As plataformas de streaming de vídeos, como Amazon Prime Video, Claro Vídeo ou Netflix, vêm sentindo cada vez mais a necessidade de disputar novos assinantes. Tal é o caso em grandes mercados como o Brasil, e está associado ao confinamento global, com os consumidores inevitavelmente mais focados em conteúdos de mídia distribuídos digitalmente.
A concorrência entre plataformas online é extremamente acirrada, o que significa que todas procuram diferenciar-se. Uma das principais formas de fazê-lo é oferecendo conteúdos exclusivos, alguns dos quais são até produzidos pelas próprias plataformas.
No entanto, esta estratégia concorrencial das plataformas pode apresentar desvantagens consideráveis tanto para os consumidores quanto para a indústria como um todo.
A nossa pesquisa lança luz sobre os possíveis inconvenientes de uma concorrência de plataformas insuficiente e avalia as políticas de direito autoral e antitruste que podem ajudar a remediá-los.
Estarão os conteúdos exclusivos exercendo um impacto negativo sobre os comportamentos dos consumidores? Será que o atual modelo concorrencial afeta o investimento da indústria em conteúdos de qualidade?
Vamos sentar, empunhar o controle remoto e dar uma olhada.
Para entender os comportamentos dos consumidores, iniciamos nossa pesquisa com a criação de um conjunto de dados de larga escala sobre os filmes disponíveis na maioria das plataformas ativas no Brasil, nos últimos anos.
Partimos do pressuposto de que é provável que a lista de desejos de qualquer consumidor por conteúdo exclusivo se estenda por uma série de plataformas. Ter muitos pontos de acesso é algo que pode logo se tornar extremamente dispendioso, principalmente porque os serviços por assinatura que oferecem um catálogo completo de filmes se concentram mais na distribuição de conteúdo exclusivo.
É possível que à medida que a distribuição de conteúdo se torna mais fragmentada, ocorra mais pirataria online. Os consumidores podem limitar-se à assinatura de um ou dois serviços de streaming e piratear o resto.
Mas quanta pirataria está de fato acontecendo no Brasil? Será que as pessoas deixam de piratear determinado conteúdo quando ele é disponibilizado em várias plataformas?
Alega-se frequentemente que o investimento em conteúdo de primeira qualidade deve crescer e se tornar mais lucrativo quando ele é distribuído numa única plataforma como conteúdo exclusivo, com uma tabela de preços mais elevada para o acesso antecipado.
Como as plataformas procuram diferenciar-se com uma maior oferta de conteúdos exclusivos, uma determinada plataforma pode mostrar-se disposta a pagar quantias mais altas por conteúdo de estúdios que se comprometam ao licenciamento exclusivo.
Outra possibilidade é que plataformas mais poderosas forcem estúdios a acordarem contratos de exclusividade ou a criarem conteúdos próprios, em virtude do acesso direto que terão a um vasto público online.
Seja qual for o cenário que se revele mais válido, a exclusividade está em alta para certos mercados. Algumas plataformas – sobretudo aquelas por assinatura – são suficientemente poderosas para concentrar esforços numa diferenciação com base em conteúdo exclusivo.
No que diz respeito ao financiamento de filmes, é possível que os contratos de distribuição exclusiva e as quantias mais elevadas pagas pelas plataformas aos estúdios compensem parte das perdas decorrentes do licenciamento a um menor número de plataformas. Em certos casos, isto pode até ajudar os estúdios no investimento em filmes.
Contudo, num cenário alternativo, o investimento em conteúdo pode ser menor, já que talvez seja mais vantajoso distribuir em plataformas múltiplas. Por outro lado, no caso de uma plataforma poderosa, os estúdios podem não conseguir negociar este tipo de acordo.
Como a distribuição e a concorrência online influenciam as decisões acerca do investimento em filmes?
Nossos resultados mostram claramente que quando determinado conteúdo é disponibilizado online, observa-se no Brasil uma queda anual de 6% nas respectivas buscas piratas.
Quando os filmes estão disponíveis em plataformas múltiplas, a pirataria cai ainda mais.
As pessoas recorrem à pirataria ou porque não conseguem encontrar um serviço legal que lhes ofereça seu filme favorito ou porque simplesmente não podem pagar por mais uma plataforma de conteúdo.
Até mesmo quando consideramos serviços com diferentes modelos de negócios - tanto serviços por assinatura como compras sob demanda - as constatações são semelhantes. Quanto maior for a disponibilidade do conteúdo em plataformas múltiplas, menor é a probabilidade de as pessoas piratearem tal conteúdo.
Decisões sobre investimento são importantes para estúdios e empresas de mídia no âmbito do ciclo de vida de seus produtos. Seria de se esperar que a proteção por direito autoral e a exclusividade garantissem maiores investimentos, mas as forças do mercado entram em jogo.
Nós observamos dois padrões de investimento. Quando o conteúdo se destina à distribuição exclusiva num serviço por assinatura como a Netflix, a média do orçamento dos filmes é mais alta. Neste caso, a pressão da plataforma por mais exclusividade não parece diminuir os níveis de investimento.
No entanto, quando analisamos serviços de compra sob demanda como a Amazon Prime Video, não é este o caso. A média do orçamento é mais baixa quando o conteúdo passa a ser exclusivo em plataformas sob demanda. Embora isso possa ser explicado pelo reduzido número de oportunidades de financiamento, uma vez que o conteúdo será disponibilizado em menos plataformas, pode haver outros fatores envolvidos.
Se consideramos que a disponibilidade do conteúdo pode reduzir a pirataria, parte dos custos jurídicos de aplicação da lei pode ser redirecionado para aumentar a concessão de direitos, a atividade de licenciamento e a disponibilidade online.
Visto que as regras relativas ao direito autoral são territoriais, também seria necessário investigar com mais profundidade as barreiras institucionais e os fatores de custos em torno dos mercados de propriedade intelectual (PI) e da disponibilidade de conteúdo.
Os atuais quadros relativos ao direito autoral para o mercado audiovisual podem incentivar ou não um aumento do licenciamento de obras para várias plataformas e territórios.
Por exemplo, algumas jurisdições decidiram facilitar a liberação de direitos em torno de obras audiovisuais por meio de regras de direito autoral específicas, uma vez que as obras audiovisuais geralmente envolvem um maior número de cocriadores e, consequentemente, um maior número de titulares em potencial de direitos.
Embora isso possa ajudar a aumentar a segurança jurídica em torno das transações envolvendo direitos autorais e incentivar o licenciamento de conteúdos tanto para os estúdios como para as plataformas, esta não é uma abordagem generalizada.
O direito autoral e os direitos conexos determinam o equilíbrio entre dar acesso a um conteúdo e recuperar o investimento.
O incentivo para se investir em conteúdo novo dependerá não somente da concessão de direitos, como também do nível da concorrência no mercado. No caso do Brasil, parece que os incentivos econômicos correspondentes no mercado audiovisual em franca evolução aumentaram apenas em alguns segmentos, tendo caído em outros.
Num mercado dinâmico, a melhor abordagem para as autoridades antitruste e os órgãos reguladores das plataformas pode depender do desenvolvimento conjunto de objetivos de políticas e da coordenação das intervenções com os elaboradores de políticas encarregados dos quadros e instrumentos relativos ao direito autoral.
Além disso, a regulação dos mercados digitais pode ser melhorada com o desenvolvimento de regras antitruste que deem conta melhor da inovação e das futuras perspectivas do mercado, visto que as plataformas tendem a se focalizarem em estratégias de crescimento a longo prazo, e não no poder de fixação de preços a curto prazo.
As plataformas estão investindo pesado na criação de seus próprios conteúdos exclusivos – principalmente em séries de TV. Parece, portanto, provável que o conteúdo exclusivo venha a dominar as estratégias futuras do mercado.
Esta probabilidade mostra-se ainda maior quando consideramos a chegada de grandes empresas como a Disney e a Apple no mercado do streaming.
Se algumas plataformas começarem a dominar o mercado, isto pode levar a negociações desequilibradas e os produtores de filme a acordarem condições de exclusividade indesejadas e investimento inicial reduzido.
E à medida que novas plataformas forem lançadas por grandes estúdios bem como por outros, o mercado se tornará ainda mais fragmentado, com conteúdo que não poderá ser licenciado por plataformas concorrentes a taxas razoáveis.
Estas ofertas de conteúdo novo podem conquistar novos assinantes, mas sua disponibilidade reduzida também deixará este conteúdo mais sujeito à pirataria.
Foto de Glenn Carstens-Peters em Unsplash