Processo nº 101/21.1YHLSB.L1.S1
7.ª Secção (Cíven( �o:p>
Recurso de
Revista
Decisão Texto Integral
ACORDAM NO SUPREMO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA e BB, intentaram a
presente acção declarativa de condenação sob a forma
comum contra Advancecare – Gestão de Serviços de
Saúde, S.A. , pedindo que a mesma seja condenada:
1. A indemnizar os Autores no valor de € 300.000,00
pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes, até à presente data,
decorrentes da utilização indevida e abusiva do modelo de utilidade de que são
titulares;
2. A pagar aos Autores as quantias que vierem a ser
liquidadas, em sede de incidente de liquidação ou em execução de sentença, a
título de indemnização pelos ganhos auferidos pela Ré decorrentes da utilização
indevida do modelo de utilidade do qual são titulares os AA., bem como pelos
danos emergentes e pelos lucros cessantes decorrentes da utilização indevida e
abusiva do modelo de utilidade pela R., desde a presente data até à cessação da
referenciada utilização abusiva do modelo de utilidade;
3. A indemnizar os Autores no valor de € 20.000,00,
cada, pelos danos patrimoniais que aqueles sofreram por força da conduta da Ré;
4. A título de sanção acessória, a excluir
definitivamente do seu circuito comercial o serviço ‘MÉDICO ONLINE’ e a
abster-se, sem autorização prévia dos Autores, a disponibilizar,sob qualquer forma, aos seus
clientes/utentes, consultas à distância ou a instalar projectos,
serviços ou produtos que violem o direito de propriedade industrial dos AA.
protegido pelo modelo de utilidade de que são titulares.
2. A Ré Advancecare – Gestão de Serviços de Saúde, S.A, contestou,
defendendo-se por impugnação e por excepção.
3. Suscitou a questão
prévia de pendência de causa prejudicial, alegando encontrar-se pendente acção em que é pedida a declaração de nulidade do modelo de
utilidade nº 11169.
4. Suscitou ainda.
I. — a excepção peremptória de nulidade da revindicação 4 do modelo de
utilidade n.º 11169; E
II. — a excepção peremptória de prescrição dos danos invocados pelos
Autores.
5. O Tribunal de 1.º
instância proferiu:
I. — despacho em que indeferiu o requerimento de
suspensão da instância,
II. — despacho-saneador, com valor da sentença, em que
julgou improcedente a acção.
6. O dispositivo do
despacho saneador-sentença é do seguinte teor:
Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas,
declara-se a presente acção improcedente e não
provada, absolvendo-se a R do pedido.
Custas pelos AA. (artigos 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
7. Inconformados, os
Autores interpuseram recurso de apelação.
8. A Exma. Senhora Juíza
Desembargadora relatora proferiu decisão singular confirmando o despacho
saneador-sentença recorrido.
9. Inconformados, os
Autores reclamaram para a conferência.
10. O Tribunal da Relação
proferiu acórdão, confirmando a decisão singular.
11. O dispositivo do
acórdão recorrido é do seguinte teor:
Pelo exposto, acordam em conferência, em julgar
improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (art.
527.º do CPC).
12. Inconformados, os
Autores interpuseram recurso de revista.
13. Finalizaram a sua
alegação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a apelação deduzida pelos
RECORRENTES, confirmando a decisão recorrida.
2. No caso sub judice, entendem os RECORRENTES que o presente
recurso é admissível, seja porque estamos perante uma questão de particular
relevância social, seja porque a matéria em causa assume uma relevância
jurídica fundamental, sendo claramente necessária a intervenção do Supremo
Tribunal de Justiça para uma melhor aplicação do Direito.
3. Ora, no caso concreto, o que sucede é que existe,
em todas as decisões proferidas ao longo do processo judicial, uma ausência,
insistente e inenarrável, de erro de interpretação da lei e consequente má
aplicação do Direito, o que determinou a existência de decisões superficiais,
baseadas em alegado “senso comum”, fundamentadas genericamente, sem
correspondência nos preceitos legais aplicáveis e sem recuso à exegese jurídica
que o presente caso manifestamente impõe.
4. No âmbito do presente processo, e muito
sumariamente, o que se discute é se a RÉ/RECORRIDA violou, ou não, os direitos
de propriedade intelectual, dos AUTORES e ora RECORRENTES, decorrente do
registo do modelo de utilidade número 11169, do qual aqueles são titulares.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa, sem fundamento em
qualquer disposição legal aplicável, decidiu limitar as reivindicações dos ora
RECORRENTES à 1.ª reivindicação por eles efetuada junto do INPI, considerando
tal reivindicação como única reivindicação independente, desconsiderando todas
as restantes reivindicações que fazem parte do processo de registo do modelo de
utilidade detido pelos ora RECORRENTES, mais uma vez sem qualquer fundamento
legal para tal conclusão/decisão.
6. Nos termos do disposto no artigo 62.º, números 1.,
e 3., do Código da Propriedade Industrial, aprovado pela Lei n.º 36/2003, de 5
de março, na redação que se encontrava em vigor à data do registo do modelo de
utilidade de que os ora RECORRENTES são titulares, ou seja, em 2015,
estipulava-se o seguinte, quanto às reivindicações (a redação do artigo 62.º,
mantém-se na versão atualmente em vigor):
“1. Ao requerimento devem juntar-se, redigidos em
língua portuguesa, os seguintes elementos:
Reivindicações do que é considerado novo e que
caracteriza a invenção;
b) Descrição do objeto da invenção;
c) Desenhos necessários à perfeita compreensão da
descrição;
d) Resumo da invenção.
(…)
3. As reivindicações definem o objeto da
proteção requerida, devendo ser claras, concisas, corretamente
redigidas, baseando-se na descrição e contendo, quando apropriado:
a) Um preâmbulo que mencione o objeto da
invenção e as características técnicas necessárias à definição dos
elementos reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do
estado da técnica;
b) Uma parte caracterizante, precedida da
expressão «caracterizado por» e expondo as características técnicas que, em
ligação com as características indicadas na alínea anterior, definem o âmbito
da proteção solicitada” (negrito e sublinhados nossos)
7. Ou seja, ao contrário do que, inexplicavelmente,
pretende o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Acórdão ora recorrido, a
novidade e as características de um modelo de utilidade ou de uma patente não
se resumem ao conteúdo da 1.ª reivindicação apresentada pelos respetivos
titulares.
8. Sendo que, ao contrário, o modelo de utilidade e o
âmbito da respetiva proteção são definidos pelo conjunto do conteúdo de todas
as reivindicações.
9. Tal como resulta expressamente do disposto no
artigo 140.º, número 1., do Código da Propriedade Industrial, aprovado pela Lei
n.º 36/2003, de 5 de março, na redação que se encontrava em vigor à data do
registo do modelo de utilidade de que os ora RECORRENTES são titulares, ou
seja, em 2015 (a redação do artigo 140.º, mantém-se na versão atualmente em
vigor):
“1. O âmbito da proteção conferida pelo
modelo de utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a
descrição e os desenhos para as interpretar (negrito e sublinhados
nossos)
10. Tendo os RECORRENTES, reitera-se, apresentando 6
(seis) reivindicações que continham diversas inovações, tal como já devidamente
evidenciado, e dado como provado, nos presentes autos.
11. Sendo que todas as reivindicações têm o mesmo
valor em termos de proteção legal, uma vez que a lei não diz que só beneficia
de proteção a 1.ª reivindicação apresentada, bem antes pelo contrário.
12. Aliás, ao contrário da interpretação feita pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, em nenhum momento a lei aplicável (ou seja, o
Código da Propriedade Industrial) refere qualquer distinção ou valoração sobre
reivindicações independentes ou dependentes.
14. Concluindo-se, necessariamente, que as expressões
“reivindicações independentes” e “reivindicações dependentes” não têm, sob o
ponto de vista jurídico e/ou legal, qualquer valor, configurando-se tais
conceitos como juridicamente inexistentes, dos mesmos não se podendo extrair
qualquer conclusão com relevância para os presentes autos.
15. Extravasando do que expressamente dispõe a lei
sobre as reivindicações, o Tribunal da Relação de Lisboa apela, sem qualquer
fundamento legal, ao facto de a 1.ª reivindicação do modelo de utilidade detido
pelos ora RECORRENTES, ser a única reivindicação independente, justificando,
com esse “argumento” que a reivindicação 4.ª (porque “dependente” da 1.ª
reivindicação) não é oponível à RECORRIDA, uma vez que, na interpretação do
Tribunal da Relação de Lisboa, os ora RECORRENTES só detêm um modelo de utilidade
que lhes garante a proteção da telemedicina on demand através da utilização da televisão por
cabo.
16. Ou seja, a interpretação feita pelo Tribunal da
Relação de Lisboa, da legislação aplicável, in casu, traduz uma interpretação do pensamento
legislativo que não tem, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal,
ainda que imperfeitamente expresso, em violação expressa do disposto no artigo
9.º, número 2., do Código Civil.
17. Não existindo, em circunstância alguma, no Código
da Propriedade Industrial, na versão em vigor à data dos factos, nem na versão
atual, qualquer referência, ainda que imperfeitamente expressa, à existência de
reivindicações dependentes ou independentes.
18. Muito menos existindo qualquer referência ao
suposto valor jurídico que tal distinção (inexistente na lei) poderia ter.
19. Antes referindo, expressamente, a lei aplicável
que, e tal como já supra transcrito,
o âmbito da proteção conferida pelo modelo de utilidade é determinado pelo
conteúdo de todas as reivindicações.
20. Não podendo o Tribunal da Relação de Lisboa,
ignorar, como manifestamente faz, a existência, a relevância e o valor da 4.ª
reivindicação, do modelo de utilidade registado pelos ora RECORRENTES que
expressamente refere que a sua invenção poderá ser utilizada, para além da
televisão por cabo, através de outros suportes tecnológicos que não o aparelho
de televisão, mas igualmente já existentes, mantendo-se o padrão inovador de
ser por total decisão do cliente e na plataforma que o cliente escolher.
21. Fazendo o Acórdão ora recorrido uma interpretação
do pensamento legislativo sem qualquer correspondência na lei.
22. Revelando-se absolutamente necessário, para uma
boa e adequada aplicação da lei no futuro, que sobre a fundamentação jurídica
expendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa recaia um Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça.
23. Decidindo, em definitivo, se o julgador pode
recorrer a conceitos não expressos e contrários ao expressamente previsto na
lei.
24. Concretamente:
i) Se podem ser atendidos conceitos legalmente
inexistentes, como “reivindicação independente” ou “autónoma” e “reivindicação
dependente”;
ii) Se se podem valorar reivindicações (efetuadas em processos de registo de
modelos de utilidade e de patentes) em detrimento de outras, contrariando,
assim, os comandos normativos aplicáveis, designadamente, o disposto no atual
artigo 98.º, número 1., e no atual artigo 140.º, número 1., do Código da
Propriedade Industrial;
ii) Se se podem considerar como não tendo qualquer valor reivindicações às
quais o legislador conferiu o mesmo grau hierárquico, quando tais
reivindicações contenham, apenas, distintos modos de concretização prática do
mesmo modelo de utilidade/patente.
25. Sendo de extrema relevância que o Supremo Tribunal
de Justiça de pronuncie sobre tais matérias, para futura aplicação correta do
Direito, permitindo a todos os operadores económicos segurança e certeza
jurídicas no que respeita à interpretação do Direito relativamente aos modelos
de utilidade/patentes que registam.
26. Configurando a utilização diária, por todos os
operadores económicos portugueses e estrangeiros a operar em Portugal, do
mecanismo de registo de modelos de utilidade e de patentes, a relevância social
necessária para admissão da presente revista, evitando-se a incerteza e a
insegurança jurídicas atualmente existentes no que respeita à qualificação
jurídica das reivindicações de tais modelos de utilidade ou patentes.
27. Tal como resulta da decisão do Tribunal de 1.ª
Instância, transcrita no Acórdão de que ora se recorre, é manifesto que,
provados os factos constantes da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª
Instância, o Tribunal da Relação de Lisboa teria, necessariamente, que retirar
conclusão diferente da que retirou no Acórdão de que agora se recorre, ou seja,
com base nos factos que ficaram provados, o Tribunal da Relação de Lisboa
tinha, sem qualquer margem para dúvidas, que proferir decisão no sentido de ser
dado provimento à ação, condenando a RÉ/RECORRIDA.
28. Os RECORRENTES, quando apresentaram as suas
reivindicações, relativas ao modelo de utilidade em discussão no caso sub judice,
cumpriram todos os requisitos legalmente previstos e supra elencados,
apresentando 6 (seis) reivindicações no âmbito da quais explicitam,
detalhadamente, e de acordo com o disposto 62.º, número 1., alínea a), já supra transcrito, o que era considerado novo na
sua invenção e o que caracterizava tal invenção.
29. Ou seja, ao contrário do que, inexplicavelmente,
pretende o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de que ora se recorre, a
novidade e as características de um modelo de utilidade ou de uma patente não
se resumem ao conteúdo da 1.ª reivindicação apresentada pelos respetivos
titulares.
30. Sendo que o modelo de utilidade e o âmbito da
respetiva proteção são definidos pelo conjunto do conteúdo de todas as
reivindicações.
31. Tal como resulta inequivocamente do disposto no
artigo 140.º, número 1., do Código da Propriedade Industrial.
32. Pretendendo o Tribunal da Relação de Lisboa,
limitar, inqualificavelmente, a proteção do modelo de utilidade à 1.ª
reivindicação que ora RECORRENTES fizeram no âmbito de tal modelo de utilidade.
33. No próprio resumo do modelo de utilidade, junto
aos autos, os RECORRENTES afirmaram expressamente:
“Este serviço, fornecido via TV com base numa
assinatura, compreenderá a subscrição do serviço, o controlo de utilização do
mesmo, a utilização de menu específico para seleção de serviços via controlo
remoto da TV, ou através de outros dispositivos, cuja
utilização poderá vir a ser equacionada no âmbito de uma estratégia de (re)direcionamento do serviço com base no perfil do cliente
e/ou do tipo de serviços prestados. O funcionamento deste serviço
requererá internet e subscrição de um serviço de TV instalado na localização do
cliente.” (negrito e sublinhado nossos)
34. Sendo que, inegavelmente, e ao contrário do que
conclui o Tribunal da Relação de Lisboa, a proteção do modelo de utilidade
relativo ao processo inventado pelos ora RECORRENTES é extensível, sem qualquer
dúvida, à implementação de tal processo através de outros meios tecnológicos,
como, inegavelmente, fez a ora RECORRIDA.
35. Ou seja, os ora RECORRENTES quiseram, e fizeram-no
efetivamente, proteger os seus direitos relativamente à invenção de todo um
processo, à data, inovador, de contacto entre profissionais de saúde,
designadamente médicos/as, e pacientes/doentes/utentes.
36. Processo de relacionamento/contacto que, à data do
registo do modelo de utilidade de que são titulares os ora RECORRENTES, ainda
não era utilizado da forma inovadora que os mesmos preconizaram, ou seja, a
pedido direto dos pacientes/doentes/utentes, sem intervenção de qualquer
terceiro, pago pelo paciente/doente/utente, através de meios de comunicação à
distância disponibilizados pelo utilizador e pelo prestador de serviços e com
possibilidade de prescrição de diagnóstico e receituário à distância.
37. Sendo que é justamente através de outros suportes
tecnológicos, via internet, que a RÉ/RECORRIDA disponibiliza o
processo inovador inventado e registado pelos ora RECORRENTES.
38. Pelo que dúvidas não subsistem que a ora
RÉ/RECORRIDA violou, e continua a violar, os direitos dos ora RECORRENTES que
decorrem do registo do modelo de utilidade em causa, tendo estes o direito de
proibir à recorrida a utilização do processo por eles inventado, concebido e
devidamente registado.
39. Face a tudo o que fica supra exposto,
é manifestamente inequívoco que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de
Lisboa incorreu em erro de julgamento, pela contradição entre o elenco dos
factos dados como provados e a decisão proferida, não tendo, ainda, a
fundamentação jurídica utilizada no Acórdão de que ora se recorre a mínima
correspondência com a lei aplicável.
40. Sendo manifestamente inconstitucional a
interpretação, preconizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido de
considerar que a referência e as distinções (no que respeita e reivindicações
independentes e dependentes), ausentes da lei, têm valor legal atendível, por
violação expressa do princípio constitucional da preferência ou preeminência da
lei, ínsito no artigo 112.º, números 5., e 7., da Constituição da República
Portuguesa.
41. Pelo que deve o Acórdão ora recorrido ser revogado
e substituído por outro que determine a violação, pela RÉ/RECORRIDA do modelo
de utilidade n.º 11169, detido pelos ora RECORRENTES.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso e
ser revogada a decisão ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra
que determine a procedência da ação e a condenação da RÉ/RECORRIDA nosexatostermospeticionadospelosora RECORRENTES.
Vossas Excelências farão, porém, JUSTIÇA.
14. A Ré Advancecare – Gestão de Serviços de Saúde, S.A.,
contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela
improcedência do recurso.
15. Finalizou a sua
contra-alegação com as seguintes conclusões.
1. Os Recorrentes recorrem para o Supremo Tribunal de
Justiça quando, no caso em apreço, se verifica uma situação de dupla conforme.
2. É manifesto que não se verifica a situação prevista
na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, na medida em que a questão a
decidir nos autos revela-se de natureza jurídica simples e não foi necessário o
recurso a qualquer Doutrina e/ou Jurisprudência, nem sequer esteve em causa a
aplicação de qualquer disposição legal que suscite divergência na comunidade
jurídica.
3. Na presente ação, está em causa a definição do
âmbito de proteção de um concreto modelo de utilidade (o dos Autores), sendo
que, para o efeito, o Tribunal a quo recorreu aos elementos interpretativos do
próprio modelo, e de acordo com o dispõe o artigo 140.º e 144.º do mesmo
Código.
4 Contrariamente ao que os Recorrentes afirmam, a
conclusão a que o Tribunal recorrido chegou não é suscetível de servir de
exemplo para qualquer outra situação, não tendo qualquer repercussão fora dos
limites da causa.
5. No caso em apreço, inexiste a necessidade de
prevenir decisões futuras contraditórias, já que as normas chamadas à colação,
para além de não consubstanciarem “legislação nova que suscite sérias
divergências”, serviram apenas de enquadramento legal àquela que foi a tarefa
interpretativa do Tribunal recorrido.
6. É falsa a alegação dos Recorrentes no sentido de
que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu limitar as reivindicações à 1.ª,
desconsiderando todas as restantes reivindicações do modelo deutilidade
dos Autores mas, aindaqueassim
não fosse, o quenão seconcede,
tal facto não atribuiria aos Recorrentes o direito de aceder a um terceiro grau
de recurso.
7. Existindo uma situação de dupla conforme, não é a
suposta errada interpretação do âmbito de proteção do modelo de utilidade em
causa nos autos por parte do Tribunal da Relação de Lisboa que, por si só,
confere legitimidade aos Recorrentes para chamar a intervenção do Supremo
Tribunal de Justiça.
8. Depreende-se das alegações apresentadas pelos
Autores que a sua verdadeira pretensão é sindicar uma decisão baseada na sua
discordância com aquela que foi a interpretação do Tribunal a quo, ao arrepio
do que dispõe a lei processual aplicável.
9. Não se verifica, pois, a situação prevista na
alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil que justifique,
no presente caso, a recorribilidade da Decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa.
10. De igual forma, também não está em causa a
aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de
Processo Civil, pois, não se vislumbra em que medida é que o facto de os
Recorrentes serem titulares do modelo de utilidade n.º 11169 significa que
“esteja em causa interesses de particular relevância social”.
11. Aceitar a existência de relevância social para
efeitos de admissão de recurso apenas na utilização diária do registo de
modelos de utilidade e de patentes por parte dos operadores económicos
significaria admitir que estes teriam sempre e em qualquer circunstância,
direta e automaticamente, direito de acesso a três graus de recurso sempre que
fossem parte numa ação cujo objeto fosse relacionado com os seus direitos de
propriedade industrial, o que não se aceita nem tem qualquer respaldo na lei.
12. Não se identificam os motivos que justifiquem que,
no entendimento dos Recorrentes, o Acórdão da Relação de Lisboa, além de
prejudicar os seus próprios interesses, põe em causa interesses mais vastos de
particular relevo social
13. São desprovidas de qualquer sentido todas as
considerações dos Recorrentes sobre a justificação do recurso de revista
excecional, dada a sua manifesta inadmissibilidade.
14. Caso o recurso de revista venha a ser admitido, o
que não se admite, e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, a
verdade é que o Tribunal a quo procedeu a uma aplicação rigorosa e acertada do
Direito quando confirmou a Sentença, inexistindo qualquer fundamento para
revogar a Decisão proferida.
15. A interpretação do Tribunal a quo é a correta em
função do que dispõe o artigo 140.º do Código de Propriedade Industrial, sendo
que o mesmo não se limitou a valorar apenas o conteúdo da 1.ª reivindicação do
modelo de utilidade em causa nos autos.
16. Uma mera leitura do Acórdão posto em crise atesta
que foi a interpretação da globalidade das seis reivindicações do modelo em
causa nos autos e da descrição e dos respetivos desenhos que levou o Tribunal
recorrido a confirmar a decisão de improcedência da ação proferida pela 1.ª
Instância.
17. É a interpretação defendida pelos Recorrentes que
entra em contradição com o disposto no artigo 140.º do Código de Propriedade
Industrial, na medida em que não só ignora o modo e termos em que os
Recorrentes formularam o pedido de registo do modelo de utilidade junto do INPI
e os documentos técnicos que produziram para instruir esse pedido, como também
descontextualiza o teor de uma das reivindicações do modelo, a saber a
reivindicação 4, e lhe atribui um sentido legalmente inadmissível.
18. Na verdade, o conteúdo e o alcance da proteção
conferida pelo modelo de utilidade são mais restritos do que aquele que é
alegado pelos Recorrentes, porque não abrange toda e qualquer consulta à
distância, independentemente do suporte tecnológico utilizado.
19. É o que resulta da análise dos vários elementos e
documentos técnicos que instruíram o pedido de registo do modelo de utilidade
n.º 11169, nomeadamente o nomen iuris
e o resumo do pedido, o caderno da descrição e os respetivos desenhos.
20. A par das reivindicações, tais elementos são
relevantes para atestar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi a
correta.
21. Os Recorrentes só conseguiram obter a concessão do
registo do modelo de utilidade em questão precisamente porque o mesmo
pressupunha a utilização da televisão por cabo, conforme resulta de uma leitura
atenta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.11.2017.
22. No recurso, nessa altura, intentado, os
Recorrentes reclamaram a novidade da sua invenção com fundamento no facto de a
telemedicina nunca ter sido adaptada à televisão por cabo e defenderam que esta
permitia, pela primeira vez, que o cliente subscrevesse um canal de televisão
que lhe permita estar num consultório à distância, tendo aquele Tribunal
concedido o registo do modelo de utilidade atendendo a esse facto.
23. Analisando o modelo de utilidade dos Recorrentes,
conclui-se que o mesmo tem seis reivindicações, tendo aqueles definido a
reivindicação 1 como a reivindicação principal e independente e as
reivindicações 2 a 6 como reivindicações dependentes.
24. A distinção entre reivindicação independente e
reivindicação dependente não só resulta da Lei, como é adotada pela Doutrina e
Jurisprudência nacionais.
25. Não obstante, a existência dessa distinção, no
caso em apreço, resulta da forma como os próprios Recorrentes apresentaram e
registaram o modelo de utilidade em causa nos autos.
26. Ou seja, o facto de todas as reivindicações 2 a 6
do modelo se reportarem à reivindicação 1, através da expressão de vínculo “de
acordo com a reivindicação 1”, deve-se a uma iniciativa dos Autores, ora
Recorrentes e, não, como estes querem fazer crer, a aplicação de qualquer
suposto “conceito juridicamente inexistente”.
27. A reivindicação 1 define, com clareza, o meio
técnico essencial pelo qual o processo de telemedicina é realizado: a televisão
por cabo.
28. Não estabelecendo a reivindicação 1 qualquer outra
possibilidade alternativa de meio ou tecnologia de realização das consultas de
telemedicina, por opção dos Recorrentes, deve concluir-se que é correta a
decisão do Tribunal da Relação de Lisboa no sentido de considerar que estes
limitaram o âmbito de proteção do seu modelo de utilidade à utilização da
televisão por cabo.
29. As reivindicações 2 a 6, na medida em que são
dependentes daquela reivindicação 1, também incorporam, necessariamente, essa
característica técnica.
30. A interpretação levada a cabo pelos Recorrentes no
sentido de que foi por eles contemplada, expressamente, a possibilidade de
utilização de quaisquer outros suportes tecnológicos que não a utilização da
televisão por cabo, nomeadamente na reivindicação 4, não é correta.
31. A reivindicação dependente 4 do modelo de
utilidade n.º 11169 define, claramente, a sua relação de dependência com a
reivindicação independente 1 e, em virtude dessa relação, a reivindicação 4 tem
de ser coerente com as características que são mencionadas na reivindicação da
qual depende, a qual não refere nenhum outro suporte/aparelho tecnológico,
pressupondo, ao invés, o recurso à utilização da televisão por cabo.
32. A fundamentação no caderno da descrição para a
expressão “outros suportes tecnológicos” limita-se a
aspetos não diretamente relacionados com a execução do processo de telemedicina
a pedido (on demand) via
televisão por cabo.
33. É possível encontrar sentidos interpretativos para
a expressão “outros suportes tecnológicos” contida na reivindicação 4,
compatíveis com a sua dependência em relação à reivindicação 1. O que não é
possível é interpretar tal reivindicação em contrariedade com a reivindicação
da qual depende, ignorando todos os elementos que integram e consubstanciam o
modelo de utilidade n.º 11169.
34. Foi correto o entendimento do Tribunal a quo no
sentido de que a expressão “o serviço poderá ser prestado através de outros
suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, mas igualmente já
existentes”, constante na reivindicação 4.ª, em nada amplia o âmbito de
proteção tal como definido na reivindicação 1.ª de que depende, pois também aí
se reivindica um Processo de telemedicina a pedido (on
demand) via televisão por cabo, razão pela qual o
modelo de utilidade n.º 11169 não abrange toda e qualquer consulta médica
independentemente do suporte tecnológico utilizado.
35. Inexiste, pois, fundamento para revogar o Acórdão
recorrido.
36. Sem conceder, a ser acolhida a interpretação
defendida pelos Recorrentes, deve considerar-se que reivindicação 4 viola o n.º
3 e o n.º 4 do artigo 62.º do CPI e, nessa medida, é nula.
37. A violação do n.º 3 do artigo 62.º do CPI
decorreria da falta de clareza da reivindicação 4, pois seria ambígua no
tocante à interpretação do seu âmbito de proteção.
38. Ambiguidade que resultaria, em primeiro lugar, do
facto da reivindicação 4 definir, expressamente, a sua relação de dependência
com reivindicação principal 1, carreando, por isso, as características
essenciais definidas neste última (da qual depende), nomeadamente o facto do
método ser executado via televisão por cabo por meio da utilização da
televisão, e, ao mesmo tempo, a mesma reivindicação 4 definir que a
característica da utilização do aparelho de televisão não é, afinal, essencial,
podendo ser utilizados “outros suportes tecnológicos” – o que consubstancia uma
contradição dos próprios termos da reivindicação 4.
39. Em segundo lugar, a ambiguidade resultaria do
facto da reivindicação 4 conter a expressão “outros suportes tecnológicos”
mas não definir com clareza e precisão esses hipotéticos suportes tecnológicos
que permitem a execução do método de telemedicina em alternativa à televisão
por cabo.
40. Assim, o entendimento pugnado
pelos Recorrentes não cumpre o requisito da suficiência na descrição, violando
o já citado n.º 4 do artigo 62.º do CPI.
41. A ambiguidade e a falta de suficiência descritiva
da reivindicação 4 são fundamento de nulidade da mesma, nos termos do disposto
na alínea d) do n.º 1 do artigo 151.º do CPI, pelo que uma interpretação nesses
termos, além de infundada, é nula e não pode ser reconhecida
42. Em suma, procedendo a tese dos Recorrentes, no
sentido de que a reivindicação 4 prevê outros suportes tecnológicos para o
exercício da telemedicina que não pressupõem a utilização da televisão por
cabo, o que não se aceita, deve a nulidade da reivindicação 4 ser julgada
provada, e, em consequência, deve o Tribunal manter a decisão de absolvição da
ora Recorrida dos pedidos, o que se requer.
43. Os Recorrentes não só pedem a revogação da decisão
proferida, e a sua substituição por outra decisão que julgue a ação totalmente
procedente, como também vêm pedir que o Tribunal ad quem dê como provados os
danos alegadamente sofridos pelos Recorrentes, pretendendo estes que isso
signifique, direta e automaticamente, a condenação da Recorrida no pedido.
44. No entanto, à luz do n.º 2 do artigo 609.º do
Código de Processo Civil, só pode ser relegada para liquidação em execução de
sentença a fixação da indemnização quando na ação declarativa se tenha provado
a existência de danos, ou seja, quando esteja demonstrada a existência da
obrigação, uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação,
não é a existência da obrigação, mas sim, e apenas, o objeto ou a quantidade
dessa obrigação.
45. No caso concreto, o Tribunal a quo não deu como
provada a existência dos danos patrimoniais, nem dos danos não patrimoniais
alegadamente sofridos pelos ora Recorrentes, nem
tão-pouco se pronunciou quanto à imputabilidade dos mesmos à conduta da
Recorrida.
46. Em face do exposto, caso se considere procedente a
interpretação dos Recorrentes, o que não se concede, o Tribunal ad quem teria
sempre que ordenar a produção de novos meios de prova
adicionais, não podendo proferir decisão de condenação, nos termos peticionadas
nas alegações de recurso
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis,
deverá o recurso interposto ser rejeitado, por não ser admissível e, caso assim
não se entenda, julgado totalmente improcedente, e, em consequência, deverá manter-seintegralmente a Decisão recorrida.
16. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o
recurso de revista excepcional.
17. Como o objecto do
recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts.
635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das
questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º,
n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código
de Processo Civil), a questões a decidir, in casu,
é a seguinte: se o acórdão recorrido violou o art.
140.º do Código da Propriedade Industrial, ao determinar o âmbito de protecção do modelo de utilidade n.º 11169 distinguindo
entre reivindicações independentes e reivindicações
dependentes.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
18. As instâncias deram
como provados os factos seguintes:
1) Os AA. são titulares do registo de modelo de
utilidade n° 11169 relativo a ‘PROCESSO DE TELEMEDICINA A PEDIDO (ON DEMAND)
VIA TELEVISÃO POR CABO’, solicitado em 30.04.2015 e concedido por decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa de 30.11.2017 (que revogou a sentença do Tribunal
da Propriedade Intelectual de 15.05.2017 que declarara improcedente o recurso
dos ora AA. contra a decisão de recusa do INPI de 20.10.2016), cuja
reivindicação 1ª e única independente reivindica o seguinte (ênfase aditado),
nos termos constantes dos docs. 1 e 2 da petição inicial e do doc. cuja junção
se ordenou em sede de audiência prévia, constantes dos autos a fls. 19v-20v e
101-317 dos autos, que se dão por reproduzidos:
1ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
caracterizado por utilizar a televisão para– por decisão e iniciativa do
cliente, ou seja, a pedido (on demand)
– ser realizada uma consulta médica face to face, a partir de casa do cliente
ou do local que ele eleger para tal.’.
2) As demais reivindicações 2.ª a 6.ª do referido
modelo de utilidade nº 11169 reivindicam o seguinte, nos termos do doc. 2 junto
a fls. 20-21 dos autos e de fls. 188-189 do doc. ordenado juntar em sede de
audiência prévia e supra dado por reproduzido (ponto 1 do presente enunciado de
factos, ênfase aditado):
‘2.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, se
implementar num suporte tecnológico para a ligação a realizar que conjuga, para
este objectivo inovador e inexistente no mercado, o
aparelho de televisão e de controlo remoto, com aparelhos de captação de som e
imagem, no caso dos aparelhos de televisão que não os incorporem já.
3.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
de acordo com a reivindicação 1., caracterizada por ser uma iniciativa do
cliente, ou seja, a pedido (on demand),
o serviço prestado seguirá o princípio pagamento por uso (pay per use), através
de um serviço subscrito.
4.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, o
serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos que não o
aparelho de televisão, mas igualmente já existentes, mantendo-se o padrão
inovador de ser por total decisão do cliente e na plataforma que o cliente
escolher.
5.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou
complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por permitir, em
ambiente não hospitalar/clínico, não apenas a consulta e respectivo
acompanhamento e/ou diagnóstico à distância, mas também a prescrição de
medicamentação, cujo receituário será enviado ao cliente, de acordo com as
novas normas de emissão de receitas médicas, através de meios digitais (por
exemplo: email).
6.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo
de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou
complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por ser
ecológico, pelas deslocações que evita, e asséptico, pela ausência de quaisquer
infecções hospitalares ou características de unidades
clínicas.’
3) Na secção ‘DESCRIÇÃO’ do referido modelo de
utilidade nº 11169 menciona-se designadamente o seguinte (ênfase aditado), nos
termos constantes a fls. 107-124 e 139-153 do doc. ordenado juntar em sede de
audiência prévia, supra dado por reproduzido (ponto 1 do presente enunciado de
factos):‘’O uso da telemedicina é uma técnica já
conhecida e utilizada […]. Também já é do conhecimento presente da técnica a
existência de plataformas bidireccionais de
comunicação face to face, com base na internet e em softwares que correm nesses
protocolos (v.g.: Skype, MSN Messenger, facebook).
Estas plataformas fazem a ligação através de computadores, tablets ou
smartphones, mas nunca através da televisão. Nenhum dos processos actualmente existentes e concebidos até à data, permite que
um cliente/doente/paciente, contacte, por sua exclusiva iniciativa, e sem
qualquer necessidade de deslocação, um profissional de saúde, através de um
canal de televisão por cabo […].
4) Na mencionada decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa que concedeu o referido modelo de utilidade nº 11169 menciona-se,
designadamente, o seguinte, nos termos do doc. 4 da petição inicial junto a
fls. 25-34 dos autos que se dá por reproduzido e fls. 299-316 do doc. ordenado
juntar em sede de audiência prévia, supra dado como reproduzido (ênfase
aditado):‘[…] E nesta medida, não se nos afigura que o projecto
dos requerentes ultrapasse a mera utilização de técnicas já existentes, às
quais nada acrescentam de novo, concordando-se, neste âmbito com o relatório do
INPI.
Assim, e se nos ativermos ao nº 1 do art. 120º do CPI (‘uma invenção é considerada nova quando
não está compreendida no estado da técnica’) não temos dúvidas de que o projecto dos requerentes não preenche,de modo algum, tal requisito. Quanto ao nº 2
do mesmo art. 120º do CPI, a sua alínea a) dispõe
que: ‘Considera-se que uma invenção implica actividade
inventiva… se, para um perito na especialidade, não resultar de uma maneira
evidente do estado da técnica’. Também aqui, atentas as considerações do perito
que elaborou o relatório do INPI, poucas dúvidas existem de não terem os
requerentes preenchido com a sua invenção tal requisito.[…]
do conceito de televisão irradiam diversos desenvolvimentos, ramificações, um
dos quais é a televisão por cabo. E a partir desta, entre novas vias
diversificadas, encontra-se a dos requerentes, criando um modelo de
telemedicina por televisão por cabo que torna, pelo menos em teoria, o processo
de telemedicina mais eficaz, interactivo e com
consequências práticas que se poderão revelar importantes.’
5) Através do seu site https://www.advancecare.pt/parasi/medico-online, a R.
disponibiliza aos seus clientes serviços de medicina online designados ‘Médico
Online’, sendo que aí se diz que ‘permite o acesso, a qualquer hora e em
qualquer lugar, a uma consulta realizada por uma equipa médica certificada’, cfr. doc. 3 da petição inicial junto a fls. 27v-28 dos
autos que se dá por reproduzido e parcialmente transcrito nas seguintes
capturas de ecrã:
6) No referido site pode ler-se, designadamente, o
seguinte, cfr. doc. 3 e captura de ecrã supra
reproduzidos e seguinte captura de ecrã extraída do mesmo site (ponto 5 do
presente enunciado de factos):‘Proteja-se! Se
precisar, aceda ao médico sem sair de casa.
O serviço de médico online permite o acesso, a
qualquer hora e em qualquer lugar, a uma consulta realizada por uma equipa
médica certificada, que inclui:
- Triagem clínica telefónica
- Video-consulta realizada
por médicos experientes
- Envio da prescrição médica de medicamentos por
e-mail ousms
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e Pediatria.
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de acesso para a realização da sua consulta online e na data e hora agendada
inicie a sua consulta acedendo ao link enviado.
7) Do referido site da R. (ponto 5 do presente
enunciado de factos), constam designadamente os seguintes termose
condições‘MédicoOnline’, sob
a epígrafe Condições de Pagamento dos serviços“Médico
Online”’, cfr.A seguinte captura de ecrã extraída do
mesmo site:‘A confirmação do agendamento está sujeita
ao pagamento prévio do serviço TeleAconselhamento,
caso seja aplicável. Para o efeito, o Utilizador deve optar por um dos meios de
pagamento disponíveis (Mbway, referência multibanco
ou cartão de crédito)’:
O DIREITO
19. Os Autores, agora Recorentes, alegam o art. 140.º
do Código da Propriedade Industrial não admite a distinção entre reivindicações
independentes e reivindicações dependentes.
20. Os arts.
117.º e 140.º do antigo Código da Propriedade Industrial (de 2003),
correspondem aos arts. 119.º e 140.º do novo Código
da Propriedade Industrial (de 2018).
21. O teor dos arts. 117.º e 140.º do antigo Código da Propriedade
Industrial é o seguinte:
Artigo 117.º do Código da Propriedade Industrial de
2003 [correspondente ao artigo 119.º do Código da Propriedade Industrial de
2018] — Objecto
1. — Podem ser protegidas como modelos de utilidade as
invenções novas, implicando actividade inventiva, se
forem susceptíveis de aplicação industrial.
2. — Os modelos de utilidade visam a protecção das invenções por um procedimento administrativo
mais simplificado e acelerado do que o das patentes.
3. — A proteção de uma invenção que respeite as
condições estabelecidas no n.º 1 pode ser feita, por opção do requerente, a
título de modelo de utilidade ou de patente.
4. — A mesma invenção pode ser objeto de um pedido de
patente e de um pedido de modelo de utilidade.
5. — A apresentação dos pedidos mencionados no número
anterior apenas pode ser admitida no período de um ano a contar da data da
apresentação do primeiro pedido.
6. — Nos casos previstos no n.º 4, o modelo de
utilidade caduca após a concessão de uma patente relativa à mesma invenção.
Artigo 140.º do Código da Propriedade Industrial de
2003 [correspondente ao artigo 140.º do Código da Propriedade Industrial de
2018] — Âmbito da protecção
1. — O âmbito da proteção conferida pelo modelo de
utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição
e os desenhos para as interpretar.
2. — Se o objeto do modelo de utilidade disser
respeito a um processo, os direitos conferidos abrangem os produtos obtidos
diretamente pelo processo protegido pelo modelo de utilidade.
22. O sentido do
termo reivindicações do art. 140.º
resulta do art. 62.º, sobre as patentes,
para que remetia o art. 125.º do antigo Código da
Propriedade Industrial (de 2003) e para que remete o art.
127.º do novo Código da Propriedade Industrial (de 2018):
3 — As reivindicações definem o objecto
da protecção requerida, devendo ser claras, concisas,
correctamente redigidas, baseando-se na descrição e
contendo, quando apropriado:¶
a) Um preâmbulo que mencione o objecto
da invenção e as características técnicas necessárias à definição dos elementos
reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do estado da técnica;¶
b) Uma parte caracterizante, precedida da expressão
‘caracterizado por’ e expondo as características técnicas que, em ligação com
as características indicadas na alínea anterior, definem o âmbito da proteção
solicitada.
23. Face ao art. 62.º, em ligação com o art.
125.º do antigo Código da Propriedade Industrial (de 2003) e com o art. 127.º do novo Código da Propriedade Industrial (de
2018), as reivindicações definem o objecto da protecção requerida para um modelo de utilidade,
através da descrição das características técnicas ou da combinação das
características técnicas que se pretende proteger.
24. A classificação das
reivindicações de acordo com o critério da autonomia conduz-nos
a distinguir as reivindicações independentes e as reivindicações
dependentes — as reivindicações independentes apresentam
as características ou elementos essenciais da invenção;
as reivindicações dependentes, essas, apresentam características ou
elementos adicionais, acessórios, e indicam os modos particulares
de realização da invenção[1].
25. Independentemente da
sua relevância teórica, para efeitos de classificação das reinvindicações, a distinção tem relevância prática.
26. O Regulamento de
Execução da Convenção sobre a concessão de patentes europeias de 5 de Outubro de 1973, tal como modificado por decisão do Conselho
de administração da Organização Europeia de Patentes de 13 de Dezembro de 2001,
consagra a distinção entre reivindicações dependentes e reivindicações
independentes na sua Regra 29.
27. Consagra-a, contrapondo
as reivindicações que enunciam as características essenciais
da invenção e as reivindicações relativas a formas
particulares de realização da invenção.
28. Em conformidade com
a Regra 29 do Regulamento de Execução da Convenção sobre a
concessão de patentes europeias de 5 de Outubro de 1973, tal como modificado
por decisão do Conselho de administração da Organização Europeia de Patentes de
13 de Dezembro de 2001, a Presidente do Conselho Directivo
do Instituto Nacional da Propriedade Industrial pronunciou-se, por despacho,
sobre a regulamentação dos requisitos formais dos requerimentos e dos
documentos de instrução dos pedidos de concessão de direitos de propriedade
industrial, incluindo as patentes e os modelos de
utilidade.
29. O Despacho da Presidente do Conselho Directivo do
Instituto Nacional da Propriedade Industrial n.º 3571/2014, de 6 de Março, estava em vigor ao tempo em que foi apresentado o
requerimento de registo de modelo de utilidade n° 1116.
30. Embora tenha sido
revogado e substituído pelo Despacho da Presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial
n.º 6142/2019, de 4 de Julho, o conteúdo dos Despachos
de 2014 e de 2019 é em tudo semelhante.
31. Ora o Despacho n.º
3571/2014, de 6 de Março, e o Despacho n.º 6142/2019,
de 4 de Julho, concretizam o art. 62.º dos dois
Códigos da Propriedade Industrial, de 2003 e de 2018, respectivameente,
e estabelecem as regras relevantes para a enunciação das reinvindicações
independentes e das reivindicações dependentes.
32. Quanto às
reivindicações independentes, permite-se “a existência de duas ou mais
reivindicações independentes na mesma categoria (produto, dispositivo, processo
ou utilização)”.
33. Exige-se em todo o caso “que seja mantida a unidade de invenção e que a
matéria reivindicada “se encontr[e] numa das
seguintes situações:
i) Ser um conjunto de produtos inter-relacionados;
ii) Consistir em usos diferentes do mesmo produto ou dispositivo;
iii) Constituir soluções alternativas para um problema específico, em que não
seja apropriado cobrir as referidas alternativas numa única reivindicação”.
34. Quanto às
reivindicações dependentes, exige-se o preenchimento de dois requisitos: em
primeiro lugar, do requisito de que a reinvindicação
dependente se reporte, a uma reivindicação independente e, em segundo lugar, do
requisito de que a reivindicação dependente seja enunciada utilizando a
seguinte expressão. “de acordo com a reivindicação n.º’” [2].
35. Estabelece-se a regra
de que “[c]ada reivindicação independente e respectivas
[reivindicações] dependentes só poderá conter um objecto
de proteção, não devendo existir mistura de categorias entre o preâmbulo e a
parte caracterizante, ou entre a reivindicação independente e suas dependentes”
[n.º 2.1 — alínea l)].
36. Ora o conceito de reivindicação do
art. 140.º do Código da Propriedade Industrial admite
uma concretização em que se distinga as características ou
elementos essenciais e as características ou elementos adicionais,
acessórios, de uma determinada invenção, para os efeitos do Despacho n.º
3571/2014, de 6 de Março, ou do Despacho n.º
6142/2019, de 4 de Julho.
37. Esclarecido que o art. 140.º do Código da Propriedade Industrial admite a
distinção entre reivindicações independentes e reivindicações dependentes, deve
averiguar-se se o acórdão recorrido incorreu em erro na qualificação da 1.ª
reivindicação como independente e da 2.ª a 6.ª reinvindicações
como dependentes.
38. Entendemos que não — que o teor das reivindicações reproduzidas nos factos dados como
provados sob os n.ºs 1) e 2) exige que a 1.ª reivindicação seja qualificada
como independente e que as reivindicações 2.ª a 6.ª sejam
qualificadas como dependentes.
39. A reivindicação 1.ª
apresenta as características ou elementos essenciais da
invenção:
Processo de telemedicina a pedido (on
demand) via televisão por cabo caracterizado por
utilizar a televisão para — por decisão e iniciativa do cliente, ou seja, a
pedido (on demand)
– ser realizada uma consulta médica face to face, a partir de casa do cliente
ou do local que ele eleger para tal.
40. As reivindicações 2.ª a
6.º apresentam características ou elementos adicionais, acessórios,
e cumprem os requisitos substanciais e formais das reivindicações dependentes:
2.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por
cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta
a pedido (on demand) e face
to face, se implementar num suporte tecnológico para a ligação a realizar que
conjuga, para este objectivo inovador e inexistente
no mercado, o aparelho de televisão e de controlo remoto, com aparelhos de
captação de som e imagem, no caso dos aparelhos de televisão que não os
incorporem já.
3.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por
cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada por ser uma
iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand), o serviço prestado seguirá o princípio pagamento
por uso (pay per use), através de um serviço subscrito.
4.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por
cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta
a pedido (on demand) e face
to face, o serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos
que não o aparelho de televisão, mas igualmente já existentes, mantendo-se o
padrão inovador de ser por total decisão do cliente e na plataforma que o
cliente escolher.
5.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por
cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da
televisão (ou complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e
por permitir, em ambiente não hospitalar/clínico, não apenas a consulta e respectivo acompanhamento e/ou diagnóstico à distância, mas
também a prescrição de medicamentação, cujo receituário será enviado ao
cliente, de acordo com as novas normas de emissão de receitas médicas, através
de meios digitais (por exemplo: email).
6.ª Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por
cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da
televisão (oucomplementarmente pelo uso de outros
suportes tecnológicos),epor
ser ecológico,pelas deslocações que evita, e
asséptico, pela ausência de quaisquer infecções
hospitalares ou características de unidades clínicas.’
41. Em contraste com as
alegações dos Autores, agora Recorrentes, o teor das
reivindicações 2.ª a 6.ª é incompatível com a alegação de que todas têm o
sentido e / ou o valor de “reivindicações independentes na mesma categoria
(produto, dispositivo, processo ou utilização)”.
42. O resultado está de
acordo com a decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29
de Novembro de 2022 — processo n.º 86/21.4YHLSB.L1.S1 —, em que se explica que
“foi a própria AA. que fez reivindicações que denotam a relação de dependência
e independência (de reivindicações) que agora pretende contestar e não está
provado que a Ré utilize na telemedicina um processo igual ou equivalente ao do
modelo de utilidade da A., por nada vir demonstrado quanto ao seu funcionamento
por via televisão por cabo, reivindicação
que delimita o pedido e o âmbito da protecção do
modelo de utilidade em discussão nos autos”.
43. Entre os fundamentos de
facto e de direito e a decisão do acórdão recorrido há uma coerência sem
falhas:
44. O acórdão recorrido
distinguiu a 1.ª reinvidicação — independente — e a
2.ª a 6.ª reivindicações — dependentes — para concluir que todas as
reivindicações do modelo de utilidade n.º 11169 se reportam a um Processo de
telemedicina on demand via
televisão por cabo; que o os processos de telemedicina on
demand da Ré, agora
Recorrida, não utilizam a televisão por cabo; e que a Ré, agora
Recorrida, não violou os direitos exclusivos conferidos pelo modelo de
utilidade n.º 11169.
45. Face à improcedência da
arguição (implicita) de nulidade do acórdão
recorrido, por contradição entre os fundamentos e a decisão, deve averiguar-se
se a distinção entre reinvindicações
independentes e reivindicações dependentes é
inconstitucional.
46. Os Autores, agora
Recorrentes, alegam que é inconstitucional, “manifestamente inconstitucional”,
a interpretação, preconizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, “no sentido de
considerar que a referência e as distinções (no que respeita e reivindicações
independentes e dependentes), ausentes da lei, têm valor legal atendível, por
violação expressa do princípio constitucional da preferência ou preeminência da
lei, ínsito no artigo 112.º, números 5., e 7., da Constituição da República
Portuguesa”.
47. Entendemos que não — que o princípio da preferência ou preeminência da lei deve
interpretar-se distinguindo entre os aspectos ou
elementos essenciais e os aspectos ou elementos
acessórios, complementares, da regulamentação de uma determinada matéria.
48. Entre os elementos
tão-só acessórios, complementares, da regulamentação da matéria dos
direitos de propriedade industrial está a distinção entre reivindicações
independentes e reivindicações dependentes, para efeito da regulamentação dos
requisitos formais dos pedidos de concessão de direitos de propriedade
industrial.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso
e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 15 de Dezembro de
2022
Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)
José Maria Ferreira Lopes
Manuel Pires Capelo
[1] Vide, p. ex., João Paulo Remédio Marques, “O conteúdo dos pedidos de patente — a descrição do invento e a importância das reivindicações”, in. O direito, n.º 4—2007, págs. 769-839.
[2] O Despacho n.º 6142/2019, de 4 de Julho, esclarece que 2[u]ma reivindicação dependente pode também reportar[-se] a uma ou mais reivindicações dependentes nos mesmos termos, mas não a várias independentes”.