.”, donde, não está, assim, o
tribunal limitado aos meios de prova apresentados pelas partes para fixar a
remuneração equitativa devida, impondo-se ao tribunal completar oficiosamente a
prova produzida, integrando a omissão dessa produção oficiosa de prova uma
nulidade processual nos termos do disposto nos arts.
195.º, n.º 1, 196.º, 2.ª parte, e 199.º, n.º 1, todos do CPC, sendo que, no
limite, não se apurando a factualidade necessária para fixar a quantia devida,
será necessário, como último ratio, o recurso à equidade.
XI
- Voltando o processo ao tribunal recorrido, entendendo o STJ que a decisão de
facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a
decisão de direito, o tribunal de revista pode definir o direito aplicável,
ordenando que se julgue novamente a causa, em harmonia com a decisão de
direito, entretanto expressa e declarada pelo STJ, sendo que esta nova decisão
admite recurso de revista, nos mesmos termos que a primeira.
XII
- A liquidação deve estar em harmonia com o teor do título, daí que a decisão
do incidente de liquidação deve conformar-se com o decidido anteriormente que
baliza o seu âmbito, não podendo, por isso, haver condenação no pagamento de
juros moratórios caso aquela decisão anterior não tenha condenado no seu
pagamento.
XIII
- A Convenção de Roma, o Acordo TRIPS e o Tratado da OMPI sobre Interpretações
ou Execuções e Fonogramas obriga a conceder tratamento nacional aos artistas,
intérpretes e executantes de países estrangeiros, os nacionais dos Estados
signatários dessas Convenções, estendendo as aludidas Convenções Internacionais
a proteção que é conferida pelo direito interno português aos titulares de
direitos conexos referentes a prestações audiovisuais, nomeadamente, para
efeitos da atribuição de remuneração equitativa prevista no art.
178.º, n.º 2, do CDADC.